Saturday, December 19, 2020

Caricaturas Crónicas: «Emmérico Nunes – um «simplicissimus» português» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 14/9/1986

Emmérico Nunes é um caso curioso das nossas artes: partindo do naturalismo vigente em Portugal, assumiria uma certa vanguarda a partir do momento em que sai das nossas fronteiras.

 

«Se você pode – aconselha o pintor José Malhos - acho que faz bem em tirar o pequeno da escola e mandá-lo estudar para Paris. Aqui em Lisboa está 8 anos a marcar passo. Mas, em paris, o ambiente e os métodos de ensino, se ele souber aproveitar, farão dele um artista em metade desse tempo».

Um conselho do mestre Malhoa a um jovem que no princípio do século vinte demonstrava já algumas aptidões para o desenho e pintura. Esse jovem era Emmérico Hartwich Nunes.

Emmérico, natural de Lisboa, onde nasceu em 1888, era neto de um pintor, filho de um pai com estudos de arquitectura e de uma mãe (alemã, natural da Baviera) pintora, poetisa e pianista amadora. Com estas raízes familiares, as artes viveram naturalmente com ele, e consequentemente demonstrou cedo um interesse pelas artes plásticas, expresso num traço original. A esse traço, aliava-se um espírito satírico, e ainda com dez anos cria um jornal familiar - «A Risota» - onde, como diz o próprio título, o humor era o ingrediente principal.

Em 1904, ingressa na Escola de Belas- Artes, e seria por essa altura que o mestre Malhoa, perante os seus trabalhos estudantis, proferia o conselho de fugir deste país em letargia. Enquanto as artes ruminavam em Portugal, em Paris, ou noutras cidades da Europa, a arte devorava o pensamento inventivo, a estética do novo mundo industrial.

Foi um conselho aceite, e em 1907, parte para Paris, como pensionista oficial, ou seja, com uma bolsa do Estado. Permaneceu em Paris até 1911, estudando as técnicas possíveis, mas onde o humor nunca deixou de estar presente. Em 1911 estará presente na «Exposição dos Livres» em Lisboa, com desenhos humorísticos, um humor cáustico, mas gracioso.

Nesse mesmo ano, faria uma «tournée» por Inglaterra, Holanda, Bélgica e Alemanha, estabelecendo-se no final em Munique. Como a sua mãe era alemã, essa cultura e língua não lhe eram estranhas, e se as experiências estilísticas francesas lhe interessaram, o seu traço humorístico estava em maior consonância com o que se publicava no jornal alemão «Simplicissimus», ou seja, com o humorismo expressionista, com o traço agreste como síntese do mundo e da mensagem satírica.

Em Munique frequenta as lições de Heimann e tenta entrar como colaborador para o «Meggendorfer Blatter» (o segundo periódico mais importante desta nova corrente humorística de raiz alemã). Conseguiu, e durante vinte e um anos trabalharia como ilustrador humorístico, publicando nesse jornal cerca de 2.000 desenhos.

Em 1914, com a crise bélica (Primeira Guerra Mundial), ele tem de abandonar Munique, e em vez de regressar ao país, como o fizeram a maioria dos artistas emigrados, refugiou-se em Zurique, na Suiça neutral.

Entretanto, apesar da sua ausência física de Portugal, não estava totalmente afastado deste país em ebulição modernista. Tinha participado na Exposição dos Livres em 1911,a primeira tentativa (a nível de exposições) do modernismo; tinha participado no I Salão dos Humoristas em 1912, a via modernista impulsionadora desta primeira fase do vanguardismo português. Com o seu traço de linha sintética, de linha expressionista, ele aliava-se a Christiano Cruz na introdução da escola alemã como vanguarda das nossas artes. O seu desenho simples é portador de uma sátira profunda, tão profunda como o expressionismo alemão era cáustico. O seu traço era a expressão alemã num «simplicissumus» português.

Em 1919 regressa a Portugal, após 12 anos de imigração, sem contudo deixar de colaborar no jornal alemão. Na viagem de regresso contacta Espanha, colaborando em jornais locais e organizando uma exposição. Em Portugal, apresenta os seus trabalhos em periódicos como «ABC», «ABC a Rir», «O Espectro», «Magazine Bertrand», etc…

Tinha voltado, só que o ambiente artístico aqui, apesar dos ensaios e irreverências vanguardistas, permanecia na mesma letargia, o que, desiludido, o levou a regressara Alemanha de 1928 a 1928. Entre 1932 e 37 conseguiria que o seu trabalho também interessasse jornais suiços e holandeses, mantendo-se assim um artista internacional. Nunca um artista humorístico português conseguiu impor tanta obra no mercado internacional, e em tão diversos países.

Regressaria definitivamente a Portugal em 1928, incluindo-se na frota dos artistas que por cá tentavam sobreviver, trabalhando tanto como decorador de pavilhões nas feiras internacionais (integrado na «Política de espírito» de António Ferro), como ilustrador de livros escolares e infantis, cartazista e ilustrador de propaganda. A pintura também fez parte destas artes de sobrevivência, concentrando-se na paisagem. Uma pintura diferente do seu traço humorístico, já que através dela regressava em parte às suas origens, regressava a uma visão pouco significativa do modernismo implantado com a sua ajuda em Portugal.

Emmérico Nunes é um caso curioso das nossas artes: partindo do naturalismo vigente, assumiria uma certa vanguarda a partir do momento em saia das nossas fronteiras. Nesses países da Europa evoluiria no expressionismo germânico. Para cá transportou a sua visão de arte, como obra e influencia. A partir do momento em que regressa definitivamente, faz como que um retorno à letargia (do gosto nacional), caindo por vezes numa visão conservadora das artes.

Morre em 1968, distante do modernismo e do expressionismo, de que ele foi um mestre internacional.


«Evolução do teatro lírico e as salas para o seu culto» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 14/9/1986

O espectáculo musicado não é estranho em Portugal, pois desde sempre o povo acompanhou as suas manifestações, tanto religiosas como profanas, com música. No princípio do século XVI, Gil Vicente utiliza música nas suas peças teatrais, mas não se trata de «óperas» ou «melodramas», pois são representações «com música» e não «por música»

O povo tinha como entretenimento as feiras a, as procissões e as paixões onde havia danças e cantares. Nas igrejas, as paixões e outras representações sacras eram acompanhadas «com música», o que cativava o povo, ao ponto deste as transformar, por vezes, em autos pouco religiosos, brejeiros até. Com o domínio castelhano, e consequente colonização cultural, desenvolvem-se os «vilancicos» levados à cena.

Quanto à «ópera à italiana», só surge em Portugal, e sem afirmação categórica, em 1682, espectáculo proporcionado pela embaixada do Duque de Saboia, em negociações matrimoniais.

A «ópera» ressurge em 1720, com a vinda regular de músicos e cantores italianos, realizando pequenos espectaculos em teatros improvisados nas salas dos palácios reais. Como fruto deste incremento musical, em 1737 inaugura-se um «teatrinho» desmontável no Palácio da Ajuda.

Entretanto, o público não cortesão assistia aos seus espectáculos «com música» nos teatros da cidade. Estes, chamados «Pátios das Comédias», eram um misto de teatro greco-romano e teatro espanhol – ao ar livre, sem separação específica entre o palco e plateia, onde apenas se davam espectáculos à luz do dia. Os lugares do público eram diferenciados, conforme a condição social: para o povo, havia a «popularia» (ou plateia), para a aristocracia, os «palanques», para os nobres «dândis», cadeiras no «palco» e para os membros da corte, a «tribuna».

A «ópera à italiana» só seria estreada perante o público lisboeta em 1735, num espectáculo produzido pelo italiano Alessandro Paghetti, o qual organiza a primeira companhia residente, que se instala junto ao Convento da Trindade, com o nome de Academia de Música da Trindade.

Se até 1735 a ópera se confinou à corte, a partir dessa data os teatros públicos, como o do Bairro Alto, o da Rua dos Condes, e, por vezes, outros, dominaram o movimento operático da época.

