Saturday, December 19, 2020
Caricaturas Crónicas: «Emmérico Nunes – um «simplicissimus» português» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 14/9/1986
Emmérico
Nunes é um caso curioso das nossas artes: partindo do naturalismo vigente em
Portugal, assumiria uma certa vanguarda a partir do momento em que sai das
nossas fronteiras.
«Se você pode – aconselha o pintor José Malhos - acho que faz bem em tirar o pequeno da
escola e mandá-lo estudar para Paris. Aqui em Lisboa está 8 anos a marcar
passo. Mas, em paris, o ambiente e os métodos de ensino, se ele souber
aproveitar, farão dele um artista em metade desse tempo».
Um conselho do mestre Malhoa a um jovem que no princípio
do século vinte demonstrava já algumas aptidões para o desenho e pintura. Esse
jovem era Emmérico Hartwich Nunes.
Emmérico, natural de Lisboa, onde nasceu em 1888, era
neto de um pintor, filho de um pai com estudos de arquitectura e de uma mãe (alemã,
natural da Baviera) pintora, poetisa e pianista amadora. Com estas raízes
familiares, as artes viveram naturalmente com ele, e consequentemente
demonstrou cedo um interesse pelas artes plásticas, expresso num traço
original. A esse traço, aliava-se um espírito satírico, e ainda com dez anos
cria um jornal familiar - «A Risota» - onde, como diz o próprio título, o humor
era o ingrediente principal.
Em 1904, ingressa na Escola de Belas- Artes, e seria
por essa altura que o mestre Malhoa, perante os seus trabalhos estudantis,
proferia o conselho de fugir deste país em letargia. Enquanto as artes
ruminavam em Portugal, em Paris, ou noutras cidades da Europa, a arte devorava
o pensamento inventivo, a estética do novo mundo industrial.
Foi um conselho aceite, e em 1907, parte para Paris,
como pensionista oficial, ou seja, com uma bolsa do Estado. Permaneceu em Paris
até 1911, estudando as técnicas possíveis, mas onde o humor nunca deixou de
estar presente. Em 1911 estará presente na «Exposição dos Livres» em Lisboa,
com desenhos humorísticos, um humor cáustico, mas gracioso.
Nesse mesmo ano, faria uma «tournée» por Inglaterra,
Holanda, Bélgica e Alemanha, estabelecendo-se no final em Munique. Como a sua
mãe era alemã, essa cultura e língua não lhe eram estranhas, e se as
experiências estilísticas francesas lhe interessaram, o seu traço humorístico
estava em maior consonância com o que se publicava no jornal alemão
«Simplicissimus», ou seja, com o humorismo expressionista, com o traço agreste
como síntese do mundo e da mensagem satírica.
Em Munique frequenta as lições de Heimann e tenta
entrar como colaborador para o «Meggendorfer Blatter» (o segundo periódico mais
importante desta nova corrente humorística de raiz alemã). Conseguiu, e durante
vinte e um anos trabalharia como ilustrador humorístico, publicando nesse
jornal cerca de 2.000 desenhos.
Em 1914, com a crise bélica (Primeira Guerra Mundial),
ele tem de abandonar Munique, e em vez de regressar ao país, como o fizeram a
maioria dos artistas emigrados, refugiou-se em Zurique, na Suiça neutral.
Entretanto, apesar da sua ausência física de Portugal,
não estava totalmente afastado deste país em ebulição modernista. Tinha
participado na Exposição dos Livres em 1911,a primeira tentativa (a nível de
exposições) do modernismo; tinha participado no I Salão dos Humoristas em 1912,
a via modernista impulsionadora desta primeira fase do vanguardismo português.
Com o seu traço de linha sintética, de linha expressionista, ele aliava-se a
Christiano Cruz na introdução da escola alemã como vanguarda das nossas artes.
O seu desenho simples é portador de uma sátira profunda, tão profunda como o
expressionismo alemão era cáustico. O seu traço era a expressão alemã num
«simplicissumus» português.
Em 1919 regressa a Portugal, após 12 anos de
imigração, sem contudo deixar de colaborar no jornal alemão. Na viagem de
regresso contacta Espanha, colaborando em jornais locais e organizando uma
exposição. Em Portugal, apresenta os seus trabalhos em periódicos como «ABC»,
«ABC a Rir», «O Espectro», «Magazine Bertrand», etc…
Tinha voltado, só que o ambiente artístico aqui,
apesar dos ensaios e irreverências vanguardistas, permanecia na mesma letargia,
o que, desiludido, o levou a regressara Alemanha de 1928 a 1928. Entre 1932 e
37 conseguiria que o seu trabalho também interessasse jornais suiços e
holandeses, mantendo-se assim um artista internacional. Nunca um artista
humorístico português conseguiu impor tanta obra no mercado internacional, e em
tão diversos países.
Regressaria definitivamente a Portugal em 1928,
incluindo-se na frota dos artistas que por cá tentavam sobreviver, trabalhando
tanto como decorador de pavilhões nas feiras internacionais (integrado na
«Política de espírito» de António Ferro), como ilustrador de livros escolares e
infantis, cartazista e ilustrador de propaganda. A pintura também fez parte
destas artes de sobrevivência, concentrando-se na paisagem. Uma pintura
diferente do seu traço humorístico, já que através dela regressava em parte às
suas origens, regressava a uma visão pouco significativa do modernismo
implantado com a sua ajuda em Portugal.
Emmérico Nunes é um caso curioso das nossas artes:
partindo do naturalismo vigente, assumiria uma certa vanguarda a partir do
momento em saia das nossas fronteiras. Nesses países da Europa evoluiria no
expressionismo germânico. Para cá transportou a sua visão de arte, como obra e
influencia. A partir do momento em que regressa definitivamente, faz como que
um retorno à letargia (do gosto nacional), caindo por vezes numa visão
conservadora das artes.
Morre em 1968, distante do modernismo e do
expressionismo, de que ele foi um mestre internacional.
«Evolução do teatro lírico e as salas para o seu culto» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 14/9/1986
O espectáculo musicado não é estranho em Portugal,
pois desde sempre o povo acompanhou as suas manifestações, tanto religiosas
como profanas, com música. No princípio do século XVI, Gil Vicente utiliza
música nas suas peças teatrais, mas não se trata de «óperas» ou «melodramas»,
pois são representações «com música» e não «por música»
O povo tinha como entretenimento as feiras a, as
procissões e as paixões onde havia danças e cantares. Nas igrejas, as paixões e
outras representações sacras eram acompanhadas «com música», o que cativava o
povo, ao ponto deste as transformar, por vezes, em autos pouco religiosos,
brejeiros até. Com o domínio castelhano, e consequente colonização cultural,
desenvolvem-se os «vilancicos» levados à cena.
Quanto à «ópera à italiana», só surge em Portugal, e
sem afirmação categórica, em 1682, espectáculo proporcionado pela embaixada do
Duque de Saboia, em negociações matrimoniais.
A «ópera» ressurge em 1720, com a vinda regular de
músicos e cantores italianos, realizando pequenos espectaculos em teatros
improvisados nas salas dos palácios reais. Como fruto deste incremento musical,
em 1737 inaugura-se um «teatrinho» desmontável no Palácio da Ajuda.
Entretanto, o público não cortesão assistia aos seus
espectáculos «com música» nos teatros da cidade. Estes, chamados «Pátios das
Comédias», eram um misto de teatro greco-romano e teatro espanhol – ao ar
livre, sem separação específica entre o palco e plateia, onde apenas se davam
espectáculos à luz do dia. Os lugares do público eram diferenciados, conforme a
condição social: para o povo, havia a «popularia» (ou plateia), para a
aristocracia, os «palanques», para os nobres «dândis», cadeiras no «palco» e
para os membros da corte, a «tribuna».
A «ópera à italiana» só seria estreada perante o
público lisboeta em 1735, num espectáculo produzido pelo italiano Alessandro
Paghetti, o qual organiza a primeira companhia residente, que se instala junto
ao Convento da Trindade, com o nome de Academia de Música da Trindade.
Se até 1735 a ópera se confinou à corte, a partir
dessa data os teatros públicos, como o do Bairro Alto, o da Rua dos Condes, e,
por vezes, outros, dominaram o movimento operático da época.
