Saturday, April 17, 2021

«Caricaturas de Baltazar Ortega» por Osvaldo Macedo de Sousa in «O Artista» nº2 de arço de 1989

 Antigamente, para se ganhar o titulo de mestre era necessário passar por várias fases, várias provas laborais e só depois de ter subido os vários degraus da arte poderia então ambicionar o título de Mestre. Hoje, sem qualquer experiência, apenas com um canudo debaixo do braço, muitos há que reivindinca a mestria. Não é este o caso de que vou falar, um artista que ganhou a pulso todo e qualquer título que se possa ambicionar, apesar de ele apenas querer fazer o seu trabalho calmamente.

Devido a esta forma de estar, sociável, mas afastado, simpático, mas desconhecido, me dificultar muitas vezes o escrever sobre a vida dos nossos humoristas, mortos ou vivos. É que não abundam as referências biograficas sobre estes artistas, que muitas vezes eram simples individuos que passavam pelos jornais a deixar os desenhos e a levantar o seu dinheiro.

Sobre os que estão vivos, nem sempre é facil chegar até eles, pois primam pela sua solidao, como é o caso de Baltazar Ortega. Ele é um Mestre da caricatura de pleno direito que, com o Mestre José de Lemos, é a presença ainda actuante da geração do «Sempre Fixe», desenvolvendo-se, aprendendo na mesma tarimba profissional, a par de colegas como Albuquerque, Teixeira Cabral, D. Fuas … a par de mestres como Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Leal da Câmara…

Alfacinha da Madalena, Baltazar Ortega conheceu os amargos da vida desde que nasceu em 1919, numa familia pobre. As dificuldades de sobrevivencia apenas o deixaram tirar a segunda classe da instrução pública, entregando-o à escola da rua vendendo jornais ou trabalhando como «mandarete» no café Chiado. Era moço de recados, com esperteza inata a lutar pela vida: «Eis então que percebi, pelas festas, o seguinte – se desse aos clientes, um ou dois desenhos, com palavras amáveis, as gorjetas eram maiores».

Isso tornou-se notado no meio lisboeta do Chiado, ou seja, no meio cultural e jornalístico, motivando o Leitão de Barros, então director do «Notícias Ilustrado» e descobridor de novos talentos, a contratar Baltazar. O contrato incluia os desenhos, fazer recados e obrigatoriedade de prosseguir os estudos.

Assim começou a sua carreira há cerca de 55 anos. Desde ai foi passando por multiplos jormais e revistas, chegando a marcar graficamente durante 49 anos o «Século». Hoje continua a desenhar para o «Diário». Dizem que os temas, as piadas não são totalmente suas, antes dadas em conversas, na redacção, apanhadas nas leitarias que frequenta ou nos transportes públicos (os locais ideais para apanhar o que anda no ar, o que preocupa a sociedade, a fonte pura do humor critico da imprensa), mas ninguem pode dizer que não é sua a arte da caricatura, da linha gráfica incisiva e caustica. Várias vezes me disseram que houve tempos em que, quando surgia uma nova cara na ribalta do humor, os outros por vezes só conseguiam fazer-lhe a caricatura após o Baltazar «apanhar a expressão caricatural».

Baltazar é um clássico, um mestre que domina a técnica do retrato.charge num estilo simples, em que a charge não é um gesto de raiva, mas apenas uma expressão de jornalismo actuante. «Não odeio ninguém. As cariaturas mais agressivas que faço são determinadas pelas circunstâncias criadas pelos próprios políticos. Olha: nem sei odiar, esta é que é a verdade».

Os que o conhecem definem-no como um sorriso largo de bondade, que vive com o coração.


Friday, April 16, 2021

XXI Biennial of Cartoon Humor and Satire, Slovakia 2021


THEME 

Radio and Television — on the occasion of the 65th anniversary of Slovak Television and the 95th anniversary of Slovak Radio 

 COMPETITION DEADLINE  -30. 06. 2021 

COMPETITION PROPOSITIONS 

- Each author can participate in the competition with a maximum of three works that have not been awarded in other competitions. 

- The competition is open to everyone. The method of artistic execution is not limited.

- The works should not exceed the A3 format. 