Na Europa, os teatros d’ópera tornavam-se o símbolo do desenvolvimento da burguesia da cidade, da civilização, e qualquer uma, por mais pequena que fosse, desejava ter a sua Casa da Ópera. Contudo, em Portugal, nem a capital era possuidora de um. É verdade que se realizavam espectáculos de ópera nos palácios ou teatros públicos, só que o teatro d’Ópera à italiana não é aquele que apresenta espectáculos desse género, mas aquele que complementa o espectáculo com um arquétipo arquitectónico italiano.

Nesse arquétipo, além da sala coberta, de ambiente reservado, existe a separação entre o espectador e o palco cénico. Deixou de haver a participação directa do espectador, mas criou-se em contrapartidas o espectáculo social. Existem assim três espaços: o de convívio-clube social  (átrio, salão e vestíbulo), o do espectador (sala de espectáculos) e o do artista (palco e bastidores).

D. José I seria o primeiro rei português a preocupar-se com a imagem cultural de exportação, ou seja, ostentar o progresso da nação, pelo símbolo da Casa da Ópera. Para esse efeito foi contratado o arquitecto Giovanni Carlo Bibiena (1713 – 1760), que, apesar de parente menor, não deixava de pertencer à família Bibiena, a família dos arquitectos e cenógrafos mais importantes do Teatro Moderno.

Acabado de chegar, em 1752, constrói um teatro provisório na Casa da India (Oalácio da Ribeira), conhecido por Theatro do Forte.

Em 1753, iniciam-se as obras para a primeira Casa de Ópera em Portugal, também conhecida por Ópera do Tejo, ou Theatro Régio do Paço da Ribeira. Diz-se que era um dos mais luxuosos da Europa de então. Não se conhece nenhuma reprodução do interior deste flamejante teatro, mas passou à história como um esbanjamento seriamente criticado.

Ao rei apenas interessava a fama de um teatro de ópera recheado de talha, mármores e riquezas incomparáveis, como símbolo do «progresso» do país.

Este, foi o o grande teatro construído pelo rei, para usufruto da corte, e onde só a nobreza tinha acesso. Mas, infelizmente, o «teatro dourado» apresentou apenas dois espectáculos, já que, passados sete meses da sua inauguração, o terramoto de 1 de Novembro de 1755, o transformou num monte de escombros.

No Palácio de Inverno de Salvaterra de Magos, Bibiena construiu também outro pequeno teatro de ópera, que teve o mesmo destino da Ópera do Tejo.

Na reconstrução da cidade, os teatros, como elementos sem prioridade, foram dos últimos edifícios a serem reformados. Porém, com a política do Marquês de Pombal, e o real crescimento da burguesia, esta resolve chamar a si a responsabilidade de construir uma Casa d’Ópera, libertando os outros teatros para as obras declamadas, ou «com música».

Assim, um grupo de capitalistas formou uma sociedade construtora, escolhendo como arquitecto José da Costa e Silva (1747 / 1819), um português de formação italiana. O tipo de arquitectura escolhido corresponde ao usado em Itália, nomeadamente no Teatro San Carlos de Nápoles, e no Scala de Milão (tipo Sghizzi-Bibiena). O teatro é de estilo neoclássico, sendo o primeiro no género em Portugal. Os decoradores foram Cirilo Volkmar Machado (1748-1823), Manuel da Costa (1755-181?), Gaspar José Raposo (1762 - ???) e Giovanni M. Appiani (???).

As obras iniciaram-se a 8 de Dezembro de 1792, e demoraram apenas seis meses, graças às facilidades e auxílio concedidos pelo Intendente-geral da Polícia, Inácio de Pina-Manique. O Intendente, apesar de ideologicamente ser um feroz inimigo do teatro – meio de libertinagem, liberdades e amoralidades -, demonstrou grande interesse nesta obra, já que o teatro ficaria sob a sua tutela e da Casa Pia, da qual também era gestor.

Por ideia do Intendente Pina Manique, o teatro foi baptizado com o noma de São Carlos, em honra da princesa D. Carlota Joaquina de Bourbon, mulher do príncipe herdeiro D. João. Denominado pelos italianos Régio Theatro de S. Carlos detto della Principessa, foi vulgarmente chamado Ópera do Theatro Moderno ou Nova Ópera. O livro das décimas de 1794 chamava-lhe Caza da Ópera de S. Carlos e o de 1802 Ópera Italiana. Em 1883, Fonseca Benevides, no seu livro sobre a história desta casa, chama-lhe Real Theatro de São Carlos e, com a revolução do 5 de Outubro, passou a chamar-se Teatro Nacional de São Carlos.

A partir de 1873, este teatro dominou o mundo operático em Portugal, não impedindo que se realizassem espectáculos de ópera noutros teatros e noutras cidades do país. Nomeadamente, a sociedade portuense inaugurou um teatro lírico (da burguesia para a burguesia) antes de Lisboa. Em 1762, João d’Almeida e Melo inaugura a Sala do Corpo da Guarda, assim chamado por se situar no lardo do mesmo nome. A sala não é do tipo italiano mas, de qualquer modo, tem condições especiais para ali se fazer ópera. Ai cantaram grandes artistas, nomeadamente Luísa Toddi.

Passados cerca de 36 anos, o filho do referido empresário, Francisco d’Almada e Mendonça – corregedor e provedor da Comarca do Porto – abriu uma nova sala. O teatro, que seria baptizado  de São João, retratava a burguesia nortenha e, como tal, foi concebido à italiana.

Não se formou uma sociedade capitalista, como no caso do São Carlos, para financiar o teatro, mas Almada e Mendonça à frente de uma comissão, fizeram subscrições, venderam acções, arranjando assim o dinheiro. Sem perda de tempo, chamaram o arquitecto Vicenzo Manzonescgi, também cenógrafo do Teatro de São Carlos, e construíram um belo edifício de estilo neoclássico, com influências do barroquismo nortenho.

O teatro de São João, que nunca foi subsidiado pelo Estado, nem a ele pertenceu, apesar das diligências feitas nesse sentido, conseguiu manter-se durante todo o século XIX com uma certa regularidade de espectáculos. As disputas diletantistas, os grandes cantores e seus êxitos, estreiam que por vezes anteciparam as do próprio São Carlos, fizeram também parte da história do São João.

Esta actividade seria, porém, interrompida por um incendio, o qual, em 1908, destruiu totalmente o teatro. Mais tarde, viria a ser reconstruido, com a traça primitiva, mas passou a dedicar-se ao teatro declamado e, depois, ao cinema.

Em Lisboa, há a referir, também, a actividade de um teatro exclusivo da nova aristocracia (a burguesia endinheirada e nobilitada), o Teatro das Laranjeiras, também conhecido pelo Teatro do Conde de Farrobo.

A família Quintela, descendente do capitalista Joaquim Pedro Quintela, um dos membros da Sociedade Construtora do Teatro de S. Carlos, veria os seus serviços compensados, primeiro, com o título de Barão de Quintela, e depois, com o de Conde de Farrobo. Seria o primeiro Conde de Farrobo quem viria a ter uma influência mais directa no Teatro de São Carlos, ao tornar-se seu empresário. Insatisfeito com esta Casa de Ópera, resolve construir um pequeno teatro à italiana junto ao seu palácio das Laranjeiras (Sete Rios onde constrói também o seu jardim ZOOLÓGICO). Em 1820 nasce então um pequeno Teatro neoclássico de colunatas e frontão triangular, que é por dentro, uma réplica miniaturizada do São Carlos (capacidade de 560 pessoas). Aqui se realizam grandes espectáculos, explorando a vinda dos grandes cantores ao nosso país. Em fins do século, a sua actividade foi decrescendo até cair no esquecimento e na ruina.

Estes foram os teatros construídos especificamente para o género operático, e hoje o Teatro das Laranjeiras está em ruinas. Este era o espaço ideal para uma Companhia dse Ópera Estúdio; o Teatro de São João é um cinema, estando a cidade do Porto sem uma Casa de Ópera; o Teatro de São Carlos é o único que se mantem em função.