Na Europa, os teatros d’ópera tornavam-se o símbolo do
desenvolvimento da burguesia da cidade, da civilização, e qualquer uma, por
mais pequena que fosse, desejava ter a sua Casa da Ópera. Contudo, em Portugal,
nem a capital era possuidora de um. É verdade que se realizavam espectáculos de
ópera nos palácios ou teatros públicos, só que o teatro d’Ópera à italiana não
é aquele que apresenta espectáculos desse género, mas aquele que complementa o
espectáculo com um arquétipo arquitectónico italiano.
Nesse arquétipo, além da sala coberta, de ambiente
reservado, existe a separação entre o espectador e o palco cénico. Deixou de
haver a participação directa do espectador, mas criou-se em contrapartidas o
espectáculo social. Existem assim três espaços: o de convívio-clube social (átrio, salão e vestíbulo), o do espectador
(sala de espectáculos) e o do artista (palco e bastidores).
D. José I seria o primeiro rei português a
preocupar-se com a imagem cultural de exportação, ou seja, ostentar o progresso
da nação, pelo símbolo da Casa da Ópera. Para esse efeito foi contratado o
arquitecto Giovanni Carlo Bibiena (1713 – 1760), que, apesar de parente menor,
não deixava de pertencer à família Bibiena, a família dos arquitectos e
cenógrafos mais importantes do Teatro Moderno.
Acabado de chegar, em 1752, constrói um teatro
provisório na Casa da India (Oalácio da Ribeira), conhecido por Theatro do
Forte.
Em 1753, iniciam-se as obras para a primeira Casa de
Ópera em Portugal, também conhecida por Ópera do Tejo, ou Theatro Régio do Paço
da Ribeira. Diz-se que era um dos mais luxuosos da Europa de então. Não se
conhece nenhuma reprodução do interior deste flamejante teatro, mas passou à
história como um esbanjamento seriamente criticado.
Ao rei apenas interessava a fama de um teatro de ópera
recheado de talha, mármores e riquezas incomparáveis, como símbolo do
«progresso» do país.
Este, foi o o grande teatro construído pelo rei, para
usufruto da corte, e onde só a nobreza tinha acesso. Mas, infelizmente, o
«teatro dourado» apresentou apenas dois espectáculos, já que, passados sete
meses da sua inauguração, o terramoto de 1 de Novembro de 1755, o transformou
num monte de escombros.
No Palácio de Inverno de Salvaterra de Magos, Bibiena
construiu também outro pequeno teatro de ópera, que teve o mesmo destino da
Ópera do Tejo.
Na reconstrução da cidade, os teatros, como elementos
sem prioridade, foram dos últimos edifícios a serem reformados. Porém, com a
política do Marquês de Pombal, e o real crescimento da burguesia, esta resolve
chamar a si a responsabilidade de construir uma Casa d’Ópera, libertando os
outros teatros para as obras declamadas, ou «com música».
Assim, um grupo de capitalistas formou uma sociedade
construtora, escolhendo como arquitecto José da Costa e Silva (1747 / 1819), um
português de formação italiana. O tipo de arquitectura escolhido corresponde ao
usado em Itália, nomeadamente no Teatro San Carlos de Nápoles, e no Scala de
Milão (tipo Sghizzi-Bibiena). O teatro é de estilo neoclássico, sendo o
primeiro no género em Portugal. Os decoradores foram Cirilo Volkmar Machado
(1748-1823), Manuel da Costa (1755-181?), Gaspar José Raposo (1762 - ???) e
Giovanni M. Appiani (???).
As obras iniciaram-se a 8 de Dezembro de 1792, e
demoraram apenas seis meses, graças às facilidades e auxílio concedidos pelo
Intendente-geral da Polícia, Inácio de Pina-Manique. O Intendente, apesar de
ideologicamente ser um feroz inimigo do teatro – meio de libertinagem, liberdades
e amoralidades -, demonstrou grande interesse nesta obra, já que o teatro
ficaria sob a sua tutela e da Casa Pia, da qual também era gestor.
Por ideia do Intendente Pina Manique, o teatro foi
baptizado com o noma de São Carlos, em honra da princesa D. Carlota Joaquina de
Bourbon, mulher do príncipe herdeiro D. João. Denominado pelos italianos Régio
Theatro de S. Carlos detto della Principessa, foi vulgarmente chamado Ópera do
Theatro Moderno ou Nova Ópera. O livro das décimas de 1794 chamava-lhe Caza da
Ópera de S. Carlos e o de 1802 Ópera Italiana. Em 1883, Fonseca Benevides, no
seu livro sobre a história desta casa, chama-lhe Real Theatro de São Carlos e,
com a revolução do 5 de Outubro, passou a chamar-se Teatro Nacional de São
Carlos.
A partir de 1873, este teatro dominou o mundo
operático em Portugal, não impedindo que se realizassem espectáculos de ópera
noutros teatros e noutras cidades do país. Nomeadamente, a sociedade portuense
inaugurou um teatro lírico (da burguesia para a burguesia) antes de Lisboa. Em
1762, João d’Almeida e Melo inaugura a Sala do Corpo da Guarda, assim chamado
por se situar no lardo do mesmo nome. A sala não é do tipo italiano mas, de
qualquer modo, tem condições especiais para ali se fazer ópera. Ai cantaram
grandes artistas, nomeadamente Luísa Toddi.
Passados cerca de 36 anos, o filho do referido
empresário, Francisco d’Almada e Mendonça – corregedor e provedor da Comarca do
Porto – abriu uma nova sala. O teatro, que seria baptizado de São João, retratava a burguesia nortenha
e, como tal, foi concebido à italiana.
Não se formou uma sociedade capitalista, como no caso
do São Carlos, para financiar o teatro, mas Almada e Mendonça à frente de uma
comissão, fizeram subscrições, venderam acções, arranjando assim o dinheiro. Sem
perda de tempo, chamaram o arquitecto Vicenzo Manzonescgi, também cenógrafo do
Teatro de São Carlos, e construíram um belo edifício de estilo neoclássico, com
influências do barroquismo nortenho.
O teatro de São João, que nunca foi subsidiado pelo
Estado, nem a ele pertenceu, apesar das diligências feitas nesse sentido,
conseguiu manter-se durante todo o século XIX com uma certa regularidade de
espectáculos. As disputas diletantistas, os grandes cantores e seus êxitos,
estreiam que por vezes anteciparam as do próprio São Carlos, fizeram também
parte da história do São João.
Esta actividade seria, porém, interrompida por um
incendio, o qual, em 1908, destruiu totalmente o teatro. Mais tarde, viria a
ser reconstruido, com a traça primitiva, mas passou a dedicar-se ao teatro
declamado e, depois, ao cinema.
Em Lisboa, há a referir, também, a actividade de um
teatro exclusivo da nova aristocracia (a burguesia endinheirada e nobilitada),
o Teatro das Laranjeiras, também conhecido pelo Teatro do Conde de Farrobo.
A família Quintela, descendente do capitalista Joaquim
Pedro Quintela, um dos membros da Sociedade Construtora do Teatro de S. Carlos,
veria os seus serviços compensados, primeiro, com o título de Barão de
Quintela, e depois, com o de Conde de Farrobo. Seria o primeiro Conde de
Farrobo quem viria a ter uma influência mais directa no Teatro de São Carlos,
ao tornar-se seu empresário. Insatisfeito com esta Casa de Ópera, resolve
construir um pequeno teatro à italiana junto ao seu palácio das Laranjeiras
(Sete Rios onde constrói também o seu jardim ZOOLÓGICO). Em 1820 nasce então um
pequeno Teatro neoclássico de colunatas e frontão triangular, que é por dentro,
uma réplica miniaturizada do São Carlos (capacidade de 560 pessoas). Aqui se
realizam grandes espectáculos, explorando a vinda dos grandes cantores ao nosso
país. Em fins do século, a sua actividade foi decrescendo até cair no
esquecimento e na ruina.
Estes foram os teatros construídos especificamente
para o género operático, e hoje o Teatro das Laranjeiras está em ruinas. Este
era o espaço ideal para uma Companhia dse Ópera Estúdio; o Teatro de São João é
um cinema, estando a cidade do Porto sem uma Casa de Ópera; o Teatro de São
Carlos é o único que se mantem em função.