- The competition is non-anonymous. Each drawing must be marked on its back with the name and the full address of the author 

- The submitted drawings will not be returned to the authors but will become the property of the Municipal Cultural Centre in Nové Mesto nad Váhom. Works are to be delivered by post to the address:

Mestské kultúrne stredisko, Hviezdoslavova 4,

915 01 Nové Mesto nad Váhom, Slovakia, 

or electronically: osten@galeriahumoru.sk 

- The file name must match the following pattern:

surname_name_country_number

(Kovac_Peter_Slovakia_01).jpg,

A4 horizontal or vertical, resolution 300 DPI, format JPG, TIFF.

- If you have submitted your work electronically and it will be awarded a prize, you will be asked to send the original drawing to the organizer within one month of the announcement of the results of the competition to the address of the Municipal Cultural Centre (see above).  

AWARDS 

1. prize Golden Novomestský osteň and 500 €

2. prize Silver Novomestský osteň and 300 €

3. prize Bronze Novomestský osteň and 200 €

- Material and financial prizes are awarded at the ceremonial opening of the Novomestský osteň exhibition which will take place in September 2021 (the exact date will be published in time). In the case you will not be able to participate in person, the prizes will be sent to you. 

- The jury of the competition reserves the right not to award any of the above mentioned prizes, or to award 10 honorable mentions or other special prizes. The jury’s decision is final. 

- By participating in the competition, the participant confirms that he or she is the author of the works and agrees that the organizer of the competition has the right to publish the drawings on the Internet or in other media and also to use them in any other way without restriction. 

- By submitting the works, the author declares that the organizer of the competition has the right to reproduce copies free of charge for publication in electronic means, in printed media and other sources without further consent and rewards. 

- Entries may not infringe copyright or the rights of others, may not infringe confidentiality or contain defamation or insult to any company, community or person. 

- The author sends together with the work a completed participation form which he downloads from the website www.galeriahumoru.sk and fills it in Slovak, Czech or English. 

- By sending the completed form, the author or his legal representatives agree to the processing of their personal data for the purpose of organization of the competition.

Mária Volárová, director of MsKS

Vladimír Pavlík, director of the competition

Download form

 



Thursday, April 15, 2021

«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1941» Por Osvaldo Macedo de Sousa

1941

O país glorificado na Grande exposição, não deixa de ser um pequeno país, de pequenos grandes homens, que pachorrentamente sobrevivem. Figura dessa cómica tristeza, continua a ser a figura impar do Mestre Stuart, que ao jornal "República", a 13/12/1940, entrevista ("Um Stuart em Lisboa"), pela pena do imparável Luíz de Oliveira Guimarães : Nem todos os dias se encontra um Stuart nas ruas da cidade. Pois um dia destes tive a fortuna de encontrar um: Stuart Carvalhais. Mal o vi, pensei logo: - «Ora aqui está uma entrevista!» E estava mesmo.

- O que pensa de si ? - perguntei-lhe, para começar.

- O mesmo que penso de todos os Stuarts.

- E pode saber-se o que é ?

- Impossível. É um segredo que pertence ao «Foreign Office».

Passemos, por consequência, adiante.

Este Stuart Carvalhais é das pessoas mais curiosas que tenho conhecido. Artista exímio, possuindo talento às carradas, nunca vi ninguém que se preocupasse menos com isso. Com um lápis ou um pincel nas mãos faz verdadeiros prodígios - e quasi se ofende se alguém lho diz. Despreocupado de «toilette», farripas de cabelo ao vento, eterno boémio sempre com o ar de quem perdeu a noite, há, entretanto, nele qualquer coisa que traduz uma personalidade inconfundível. Meio filósofo, meio «clown», espírito ao mesmo tempo grave e infantil, moço e reflexivo, um fato mal feito, um chapéu às três pancadas, preocupando-se seriamente com os problemas fúteis, soprando, num sorriso, os assuntos carrancudos como se soprasse o fumo dos seus próprios cigarros,   espécie de «bébé» de 60 anos, espécie de velho de 25, este Stuart Carvalhais daria um estudo profundo de trezentas páginas - ilustrado por algumas dezenas de caricaturas. Há, por vezes, simples anedotas que valem páginas de biografia. Uma bela ocasião, Stuart permitiu-se caricaturar determinada figura política. O caricaturado, julgando-se ofendido no seu prestígio de homem público pela irreverência do desenho, perdeu a cabeça, foi às do cabo e mandou duas testemunhas ao caricaturista. desafiando-o para um duelo. As testemunhas viram-se em palpos de aranha para se avistar com Stuart. Depois de longas pesquisas encontraram-no, por fim, quasi de madrugada, com um ligeiro grão na asa, sentado a uma mesa de «café». O artista ouviu-as, acendeu um cigarro e exclamou, perante o sorridente assombro dos seus interlocutores:

- Muito bem. Podem dizer ao meu adversário que eu não me bato, nem que me matem !