Outros teatros têm recebido dentro das suas portas espectáculos líricos (Coliseu do Porto e de Lisboa, Teatro São Luis…) como aproveitamento das suas estruturas arquitectónicas, mas nenhum foi construído para, e funcionam sem continuidade neste género. Existe, contudo, a excepção – O Teatro da Trindade de Lisboa, que albergou durante mais de uma década (1963/1975) a Companhia Portuguesa de Ópera.


Friday, December 18, 2020

Caricaturas Crónicas: «Nogueira da Silva: o realismo caricatural» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3/8/1986)

Francisco Augusto Nogueira da Silva viveu entre 1830 e 1868 e foi um autodidacta que, passando meteoricamente pela Academia das Belas Artes, procurou a arte como expressão de uma consciência social, quer seja pela escrita, quer pelo desenho ou a gravura.

 

«Sou eu um indivíduo pouco apto para a escrita, assim como para tudo. A comadre que me recebeu em seus braços quando nasci devia por força ser a preguiça, ou, pelo menos, chamar-se Preguiça, porque os nomes também influem na índole das pessoas. Depois falta-me a circunstância mais essencial para os artigos próprios destas estampas, ou destes assuntos, e mui principalmente do género de tais jornais.

Antes de tudo é necessário ser erudito, mui erudito, o que equivale a dizer que é preciso ser o mais massador possível. Em seguida ter de usar de um estilo simples, quer dizer pouco salgado: estilo de dieta, que é para não fatigar esse admirável e misterioso estômago da cabeça, chamado cérebro, do leitor, que tem de digerir uma descrição, que poderia ser quatro vezes menos minuciosa, menos austera e menos grave.

Ora, eu nunca tive peito bastante amplo para acomodar o espesso manto de pó em que as bibliotecas jazem envoltas. Quanto ao sal, é matéria que em mim abunda; não daquele que faz rir, nem do que faz chorar, como o da maior parte dos que temperam essa caldivana de artigos e folhetins que todos os dias nos dão a tragar; mas do sal que provoca caretas mais ou menos amenas: nem sal francês, nem sal português que azeda um pouco a língua dos que precisavam ter sempre a boca cheia de pimenta» (in Panorama, Lisboa 1868).

Francisco Augusto Nogueira da Silva (1830 - 1868) foi um autodidacta que procurou a arte como expressão de uma consciência social, seja pela escrita, pelo desenho, gravura, humorismo…

Antes de se lançar na sua campanha directiva, passou por vários trabalhos estranhos à arte, como a luta sindical. As suas ideias político-sociais levaram-no para o Centro de Melhoramentos das Classes Laboriosas, onde conheceu Fradesso da Silveira que fez dele ilustrador de periódicos. A arte da gravura tinha-a aprendido primeiro no Arsenal do Exército, onde trabalhou na adolescência, depois na Escola da Academia, para se desenvolver finalmente no trabalho do dia-a-dia.

Trabalhando com a técnica de madeira-a-topo, na qual considerava Manuel Maria Bordallo Pinheiro como mestre e pioneiro, procurou uma expressão estética diversa ao movimento de importação caricatural que tinha dominado até então, ou seja, abandonar a escola inglesa, para descobrir a escola francesa com maior cunho realista.

«Quereis ser historiador fiel – interroga-se Nogueira da Silva – moralista sagaz, filosofo profundo? Nada mais fácil. Apresentai a verdade em expressão tão singela, ou em traço tão franco, como ela o é em si. Não a procureis, porque está por toda a parte, constantemente ao pé de vós, e em vós. É a planta, e a ave, e o homem, e todos esses infinitos milhões de seres que povoam e constituem o universo./…/ É o que tem feito Gavarni, é o que fez Beranger, os poetas mais queridos do povo francês» (in «Arte e Vida» 1903).

O realismo aparece em Nogueira da Silva como luta social, como crítica social, como costumbrismo satírico, como caricatura. Mestre na arte de gravar, ao nível de um Manuel Maria, demonstrou-o com as suas obras publicadas na «Revista Popular», «Archivo Pitoresco», «Occidente»… nos folhetos de «Celebridades Contemporâneas», ou os múltiplos livros que ilustrou; mestre na arte humorística, demonstrou-o em obras esplêndidas, publicadas nos periódicos já referidos, e com maior expressão satírica no «Jornal para Rir», hebdomadário editado por ele, porque «entre tantos jornais sisudos, bom era que aparecesse um para rir» (editorial nº1 1/1856); foi um dinamizador da arte gráfica pela criação de periódicos, pelos seus escritos vários como a história da gravura em madeira, pela sua actividade social.

Em 1862, dentro da sua luta laboral, fundou uma escola de gravura em madeira e litografia, no Centro de Melhoramentos das Classes Laboriosas, donde saíram excelentes gravadores, nomeadamente Caetano Alberto, um dos colaboradores mais directos do mestre Raphael Bordallo Pinheiro.

Entretanto, a par da gravura em madeira, foi trabalhando a litografia, processo muito mais rentável na impressão, e que em breve triunfaria nesta indústria.

Nogueira da Silva, pela sua obra, e pela sua actividade professoral, foi mestre do realismo levado ao limite do caricatural. Antecedendo Raphael Bordallo Pinheiro, foi um artista da transição, pós panfletarismo – pré naturalismo.


«BD ontem e Hoje – As origens da Banda desenhada» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/9/1986)

Narrar é uma das mais velhas artes do Homem, nascida na sua necessidade de aprender, conhecer e controlar a natureza e o mundo que o envolve. Como meio tradutor, utilizou primeiro o mundo dos sons ou dos gestos, fixando depois a comunicação a «longo prazo» na representação gráfica por símbolos naturalistas ou abstractos.

O que hoje designamos por «banda desenhada», consiste numa sequência de imagens-desenho que articulam uma narrativa, uma história. Nessa perspectiva de conceito, numa interpretação simplista, podemos descobrir como antepassados remotos dessa «nona arte», os registos das grutas de Descaux (entre muitas outras), as representações nas catedrais góticas (falando apenas do mundo ocidental), nas «bíblias dos pobres» da Idade Média… em todo o manancial de comunicação gráfica, acessível a letrados e iletrados.

Apesar deste paralelismo técnico e expressivo, a banda desenhada, considerada como uma arte de estrutura e regras próprias, nasceu no século em duas datas específicas, afastadas no tempo, na geografia e na concepção criativa.

Na europa, durante o séc. XIX, a par da sátira política, os humoristas gráficos cultivam cenas de género, ou simples piadas anedócticas. Estas, feitas numa prancha só, foram crescendo pela necessidade visual de dar movimento, acção, ampliando-se a sua execução por dois, três, quatro…. «quadradinhos», tanto em historias mudas, como com pequenas legendas narrativas.

Foram vários os artistas que evoluíram por esta fórmula, utilizando-a de vez em quando. Por essa razão, será difícil a datação exacta do seu surgimento como «género» independente, mas por questões históricas costumam-se considerar três nomes como seus fomentadores: Töppfer (1799-1846), um cultor e teorizador desta arte; Wilhelm Busch (1832-1908), na exploração narrativa do texto literário, com a ilustração paralela ao primeiro, desenvolvendo um tipo que dominará a banda desenhada na Europa por largo tempo; Caran d’Ache (1858-1909) na concentração narrativa do traço e grafia, sem necessidade de suporte literário (há outros nomes importantes na Holanda, Inglaterra… mas que acabaram por não serem influenciadores para outros países).

Emigrando para a América, o europeu levou consigo a sua cultura, gosto, forma de viver, Levou o humor e a nova fórmula narrativa, aqui substituída a banda por tira, a «tira cómica» (comics strip). Na nova terra, ganhou características próprias e, em Fevereiro de 1896, com o aparecimento da personagem Yellow Kid (que reúne em si toda uma série de elementos já existentes, mas dispersos em outras personagens e autores europeus), os americanos gostam de impor como o nascimento oficial dos Comics, ou seja da banda desenhada contemporânea. O que se poderá dizer é que é o seu nascimento como uma indústria de massas.

