Saturday, February 20, 2021

Caricaturas Crónicas: «Zé Penicheiro - a caricatura em volume» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 26/11/1989

Uma obra – caricatura, bonecos, pintura – que assenta na fauna humana de personagens surpreendidas nos palcos marítimos e campesinos, onde se ganha «o pão que, muitas vezes, o diabo amassou». Uma arte com um cunho de verdade.

 

Há nomes que de imediato associamos a uma profissão, a uma arte, e depois quando começamos a coscuvilhar o seu passado, a sua vida, descobrimos outras paixões, outras vivências.

É o caso do Zé Penicheiro, um artista popular que eu associava à pintura e recentemente descobri as suas origens caricaturais, seja a duas como a três dimensões.

José Penicheiro é um beirão de Candosa (Tábua 1921). Mas figueirense por adopção, nascido há mais de cinco dezenas de anos. Desde a sua infância se radicou na Figueira da Foz, onde ainda hoje tem um estúdio e galeria de arte (Buarcos). Aí, foi crescendo a pulso, sem escola artística, para além da rua, da sua curiosidade e perspicácia, impondo-se como um artista popular.

Como muitos outros, lançou-se na arte através da caricatura, publicando os primeiros desenhos, em finais de quarenta, no jornal portuense «O Primeiro de Janeiro». Após o êxito destas primeiras colaborações jornalísticas, diversificou o seu trabalho para outros periódicos, como «A Bola», «Os Ridículos», «Sempre Fixe», «República», «A Bomba», «O Brincalhão»…

A pardessa sua entrada no mundo gráfico, Zé Penicheiro surpreendeu o meio artístico e humorístico com as «caricaturas em volume». São esculturas em madeira, numa transposição do traço síntese do modernismo, para a tridimensionalidade, num compromisso com a bidimensionalidade do desenho e da prancha de madeira, evidenciando não o volume mas o contorno. Deste jogo, ou confronto técnico, provém a originalidade deste trabalho, a mestria caricatural deste artista que se impôs fulgurantemente.

Relacionado com este gosto pela caricatura em volume está também o seu trabalho decorativo grotesco, que realizou ao longo de vários anos para o célebre Carnaval de Ovar. Muitos dos carros alegórico-humorísticos eram concebidos, desenhados por si, contribuindo dessa forma caricatural para a alegria e fama desse carnaval.

Zé Penicheiro é um homem carnavalesco, não só por este trabalho folião como pela sua própria forma alegre de viver e de estar sempre pronto a fazer os outros felizes. Apesar do seu sucesso, nunca deixou de ser um homem simples, um homem do povo, popular, que se inspira nesse mesmo povo. Seja no humor como nas outras artes desenvolvidas por ele, procurou sempre os seus temas no mundo rico que é a vida do dia-a-dia.

Nas ditas esculturas, podemos encontrar, por exemplo, peças com os nomes de Guarda-nocturno, O Fado, A Bisca, Pega de Cernelha, Meninas, Vamos ao Vira, Viva ò Benfica / Porto… pois como escreveu Aniceto Carmona, «nunca é demais frisar que os seus modelos são particularmente inspirados no sabor popular do nosso povo, no humor da rua, no humilde

A sua obra, na caricatura, nos seus bonecos, na pintura, assenta na fauna humana de personagens surpreendidas nos palcos marítimos e campesinos, onde se ganha «o pão que, muitas vezes, o diabo amassou». Deste modo, toda a sua arte tem um cunho de verdade.

A par da caricatura e do humor, foram-se desenvolvendo outras actividades, como a publicidade, outras géneros e técnicas plásticas como o desenho animado, ilustração, edição de postais, decoração, gravura, painéis decorativos, aguarela, óleo, guache, acrílico, numa diversidade de técnicas que enriqueceram a sua obra e que o foram afastando da caricatura. De registar a sua constância nas galerias de arte, onde regularmente mostrava os seus trabalhos humorísticos, e agora a sua pintura. Hoje, Zé Penicheiro conserva o humor como vivência, optando pela «seriedade» no campo artístico.

 

P.S.: Zé Penicheiro viria a falecer a 16/3/2014


Friday, February 19, 2021

«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1936» Por Osvaldo Macedo de Sousa

1936

Humorismos e Humoristas, para muitos, dois bagos do mesmo fruto pecador, são expressões a que nem toda a gente liga o verdadeiro significado que contem.