Com uma «blague» risonha desmanchara a gravidade da situação. Com um dito de espírito, toque do melhor florete, vencera, despreocupadamente, o seu adversário. está definido o homem.

- Quantos anos tem você, ó Stuart ?

Logo ele

 - Sei lá. Nasci no princípio do mundo. Quem é que pode saber os anos que o mundo tem ! Só me lembro que nasci a 7 de Março, numa quinta-feira, às 6 horas da manhã…

E franzindo o nariz:

-Imagine, ás 6 horas da manhã ! Eu que sempre gostei de me levantar tarde !

- O seu primeiro desenho ?

- Deve ter sido feito em Espanha, em Zalamea - claro - La Real como todas as Zalameas de Espanha…

- Em Espanha ? Mas então…

- Não se admire. Meu pai trabalhava nas minas de Rio Tinto. Fui para lá com meses. Lá passei alguns anos. Foi em espanhol que aprendi a ler. Quando vim para Portugal, mesmo, só sabia algumas palavras em português: «mira», «usted» e «torrão de Alicante»…

- Depois fez-se artista …

- Artista ? Mas ser artista é ter talento, possuir garra, ser condecorado… Eu não, eu nunca pintei nada…

E riu-se:

- Faço bonecos. Para distrair a fome… Artistas são os outros… Um dia, uns amigos disseram-me assim : - «O Stuart, tu precisas de uma comenda, de um hábito…» Sabe o que lhes respondi: - «Obrigado, rapazes. Para hábitos, bem basta os vícios que tenho !»

- Qual a sua opinião sobre a arte ?

- Deixe-me acender um cigarro, que o assunto pede fumo. A Arte, na minha opinião, é uma mulher como as outras. Quem pode gabar-se de perceber alguma coisa de mulheres ! Cá por mim…

Depois de um silêncio:

- E olhe que as mulheres, tais como são, , ferozes, exigentes, ciumentas, mentirosas, são ainda a melhor obra de arte conhecida. Repare para uma perna de mulher, por exemplo - uma perna de mulher bem feita, evidentemente - e veja que maravilha de leveza, de equilíbrio, de perspectiva… Dir-se-ia que foi ali que o Criador se deteve mais tempo…

Revoadas de raparigas passavam, perto de nós, frescas, risonhas, de saias curtas, de pernas à mostra.

- Veja, veja isto… Que belas-artes !

A voz estridente de um garoto apregoando os jornais da tarde veio desviar a nossa atenção para o panorama do mundo.

- Que lhe parece a guerra ?

- A mais séria e a mais dolorosa de todas as caricaturas. E para quê ? O mundo será sempre o mesmo.

Nesta sequência de entrevistas que Luíz de Oliveira Guimarães realizou para a "República" (no ano de 1940, mas que só agora falamos por no espaço para esse ano já existir demasiada informação), transcrevemos agora a que realizou com outro mestre da caricatura de então: Francisco Valença (E os seus quarenta anos de caricatura a 25/10/1940): Uma senhora perguntou, uma vez, a Francisco Valença, como é que ele conseguia fazer caricaturas tão pitorescas. Logo o brilhante caricaturista respondeu com a cândida ingenuidade de uma donzela de buço:

- Copiando, o mais fielmente possível, os modelos, minha boa amiga…

Foi sem dúvida, por essa razão que o Diabo, certa tarde em que Valença o visitou, lhe apareceu com uma máscara sobra a cara.

Fisicamente, Francisco Valença é a pessoa mais tímida, mais cândida, mais virginal deste mundo; dêem-lhe, porém, um lápis e uma folha de papel para as mãos - e todo ele se encrespa, se eriça, se transfigura. É, então, um Hércules atirando um dardo. Verdadeiro mestre da caricatura, depois de Rafael Bordalo, poucos se poderão gabar, como ele, de fazer e desfazer uma reputação, com meia dúzia de traço. tendo nascido caricaturista, caricaturista há-de morrer - se deus lhe der vida e saúde. Colaborador disputado, todas as revistas e todos os jornais da especialidade têm publicado desenhos seus - sem exceptuar a folha oficial, e digo assim: porque na própria folha oficial saiu, em tempos, um desenho da autoria de Valença, reproduzindo uma rara jóia pré-histórica que convinha tornar oficialmente conhecida. Ora aqui está uma coisa que nunca aconteceu, certamente, a outro caricaturista: ter colaborado no «Diário do governo»-

- Ó Valença, quando é que você começou a fazer caricaturas, caricaturas a sério, é claro ?