Estas sequencias de imagens apareceram essencialmente como entretenimento destinado ás crianças. Nascida numa sociedade burguesa, onde reina o espirito comercial, vão ser presenteadas com uma indústria própria de diversão, educação… que fomente simultaneamente o espírito de consumismo. Na América, o analfabetismo foi o pólo catalisador, já que a comunicação visual é propícia ao entendimento entre pessoas de línguas diferentes, entre iletrados, que facilita o diálogo, a propagação de normas e regras, que mantém o controlo do conhecimento, como forma de manter o Poder afastado das massas. Como dizia Töppfer «grosseiro mas apropriado maravilhosamente à natureza e ao repouso de espíritos brutos e sem cultura».

Por detrás do desenvolvimento do «comic» está a guerra entre as potências jornalísticas, a necessidade de artifícios na captação de públicos. Para isso, procuram-se os melhores desenhadores e guionistas, compram-se os direitos sobre dos «heróis» mais populares. A um maior investimento, correspondeu um desenvolvimento artístico, um amadurecimento desta nova arte.

A narrativa desenvolveu-se do simples «gag», à história de sequência curta, como testemunho da vida dos mais pobres a quem era dirigida, da vida das crianças travessas que fazem as historias inocentes e cheias de fantasia. O «herói», como personagem que surge com a periodicidade diária ou dominical, conquistou o seu canto próprio em histórias conclusivas, mas de continuidade. Em 1903, Opper introduz o suspense, como prolongamento das aventuras, como captação do interesse na continuidade e consequente compra do número seguinte do jornal.

A fantasia dos criadores não ficou apenas pelo suspense diário (ou semanal), mas também na elaboração de grafias maravilhosas, temáticas surpreendentes como ficção científica, novelística policial, surrealismos… e toda uma forma de sonorização (onomatopeias), como o «balão» que induz os diálogos na vivificação das personagens. Se a Banda Desenhada europeia pertencia amais a um universo literário, o «comic» americano pertence mais ao universo visual, gráfico: no primeiro a narrativa está no texto, enquanto no segundo está no desenho; num não há diálogo ditrecto entre o texto e o desenho, o outro uma total integração. Dois mundos diferentes de evolução de um género gráfico-literário, que tiveram que lutar pela sobrevivência de opções, até ao triunfo de uma delas.

Na Europa manteve-se essencialmente a estrutura literária por várias décadas, dedicando-se a um público infantil e juvenil, por simples recusa dos editores, apostando numa visão mais pedagógica que de divertimento. No entanto, estes nem sempre conseguem controlar o gosto do público, e a crescente importação de comics americanos, provocou o inevitável.

Os EUA, após um período de extrema fantasia, de surrealismo ou de simples testemunho de histórias familiares, vão conhecer, nos anos 30, a exploração da acção e realismo (acompanhando o gosto cinematográfico). Testemunhando as atitudes e preocupações, os temores e aspirações do momento, realizam, a «catarse» com os «super-polícias», os «super-homens» opu «super-heróis» que, facilmente vencem a vida em que o pobre leitor se afunda.

Em Portugal, as «historias aos quadradinhos» surgiram nos anos 60 de oitocentos com Nogueira da Silva, mas fundamentalmente através do humor político dos anos 70/80, como desenvolvimento das sátiras de Raphael Bordallo Pinheiro. Artista informado e viajado, ele não só desenvolveu esta fórmula, como importou, para os seus jornais, trabalhos de Caran d’Ache, e incentivou o seu filho Manuel Gustavo a criar histórias gráficas, EM QUIE OS «Typos e Costumes» foi a primeira série em presença regular.

Vários foram os caricaturistas que, como Celso Hermínio, Leal da Câmara, Alonso, Jorge Colaço, Valença… exploraram as narrativas ilustradas, mas sempre com preferência pelo cunho político. No desenvolvimento das historietas, depois de Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro com suas «diversões» de crítica social, surgiu Stuart Carvalhais com os seus heróis «Quim e Manecas», em que a fórmula do comic foi explorado, e por vezes antecipada.

Os anos vinte, foram a descoberta do mundanismo, a proliferação de revistas, onde as «historias aos quadradinhos» conquistavam o seu espaço sob o traço de Stuart, Cottinelli Telmo, Carlos Ribeiro, Tom, Cardoso Lopes, Fernando Bento… num paralelismo estético e temático com a banda desenhada europeia.

Após o final da Segunda Guerra Mundial, o estilo americano impôs-se, uniformizando esta arte, ao mesmo tempo que ela se abria para uma maior exploração e liberdade gráfica, no triunfo dos traços vanguardistas, nas técnicas mais ousadas e díspares. Nascida como entretenimento infantil, ou aculturação das massas, hoje a banda desenhada é uma das artes dominantes das novas narrativas.


Thursday, December 17, 2020

Beste wensen - best wishes 2020 by Willem Rasing.

 Beste vrienden en bekenden,

we kruipen langzaam weer naar het eind van het jaar. Een krankzinnig
jaar dit keer met veel natuurrampen, een idioot van een Amerikaanse
president die zijn verlies niet kan accepteren en natuurlijk de corona
pandemie die wereldwijd dood en verderf zaait. In menig opzicht.
Niettemin moeten we proberen de moed erin te houden en vol hoop naar
de toekomst te kijken. Daarom iedereen goede kerstdagen en een gezond
komend jaar gewenst.

Groet,
Willem Rasing.
wrasing1.wix.com/willemrasingartoons

Dear friends and relatives,

slowly we are crawling again to the end of the year. A crazy one this
year with a lot of climate disasters, an idiot of an American
president who can't accept his loss and of course the corona pandemic
which causes worldwide death and disasters in many ways. Nevertheless
we have to try to keep faith and to look hopefully forward to the
future. That's wty I wish you all a Merry Christmas and a healthy New
Year.

Greetings,
Willem Rasing.
wrasing1.wix.com/willemrasingartoons








Caricaturas Crónicas: «Abel Salazar: um sentir caricatural» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3178/1986)

Natural de Guimarães, ele é, sem dúvida, mais um exemplo do médico-artista, do homem dividido entre a Ciência e as coisas do espírito.

 

«A realidade, em arte, não é uma finalidade mas um elemento e um meio de expressão: a arte procura realizar o seu conceito preenchendo a forma pela realidade, mas dispensa-a imediatamente sempre que pode. /…/ As criações da arte, no que diz respeito à figura como à paisagem, contêm sempre, sem o que não podiam ser criações, um caracter próprio, independente da Natureza, dependente do artista. /…/ esse caracter resume-se, com efeito, numa simples e ligeira modificação das relações existentes entre os elementos da Natureza» (Abel Salazar). Neste jogo de relações entre a realidade e a «charge»-modificação, entre o naturalismo lírico e o expressionismo dramático, Abel Salazar criou a sua obra em espírito estético.

Natural de Guimarães (onde nasceu a 19 de Julho de 1889), licenciar-se-á na Faculdade de medicina do Porto e doutorou-se na mesma Faculdade, em 1915, com a tese «Ensaio da Psicologia Filosófica», encarregando-se posteriormente da cadeira de Histologia e Embriologia, e da direcção do Instituto das ditas ciências. Nestes campos desenvolverá profunda investigação, iniciando novos métodos de técnicas cientificas, adoptadas depois universalmente. Publicou vasta bibliografia sobre estes assuntos. Como prosador, não lhe foi indiferente a filosofia das ciências, assim como a filosofia de arte.

Em 1935, teria problemas com o regime, e o ditador António Salazar ordena a sua expulsão da Universidade. Depois, seguiu-se uma longa luta, e o triunfo do seu prestígio e qualidades cientificas e intelectuais, sendo-lhe confiada, em 1941, a direcção do Centro de estudos Microscópicos,  na Faculdade de Farmácia do Porto, colaborando também, a partir de 1942, com o Instituto Português de Oncologia, até à sua morte a 29 de Dezembro de 1946.