Outros teatros têm recebido dentro das suas portas
espectáculos líricos (Coliseu do Porto e de Lisboa, Teatro São Luis…) como
aproveitamento das suas estruturas arquitectónicas, mas nenhum foi construído
para, e funcionam sem continuidade neste género. Existe, contudo, a excepção –
O Teatro da Trindade de Lisboa, que albergou durante mais de uma década
(1963/1975) a Companhia Portuguesa de Ópera.
Friday, December 18, 2020
Caricaturas Crónicas: «Nogueira da Silva: o realismo caricatural» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3/8/1986)
Francisco
Augusto Nogueira da Silva viveu entre 1830 e 1868 e foi um autodidacta que,
passando meteoricamente pela Academia das Belas Artes, procurou a arte como
expressão de uma consciência social, quer seja pela escrita, quer pelo desenho
ou a gravura.
«Sou eu um
indivíduo pouco apto para a escrita, assim como para tudo. A comadre que me
recebeu em seus braços quando nasci devia por força ser a preguiça, ou, pelo
menos, chamar-se Preguiça, porque os nomes também influem na índole das
pessoas. Depois falta-me a circunstância mais essencial para os artigos
próprios destas estampas, ou destes assuntos, e mui principalmente do género de
tais jornais.
Antes de tudo
é necessário ser erudito, mui erudito, o que equivale a dizer que é preciso ser
o mais massador possível. Em seguida ter de usar de um estilo simples, quer
dizer pouco salgado: estilo de dieta, que é para não fatigar esse admirável e
misterioso estômago da cabeça, chamado cérebro, do leitor, que tem de digerir
uma descrição, que poderia ser quatro vezes menos minuciosa, menos austera e
menos grave.
Ora, eu nunca
tive peito bastante amplo para acomodar o espesso manto de pó em que as
bibliotecas jazem envoltas. Quanto ao sal, é matéria que em mim abunda; não
daquele que faz rir, nem do que faz chorar, como o da maior parte dos que
temperam essa caldivana de artigos e folhetins que todos os dias nos dão a
tragar; mas do sal que provoca caretas mais ou menos amenas: nem sal francês,
nem sal português que azeda um pouco a língua dos que precisavam ter sempre a
boca cheia de pimenta» (in Panorama,
Lisboa 1868).
Francisco Augusto Nogueira da Silva (1830 - 1868) foi
um autodidacta que procurou a arte como expressão de uma consciência social,
seja pela escrita, pelo desenho, gravura, humorismo…
Antes de se lançar na sua campanha directiva, passou
por vários trabalhos estranhos à arte, como a luta sindical. As suas ideias
político-sociais levaram-no para o Centro de Melhoramentos das Classes
Laboriosas, onde conheceu Fradesso da Silveira que fez dele ilustrador de
periódicos. A arte da gravura tinha-a aprendido primeiro no Arsenal do Exército,
onde trabalhou na adolescência, depois na Escola da Academia, para se
desenvolver finalmente no trabalho do dia-a-dia.
Trabalhando com a técnica de madeira-a-topo, na qual
considerava Manuel Maria Bordallo Pinheiro como mestre e pioneiro, procurou uma
expressão estética diversa ao movimento de importação caricatural que tinha
dominado até então, ou seja, abandonar a escola inglesa, para descobrir a
escola francesa com maior cunho realista.
«Quereis ser
historiador fiel – interroga-se Nogueira da Silva – moralista sagaz, filosofo profundo? Nada mais fácil. Apresentai a
verdade em expressão tão singela, ou em traço tão franco, como ela o é em si.
Não a procureis, porque está por toda a parte, constantemente ao pé de vós, e
em vós. É a planta, e a ave, e o homem, e todos esses infinitos milhões de
seres que povoam e constituem o universo./…/ É o que tem feito Gavarni, é o que
fez Beranger, os poetas mais queridos do povo francês» (in «Arte e Vida»
1903).
O realismo aparece em Nogueira da Silva como luta social,
como crítica social, como costumbrismo satírico, como caricatura. Mestre na
arte de gravar, ao nível de um Manuel Maria, demonstrou-o com as suas obras
publicadas na «Revista Popular», «Archivo Pitoresco», «Occidente»… nos folhetos
de «Celebridades Contemporâneas», ou os múltiplos livros que ilustrou; mestre
na arte humorística, demonstrou-o em obras esplêndidas, publicadas nos
periódicos já referidos, e com maior expressão satírica no «Jornal para Rir»,
hebdomadário editado por ele, porque «entre
tantos jornais sisudos, bom era que aparecesse um para rir» (editorial nº1
1/1856); foi um dinamizador da arte gráfica pela criação de periódicos, pelos
seus escritos vários como a história da gravura em madeira, pela sua actividade
social.
Em 1862, dentro da sua luta laboral, fundou uma escola
de gravura em madeira e litografia, no Centro de Melhoramentos das Classes
Laboriosas, donde saíram excelentes gravadores, nomeadamente Caetano Alberto,
um dos colaboradores mais directos do mestre Raphael Bordallo Pinheiro.
Entretanto, a par da gravura em madeira, foi
trabalhando a litografia, processo muito mais rentável na impressão, e que em
breve triunfaria nesta indústria.
Nogueira da Silva, pela sua obra, e pela sua
actividade professoral, foi mestre do realismo levado ao limite do caricatural.
Antecedendo Raphael Bordallo Pinheiro, foi um artista da transição, pós
panfletarismo – pré naturalismo.
«BD ontem e Hoje – As origens da Banda desenhada» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/9/1986)
Narrar é uma das mais velhas artes do Homem, nascida na sua necessidade de aprender, conhecer e controlar a natureza e o mundo que o envolve. Como meio tradutor, utilizou primeiro o mundo dos sons ou dos gestos, fixando depois a comunicação a «longo prazo» na representação gráfica por símbolos naturalistas ou abstractos.
O que hoje designamos por «banda desenhada», consiste numa sequência de imagens-desenho que articulam uma narrativa, uma história. Nessa perspectiva de conceito, numa interpretação simplista, podemos descobrir como antepassados remotos dessa «nona arte», os registos das grutas de Descaux (entre muitas outras), as representações nas catedrais góticas (falando apenas do mundo ocidental), nas «bíblias dos pobres» da Idade Média… em todo o manancial de comunicação gráfica, acessível a letrados e iletrados.
Apesar deste paralelismo técnico e expressivo, a banda desenhada, considerada como uma arte de estrutura e regras próprias, nasceu no século em duas datas específicas, afastadas no tempo, na geografia e na concepção criativa.
Na europa, durante o séc. XIX, a par da sátira política, os humoristas gráficos cultivam cenas de género, ou simples piadas anedócticas. Estas, feitas numa prancha só, foram crescendo pela necessidade visual de dar movimento, acção, ampliando-se a sua execução por dois, três, quatro…. «quadradinhos», tanto em historias mudas, como com pequenas legendas narrativas.
Foram vários os artistas que evoluíram por esta fórmula, utilizando-a de vez em quando. Por essa razão, será difícil a datação exacta do seu surgimento como «género» independente, mas por questões históricas costumam-se considerar três nomes como seus fomentadores: Töppfer (1799-1846), um cultor e teorizador desta arte; Wilhelm Busch (1832-1908), na exploração narrativa do texto literário, com a ilustração paralela ao primeiro, desenvolvendo um tipo que dominará a banda desenhada na Europa por largo tempo; Caran d’Ache (1858-1909) na concentração narrativa do traço e grafia, sem necessidade de suporte literário (há outros nomes importantes na Holanda, Inglaterra… mas que acabaram por não serem influenciadores para outros países).
Emigrando para a América, o europeu levou consigo a sua cultura, gosto, forma de viver, Levou o humor e a nova fórmula narrativa, aqui substituída a banda por tira, a «tira cómica» (comics strip). Na nova terra, ganhou características próprias e, em Fevereiro de 1896, com o aparecimento da personagem Yellow Kid (que reúne em si toda uma série de elementos já existentes, mas dispersos em outras personagens e autores europeus), os americanos gostam de impor como o nascimento oficial dos Comics, ou seja da banda desenhada contemporânea. O que se poderá dizer é que é o seu nascimento como uma indústria de massas.