- Ao tempo que isso vai… - responde-me ele.

E depois de um silêncio:

~- Comecei na idade da «pedra», da pedra das aulas primárias. depois ilustrei as paredes do Instituto Industrial, à Boa Vista, com as caricaturas de Elvino de Brito, do Cândido Correia, de Mauperrin Santos, de Alfredo King e de outros professores… É certo que os contínuos, respeitosos do corpo docente, apagavam logos as ilustrações, mas nem por isso a arte deixou de ser eterna. Agora oiça…

Preparei o ouvido.

- Um belo dia, que vejo eu ? Uma escada de mão, muito grande, encostada a uma parede que andava em obras. Não hesitei um momento; subi até ao último degrau e fiz as caricaturas a seis metros da altitude, convencido de que, escondida a escada, seriam invulneráveis as obras-primas. Puro engano. Passados dez minutos, estava em presença do director, que era Fonseca Benevides. «V. Exª desculpe se eu fiz hoje as caricaturas mais altas do que o costume, mas pareceu-me que os retratados deviam ficar à altura dos seus elevados méritos». Foi a única explicação que me lembrou. Fonseca Benevides, a bondade em pessoa, de começo franziu o sobrolho, depois sorriu-se e acabou por me aconselhar a não reincidir nas homenagens, fosse a que altura fosse…

/…/ - Qual a sua opinião sobre a caricatura ?

- Isso, é muito sério ! Bem vê, sou caricaturista… /…/ É fora de duvida que a caricatura tem de considerar-se uma verdadeira arte plástica cuja forma ou cuja ideia é, essencialmente, irónica. Entre nós há ainda quem lhe negue foros de arte. Há gente capaz de tudo - até disto. A verdade é que a caricatura, seja pessoal ou política, fantasista ou anedótica, constitui uma expressiva e eloquente manifestação artística. Com uma vantagem: todos a compreendem desde que não sejam cegos. De resto, os melhores retratos de todos os tempos participaram sempre, até certo ponto, da expressão caricatural…

- Parece-lhe que ainda existe humorismo neste recanto, à beira-mar ?

- Existe como existiu sempre. Está mesmo na alma e no espírito do povo português. Ainda não há muito - lembra-se ? - os humoristas o evocaram, numa sala das Belas Artes, sob a batuta fulgurante de Leal da Câmara… Meios de pegar nesse humorismo nato, de o desenvolver, de o expandir, de lhe criar atmosfera, é que não há com a necessária amplitude …

- E entretanto…

- Diz o meu amigo muito bem… E, entretanto, o humorismo nunca foi tão imprescindível como na hora pessimista que o mundo atravessa, sob todos os aspectos: político, artístico, económico…

- Agora por económico: você, dizem que tem ganho uma fortuna com os bonecos…

- Bonecos, virgula: caricaturas é que é. Quanto a fortuna, tenho ganho o «bastante» para não ter crédito - em papeis evidentemente… Lembre-se que já João Chagas dizia que isto de caricaturas era ofício mau. E é - salvo seja para o cofre do meu Bairro fiscal, que todos os anos abre a boca para saborear alguns escudos em que sou colectado.

/…/ - Trabalho já não me falta! Se eu lhe disser que trabalho até quando os outros descansam - aos domingos. É a minha «folga». Pode tudo desertar: eu tenho de ficar, debruçado sobre a mesa, «sempre fixe», como numa trincheira - enquanto o Pedro Bordallo me não der as divisas brancas de reformado…

Franzindo o nariz:

- Já André Brun dizia: quantas lágrimas custa, às vezes, procurar fazer rir !

- Conheceu muito André Brun ?