Certo é que o humorismo puro e o humorista realmente digno deste nome formam duas instituições que devem merecer, não apenas respeito, mas admiração. «A única forma de encarar a vida a sério - suponho que foi Oscar Wilde quem o disse - é encara-la a sorrir». Profunda realidade. O humorista é, em última análise, o único triunfo certo da filosofia. Os humoristas - os que forem dignos deste nome, repito - constituem na História multi-secular deste mundo, os verdadeiros filósofos.

Palavras de Luíz de Oliveira Guimarães (in "A República de 10/6/1041), um dos fundadores da historiografia da humor nacional (natural de Espinhal/Coimbra 19/4/1900). Alberto Meira (natural de Viana do Castelo 12/1/1884) emparcereirá nesta investigação, principalmente com o levantamento de biografias de humoristas, seja na revista "Limia" de que foi Director, como na "Prisma" e no "Tripeiro". Sabe-se do seu desejo em um dia escrever a História da Caricatura em Portugal, projecto que acabou por não concretizar

Por seu lado, Luíz de Oliveira Guimarães será ao longo destas décadas de 30/40/50 o investigador e cronista mais interessado neste campo. Será um globetrotter da entrevista cultural, das conferências, da organização de eventos, de exposições ao lado de Leal da Câmara, de Arnaldo Ressano…, das crónicas irreverentes… Neste mesmo artigo, ele defende que há em Camões, um aspecto que, segundo julgo, nunca foi encarado: o Camões humorista /…/ Em todo o caso, penso que esta nova interpretação, ou, talvez, com mais propriedade, esta nova versão do seu talento, não desonrará a memória gloriosa do grande vate nacional. Lembro-me é certo, que, há anos, ao procurar demonstrar, numa conferência pública, que Gil Vicente tinha sido, não apenas o fundador do Teatro português, mas cronologista e literariamente o nosso primeiro revisteiro, pouco faltou para que alguns veneráveis homens ilustres me batessem…

Da sua bibliografia (de mais de três dezenas e meia), constam livros como : "Arte de conhecer mulheres" (1923); "As Blagues do Dr. Bonifrates" (1923); "O Direito ao Riso" (1923); "Lóló, Biri e Záza" (1924)… "Os Santos Populares (1931)… "Entre Nós que Ninguém nos Ouve" (1938); "Teatro de Revista" (1940);… "Junqueiro e o bric-a-brac" (1942); "Dize tu Direi Eu" (1942)… "O Espírito e a Graça de Eça de Queiroz" (1945); "Camões Humorista" (1946);… "O espírito e a graça de Camilo" (1952); … "O Espírito e a graça de Fialho" (1957); … "O Espírito e a Graça de Guerra Junqueiro" ( 1968)…

Juíz de profissão, soube julgar com rigor esta arte, esta filosofia de vida como poucos. No seu livro "Direito ao Riso" este pensador escreveu: O riso intelectual não é certamente o caminho mais curto para a felicidade - porque traduz a dor através dum doce sorriso. A grande missão da ironia é tornar o sofrimento humano acessível aos homens que se não interessam por ele - e esta nobre missão, não pode ser, no fundo, uma missão alegre. O humour é esse pequenino, esse leve sorriso desdenhoso que nos ensina a todos, pobres creanças grandes que nós somos, a olhar para os nossos ridículos e a corrigir melhor os nossos próprios defeitos - e a alma desse pequenino, desse leve sorriso não é seguramente, porque não pode ser, uma alma galhofeira: é uma alma sentimental.

O "Almanaque Ilustrado Militar e Naval" deste ano, para além de ter na capa uma ilustração do Coronel Arnaldo Ressano Garcia, é ilustrado por uma série de militares com "jeito" para o desenho, como o Ten-Coronel José Rodrigues Brusco Júnior, Major Teófilo de Leal Faria, Capitão João da Rocha Vieira, Capitão Mário Risques Pereira, Rodrigues Alves… mas destes gostaria de destacar José Brusco Júnior, pela qualidade do seu trabalho, e pela irreverência e originalidade.