Estas sequencias de imagens apareceram essencialmente como entretenimento destinado ás crianças. Nascida numa sociedade burguesa, onde reina o espirito comercial, vão ser presenteadas com uma indústria própria de diversão, educação… que fomente simultaneamente o espírito de consumismo. Na América, o analfabetismo foi o pólo catalisador, já que a comunicação visual é propícia ao entendimento entre pessoas de línguas diferentes, entre iletrados, que facilita o diálogo, a propagação de normas e regras, que mantém o controlo do conhecimento, como forma de manter o Poder afastado das massas. Como dizia Töppfer «grosseiro mas apropriado maravilhosamente à natureza e ao repouso de espíritos brutos e sem cultura».
Por detrás do desenvolvimento do «comic» está a guerra entre as potências jornalísticas, a necessidade de artifícios na captação de públicos. Para isso, procuram-se os melhores desenhadores e guionistas, compram-se os direitos sobre dos «heróis» mais populares. A um maior investimento, correspondeu um desenvolvimento artístico, um amadurecimento desta nova arte.
A narrativa desenvolveu-se do simples «gag», à história de sequência curta, como testemunho da vida dos mais pobres a quem era dirigida, da vida das crianças travessas que fazem as historias inocentes e cheias de fantasia. O «herói», como personagem que surge com a periodicidade diária ou dominical, conquistou o seu canto próprio em histórias conclusivas, mas de continuidade. Em 1903, Opper introduz o suspense, como prolongamento das aventuras, como captação do interesse na continuidade e consequente compra do número seguinte do jornal.
A fantasia dos criadores não ficou apenas pelo suspense diário (ou semanal), mas também na elaboração de grafias maravilhosas, temáticas surpreendentes como ficção científica, novelística policial, surrealismos… e toda uma forma de sonorização (onomatopeias), como o «balão» que induz os diálogos na vivificação das personagens. Se a Banda Desenhada europeia pertencia amais a um universo literário, o «comic» americano pertence mais ao universo visual, gráfico: no primeiro a narrativa está no texto, enquanto no segundo está no desenho; num não há diálogo ditrecto entre o texto e o desenho, o outro uma total integração. Dois mundos diferentes de evolução de um género gráfico-literário, que tiveram que lutar pela sobrevivência de opções, até ao triunfo de uma delas.
Na Europa manteve-se essencialmente a estrutura literária por várias décadas, dedicando-se a um público infantil e juvenil, por simples recusa dos editores, apostando numa visão mais pedagógica que de divertimento. No entanto, estes nem sempre conseguem controlar o gosto do público, e a crescente importação de comics americanos, provocou o inevitável.
Os EUA, após um período de extrema fantasia, de surrealismo ou de simples testemunho de histórias familiares, vão conhecer, nos anos 30, a exploração da acção e realismo (acompanhando o gosto cinematográfico). Testemunhando as atitudes e preocupações, os temores e aspirações do momento, realizam, a «catarse» com os «super-polícias», os «super-homens» opu «super-heróis» que, facilmente vencem a vida em que o pobre leitor se afunda.
Em Portugal, as «historias aos quadradinhos» surgiram nos anos 60 de oitocentos com Nogueira da Silva, mas fundamentalmente através do humor político dos anos 70/80, como desenvolvimento das sátiras de Raphael Bordallo Pinheiro. Artista informado e viajado, ele não só desenvolveu esta fórmula, como importou, para os seus jornais, trabalhos de Caran d’Ache, e incentivou o seu filho Manuel Gustavo a criar histórias gráficas, EM QUIE OS «Typos e Costumes» foi a primeira série em presença regular.
Vários foram os caricaturistas que, como Celso Hermínio, Leal da Câmara, Alonso, Jorge Colaço, Valença… exploraram as narrativas ilustradas, mas sempre com preferência pelo cunho político. No desenvolvimento das historietas, depois de Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro com suas «diversões» de crítica social, surgiu Stuart Carvalhais com os seus heróis «Quim e Manecas», em que a fórmula do comic foi explorado, e por vezes antecipada.
Os anos vinte, foram a descoberta do mundanismo, a proliferação de revistas, onde as «historias aos quadradinhos» conquistavam o seu espaço sob o traço de Stuart, Cottinelli Telmo, Carlos Ribeiro, Tom, Cardoso Lopes, Fernando Bento… num paralelismo estético e temático com a banda desenhada europeia.
Após o final da Segunda Guerra Mundial, o estilo americano impôs-se, uniformizando esta arte, ao mesmo tempo que ela se abria para uma maior exploração e liberdade gráfica, no triunfo dos traços vanguardistas, nas técnicas mais ousadas e díspares. Nascida como entretenimento infantil, ou aculturação das massas, hoje a banda desenhada é uma das artes dominantes das novas narrativas.
Thursday, December 17, 2020
Beste wensen - best wishes 2020 by Willem Rasing.
Beste vrienden en bekenden,
we kruipen langzaam weer naar het eind van het jaar. Een krankzinnig
jaar dit keer met veel natuurrampen, een idioot van een Amerikaanse
president die zijn verlies niet kan accepteren en natuurlijk de corona
pandemie die wereldwijd dood en verderf zaait. In menig opzicht.
Niettemin moeten we proberen de moed erin te houden en vol hoop naar
de toekomst te kijken. Daarom iedereen goede kerstdagen en een gezond
komend jaar gewenst.
Groet,
Willem Rasing.
wrasing1.wix.com/willemrasingartoons
Dear friends and relatives,
slowly we are crawling again to the end of the year. A crazy one this
year with a lot of climate disasters, an idiot of an American
president who can't accept his loss and of course the corona pandemic
which causes worldwide death and disasters in many ways. Nevertheless
we have to try to keep faith and to look hopefully forward to the
future. That's wty I wish you all a Merry Christmas and a healthy New
Year.
Greetings,
Willem Rasing.
wrasing1.wix.com/willemrasingartoons
Caricaturas Crónicas: «Abel Salazar: um sentir caricatural» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3178/1986)
Natural de
Guimarães, ele é, sem dúvida, mais um exemplo do médico-artista, do homem
dividido entre a Ciência e as coisas do espírito.
«A realidade,
em arte, não é uma finalidade mas um elemento e um meio de expressão: a arte
procura realizar o seu conceito preenchendo a forma pela realidade, mas
dispensa-a imediatamente sempre que pode. /…/ As criações da arte, no que diz
respeito à figura como à paisagem, contêm sempre, sem o que não podiam ser
criações, um caracter próprio, independente da Natureza, dependente do artista.
/…/ esse caracter resume-se, com efeito, numa simples e ligeira modificação das
relações existentes entre os elementos da Natureza» (Abel Salazar). Neste jogo de relações entre a
realidade e a «charge»-modificação, entre o naturalismo lírico e o
expressionismo dramático, Abel Salazar criou a sua obra em espírito estético.
Natural de Guimarães (onde nasceu a 19 de Julho de
1889), licenciar-se-á na Faculdade de medicina do Porto e doutorou-se na mesma
Faculdade, em 1915, com a tese «Ensaio da Psicologia Filosófica»,
encarregando-se posteriormente da cadeira de Histologia e Embriologia, e da
direcção do Instituto das ditas ciências. Nestes campos desenvolverá profunda
investigação, iniciando novos métodos de técnicas cientificas, adoptadas depois
universalmente. Publicou vasta bibliografia sobre estes assuntos. Como
prosador, não lhe foi indiferente a filosofia das ciências, assim como a
filosofia de arte.
Em 1935, teria problemas com o regime, e o ditador
António Salazar ordena a sua expulsão da Universidade. Depois, seguiu-se uma
longa luta, e o triunfo do seu prestígio e qualidades cientificas e
intelectuais, sendo-lhe confiada, em 1941, a direcção do Centro de estudos
Microscópicos, na Faculdade de Farmácia
do Porto, colaborando também, a partir de 1942, com o Instituto Português de
Oncologia, até à sua morte a 29 de Dezembro de 1946.