- Se conheci ! Pertencemos ambos ao grupo «Águia». Há quarenta anos. Ouviu falar ? Era uma espécie de « Vie de Bohéme» em pleno 3º andar da Rua da Madre Deus. Os heróis eram o André Brun, o Carlos Simões, o Luíz Silva, o Walbeehm, já levados pela morte; o Eugénio Vieira, o Trindade Chagas, o Manuel Ribeiro, que felizmente ainda vivem. E este seu amigo. De quando em quando, ainda que não pertencessem ao grupo, apareciam por lá o Tertuliano Marques, o Rocha Martins, o Albino Forjaz de Sampaio e o Henrique Marques Júnior…

E num sorriso:

- Tínhamos, então, grande ilusões. Usávamos chapéus de aba larga, gravatas à «La Valliére», bengalões enormes. Todos fumávamos cachimbo - e que cachimbos ! …

No norte, o humor pontificava pela pena de Octávio Sérgio, que neste ano fará a sua 21º exposição individual, cujo Diário de Lisboa (de 13/6) noticiará da seguinte forma: Octávio Sérgio, o distinto caricaturista que, embora tivesse nascido em Peniche, é portuense pelo coração, expôs, no Ateneu Comercial do Porto, uma grande e valiosa colecção de desenhos, aguarelas, esculturas e caricaturas, que tem sido muito apreciadas.

/…/ Octávio Sérgio é ao mesmo tempo um artista e um cultor das letras. O seu nome de jornalista iguala o de humorista. espírito fino, cheio de sensibilidade, profundamente emotivo, o seu talento compraz-se, sobretudo, na caricatura, carregando-a, porém, dum alto sentido moral e social. O que Octávio Sérgio procura na sua arte não são exageros, como é vulgar encontrar-se. As suas caricaturas de figuras valem pela verdade física e psicológica.

Só mãos privilegiadas, só uma penetrante visão como a de Octávio Sérgio podiam sugerir tão admirávelmente, e expressão, o gesto, o sorriso que melhor caracterizam o caricaturado. Os seus desenhos não precisam catálogo nem legendas para serem rapidamente identificados…

Estando em fase de apreciação de diferentes traços caricaturais, segue uma crítica de arte de C.T., publicada em a "Acção" (de 1/5/1941). Fala de um tal Laginha, ao mesmo tempo que disserta sobre a arte Arnaldo Ressano: Notas de Arte Cari-Caturrar

O que nos faz pensar em Ressano Garcia, quando vemos as caricaturas de Laginha, em exposição n' "O Século" é que ambas têm de monstruoso, de teratológico; no entanto, os campos são distintos, se analisarmos de perto os trabalhos de um e outro.

Ressano arregaça as mangas para tratar a cara do sr. X - e, se a sua invenção é realmente notável, no que diz respeito à «geografia física» do paciente - a sua maldade é mais notável ainda. Porque, se a mola que dirige o braço não é a intenção expressa de estigmatizar este de fanfarrão, aquele de velhaco, o outro de «parvenu», etc., a mão caminha de modo a parecer inspirada por… um ferro em brasa mental. Como expressão final - e é pena - as suas coisas são académicas de desenho, são antiquadas; não acompanham, tecnicamente, o locutor espantoso que faz dum nariz - só por si - um poema épico, descobrindo-lhe zonas cilíndricas, poliédricas, planos que as interceptam, superfícies empenadas, rampas, uma paisagem lunar ou tropical e, no fim… um nariz ! - e, o que é inacreditável, o nariz do senhor X, sem tirar nem pôr !

Em Laginha, a ideia de servir ao visitante o espectáculo de uma psicologia - que muitas vezes só é verdadeira  na apreciação pessoal de Ressano - não o preocupa; nem entra no pormenor com essa espécie de predisposição cientifica de professor de geometria descritiva, de homem das matemáticas, com que Ressano, meu antigo e querido mestre, ataca o paciente, trinchando-o diabolicamente. Laginha descobriu o Ovo, o pássaro, o mastim nas fisionomias de X, Y e Z, porque a filiação apenas existe neste outro sentido que não é inteligente, mas que como ela aproxima coisas tão distantes com a cara de X e o ovo de galinha.

Algumas das suas caricaturas são magistrais de achado e de parecença; em geral, porém, o tratamento é desagradável… Laginha: deixe-me dar-lhe uma palmadas familiares nas costas, de amigo que lhe reconhece muitíssimas qualidades e que não quer senão  vê-lo liberto de formulas provincianas antiquadas, de filigranas chochas… Aqui temos um crítico, que não apenas aponta os erros, como ensina as técnicas.

