Thursday, April 05, 2007

A Ceia do Zé por Raphael Bordallo Pinheiro


Mudam-se os tempos, mudam as caras dos políticos, mas na realidade nada muda para o Zé Povinho. Continuamos a ser os crucificados, continuamos a ser os mesmos a sofrerem para que outros possam renegar-nos e viver a vida no fausto, no saque eterno da politica

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Monday, April 02, 2007

Conceitos de Humor 3 - DA IRONIA

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Eu só sei que cada vez menos sei. Não é uma máxima da ironia socrática, antes uma reflexão crua da vida que com a idade vamos tomando consciência. Quanto mais queremos aprofundar os conceitos, confrontando-os com a realidade, com a execução no papel, e não apenas no âmbito filosófico, tomamos consciência de que não só não os conseguimos catalogar, assim como ficamos ainda mais confusos.
Prometi que ia falar da Ironia, mas a ironia da vida leva-nos à ironia socrática de que numa boa escrita, nunca se deve repetir a mesma palavra, senão chegamos à conclusão de que “só sei que nada sei”. Na expressão popular, ser irónico é “falar” de uma forma ambígua, expressarmo-nos de uma forma dissimulada. Isto porque a base da ironia do Teatro Grego é precisamente nesse sentido. Na Comédia Grega existe uma personagem tipo de nome “Eiron” que se caracteriza por viver da dissimulação, que nunca revela abertamente o objectivo das suas frases, das suas acções, sendo o contrário do “Alazón”, o fanfarrão que de forma comico-exagerada diz abertamente tudo o que tem de dizer.
Segundo alguns estudiosos a raiz da palavra ironia contemporânea provem desse termo Grego, que para além de personagem era também conceito de forma de estar entre as variantes da comicidade. É um aspecto de comicidade que alguns filósofos, como Aristóteles definem como uma crítica impura, um lógos imoral.
Outros estudiosos consideram que a origem da palavra actual ironizar, provem do verbo grego “questionar”, razão pela qual Sócrates é considerado como o pai de uma certo conceito de ironia, a ironia socrática. A ironia será a base da sua forma de se expressar, não como estrutura de comicidade, mas de dialéctica, de astúcia pedagógica. Através dos contrários, da pergunta respondida com outra pergunta, do fingimento do desconhecimento levando o interlocutor de negativa em negativa até á descoberta da “realidade”, ou do pensamento tal como o primeiro interlocutor desejou desde o princípio impor. Fá-lo sem impor logo ao segundo interlocutor o pensamento, obrigando-o antes a ir ter com ele e descobri-lo como se fosse uma dedução sua.
A anti-frase é um processo de diálogo que pela sua complexidade nos leva ao sorriso pela vitória sobre a arte da dissimulação. A comicidade está no prazer da dedução, da descoberta. Essa a ironia da vida dizer que não para os outros concordarem connosco no sim. Sim parece pura politica camaleonica. Por ser um esquema de pensamento obscuro, alguns pensadores apresentam-na como o lado negro do sarcasmo, ao pondo de o confundirem como o humor generalista, definindo-o como obra do diabo, satânica. Outros definem-no como a pureza da inteligência humana, da vitória do existencialismo feito sorriso.
Considerada como uma estrutura não propriamente cómica, já que o seu aliado não é a gargalhada, mas o sorriso, acabou por ser afastada dos estudos do cómico da Idade Clássica e da Idade Média, para ser recuperada aos poucos pela Renascença.
Naqueles períodos históricos viveu-se o triunfo do cómico de grupo, o cómico de massas vividas como canalização dos excessos, como descompressor de tensões. A ironia nunca pode ser, pela sua composição, uma arte de massas, antes uma fórmula de pensamento individualizado, de grupo restrito. Se existiu na Idade Clássica como comicidade teatral, sobreviveu essencialmente como pensamento socrático, para recuperar depois esse lado de singular comicidade a partir do momento da individualização do Homem na sociedade.