Este foi o seu percurso cientifico, a sua vida como
fadiga, e se a arte surge como expressão no seu lazer, como «criação de
férias», o ser cientista e artista é uno, na visão do mundo. O materialismo,
como anseio do real, enlaça-se com o sonho, e a arte para Abel Salazar ultrapassa
as visões científicas geometrizantes, por que ela «não consiste em fazer novas combinações com as matemáticas já
conhecidas. Isso, qualquer pessoa poderia fazê-lo, mas as combinações que se
poderiam obter assim seriam em número infinito e o maior número seria em
absoluto destituído de interesse», Por outras palavras, seria uma arte de
amador, o que não acontece com a obra deste amador, por pouca disposição de
tempo.
Na sua obra, o esquema é dinâmico, com um ritmo de
composição rigoroso, onde a figura, como linha e volume, traduzem a ansiedade
dramática do seu espírito de homem, que vive os sentimentos da humanidade, como
médico-artista.
A cor perde muitas das vezes a prioridade, para
provocar apenas as atmosferas, dissecando os corpos como contornos, para exprimir
o quotidiano obreiro, as emoções da figura na rua, onde a mulher e sua
sensualidade têm um lugar marcante. Autodidacta, soube dominar as técnicas do
óleo, carvão e lápis, para traduzir a visão, que no desenho transformou-se num
verdadeiro diário de imagens. O neopositivismo da sua arte e filosofia,
antecipam o neo-realismo na nossa arte.
Após este longo discurso, sem falar em humor ou
caricatura, perguntar-se-ão porque é que trato, neste espaço, do artista Abel
Salazar. Existem, no entanto, duas razões: entre a sua obra encontra-se uma série de
caricaturas(do período dos Salões dos Humoristas, em que participou); o seu
realismo, como conceito de modificação nas relações entre o artista e a
Natureza, raia o caricatural, como caligrafia do realismo social, muita das
vezes panfletário, como o é a sátira.
O ser satírico ou caricatural nem sempre é uma
técnica, é fundamentalmente uma expressão, um espirito, um sentir.
Caricaturas Crónicas: «O FUNCIONÁRIO» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/9/1986)
Anúncio:
«Nas repartições mais bem pagas do Estado
precisa-se de empregados que queiram passar algumas horas d'aborrecimento em
serviço da Nação. Fornece-se-lhes papel e tinta: contínuo às ordens; lume para
aquecer os pés no Inverno e relógio adiantado. Férias para todo o mês de
Setembro de cada ano, nos dias de gala e santificados. Entrada das 10 às 3 da
tarde (podendo fechar a gaveta às duas). Os pretendentes apresentarão até uma
arroba de cartas de empenho, e não precisa saber escrever. Pede-se que haja a
maior concorrência a estes lugares, para bem da Nação» (Sebastião Sanhudo,
in O Sorvete, 25/9/1881).
O
funcionário, nomeadamente o público, porque o privado tem a sua privacidade
mais em guarda, nunca foi bem encarado por aqueles que têm que suportar as
bichas, que são cada vez mais; que têm que sofrer o reumatismo burocrático, sem
remédio. O funcionário, por essas mesmas razões, não é apenas um trabalhador,
mas um remédio, um supositório (de informações), um bode (sem sentido
pejorativo) expiatório da raiva ao poder burocrático, seja do simpatizante ou
opositor governamental.
O
funcionário foi, ou é, uma criação laboral para diminuir os desafortunados,
desprovidos de herança, de costas ao alto, o símbolo de um trabalho invejado
por aqueles que o relógio de ponto é o nascer e pôr do Sol, daqueles que
nasceram poetas das visões tangentes, solares.
Em
Portugal, como na Europa, as profissões eram normalmente hereditárias, ou
congénitas como doenças, e só com a dita revolução tecnológica/científica do
século passado se conseguiu alterar essa sequência natural do saber, para se
perder na vacina escolar.
Nesses
tempos «nascia-se amanuense, governador
civil, par do reino, deputado, ou director-geral, como se do ventre materno se
trouxesse já, por uma fatalidade orgânica, o estigma desse destino funcional,
semelhantemente ao que acontece com tantos e variados tipos anómalos que surgem
à luz da existência na deformada série que vai do lábio leporino ao pé boto.
Ser empregado público, não ir à repartição era o ideal de todo o portuguesinho
valente, que sabia, pela influência dos seus progenitores cadastrados na
regulamentada rotação da política dinástica, ter direito ao usufruto».
(Cristiano de Carvalho, in Revelações, Lisboa, 1932.)
Hoje,
a hereditariedade dinástica foi abolida, como se uma revolução pudesse alterar
as conquistas, em sorna, de vários séculos, em portuguesismo. Entretanto, as
profissões perderam grandemente a tradição familiar, conservando-se, contudo, a
tradição dos melhores postos laborais para os familiares, ou amigos mais
próximos.
A
competência, num país de lebres e furões, não é relevante, porque, como garante
o Respeitável Conselheiro (bem sentado sem fazer nada; enquanto os decretos,
portarias, ofícios, reformas… esperam amontoados): «- Isto de heróis: só por antiguidade» (Manuel Gustavo Bordalo
Pinheiro, in António Maria, 16/12/1897.)
Antiga
é a passividade portuguesa, que em linguística se diz burocracia, como se
burros fôssemos todos nós, e os crácios fossem imperadores, como o funcionário
Pancrácio.
Fazer
funcionar, em competência e rapidez, seria o trabalho missionário do
funcionário, quando ele está vocacionado, em alturas que as vocações faltam, a
não funcionar, na medida em que o não funcionário também não funciona, mas
reclama. O funcionário é a burrocracia na luta heróica contra a estatística do
desemprego, é o Estado «d’aborrecimento em serviço da Nação».
Wednesday, December 16, 2020
Caricaturas Crónicas: «Um Pargana desportivo» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 6/7/1986)
Foi pela mão de Stuart Carvalhais que surgiu o grande mestre do humor desportivo, o «Pragana» (como aquele lhe chamava), um humorista dotado de um sentido do pitoresco e do ridículo que incomodou, ao tempo, muita gente. Como caricaturaria, hoje, Pargana, a saga dos “Infantes”?
Hoje, após o «INFANTícídio» marroquino, afirmam os
pessimistas que somos s caricatura (da Federação) do Futebol, mas a verdade é
que se o futebol sempre teve caricatura em Portugal, os nossos caricaturistas
não são “infantes”, mas reis do humor desportivo, no desporto censural.
Mas quem dizPorto, também diz Madeira, que as tonturas
inebriantes da bola, é de todos os quadrantes: «Estes rapazes de hoje têm um tal entusiasmo pela bola, que chega a ser
uma doença.
- É isso…
padecem da bola…» (Stuart Carvalhais
in Sempre Fixe de 14/7/1932).
Foi nessa mesma «Bola», e pela mão do Stuart que surgiu
o grande mestre do humor desportivo, o «Pragana», como lhe chamava o Stuart, a
tal espiga de trigo que quando se introduz na nossa roupa, nos incomoda. Na
verdade todo o caricaturista é uma pragana, porque Pargana só existe um.
José João Carvalho Pargana, conhecido apenas por
Pargana, é um algarvio de Lagoa, onde nasceu a 31/3/1917, manifestando cedo o
«vício» da exageração caricatural. Com 11 anos (em 1928) radica-se em Lisboa e
estuda na Escola de Artes Decorativas «António Arroio». Vive em Campolide, no
Bairro da Liberdade, quando esta já não existe, e no andar de baixo vive um tal
Stuart. Conhecem-se, apreciam os trabalhos respectivos, um como discípulo, o
outro como mestre protector. Um dia Stuart apresenta-o ao Reinaldo Ferreira no
«Reporter X», e assim se iniciou uma carreira de 52 anos de actividade, que
ainda se mantém. A primeira caricatura publicada foi a do compositor Ruy Coelho.
Uma vida presa a cabeçalhos como o «Repórter X»,
«Sempre Fixe», «Ridículos», «Sports», «Diário de Notícias», Diário de Lisboa»,
«A Bola»… Deste último, foi jornalista fundador (Stuart seria também dos
primeiros desenhadores deste periódico).
A caricatura era o seu forte, a «expressão humorística do retrato, a deformação pelo humor», onde a
rapidez de execução e a memória na retenção dos traços fundamentais são as suas
características. Um dos seus jogos preferidos é, de três traços desenhados ao
acaso, fazer uma caricatura. «Hoje, -
segundo o Pargana – faz-se mais entre o
retrato e a caricatura, enquanto que antes a caricatura era mais a
espontaneidade». Jogando entre o rafaelismo de Valença, e o modernismo de
síntese, Pargana criou o seu traço.