O País "embalado" nas glórias do mundo português, adormecido pela opressão e censura do pensamento, quando os ventos da guerra já exterminavam a humanidade pela Europa, vivia placidamente nas suas quezílias comezinhas. A questão artística entre os novos subsistia, quando aos revolucionários já faziam retrospectiva de saudade : Quando saí da tua exposição - «Trinta anos de desenho» - trazia comigo trinta anos de saudade ! -palavras de C.T. in "A Acção" de 3/7/1941 sobre a exposição de Almada Negreiros - Outros que vão lá vêem apenas os teus trabalhos: eu, pelo que tu representas no meu passado, vejo ali trinta anos de Almada e trinta anos de mim próprio: Saudade !…

/… / Tu já não és: nem o excêntrico que um dia se vestiu dum azul que não era «o da tabela para homens» e provocou escândalo no Chiado; nem o revolucionário do «K4 o quadrado azul», das conferências futuristas no Teatro da República e na Liga Naval, e doutros desabafos; nem o agressor de altas personalidades em panfletos de «Morra, pim !»; nem o homem perigoso, nem o louco perigoso; Hoje és o Almada de sempre, apenas com a diferença de seres o Almada aceite, o Almada compreendido. Quer isto dizer que foste sempre o mesmo e que apenas os outros levaram trinta anos para chegarem a perceber como tu eras então !…

/…/ Em vários terrenos seguiste sempre à frente: tivemos muitas vezes de correr para te acompanhar… Não seu para que se inventou então a designação de futuristas, quando havia a de percursor

Almada já não era o irreverente satírico, antes um artista da vanguarda arregimentado pelo sistema político. O desenho de humor, que se no início foi motor de irreverência estética, com o tempo passou a ser mera sobrevivência, caindo na anedota simplista. Só de quando em vez, as suas experiências de desenho se depreendem nos grafismos humorísticos, feitos na maioria das vezes à última da hora. Na realidade, salvo um ou outro raro exemplo, o humor gráfico ia-se afastando da vanguarda estética nacional.

Contudo há casos …


Monday, April 12, 2021

Festival Karika / Fete 2021 Centre Africain de la Caricatura Rep. D. Congo


 


Livros de Arte / A Arte em Livro: «Portugal: O riso e a Raiva» por Osvaldo Macedo de Sousa in «Artes Plásticas» nº 17 Maio 1992

Riso ou sorriso de prazer, é ver que as editoras finalmente dão valor à caricatura, editabdo livros de arte sobre a mesma. Pena é que os livreiros ainda não tenham compreendido o que é caricatura / humor. Por essa razão é normal ver os livros de humor, por serem de «bonecos», estarem nas prateleiras dos livros juvenis, em vez  das prateleiras de arte. O mais curioso é o que se passa na Bertrand com o livro «Caricatura Politica em Portugal», um livro sobre a historia da caricatura que não se encontra  na arte, mas nas ciencias políticas…

Voltando ao tema desta resenha critica, é com agrado que vejo a edição de um livro sobre a caricatura do final do seculo XIX. Da autoria de A. Farinha de Carvalho, «Portugal o Riso e a Raiva»  (Prefaciado por António Valdemar) é uma viagem pelos trabalhos de Leal da Câmara,  Trindade Correia, Chico Lisboa e J. silva nos jornais «A Marselheza» e «A Corja», dois periódicos fundados por Leal da Câmara, os quais foram uma pedrada no charco monárquico e republicano, ao levantar esta ultima ideologia como solução única para o país, ao impô-la como solução em revolução armada.  Estes dois periódicos transformaram o desenho irónico complacente que dominava a imprensa, em sátira panfletária.

O texto de Valdemar, como sempre, é precioso e cumpre a sua função de prefácio. Pena é que Farinha de carvalho não tenha ido tão longe na sua análise da época, do riso e da raiva. Deixou que os desenhos falassem por si só…

Se «glorifico» a editora e o autor por esta edição, o mesmo não posso fazer em referência ao preço. A qualidade dos artistas (salvo Leal da Câmara) e das obras não justificam tanto «luxo».

Uma edição mais simples, mais barata  seria o correcto, gastando-se esse precioso dinheiro na edição de outros livros sobre caricatura, que bem falta fazem… até mete raiva.

«Portugal: O riso e a Raiva» é um livro interessante, com o senão do preço.


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