Este foi o seu percurso cientifico, a sua vida como fadiga, e se a arte surge como expressão no seu lazer, como «criação de férias», o ser cientista e artista é uno, na visão do mundo. O materialismo, como anseio do real, enlaça-se com o sonho, e a arte para Abel Salazar ultrapassa as visões científicas geometrizantes, por que ela «não consiste em fazer novas combinações com as matemáticas já conhecidas. Isso, qualquer pessoa poderia fazê-lo, mas as combinações que se poderiam obter assim seriam em número infinito e o maior número seria em absoluto destituído de interesse», Por outras palavras, seria uma arte de amador, o que não acontece com a obra deste amador, por pouca disposição de tempo.

Na sua obra, o esquema é dinâmico, com um ritmo de composição rigoroso, onde a figura, como linha e volume, traduzem a ansiedade dramática do seu espírito de homem, que vive os sentimentos da humanidade, como médico-artista.

A cor perde muitas das vezes a prioridade, para provocar apenas as atmosferas, dissecando os corpos como contornos, para exprimir o quotidiano obreiro, as emoções da figura na rua, onde a mulher e sua sensualidade têm um lugar marcante. Autodidacta, soube dominar as técnicas do óleo, carvão e lápis, para traduzir a visão, que no desenho transformou-se num verdadeiro diário de imagens. O neopositivismo da sua arte e filosofia, antecipam o neo-realismo na nossa arte.

Após este longo discurso, sem falar em humor ou caricatura, perguntar-se-ão porque é que trato, neste espaço, do artista Abel Salazar. Existem, no entanto, duas razões: entre a  sua obra encontra-se uma série de caricaturas(do período dos Salões dos Humoristas, em que participou); o seu realismo, como conceito de modificação nas relações entre o artista e a Natureza, raia o caricatural, como caligrafia do realismo social, muita das vezes panfletário, como o é a sátira.

O ser satírico ou caricatural nem sempre é uma técnica, é fundamentalmente uma expressão, um espirito, um sentir.


Caricaturas Crónicas: «O FUNCIONÁRIO» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/9/1986)

Anúncio: «Nas repartições mais bem pagas do Estado precisa-se de empregados que queiram passar algumas horas d'aborrecimento em serviço da Nação. Fornece-se-lhes papel e tinta: contínuo às ordens; lume para aquecer os pés no Inverno e relógio adiantado. Férias para todo o mês de Setembro de cada ano, nos dias de gala e santificados. Entrada das 10 às 3 da tarde (podendo fechar a gaveta às duas). Os pretendentes apresentarão até uma arroba de cartas de empenho, e não precisa saber escrever. Pede-se que haja a maior concorrência a estes lugares, para bem da Nação» (Sebastião Sanhudo, in O Sorvete, 25/9/1881).

O funcionário, nomeadamente o público, porque o privado tem a sua privacidade mais em guarda, nunca foi bem encarado por aqueles que têm que suportar as bichas, que são cada vez mais; que têm que sofrer o reumatismo burocrático, sem remédio. O funcionário, por essas mesmas razões, não é apenas um trabalhador, mas um remédio, um supositório (de informações), um bode (sem sentido pejorativo) expiatório da raiva ao poder burocrático, seja do simpatizante ou opositor governamental.

O funcionário foi, ou é, uma criação laboral para diminuir os desafortunados, desprovidos de herança, de costas ao alto, o símbolo de um trabalho invejado por aqueles que o relógio de ponto é o nascer e pôr do Sol, daqueles que nasceram poetas das visões tangentes, solares.

Em Portugal, como na Europa, as profissões eram normalmente hereditárias, ou congénitas como doenças, e só com a dita revolução tecnológica/científica do século passado se conseguiu alterar essa sequência natural do saber, para se perder na vacina escolar.

Nesses tempos «nascia-se amanuense, governador civil, par do reino, deputado, ou director-geral, como se do ventre materno se trouxesse já, por uma fatalidade orgânica, o estigma desse destino funcional, semelhantemente ao que acontece com tantos e variados tipos anómalos que surgem à luz da existência na deformada série que vai do lábio leporino ao pé boto. Ser empregado público, não ir à repartição era o ideal de todo o portuguesinho valente, que sabia, pela influência dos seus progenitores cadastrados na regulamentada rotação da política dinástica, ter direito ao usufruto». (Cristiano de Carvalho, in Revelações, Lisboa, 1932.)

Hoje, a hereditariedade dinástica foi abolida, como se uma revolução pudesse alterar as conquistas, em sorna, de vários séculos, em portuguesismo. Entretanto, as profissões perderam grandemente a tradição familiar, conservando-se, contudo, a tradição dos melhores postos laborais para os familiares, ou amigos mais próximos.

A competência, num país de lebres e furões, não é relevante, porque, como garante o Respeitável Conselheiro (bem sentado sem fazer nada; enquanto os decretos, portarias, ofícios, reformas… esperam amontoados): «- Isto de heróis: só por antiguidade» (Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, in António Maria, 16/12/1897.)

Antiga é a passividade portuguesa, que em linguística se diz burocracia, como se burros fôssemos todos nós, e os crácios fossem imperadores, como o funcionário Pancrácio.

Fazer funcionar, em competência e rapidez, seria o trabalho missionário do funcionário, quando ele está vocacionado, em alturas que as vocações faltam, a não funcionar, na medida em que o não funcionário também não funciona, mas reclama. O funcionário é a burrocracia na luta heróica contra a estatística do desemprego, é o Estado «d’aborrecimento em serviço da Nação».


Wednesday, December 16, 2020

Caricaturas Crónicas: «Um Pargana desportivo» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 6/7/1986)

 Foi pela mão de Stuart Carvalhais que surgiu o grande mestre do humor desportivo, o «Pragana» (como aquele lhe chamava), um humorista dotado de um sentido do pitoresco e do ridículo que incomodou, ao tempo, muita gente. Como caricaturaria, hoje, Pargana, a saga dos “Infantes”?

 

Hoje, após o «INFANTícídio» marroquino, afirmam os pessimistas que somos s caricatura (da Federação) do Futebol, mas a verdade é que se o futebol sempre teve caricatura em Portugal, os nossos caricaturistas não são “infantes”, mas reis do humor desportivo, no desporto censural.

Mas quem dizPorto, também diz Madeira, que as tonturas inebriantes da bola, é de todos os quadrantes: «Estes rapazes de hoje têm um tal entusiasmo pela bola, que chega a ser uma doença.

- É isso… padecem da bola…» (Stuart Carvalhais in Sempre Fixe de 14/7/1932).

Foi nessa mesma «Bola», e pela mão do Stuart que surgiu o grande mestre do humor desportivo, o «Pragana», como lhe chamava o Stuart, a tal espiga de trigo que quando se introduz na nossa roupa, nos incomoda. Na verdade todo o caricaturista é uma pragana, porque Pargana só existe um.

José João Carvalho Pargana, conhecido apenas por Pargana, é um algarvio de Lagoa, onde nasceu a 31/3/1917, manifestando cedo o «vício» da exageração caricatural. Com 11 anos (em 1928) radica-se em Lisboa e estuda na Escola de Artes Decorativas «António Arroio». Vive em Campolide, no Bairro da Liberdade, quando esta já não existe, e no andar de baixo vive um tal Stuart. Conhecem-se, apreciam os trabalhos respectivos, um como discípulo, o outro como mestre protector. Um dia Stuart apresenta-o ao Reinaldo Ferreira no «Reporter X», e assim se iniciou uma carreira de 52 anos de actividade, que ainda se mantém. A primeira caricatura publicada foi a do compositor Ruy  Coelho.

Uma vida presa a cabeçalhos como o «Repórter X», «Sempre Fixe», «Ridículos», «Sports», «Diário de Notícias», Diário de Lisboa», «A Bola»… Deste último, foi jornalista fundador (Stuart seria também dos primeiros desenhadores deste periódico).