Natural de Alcobaça (9/12/1876 - 3/2/49), José Rodrigues Brusco Júnior era filho de militar, e após estudos no Colégio Militar seguiu também essa carreira. Como em todos os artistas, a propensão para o desenho manifestou-se muito cedo, mas sobrevivendo ao longo dos anos apenas como uma diversão, um passa tempo. Esteve em África, esteve em França durante a guerra, e deixou em alguns Quartéis por onde passou testemunho da sua presença, com murais, e caricaturas dos Comandantes. Nesta carreira ascendeu ao posto de Ten-Coronel, contudo problemas familiares levaram-no a pedir em 1920 a sua passagem à Reserva.

A sua reforma passou-a então em Alcobaça, na companhia da sua esposa e amigos. Não se conhecem colaborações suas na imprensa, apenas o encontramos no Salão dos Humoristas de 1926, onde a crítica não é nada simpática com ele. Contudo ele prossegue com o seu trabalho, caricaturando sempre o meio militar, e nesse sentido enviou trabalhos para a 1ª Exposição de Trabalhos dos Artistas Combatentes, organizada pela Liga dos Combatentes em 1937. Esta instituição ficará com estas obras. assim como outras encomendadas para decoração da nova sede. Realizará também uma colecção de postais (assinado por Zé), a "Ornitologia da Grande Guerra", onde os diferentes militares são comparados a uma série de aves. Apesar de o seu trabalho publicado se restringir apenas àquele Almanaque, não deixa de ser uma interessante visão caricatural do mundo, essencialmente militar e equestre, a registar.

Outro nome que passa quase despercebido na imprensa humorística é João Zamith, contudo, a sua forte presença na tradição caricatural coimbrã, merece que se pare um pouco, e se olhe para o seu traço caligráfico, para as suas abstracções caricaturais.

Os poucos elementos que temos sobre este artistas, foram-nos deixados por Alberto Meira, que na revista Prisma escreve: João Zamith foi, pois, um delicado anotador de perfis, traçando-os com elegância, uma frescura e uma verdade, que nos davam a certeza de possuirmos, amanhã um grande artista da especialidade, quando houvess à mão terreno propício para desenvolver os seus apreciáveis recursos.

Infelizmente morreria jovem, com apenas 26 anos. João Luíz Morais Zamith nasceu em Aveiro a 24 de Abril de 1910, e viria a falecer em santa Marta de Portuzelo a 17 de Dezembro de 1936. Diplomado com o Curso do Magistério Liceal pela Escola de Belas Artes do Porto, seria contuso em Coimbra onde deixaria obra impressa (In "O Ponney", "Gimnásio" e "Paracelso"), para além dos múltiplos álbuns de quartanistas das diversas Faculdades de Coimbra (entre 1928 e 1936).

A irreverência, como se vê, também pode ser uma característica de militares, e os marinheiros, por tradição sempre foram os mais revolucionários. A 8 de Setembro é a vez desta arma (ORA) tentar o golpe, mais uma fez fracassado.

Para castigar mais severamente, aqueles que não aceitavam ser manipulados pelo regime, este cria em Cabo Verde de campo de concentração, no Tarrafal, que ficará conhecido como o "campo da morte lenta". Em Setembro é criado mais um organismo de fascização da população, com a criação da Legião Portuguesa.

Entretanto na vizinha Espanha, a direita dá o golpe contra o governo republicano democraticamente eleito, iniciando-se uma Guerra Civil, onde Salazar usará a sua influência para enviar para a morte os refugiados republicanos que fugiam para o nosso país; para usar o nosso país como passagem de material militar para as forças fascistas; para enviar voluntários nacionais de apoios à revolução de direita.


Thursday, February 18, 2021

Anti-racism International Cartoon Contest Norway 2Theme: Anti-racism

 

Anti-racism International Cartoon Contest Norway 2Theme: Anti-racism

Deadline: April 30, 2021  Email: human@toonsmag.com 

About the project Anti-racism International Cartoon Contest Norway 2021 is an International Cartoon Contest aims to support human rights with cartoons. 

This project is an initiative of Arifur Rahman, He is a Founder of Toons Mag, a Norwegian cartoonist, , and Regional Representative (Northern Europe) of Cartoonists Rights Network International (CRNI), and former guest cartoonist of ICORN

Requirements for participating

1. All participants must be 13 or older and open to all artists from all over the world.

2. The cartoon has to be new, never published before.

3. Submitted cartoons can be in color or black and white, in any style or technique.

4. Participants may send a maximum of five works. In the case of including text, it must be

in English.