O desporto surgiu-lhe na caricatura, quando trabalhava
para o «Sempre Fixe», não só pela
necessidade do próprio jornal, como pelo especial interesse do artista pelo
desporto, o qual o levou a guarda-redes de uma equipa amadora.
Várias foram as suas rúbricas nos jornais, como «O
Lápis de Pargana comenta», «Bonecrónica», «O Traço de Pargana»… onde
desenvolvia os seus «relatos ilustrados».
Foi mesmo o primeiro humorista a desenvolver o relato desportivo pelo humor,
qual comentarista, de todas as actividades desportivas de relevo do momento.
Se, a caricatura, é por vezes o gesto mágico do poder
de «transformar em feias, certas pessoas que se julgam bonitas», é também o domínio
da vida. O humor, para Pargana é o relato de «um cronista da vida citadina, como crítico. O caricaturista é
essencialmente um cronista». É uma visão que, por ser humorística, nem
sempre é alegre, porque espelha uma realidade mais crua.
Mo seu lápis ficou registada a história quotidiana, e
toda a história desportiva de várias décadas, uma actualidade escalpelizada com
um sentido de humor simples, como ironia do domínio da realidade-verdade. Essa
verdade, sem sempre agradou aos caricaturados, mas de todos, o que mais teria
razão de queixa, pela quantidade de vezes «deformado» e comentado, seria
Peyroteu, esse mestre do futebol.
Hoje, com 69 anos, esse grande senhor do humor
desportivo, já não comenta com as suas «crónicas», já não humoriza este pobre mundo,
apenas continua a desfear certas faces «bonitas», continua a caricaturar para o
«Diário de Lisboa», como expressão ainda viva do seu traço inconfundível.
(1) 1986 – Mundial de Futebol / Caso Saltillo /
Perdemos 3ª 1 com Marrocos…
Mais novo dois anos quw Raul, o filho de Stuart, foram
amigos e se Pargana triunfou nas artes gráficas. O mesmo não aconteceu com Raul
porque apesar de excelente desenhador, e de ter algum humor, os seus trabalhos
eram tão parecidos com osa do pai, que ninguém queria publicar um Stuart
Júnior.
As citações aqui registadas provêm de conversas minhas
com o artista em sua casa.
«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1934» Por Osvaldo Macedo de Sousa
1934
Vivendo-se um
período áureo do modernismo, com algum apoio estatal, o humor gráfico aproveita
essa movimentação geral plástica e prossegue uma boa campanha de exposições
individuais, como por exemplo de Teixeira Cabral, Tom, Amarelhe… Sobre este
último, o "Notícias Ilustrado" (1/4/1934) tece as seguintes
considerações sobre uma exposição que se realizou no Porto e em Coimbra: A arte da caricatura pessoal é rara e difícil.
Há muita gente que faz caricaturas e «portraits-charges» - mas há muito poucos
que as façam parecidas, flagrantes, evocadoras sem reticências das pessoas, das
atitudes e das expressões. Amarelhe é mestre. De longa data o seu nome tem
firmado uma obra ininterrupta de interesse, que ainda ninguém desbancou e que
não cristaliza, antes se renova e infiltra nas correntes mais modernas.
Se vivesse em Madrid ou em Paris estaria
milionário e os seus croquis conheceriam a fama mundial, porque, nos grandes
meios, a selecção é muito mais brutal e se um mau artista morre de fome - um
artista dotado desse génio de achar em quatro traços a flagrante sugestão da
máscara humana, paga-se a peso de oiro. Por isso, este jornal que regista
sempre, em todas as esferas de acção, os valores nacionais, põe em foco a
personalidade de Amarelhe, como a de um grande e inimitável artista da
caricatura pessoal.
Para além das
exposições temporárias, prosseguem as exposições ainda mais efémeras, mas
permanentes, que se realizam na imprensa. Este ano surge um novo jornal
humorístico, "A Farsa Humana", com uma excelente apresentação
gráfica, dirigida por Pinto Magalhães, mas que não sobreviverá muito tempo. As
suas intenções resumem-se neste editorial o nº1 de 22/9/1934: A farsa humana é uma crónica semanal de
costumes, casos, política, artes e letras que se publica aos sábados em Lisboa.
/…/ Os jornais diários dão, cada um sob o
seu aspecto, a razão de ser objectiva ao homem social. /…/ Mas o comentário
oportuno que os factos sugerem à opinião crítica, a crónica volante do
acontecimento na crítica caricatural, a pançadinha irreverente dada no ventre
aos césares, a demolição pelo sarcasmo das hipocrisias rendosas, o epigrama das
vaidades em acção na moral e na vida, é função essencial desta folha de crítica
satírica, indispensável em todas as sociedades que reagem.
Nunca haveria maneira de fixar numa síntese
crítica o desenho exacto das proporções que um acontecimento assume perante a
opinião pública sem o recurso admirável da Caricatura. Isto basta para
compreender a sua função social, o seu elevado valor filosófico e a necessidade
da sua existência objectiva para satisfação das responsabilidades que todos
contraímos com a Posteridade.
/…/ O facto fora fixado. A caricatura
desempenhara a sua função social e dera o quadro proporcionado das realidades
vivas, podendo depois dizer à folha da rua dos Calafates que tivesse pudor e à
«Voz» que se não amofinasse. Porque nem o sórdido e inconfessável interesse do
jornalismo industrial, nem a paixão exaltada da Imprensa de opinião, encara o
Facto social sob o único aspecto que o encara a filosofia da caricatura - como
produto da farsa humana. É, por
efeito desse senso crítico que esta folha poderia, em tal hipótese, indicar à
opinião pública do seu País, que esse governo não era constituído nem de
salvadores, nem de miseráveis, mas simplesmente de farsantes.
Sim, meus amigos, porque dentro desta
sociedade burguesa liberalista, qualquer movimento político é sempre de
superfície, resolvendo apenas numa farsa de homens.
Quando amanhã a investigação histórica
indagar do sentido exacto que os factos de hoje teem, há-de recorrer, por isso
à Caricatura e com a Caricatura reconstruir a fisionomia desaparecida dos
nossos sentimentos.
Aí está a responsabilidade que temos para
com o futuro. Porque não basta ao historiador seriar os factos, sacudi-los do
pó dos arquivos, penteá-los em prosa corredia, para os apresentar ordenados em
capítulos, com a mesma sistematização com que uma vendedeira de fruta aparta os
peros camoêses na sua giga.
Os factos teem a sua filosofia, tal como a
tinha o uranista Rouseau quando alimentava a mediocridade do seu tempo com as
larachas do Contrato social. E essa filosofia, encontra-se na Crítica
caricatural, sempre expressiva e clara, que o tempo vai lançando à sua margem.
/…/ Há muito tempo já que a Caricatura
andava em Portugal desalojada. Uma ou outra publicação inseria caricaturas, mas
episódicas, sem sequência, sem coordenação, nem espírito de análise. A obra
caricatural não tinha o seu órgão próprio.
Uma folha humorística - dístico que tantas
vezes pretende abonar uma publicação caricatural - não é uma folha de
caricaturas, porque a Caricatura é estruturalmente e apenas uma forma de
crítica e não um processo de gargalhada. Pode fazer rir incidentalmente, como
consequência da expressão crítica, nunca porém com fim da própria expressão. A Caricatura eleva-se assim da chalaça
gráfica, como apenas a compreende a mentalidade inferior, para uma concepção
estética que só os espíritos cultos atingem e realizam…
Este jornal será dominado graficamente pelo director, que como se pode ver pelo texto não era nada narcísico. Em pelo domínio do "Sempre Fixe", coadjuvado pelo "Os Ridículos" e outros jornais, Pinto Magalhães tem o descaramento de afirmar que há muito tempo a Caricatura andava em Portugal desalojada. Este é um sindroma que dá com alguma frequência nos artistas que se consideram únicos, acima de tudo o resto que se faz, quando na maior parte das vezes não passam da mediania, ou mesmo navegam na mediocridade.