A caricatura era o seu forte, a «expressão humorística do retrato, a deformação pelo humor», onde a rapidez de execução e a memória na retenção dos traços fundamentais são as suas características. Um dos seus jogos preferidos é, de três traços desenhados ao acaso, fazer uma caricatura. «Hoje, - segundo o Pargana – faz-se mais entre o retrato e a caricatura, enquanto que antes a caricatura era mais a espontaneidade». Jogando entre o rafaelismo de Valença, e o modernismo de síntese, Pargana criou o seu traço.

O desporto surgiu-lhe na caricatura, quando trabalhava para o «Sempre Fixe», não só  pela necessidade do próprio jornal, como pelo especial interesse do artista pelo desporto, o qual o levou a guarda-redes de uma equipa amadora.

Várias foram as suas rúbricas nos jornais, como «O Lápis de Pargana comenta», «Bonecrónica», «O Traço de Pargana»… onde desenvolvia os seus «relatos ilustrados». Foi mesmo o primeiro humorista a desenvolver o relato desportivo pelo humor, qual comentarista, de todas as actividades desportivas de relevo do momento.

Se, a caricatura, é por vezes o gesto mágico do poder de «transformar em feias, certas pessoas que se julgam bonitas», é também o domínio da vida. O humor, para Pargana é o relato de «um cronista da vida citadina, como crítico. O caricaturista é essencialmente um cronista». É uma visão que, por ser humorística, nem sempre é alegre, porque espelha uma realidade mais crua.

Mo seu lápis ficou registada a história quotidiana, e toda a história desportiva de várias décadas, uma actualidade escalpelizada com um sentido de humor simples, como ironia do domínio da realidade-verdade. Essa verdade, sem sempre agradou aos caricaturados, mas de todos, o que mais teria razão de queixa, pela quantidade de vezes «deformado» e comentado, seria Peyroteu, esse mestre do futebol.

Hoje, com 69 anos, esse grande senhor do humor desportivo, já não comenta com as suas «crónicas», já não humoriza este pobre mundo, apenas continua a desfear certas faces «bonitas», continua a caricaturar para o «Diário de Lisboa», como expressão ainda viva do seu traço inconfundível.

 

 

(1) 1986 – Mundial de Futebol / Caso Saltillo / Perdemos 3ª 1 com Marrocos…

Mais novo dois anos quw Raul, o filho de Stuart, foram amigos e se Pargana triunfou nas artes gráficas. O mesmo não aconteceu com Raul porque apesar de excelente desenhador, e de ter algum humor, os seus trabalhos eram tão parecidos com osa do pai, que ninguém queria publicar um Stuart Júnior.

As citações aqui registadas provêm de conversas minhas com o artista em sua casa.


«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1934» Por Osvaldo Macedo de Sousa

1934

Vivendo-se um período áureo do modernismo, com algum apoio estatal, o humor gráfico aproveita essa movimentação geral plástica e prossegue uma boa campanha de exposições individuais, como por exemplo de Teixeira Cabral, Tom, Amarelhe… Sobre este último, o "Notícias Ilustrado" (1/4/1934) tece as seguintes considerações sobre uma exposição que se realizou no Porto e em Coimbra: A arte da caricatura pessoal é rara e difícil. Há muita gente que faz caricaturas e «portraits-charges» - mas há muito poucos que as façam parecidas, flagrantes, evocadoras sem reticências das pessoas, das atitudes e das expressões. Amarelhe é mestre. De longa data o seu nome tem firmado uma obra ininterrupta de interesse, que ainda ninguém desbancou e que não cristaliza, antes se renova e infiltra nas correntes mais modernas.

Se vivesse em Madrid ou em Paris estaria milionário e os seus croquis conheceriam a fama mundial, porque, nos grandes meios, a selecção é muito mais brutal e se um mau artista morre de fome - um artista dotado desse génio de achar em quatro traços a flagrante sugestão da máscara humana, paga-se a peso de oiro. Por isso, este jornal que regista sempre, em todas as esferas de acção, os valores nacionais, põe em foco a personalidade de Amarelhe, como a de um grande e inimitável artista da caricatura pessoal.

Para além das exposições temporárias, prosseguem as exposições ainda mais efémeras, mas permanentes, que se realizam na imprensa. Este ano surge um novo jornal humorístico, "A Farsa Humana", com uma excelente apresentação gráfica, dirigida por Pinto Magalhães, mas que não sobreviverá muito tempo. As suas intenções resumem-se neste editorial o nº1 de 22/9/1934: A farsa humana é uma crónica semanal de costumes, casos, política, artes e letras que se publica aos sábados em Lisboa.

/…/ Os jornais diários dão, cada um sob o seu aspecto, a razão de ser objectiva ao homem social. /…/ Mas o comentário oportuno que os factos sugerem à opinião crítica, a crónica volante do acontecimento na crítica caricatural, a pançadinha irreverente dada no ventre aos césares, a demolição pelo sarcasmo das hipocrisias rendosas, o epigrama das vaidades em acção na moral e na vida, é função essencial desta folha de crítica satírica, indispensável em todas as sociedades que reagem.

Nunca haveria maneira de fixar numa síntese crítica o desenho exacto das proporções que um acontecimento assume perante a opinião pública sem o recurso admirável da Caricatura. Isto basta para compreender a sua função social, o seu elevado valor filosófico e a necessidade da sua existência objectiva para satisfação das responsabilidades que todos contraímos com a Posteridade.

/…/ O facto fora fixado. A caricatura desempenhara a sua função social e dera o quadro proporcionado das realidades vivas, podendo depois dizer à folha da rua dos Calafates que tivesse pudor e à «Voz» que se não amofinasse. Porque nem o sórdido e inconfessável interesse do jornalismo industrial, nem a paixão exaltada da Imprensa de opinião, encara o Facto social sob o único aspecto que o encara a filosofia da caricatura - como produto da farsa humana. É, por efeito desse senso crítico que esta folha poderia, em tal hipótese, indicar à opinião pública do seu País, que esse governo não era constituído nem de salvadores, nem de miseráveis, mas simplesmente de farsantes.

Sim, meus amigos, porque dentro desta sociedade burguesa liberalista, qualquer movimento político é sempre de superfície, resolvendo apenas numa farsa de homens.

Quando amanhã a investigação histórica indagar do sentido exacto que os factos de hoje teem, há-de recorrer, por isso à Caricatura e com a Caricatura reconstruir a fisionomia desaparecida dos nossos sentimentos.

Aí está a responsabilidade que temos para com o futuro. Porque não basta ao historiador seriar os factos, sacudi-los do pó dos arquivos, penteá-los em prosa corredia, para os apresentar ordenados em capítulos, com a mesma sistematização com que uma vendedeira de fruta aparta os peros camoêses na sua giga.

Os factos teem a sua filosofia, tal como a tinha o uranista Rouseau quando alimentava a mediocridade do seu tempo com as larachas do Contrato social. E essa filosofia, encontra-se na Crítica caricatural, sempre expressiva e clara, que o tempo vai lançando à sua margem.

/…/ Há muito tempo já que a Caricatura andava em Portugal desalojada. Uma ou outra publicação inseria caricaturas, mas episódicas, sem sequência, sem coordenação, nem espírito de análise. A obra caricatural não tinha o seu órgão próprio.

Uma folha humorística - dístico que tantas vezes pretende abonar uma publicação caricatural - não é uma folha de caricaturas, porque a Caricatura é estruturalmente e apenas uma forma de crítica e não um processo de gargalhada. Pode fazer rir incidentalmente, como consequência da expressão crítica, nunca porém com fim da própria expressão. A Caricatura eleva-se assim da chalaça gráfica, como apenas a compreende a mentalidade inferior, para uma concepção estética que só os espíritos cultos atingem e realizam…

Este jornal será dominado graficamente pelo director, que como se pode ver pelo texto não era nada narcísico. Em pelo domínio do "Sempre Fixe", coadjuvado pelo "Os Ridículos" e outros jornais, Pinto Magalhães tem o descaramento de afirmar que há muito tempo a Caricatura andava em Portugal desalojada. Este é um sindroma que dá com alguma frequência nos artistas que se consideram únicos, acima de tudo o resto que se faz, quando na maior parte das vezes não passam da mediania, ou mesmo navegam na mediocridade.