5. Cartoons with artist's C.V., address (in text or doc. format) and a personal photo have to

be sent to the following email address:  human@toonsmag.com

6. Cartoons can be used for promotion purposes (printing, exhibition, websites, newspapers, online and electronic media, catalog, posters, and invitation cards)

7. Size: A3, JPG format with 300 DPI, wide or landscape format.

 

Awards 

1. First prize: NOK 5 000, or 5 000 PTS.

2. Second prize: NOK 3 000, or 3 000 PTS.

3. Third prize: NOK 2 000, or 2 000 PTS.

4. Ten cartoonists will receive an honorable mention award.

5. All participants whose works will be exhibited will receive a digital catalog and a digital

certificate of participation.

Jury : An International jury of ten members will make a selection of the submitted cartoons, the winners will be selected by the jury votes.The jury members also can be a participant in the exhibition with their cartoon about Anti-racism.  

Exhibitions: We will organize the exhibition of 120 selected works and will publish the catalog. Later, we will inform every participates about the upcoming exhibition date and places.

 


Caricaturas Crónicas: «Rui Pimentel – um caricaturista em ascensão» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 19/11/1989

 Rui Pimentel acaba de ser consagrado pelo júri do Salão Nacional de Caricatura, ao outorgar-lhe o Grande Prémio do III S.N.C. e o Prémio de Caricatura de Imprensa, referentes aos trabalhos publicados em 1988 na Imprensa portuguesa.

Quando há uns três anos reapareceu na cena humorística, poucos especialistas do meio apostavam nele, pois surgia com um traço fraco e um humor nem sempre certeiro; porém, em breve se impôs, ascendendo rapidamente ao grupo de mestres da actualidade.

Ele próprio tem consciência das suas fraquezas: «Quando comecei a trabalhar em “O Jornal” sentia-me perro, não estava a dar o melhor. Na verdade, a prática é a melhor escola, e assim se vai progredindo, o que se reflecte no próprio dia-a-dia, em que o primeiro desenho é pior que o segundo, como se fosse necessário um aquecimento. Mesmo a imaginação é uma coisa que se exercita. Com o continuar do trabalho, surgem sempre mais ideias. É o tal caso de um tanto por cento de imaginação e um tanto de transpiração».

Quando surgiu a caricatura no lápis do Rui Pimentel? «Quando era miúdi já desenhava, e tentava fazer caricatura. Talvez tenha começado mais a sério por volta de 1969 / 70. Nessa altura estava a estudar em Zurique (Suiça por a mão é suiça – Rui Flünser Pimentel), onde tirei o curso de Arquitectura. Comecei a trabalhar em jornais da associação de estudantes do Politécnico de Zurique. Foi esse o meu início».

«Quando regressei a Portugal, em 75, comecei a trabalhar em vários jornais. Publiquei umas pequenas coisas no «Expresso» e no «República», após o que se seguiu a «Voz do Povo» e o «Tal & Qual». Depois, parei um certo tempo, até começar esta minha colaboração mais assídua com “O Jornal”».

As suas principais influências vêm dos caricaturistas Mulatier, Ricord e Morchoisne, ou seja, uma procura do hiper-realismo levado à deformação exagerada. Um trabalho que, apesar da evolução manifesta no preto e branco, encontrou um campo ideal na cor, onde o Rui atinge mais facilmente o apuro técnico e humorístico. Isto não o impede de continuar a procurar uma maior evolução: «Gostaria de melhorar as técnicas, as formas de intervenção. Não me apetece entrar no estilo parado, mas evoluir, retroceder, avançando sem enquistar, sem me aburguesar no traço».

Esta evolução está também ligada à filosofia humorística, inerente aos seus cartoons, principalmente comparando os trabalhos pós-25 de Abril e da actualidade: «Agora há um amadurecimento, que também está ligado aos ambientes políticos, onde não há tanto radicalismo. Muitos ideais foram-se quebrando com a idade, a experiência, reflexão, sem contudo perder a acutilância de espirito. Hoje, não tenho tantas certezas como no 25 de Abril».

Rui confessa-se como uma pessoa insegura, que necessita do apoio, das críticas, das ideias e conversas com os amigos, com a mulher, necessita dos prémios para o incentivarem neste difícil trabalho que é o humor e a caricatura política. Porém, este não é o seu único trabalho, visto exercer a sua actividade de arquitecto, em franca actividade.