Na política, a oposição tenta queimar os últimos cartuchos revolucionários, verificando-se a 18 de Janeiro a última tentativa revolucionária de derrube do Estado Novo, pela sociedade civil. Os operários da Marinha Grande, Barreiro, Seixal, e Silves tentam utopicamente fazer aquilo que os militares democráticos, não conseguiram até ao momento.
Por seu lado o Estado Novo solidifica o seu regime, criando a 28 de Janeiro a Acção Escolar de Vanguarda, onde a juventude fascista é arregimentada, e a 16 de Dezembro verificam-se as primeiras eleições legislativas fantoches, já que só é permitido ao partido único, União Nacional, concorrer. Durante a 'campanha' Salazar utiliza pela primeira vez a Rádio como meio de comunicação com o povo.
Em Junho,
realiza-se no Porto a I Exposição Colonial Portuguesa, uma operação de
marketing sobre o império Luso. Se sobre os outros factos, os humoristas pouco
puderam dizer, sobre este evento existem comentários diversos.
Tuesday, December 15, 2020
Caricaturas Crónicas: «Manuel de Macedo, o realismo pitoresco» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 27/7/1986)
Pintor da
comédia dos costumes, Macedo entendeu o realismo como visão satírica, como
realismo da actualidade, visão popular mas erudita, visão paralela à de
Nogueira da Silva, só que numa outra evolução estética mais conseguida.
«Espirito
eminentemente moderno - definiu-o Ramalho Ortigão – todo penetrado dos processos críticos das novas escolas literárias e
artísticas, amante fiel da realidade, estudando incessantemente o modelo e a
vida, possuindo a consciência plena do fim social da arte». (in «Farpas»
vol. XII). Falava de Manuel Maria de Macedo Pereira Coutinho Vasques da Cunha
Portugal e Menezes, um nobre na arte realista do costumbrismo, um cronista em
humor pitoresco conhecido nas artes por Manuel de Macedo (1846-1915).
Oriundo de uma família nobre, filho de um Par do Reino,
teve oportunidade de conviver durante a infância com estrangeiros, de cultura
superior, de receber lições de artistas em passagem pelo nosso país, ou seja,
um ambiente raro de cultura e arte. Trabalharia também com o Mestre
Annunciação, durante ano e meio.
Entretanto, por morte do pai, e como filho segundo,
viu-se na necessidade de trabalhar para sobreviver, apesar do apoio de seu
irmão mais velho, também ele futuro Par do Reino.
Em 1858 está no Porto, e aí permanece dois anos em
total integração com a colónia inglesa. Conhece e estuda com o escocês Alfredo
Guilherme Howel, desenhador e aguarelista que o orienta desde logo, para o
estudo dos costumes, para a visão do povo na sua realidade vivencial. Um gosto
fomentado por essa colónia, que foi o seu primeiro público admirador.
Após estes primeiros trabalhos, passará magistralmente
pela cenografia, em trabalhos realizados em Coimbra e Lisboa. Nesta última
cidade, onde se fixou definitivamente, o seu campo de actividades artísticas
abriu-se com a gravura, a ilustração, a caricatura e a crítica.
«Em 1872
houve uma tentativa em favor da publicação ilustrada e, a convite do gravador
Pedroso, fez Manuel de Macedo alguns ensaios d’ilustração; popularizando-se a
gravura, o nosso artista lançou-se abertamente n’este género de trabalho. /…/
Typos populares d’uma rigorosa naturalidade, animados d’intensa vida e d’uma scintillante
veia humorística, que os torna congéneres dos typos do imortal Gavarni» (Artur Ribeiro, in «Artistas Contemporâneos»).
Tendo-se iniciado pela realismo costumbrista de influência inglesa, entrava
na gravura pelo realismo pitoresco-humorístico de influencia francesa. Seria
também, esta cultura que o inspiraria na fundação de revistas de crítica
literária e artística como «Artes e Letras» (1872), «Occidente» (1878).
Manuel de Macedo acabaria por ser também professor de
desenho no Instituto Industral de Lisboa, publicando como complemento alguns
livros de vulgarização artística e técnica, das artes do desenho.
Para além da crítica de arte, ou crónicas, como ele
chamou (assinadas, por vezes, com pseudónimos de «Spectador» ou «Pin-sel»,
seria o primeiro conservador do Museu Nacional de Belas-Artes, fundado em 1884.
Pinto da comédia dos costumes, Macedo entendeu o
realismo como visão satírica, como realismo da actualidade, visão popular mas
erudita, visão paralela à de Nogueira da Silva, só que numa outra evolução
estética mais conseguida.
«O sr. Macedo
é talvez – escreveu Andrade Ferreira
em 1872 – o nosso artista que possui mais
conhecimentos teóricos. Poucos como ele, falam tão bem a linguagem de atelier e
entram mais facilmente na parte técnica da arte.
/…/ Abraçou
com encarecimento os princípios da proclamada escola realista» (in «Artes e Letras».
Erudito eminente, seria companheiro de tertúlia de
Manuel Maria Bordallo Pinheiro, apoiando-o na sua tentativa de realismo, na sua
campanha de crítica às artes portuguesas e sua dinamização, trabalhando com ele
a gravura, e orientando ambos o gosto de um jovem, que também ele começaria por
ser costumbrista, realista, antes de ser o fundador do período de ouro da
caricatura oitocentista portuguesa, falo claro de Raphael Bordallo Pinheiro.
Caricaturas Crónicas. «BANHADAS» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 24/8/1986)
Narra
a lenda que quando o rei fazia anos, o reino metia água, ou seja, era a altura
do banho anual do súbdito. Hoje, com a implantação republicana, as lendas e
narrativas são outras, assim como as banhadas.
Já
não há reis, mas presidentes, só que estes proliferam nos clubes,
administrações, mesas, assembleias, freguesias... o que provocou um natural
aumento, inflacionário, de dias de banho.
Tomava-se
banho como penalização real, toma-se banho por satisfação termal, já que,
entretanto, após as glaciações invernais, foi aquecendo o tempo,
político-climatológico, provocando os «verões quentes», e quentes verões. Se,
nos primeiros, as banhadas são impostas, nos segundos, surgiu o banho como
descoberta da nobreza ociosa, da gente de sociedade, que das redes de peixe
fizeram rendas de bilros. Foi a descoberta da areia; do sol, da água como
recreio, a moda do despir, das temporadas de praia.
As
temporadas são períodos de tempo, o qual é soalheiro ou invernoso, como se os
extremos fossem unos em lazer. As temporadas da neve, e as do mar polarizam
assim os gostos, que as meias-tintas são a monotonia do burguês em pantufas.
Num
país de praias e descobridores, a capital descobriu a moda das estâncias
balneares em Pedrouços, depois AIgés... Caxias... Carcavelos... Parede...
Estoril... o «Tejo de Christal», um prazer que se foi afastando, até o cristal
passar a garrafão, e finalmente em plásticos e esgotos.
Se
foi difícil a implantação do gosto pelo banho, hoje os preparativos para o
banho em certas zonas coincidem ainda com os trâmites de outros tempos: «Tendo
esperado confiadamente que passem os caniculares e que o tempo assente,
resolve-se tomar uma deliberação. - Não se me irá transtornar a natureza?.. -
Em todo o caso sempre me purgo... - Venha lá uma gotinha d'água pela cabeça...
(de regador)» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «Antonio Maria», de 16/9/1880).
Instituindo-se
algumas dessas praias, como medicinais, mantêm hoje os mesmos trâmites, só que
inversos. Antes ia-se primeiro ao médico, agora vai-se depois.
Os
banhos de água doce toleravam-se por imposição, enquanto que os de mar eram
reservados como terapia contra as mordeduras de cães raivosos, por exemplo. E
se ontem se curava a raiva, hoje ficamos raivosos com as longas bichas, com as
multidões, com os garrafões e rádios aos gritos, com os preços balneários.
Expandiu-se o hábito de tomar banho provocando graves problemas à vida social,
já que proliferou como virose de férias, e como emigração populacional para a
grande banheira, que é o mar. Um problema social, por ter sido o desgaste de
regalias da sociedade ociosa, e uma alteração civilizacional, por vir a ser a
transformação das zonas ribeirinhas, em antros comerciais.