Na política, a oposição tenta queimar os últimos cartuchos revolucionários, verificando-se a 18 de Janeiro a última tentativa revolucionária de derrube do Estado Novo, pela sociedade civil. Os operários da Marinha Grande, Barreiro, Seixal, e Silves tentam utopicamente fazer aquilo que os militares democráticos, não conseguiram até ao momento.

Por seu lado o Estado Novo solidifica o seu regime, criando a 28 de Janeiro a Acção Escolar de Vanguarda, onde a juventude fascista é arregimentada, e a 16 de Dezembro verificam-se as primeiras eleições legislativas fantoches, já que só é permitido ao partido único, União Nacional, concorrer. Durante a 'campanha' Salazar utiliza pela primeira vez a Rádio como meio de comunicação com o povo.

Em Junho, realiza-se no Porto a I Exposição Colonial Portuguesa, uma operação de marketing sobre o império Luso. Se sobre os outros factos, os humoristas pouco puderam dizer, sobre este evento existem comentários diversos.


Tuesday, December 15, 2020

Caricaturas Crónicas: «Manuel de Macedo, o realismo pitoresco» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 27/7/1986)

Pintor da comédia dos costumes, Macedo entendeu o realismo como visão satírica, como realismo da actualidade, visão popular mas erudita, visão paralela à de Nogueira da Silva, só que numa outra evolução estética mais conseguida.

 

«Espirito eminentemente moderno - definiu-o Ramalho Ortigão – todo penetrado dos processos críticos das novas escolas literárias e artísticas, amante fiel da realidade, estudando incessantemente o modelo e a vida, possuindo a consciência plena do fim social da arte». (in «Farpas» vol. XII). Falava de Manuel Maria de Macedo Pereira Coutinho Vasques da Cunha Portugal e Menezes, um nobre na arte realista do costumbrismo, um cronista em humor pitoresco conhecido nas artes por Manuel de Macedo (1846-1915).

Oriundo de uma família nobre, filho de um Par do Reino, teve oportunidade de conviver durante a infância com estrangeiros, de cultura superior, de receber lições de artistas em passagem pelo nosso país, ou seja, um ambiente raro de cultura e arte. Trabalharia também com o Mestre Annunciação, durante ano e meio.

Entretanto, por morte do pai, e como filho segundo, viu-se na necessidade de trabalhar para sobreviver, apesar do apoio de seu irmão mais velho, também ele futuro Par do Reino.

Em 1858 está no Porto, e aí permanece dois anos em total integração com a colónia inglesa. Conhece e estuda com o escocês Alfredo Guilherme Howel, desenhador e aguarelista que o orienta desde logo, para o estudo dos costumes, para a visão do povo na sua realidade vivencial. Um gosto fomentado por essa colónia, que foi o seu primeiro público admirador.

Após estes primeiros trabalhos, passará magistralmente pela cenografia, em trabalhos realizados em Coimbra e Lisboa. Nesta última cidade, onde se fixou definitivamente, o seu campo de actividades artísticas abriu-se com a gravura, a ilustração, a caricatura e a crítica.

«Em 1872 houve uma tentativa em favor da publicação ilustrada e, a convite do gravador Pedroso, fez Manuel de Macedo alguns ensaios d’ilustração; popularizando-se a gravura, o nosso artista lançou-se abertamente n’este género de trabalho. /…/ Typos populares d’uma rigorosa naturalidade, animados d’intensa vida e d’uma scintillante veia humorística, que os torna congéneres dos typos do imortal Gavarni» (Artur Ribeiro, in «Artistas Contemporâneos»).

Tendo-se iniciado pela realismo  costumbrista de influência inglesa, entrava na gravura pelo realismo pitoresco-humorístico de influencia francesa. Seria também, esta cultura que o inspiraria na fundação de revistas de crítica literária e artística como «Artes e Letras» (1872), «Occidente» (1878).

Manuel de Macedo acabaria por ser também professor de desenho no Instituto Industral de Lisboa, publicando como complemento alguns livros de vulgarização artística e técnica, das artes do desenho.

Para além da crítica de arte, ou crónicas, como ele chamou (assinadas, por vezes, com pseudónimos de «Spectador» ou «Pin-sel», seria o primeiro conservador do Museu Nacional de Belas-Artes, fundado em 1884.

Pinto da comédia dos costumes, Macedo entendeu o realismo como visão satírica, como realismo da actualidade, visão popular mas erudita, visão paralela à de Nogueira da Silva, só que numa outra evolução estética mais conseguida.

«O sr. Macedo é talvez – escreveu Andrade Ferreira em 1872 – o nosso artista que possui mais conhecimentos teóricos. Poucos como ele, falam tão bem a linguagem de atelier e entram mais facilmente na parte técnica da arte.

/…/ Abraçou com encarecimento os princípios da proclamada escola realista» (in «Artes e Letras».

Erudito eminente, seria companheiro de tertúlia de Manuel Maria Bordallo Pinheiro, apoiando-o na sua tentativa de realismo, na sua campanha de crítica às artes portuguesas e sua dinamização, trabalhando com ele a gravura, e orientando ambos o gosto de um jovem, que também ele começaria por ser costumbrista, realista, antes de ser o fundador do período de ouro da caricatura oitocentista portuguesa, falo claro de Raphael Bordallo Pinheiro.


Caricaturas Crónicas. «BANHADAS» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 24/8/1986)

Narra a lenda que quando o rei fazia anos, o reino metia água, ou seja, era a altura do banho anual do súbdito. Hoje, com a implantação republicana, as lendas e narrativas são outras, assim como as banhadas.

Já não há reis, mas presidentes, só que estes proliferam nos clubes, administrações, mesas, assembleias, freguesias... o que provocou um natural aumento, inflacionário, de dias de banho.

Tomava-se banho como penalização real, toma-se banho por satisfação termal, já que, entretanto, após as glaciações invernais, foi aquecendo o tempo, político-climatológico, provocando os «verões quentes», e quentes verões. Se, nos primeiros, as banhadas são impostas, nos segundos, surgiu o banho como descoberta da nobreza ociosa, da gente de sociedade, que das redes de peixe fizeram rendas de bilros. Foi a descoberta da areia; do sol, da água como recreio, a moda do despir, das temporadas de praia.

As temporadas são períodos de tempo, o qual é soalheiro ou invernoso, como se os extremos fossem unos em lazer. As temporadas da neve, e as do mar polarizam assim os gostos, que as meias-tintas são a monotonia do burguês em pantufas.

Num país de praias e descobridores, a capital descobriu a moda das estâncias balneares em Pedrouços, depois AIgés... Caxias... Carcavelos... Parede... Estoril... o «Tejo de Christal», um prazer que se foi afastando, até o cristal passar a garrafão, e finalmente em plásticos e esgotos.

Se foi difícil a implantação do gosto pelo banho, hoje os preparativos para o banho em certas zonas coincidem ainda com os trâmites de outros tempos: «Tendo esperado confiadamente que passem os caniculares e que o tempo assente, resolve-se tomar uma deliberação. - Não se me irá transtornar a natureza?.. - Em todo o caso sempre me purgo... - Venha lá uma gotinha d'água pela cabeça... (de regador)» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «Antonio Maria», de 16/9/1880).

Instituindo-se algumas dessas praias, como medicinais, mantêm hoje os mesmos trâmites, só que inversos. Antes ia-se primeiro ao médico, agora vai-se depois.

Os banhos de água doce toleravam-se por imposição, enquanto que os de mar eram reservados como terapia contra as mordeduras de cães raivosos, por exemplo. E se ontem se curava a raiva, hoje ficamos raivosos com as longas bichas, com as multidões, com os garrafões e rádios aos gritos, com os preços balneários. Expandiu-se o hábito de tomar banho provocando graves problemas à vida social, já que proliferou como virose de férias, e como emigração populacional para a grande banheira, que é o mar. Um problema social, por ter sido o desgaste de regalias da sociedade ociosa, e uma alteração civilizacional, por vir a ser a transformação das zonas ribeirinhas, em antros comerciais.