Paralelamente, faz escultura caricatural, ou seja, desenho a três dimensões através do papel maché, ou pasta de madeira, assim como gostaria de tentar o cinema, a cerâmica, a pintura, num afogar da sua tendência à dispersão. «Mas prefiro ser isto, caricaturista e arquitecto, a ser mau noutra arte. Sinto-me realizado naquelas duas artes, como também me sentiria se fizesse só caricatura».


Wednesday, February 17, 2021

Caricaturas Crónicas: «Caricaturistas da República – Alonso / Rocha Vieira» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 8/10/1989

Cada época, cada ciclo da História portuguesa teve sempre os seus humoristas, os seus caricaturistas. A I República, naturalmente, não poderia escapar á regra.

 

Cada época tem um factor, que se impõe como imagem simbólica do tempo, e não há dúvida que hoje, quando se fala na I República, a ideia de arte é o modertnismo, a sua luta (falhada) para modificar o pensamento, a sociedade portuguesa.

Também é verdade que esses momentos, apresentados pela historia como fundamentais símbolos da época, passaram muitas vezes despercebidos dos seus contemporâneos, dando maior valor a elementos, hoje esquecidos ou minorados.

Christiano Cruz, Almada Negreiros, Emmérico Nunes, Jorge Barradas… são os nomes que notabilizamos mas, Gastão de Lys, Rodrigues Castañe, João Maria, Silva Monteiro, Sanches de Castro e Joaquim Guerreiro são artistas que mais dominaram o comentário quotidiano à república, com maior repercussão no pensamento do momento, com especial relevo para os artistas Alonso e Rocha Vieira, que se impuseram pelo seu traço e popularidade.

ALONSO – Alonso é o pseudónimo de Joaquim Guilherme Santos Silva, um lisboeta nascido em 1871, que foi mestre na Escola de António Arroio, decorador, ilustrador, banda desenhista, caricaturista e pintor.

Dizem os que o conheceram, que foi na caricatura onde o seu temperamento artístico se definiu com maior força. Possuía uma rara capacidade de narrativa e humor, num traço redondo, decorativo, entre alegorias, metáforas de irreverência irónica. O seu estilo está na transição entre o rafaelismo final (com influencias arte nova) e o modernismo, e não fosse a rtápida evolução dos estilos nesse período, ele poderia ter-se imposto como um vanguardista.

Assim não aconteceu, e a sua própria personalidade não permitiu um maior contacto com o meio artístico.-humorístico. Viveu modestamente e modestos são os seus dados biográficos. Apenas ficou a sua vasta obra, como registo fundamental do fim do regime e inicio de outro, em jornais como «Passatempo» (1900/4), «O Arauto» (1901/2), «A Paródia» (1905), «Os Ridículos» (1905/29), «O Thalassa» (1913/15), «Almanaque Ilustrado de o Zé» (1915), «’Renovação» (1915/20), «A Batalha» (1925), «Os Grotescos», «O Espectro»….

O seu período mais importante é o da República, pela sua força de intervenç~ºao e comentário do dia-a-dia da política nacional. Com o amolecimento da república, com a implantação de outros valores políticos, o seu espírito critico interiorizou-se, dedicando um maior empenhamento ao ensino e a outras artes de menor intervenção politica como a pintura (onde sobressai o seu rincon vivencial de Sintra). Morreria em 1948.

ROCHA VIEIRA – Alfredo Carlos da Rocha Vieira nasceu em 1883, e cresceria sob a influência de Raphael, com baptismo de «fogo» num descendente da ultima publicação daquele mestre, na «Paródia – Comédia Portuguesa», em 1907.

Foram uns primeiros passos modestos, que vieram a tomar firmeza a partir de 1912, com uma colaboração intensiva no «Século - Suplemento Ilustrado». Apesar de o «Século» ter outros artistas de relevo e de maior importância histórica, Rocha Vieira transformou-se na imagem gráfica daquele jornal.

Ele foi não só a imagem, como o núcleo de tertúlia dentro do próprio jornal, onde acarinhava, aconselhava os jovens, dava oportunidades de publicação… era o humor na República.