Para
a beira-mar se deslocam, em excursões, na procura do sol, que quando nasce é
para todos, e das banhadas, como se as que os políticos proporcionam,
constantemente, não fossem suficientes. Chamem-lhes «pacotes», ou «ondas», e a
nossa vida anda como as marés, com a Lua; e aos altos e baixos.
Mas
quais as razoes porque tomamos banho nas praias? «Por ordem do médico (contra a
dita raiva, que hoje chamam de «stress») / Por limpeza e ingenuidade (pois
crêem ficar mais limpos, depois da imersão em tais águas) / Por namoro (que aí
não se podem esconder as misérias, sobressaem as virtudes)/ Por modo de vida
(de Tarzans e afins) / Porque ele é belo e quer mostrar o busto - Mas a verdade
é porque andam muitos pés sujos por aí.» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «António
Maria», 16/9/1880.)
Monday, December 14, 2020
12th International Tourism Cartoon Competition (2020)
THEME:
The theme of the competition in 2020 is:
1) Tourism in Coronavirus days,
2) Tourism after the Coronavirus,
3) Social distance in tourism.
Cartoons about these three themes can be sent to the competition.
CATEGORIES:
Cartoons will be accepted in two sections:
Adult Category: This
category is open for the all of cartoonists who are 17 and older. Category
should be noted when cartoons are submitting. Grand award, second award, third
award, Professor Atila Özer recognition award and three mansions will be given
in this section. Finalist cartoons in this section will be published in the
album.
Young Category: This
category is open for the cartoonists who are 16 and younger. Category should be
noted when cartoons are submitting. Grand award and two achievement awards will
be given in this section. Finalist cartoons in this section will be published
in the album.
IMPORTANT DATES: Deadline for
Submission: 31 December 2020
Meeting of the pre-Selection Committee: 23 January 2021
Announcement of finalist cartoons (for possible objections): February 1
– 9, 2021
Notification of Winners: April 2021
AWARDS
Category of Adult Cartoonists
The Grand Award: $1000
The Second Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons,
Full pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)
The Third Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons, Full
pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)
Professor Atila Özer Recognition Award: $750
Category of
Young Cartoonists
Awards Prizes
The Grand Award: $750
The Second Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons,
Full pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)
The Third Award: Holiday in Turkey (5 days, 2 persons, Full
pansiyon) (Four Points by Sheraton İzmir)
CONTACT
For further information and cartoon mailings:
Prof. Dr. Nazmi
KOZAK
Anadolu Üniversitesi
Turizm Fakültesi
Yunus Emre Kampüsü
26470 Eskişehir/TURKEY
E-mail: tourismcartoon@gmail.com
http://www.tourismcartoon.org/en/simdiki-yarisma/karikatur-gonderme/
Nazmi KOZAK<nkozak@anadolu.edu.tr>
For further
information:
http://www.tourismcartoon.org
Caricaturas Crónicas: «Almada Negreiros – o caricaturista» por Osvaldo Macedo de sousa (in Diário de Notícias de 13/7/1986)
Nasceu como caricaturista numa opção de «esquecer Raphael Bordallo Pinheiro em favor de Celso Hermínio». Nesta opção está já patente a filosofia que orientaria a sua obra, ou seja, a linha como liberdade e contorno.
Portugal sempre procurou ser um jardim plantado à
beira-mar, mas raramente se preocupou em mudar as flores velhas, ou eliminar as
ervas daninhas. Se alguém deseja ver as
flores mudadas, ou ver novas culturas, tem de as procurar para além da nossa fronteira,
ou criar um mundo á parte, um mundo de «Humoristas», «Modernistas»,
«Orphistas», «Futuristas»… e foi isso o que tantos artistas procuraram fazer
nos anos dez do século XX, quando a seiva de Barbizon já tinha os seus frutos
envelhecidos.
Utilizando a síntese do mundo, utilizando o símbolo
como abstracção, a linha como liberdade, procuraram uma nova arte, uma nova
filosofia, e porque não, uma nova política. A caricatura era a expressão de um
novo ritmo de «captação» de imagens, em liberdade estética, era o direito à
opinião, à oposição.
Almada Negreiros, um jovem de educação jesuítica,
encarnará a revolta anti-republicana, como frustração pela incapacidade da
revolução realizar as promessas; encarnará a recusa ao conservadorismo e
tradicionalismo monárquicos; testemunhará a sua náusea perante os «Dantas»
deste país adormecido num provincianismo aburguesado. A sua revolta foi o
desejo de criar um mundo novo, que não sabia qual devia ser, mas que sabia como
sonhar. Esse sonho expressou-se, em Almada, como irreverência, como sátira. Os
primeiros sonhos, fê-los em caricatura, para depois se revoltar em dadaísmo ou
futurismo.
Natural de São Tomé, onde nasceu a 7 de Abril de 1893,
veio fazer os seus estudos à metrópole num colégio de jesuítas. Ai aprendeu a
sua revolta, viveu a sua repulsa pelo conservadorismo jesuítico-burguês que
dominava o País. Educado no mundo à sua liberdade, ainda no colégio tenta
expressar o seu espirito irrequieto em jornais manuscritos, ais quais lhe deu
os significativos títulos: »República», «Pátria» e «Mundo».
Após estas experiências que estão datadas de 1906, só
o encontramos em 1911, quando publica o seu primeiro desenho na revista «A
Sátira». Almada nasceu como caricaturista, numa opção de «esquecer Raphael Bordallo Pinheiro em favor de Celso Hermínio»
(como ele próprio disse ao jornal «A Tarde»). Nesta opção, está já patente a
filosofia que orientaria a sua obra, ou seja, a linha como liberdade e
contorno.
Almada Negreiros, o «Português sem mestre», e como tal o Mestre em si, foi também um
debutante, um jovem sujeito a influências, sendo Christiano Cruz o seu primeiro
e fundamental orientador da sua estética. Christiano Shepard Cruz foi o impulsionador
do movimento dos Humoristas, incitando-os a transpor os limites das fronteiras
das publicações periódicas, nas quais se confinavam até então os domínios da
caricatura; incitando-os à revolta contra o naturalismo, para triunfo da linha
como liberdade de expressão. Se Christiano era um mestre da linha livre e
expressiva, Almada foi um brilhante discípulo, cuja obra chamou desde logo a
atenção dos seus contemporâneos, pelo seu humor «aberto, primaveril».
O seu humor era ainda o despontar da irreverência
futura, e por isso, raiava pela ironia, pelo humor suave. Numa entrevista de
1914 à «República», ele defende: «De
entre todos os caricaturistas apenas um soube interpretar com o seu finíssimo
gosto, o mau gosto da nossa sociedade, foi Eça de Queiroz.
E pena é que
Leal da Câmara se tenha interessado pela sua terra apenas pelo lado podre, pelo
lado político».
Esta
opinião não o impede de fazer caricatura e sátira política, de dirigir a mais
acérrima crítica à republica, ao fundar e dirigir a revista pró-monárquica
«Papagaio Real», em 1914.
Em 1912, um ano após iniciar a sua carreira de
humorista, fez uma exposição individual, a qual lhe proporcionou um
conhecimento, um contacto importante para a sua evolução estética. Fernando
Pessoa foi o crítico que descobriu algo mais do que simples humor, ou
inteligência. Pela boca de Álvaro de Campos ele escreveria: «José de Almada Negreiros é mais espontâneo e
rápido (que Pessoa), mas nem por isso deixa de ser um homem de génio. É mais
moço que os outros, não só em idade, mas em espontaneidade bastante distinta e
o que causa admiração é como o haja conseguido tão cedo».
Ele encaminhou-o para a polémica no domínio da
literatura, assumindo neste campo um dos pontos de chefia na irreverência, no
modernismo como futurismo, na vivência como desafio à passividade intrínseca do
português.
Como caricaturista fez a sua política, criou um estilo
de linha angulosa, depois envolvente, permanecendo nessa arte como ligação de
raízes. Depois da década dos Humoristas, voltará à ilustração de humor nos anos
20 e 30, experiencias cada vez menos importantes, em relação ao caminho da sua
obra.
No princípio foi a linha, para depois procurar a pintura, mantendo-se contudo um desenhador. A caricatura não foi pois um período menor da sua carreira, mas a escola de uma mão, a arte de um «português com mestre».