Para a beira-mar se deslocam, em excursões, na procura do sol, que quando nasce é para todos, e das banhadas, como se as que os políticos proporcionam, constantemente, não fossem suficientes. Chamem-lhes «pacotes», ou «ondas», e a nossa vida anda como as marés, com a Lua; e aos altos e baixos.

Mas quais as razoes porque tomamos banho nas praias? «Por ordem do médico (contra a dita raiva, que hoje chamam de «stress») / Por limpeza e ingenuidade (pois crêem ficar mais limpos, depois da imersão em tais águas) / Por namoro (que aí não se podem esconder as misérias, sobressaem as virtudes)/ Por modo de vida (de Tarzans e afins) / Porque ele é belo e quer mostrar o busto - Mas a verdade é porque andam muitos pés sujos por aí.» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «António Maria», 16/9/1880.)


Monday, December 14, 2020

12th International Tourism Cartoon Competition (2020)

THEME:

The theme of the competition in 2020 is:
1) Tourism in Coronavirus days,
2) Tourism after the Coronavirus,
3) Social distance in tourism.

Cartoons about these three themes can be sent to the competition.

CATEGORIES:
Cartoons will be accepted in two sections:

Adult Category:  This category is open for the all of cartoonists who are 17 and older. Category should be noted when cartoons are submitting. Grand award, second award, third award, Professor Atila Özer recognition award and three mansions will be given in this section. Finalist cartoons in this section will be published in the album.

Young Category: This category is open for the cartoonists who are 16 and younger. Category should be noted when cartoons are submitting. Grand award and two achievement awards will be given in this section. Finalist cartoons in this section will be published in the album.

IMPORTANT DATES: Deadline for Submission: 31 December 2020
Meeting of the pre-Selection Committee: 23 January 2021
Announcement of finalist cartoons (for possible objections): February 1 – 9, 2021
Notification of Winners: April 2021

AWARDS
Category of Adult Cartoonists

The Grand Award: $1000
The Second Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons, Full pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)
The Third Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons, Full pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)
Professor Atila Özer Recognition Award: $750

Category of Young Cartoonists
Awards Prizes

The Grand Award: $750
The Second Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons, Full pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)
The Third Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons, Full pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)

CONTACT
For further information and cartoon mailings:

Prof. Dr. Nazmi KOZAK
Anadolu Üniversitesi
Turizm Fakültesi
Yunus Emre Kampüsü
26470 Eskişehir/TURKEY
E-mail: 
tourismcartoon@gmail.com
http://www.tourismcartoon.org/en/simdiki-yarisma/karikatur-gonderme/

Nazmi KOZAK<nkozak@anadolu.edu.tr>

For further information:
http://www.tourismcartoon.org


Caricaturas Crónicas: «Almada Negreiros – o caricaturista» por Osvaldo Macedo de sousa (in Diário de Notícias de 13/7/1986)

 Nasceu como caricaturista numa opção de «esquecer Raphael Bordallo Pinheiro em favor de Celso Hermínio». Nesta opção está já patente a filosofia que orientaria a sua obra, ou seja, a linha como liberdade e contorno.

 

Portugal sempre procurou ser um jardim plantado à beira-mar, mas raramente se preocupou em mudar as flores velhas, ou eliminar as ervas daninhas. Se alguém deseja ver  as flores mudadas, ou ver novas culturas, tem  de as procurar para além da nossa fronteira, ou criar um mundo á parte, um mundo de «Humoristas», «Modernistas», «Orphistas», «Futuristas»… e foi isso o que tantos artistas procuraram fazer nos anos dez do século XX, quando a seiva de Barbizon já tinha os seus frutos envelhecidos.

Utilizando a síntese do mundo, utilizando o símbolo como abstracção, a linha como liberdade, procuraram uma nova arte, uma nova filosofia, e porque não, uma nova política. A caricatura era a expressão de um novo ritmo de «captação» de imagens, em liberdade estética, era o direito à opinião, à oposição.

Almada Negreiros, um jovem de educação jesuítica, encarnará a revolta anti-republicana, como frustração pela incapacidade da revolução realizar as promessas; encarnará a recusa ao conservadorismo e tradicionalismo monárquicos; testemunhará a sua náusea perante os «Dantas» deste país adormecido num provincianismo aburguesado. A sua revolta foi o desejo de criar um mundo novo, que não sabia qual devia ser, mas que sabia como sonhar. Esse sonho expressou-se, em Almada, como irreverência, como sátira. Os primeiros sonhos, fê-los em caricatura, para depois se revoltar em dadaísmo ou futurismo.

Natural de São Tomé, onde nasceu a 7 de Abril de 1893, veio fazer os seus estudos à metrópole num colégio de jesuítas. Ai aprendeu a sua revolta, viveu a sua repulsa pelo conservadorismo jesuítico-burguês que dominava o País. Educado no mundo à sua liberdade, ainda no colégio tenta expressar o seu espirito irrequieto em jornais manuscritos, ais quais lhe deu os significativos títulos: »República», «Pátria» e «Mundo».

Após estas experiências que estão datadas de 1906, só o encontramos em 1911, quando publica o seu primeiro desenho na revista «A Sátira». Almada nasceu como caricaturista, numa opção de «esquecer Raphael Bordallo Pinheiro em favor de Celso Hermínio» (como ele próprio disse ao jornal «A Tarde»). Nesta opção, está já patente a filosofia que orientaria a sua obra, ou seja, a linha como liberdade e contorno.

Almada Negreiros, o «Português sem mestre», e como tal o Mestre em si, foi também um debutante, um jovem sujeito a influências, sendo Christiano Cruz o seu primeiro e fundamental orientador da sua estética. Christiano Shepard Cruz foi o impulsionador do movimento dos Humoristas, incitando-os a transpor os limites das fronteiras das publicações periódicas, nas quais se confinavam até então os domínios da caricatura; incitando-os à revolta contra o naturalismo, para triunfo da linha como liberdade de expressão. Se Christiano era um mestre da linha livre e expressiva, Almada foi um brilhante discípulo, cuja obra chamou desde logo a atenção dos seus contemporâneos, pelo seu humor «aberto, primaveril».

O seu humor era ainda o despontar da irreverência futura, e por isso, raiava pela ironia, pelo humor suave. Numa entrevista de 1914 à «República», ele defende: «De entre todos os caricaturistas apenas um soube interpretar com o seu finíssimo gosto, o mau gosto da nossa sociedade, foi Eça de Queiroz.

E pena é que Leal da Câmara se tenha interessado pela sua terra apenas pelo lado podre, pelo lado político».

 Esta opinião não o impede de fazer caricatura e sátira política, de dirigir a mais acérrima crítica à republica, ao fundar e dirigir a revista pró-monárquica «Papagaio Real», em 1914.

Em 1912, um ano após iniciar a sua carreira de humorista, fez uma exposição individual, a qual lhe proporcionou um conhecimento, um contacto importante para a sua evolução estética. Fernando Pessoa foi o crítico que descobriu algo mais do que simples humor, ou inteligência. Pela boca de Álvaro de Campos ele escreveria: «José de Almada Negreiros é mais espontâneo e rápido (que Pessoa), mas nem por isso deixa de ser um homem de génio. É mais moço que os outros, não só em idade, mas em espontaneidade bastante distinta e o que causa admiração é como o haja conseguido tão cedo».

Ele encaminhou-o para a polémica no domínio da literatura, assumindo neste campo um dos pontos de chefia na irreverência, no modernismo como futurismo, na vivência como desafio à passividade intrínseca do português.

Como caricaturista fez a sua política, criou um estilo de linha angulosa, depois envolvente, permanecendo nessa arte como ligação de raízes. Depois da década dos Humoristas, voltará à ilustração de humor nos anos 20 e 30, experiencias cada vez menos importantes, em relação ao caminho da sua obra.

No princípio foi a linha, para depois procurar a pintura, mantendo-se contudo um desenhador. A caricatura não foi pois um período menor da sua carreira, mas a escola de uma mão, a arte de um «português com mestre». 


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