A comicidade, como festa, como organigrama de sobrevivência dos povos sofreu no final da Idade Clássica e durante a Idade Média a perseguição do pensamento das religiões monoteístas, principalmente do pensamento cristão, aterrorizado pelo triunfo da irreverência. Neste âmbito o gozo da carne, o gozo do cómico era uma ameaça para a consagração do sofrimento, da dor de Cristo. Os Homens não devem viver o triunfo do riso, antes viver o medo do Inferno, o medo do pecado. O riso era muito mais perigoso que a palavra, razão pela qual todas as ordens monásticas o vão condenar e considerar o pior inimigo fo voto do silencio. Uma palavra pode-se sussurrar sem perturbar os outros, enquanto que o riso não só denuncia o pecador, como contagia. Mas a ironia da vida fez com que fosse a própria igreja a recuperar a Ironia como arma de púlpito na guerra entre reformadores e contra-reforma.
Com o Renascimento verifica-se e decomposição do riso popular, do riso de grupo +ara impor o riso individualizado, mais subjectivo. Essa subjectividade é o fim do riso como cumplicidade social contra o poder, é o triunfo do controle do riso pela ética, pela moral, pela política. A comicidade deixa de se basear no baixo-ventre, para se impor como estrutura especial de pensamento, muito mais intelectualizado, onde o Humor triunfará sobre o chiste, sobre a brejeirice. Renascem velhas estruturas de ironia, de sátira, de sedução cómica. O grotesco dá lugar ao subtil pensamento. Maquiavel será um génio da ironia, mas de todas as ironias a que mais se celebrará pelos séculos será a de d. Quixote, serão as obras de Cervantes.
A ironia por ser uma estrutura de pensamento elaborado, diz-se que a ingenuidade não tem cabimento na sua formulação. Ora o D. Quixote é precisamente um jogo de ambiguidades onde se põe em conflito uma certa ingenuidade e a realidade. A ambiguidade não está na escrita de Cervantes, mas na realidade, e D. Quixote obriga-nos a ver o sensato no contra-senso do insensato. É uma reflexão sobre a vida em que a comicidade trágica nos mostra a comédia do mundo e que no meio do riso e do choro nos faz compreender a relatividade da verdade perante o mundo. A ironia das ironias é quando D. Quijano está a morrer, deixando cair o sonho de D. Quixote, vencido pela mediocridade dos loucos que não compreenderam que ele era um louco só porque o queria ser, clama que sonhar pode ser loucura, mas maior loucura é o Homem deixar-se “morrer”.
A ironia ganhará maior força com o Romantismo, onde a aparência se sobrepõe ao real, onde tudo não passa de uma encenação poética. Todo o pensamento procura ter um sentido filosófico em ironia de dissimulações. O Belo é coroado como o ideal do ser humano, e tudo tem de procurar atingir esse ideal. A Moda é um estado de ironia mental, em que se procura esconder a realidade com máscaras. O Marketing é a vitoria da ironia das necessidades…
O humorista desta Idade Contemporânea, refutando a comicidade do grotesco, sonha em ser um “Quixote” da sociedade, procura ser um “naif” à procura da pureza da humanidade. Quer usar o humor como um “binóculo” para alertar os Homens de seus erros, procura denunciar os defeitos e incongruências dos políticos e dos senhores do poder, mas como ingénuo que procura ser, não atinge minimamente os seus objectivos.
O Humor puro é simples diversão. Faz-nos sorrir e chorar. Faz-nos rir e amar, mas raramente catequizar, pois vivemos num mundo individualista, individualizado. Por esse motivo ao humor teve que se adoçar outras formulas mais irreverentes, como é o caso da ironia.
Com o século XIX deu-se o triunfo da ironia que o final do séc. XX subverteu, levando os políticos a impor ironicamente a fórmula da ética do “politicamente correcto” para se defenderem das farpas mais agrestes. Com a ironia romântica a critica humorística jogou ao rato e gato com a opressão, com a censura que o liberalismo ironicamente criou como sua defesa contra o absolutismo. Contra a opressão jogou com a opressão e ao pensamento critico só lhe restou o arte da dissimulação irónica em ironias politica e sociais. Dessa forma se procurou manter a democraticidade do humor, brincando com contraste, com alegorias, com paródias, mantendo o ECO do sorriso (Elegante, Conveniente e Oportuno), e estabelecendo empatias de cumplicidade e de reconhecimento das criticas.
Mas nem todos conseguem manter esse ECO, ou nem todos os políticos e senhores do poder merecem ser tratados com dignidade. Por vezes a irreverência tem que ir mais fundo, tem que ir ao âmago da alma da sociedade. É necessário recuperar a critica do grotesco, de denunciar os ridículos, e nesse caso nada como a sátira para dentro de uma certa estrutura democrática atingir mais fundo a crítica.
Será de sátiras, não de sátiros que procurarei falar futuramente.

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