Os seus trabalhos não ficaram limitados ao «Século», podendo encontrar-se também no «Sports Ilustrado», «A Batalha», «A Renovação», «Europa», «Espectro», «ABC a Rir», «Sempre Fixe», «Diário de Notícias»… Fez não só cartoons como caricaturas e banda desenhada, com um pleno domínio da narrativa e do humor. O estilo gráfico é que nem sempre acompanhou a qualidade de intervenção. Morreria em 1947.


Tuesday, February 16, 2021

Caricaturas Crónicas: «Manuel Vieira: um humor desportivo» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 9/7/1989

O humor de Manuel Vieira é também desportivo porque, quando surgiu, o desporto era, de facto, uma das raras portas abertas aos humoristas.

 

«O português é um chato, não sabe pensar com humor (o humor não é só ter graça). Ele não é derrotista, mas encara sempre a vida de uma forma mais séria. Isso talvez tenha a ver por ele ser mal pago, mal alimentado, distrai-se pouco e está sempre a pensar como vai ser o dia de amanhã».

São palavras de um homem pouco «sério», ou seja um humorista conhecido por Manel, ou Manuel Vieira, um artista da geração da «Parada da Paródia».

Natural de Lisboa, onde nasceu a 7 de Agosto de 1936, Manuel Vieira é um humorista desportivo por vivência e por criatividade. Sempre bem-disposto, divertido, ele é o próprio humor e desportivismo vivencial em acção. Isso reflecte-se no seu trabalho gráfico e escrito, numa graça simples, acessível mas contundente e objectivo, atingindo o público a que se destina.

É desportivo também porque, quando surgiu, o desporto era, de facto, uma das raras portas abertas ao humor: «na altura (anos 50/60) quase não era possível fazer politica, e o desporto era o tema mais popular, e com assunto constante. Havia também a caricatura, que fazia, mas a crítica social quase não era explorada».

«Publiquei o meu primeiro “boneco” em 1954, no jornal «Os Belenenses». É a história do costume – o meu pai pegou nuns desenhos meus, mostrou ao já falecido jornalista Roberto de Freitas. O homem gostou e publicou no jornal, a partir daí (tinha eu 17 anos) comecei a dar borlas por todo o lado. Houve uma altura que todos me pediam desenhos, e publiquei ao mesmo tempo nos jornais “Os Belenenses”, “O Benfica” e “O Sporting”.»

«’Entretanto comecei a ter necessidade de dinheiro de bolso, para o bilhar, cigarros… e procurei ganhar algum. A partir de 1957 passei a “profissional”, trabalhando para tudo o que era publicação, desde “O Record”, “Mundo Desportivo”, “Sport Ilustrado” (onde comecei também a escrever), “Diário Popular”, “Diário de Lisboa”, “Cartaz Ilustrado”, “Parada da Paródia”… Praticamente fiz todos os periódicos, e, excluindo o Stuart, era o desenhador com o maior número de publicações com colaborações.»

«Depois do 25 de Abril? Comecei a fazer na “Flama” uma série de charges, em alegoria com os heróis da BD, dsos nossos políticos. Trabalhei também na “Mosca”, “Sempre Fixe”, “Gazeta dos Desportos”, “Semanário Desportivo”… Agora publico cada vez menos, pois não tenho paciência para trabalhar em jornais que não pagam, que criam dificuldades burocráticas…»

Manuel é não só um humorista gráfico, mas também um escritor de textos humorísticos, e jornalista encartado desde 1968. Além disso, pintor com diversas exposições realizadas, publicitário, e cada vez mais artista gráfico de jornais e revistas.

O humor deve-lhe também o apoio que le deu à Câmara Municipal de Lisboa na organização da exposição «Zé Povinho fez cem anos», e foi também o responsável de um «Salon de Cartoon», nas Amoreiras, há dois anos.

Manuel, um humorista em repouso, pronto a entrar em humor, sempre que lhe deem as condições, que lhe deem um simples gesto de vida.


Monday, February 15, 2021

53 world Gallery of Cartoon Skopje 2021


 





«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1935» Por Osvaldo Macedo de Sousa

 1935

 O «Diabo à solta - A melhor máscara"

O meu amigo X acendeu um cigarro, bebeu um golo de café e contou-me com o melhor dos sorrisos:

- Desde os quinze anos que me não mascarava. Tenho quarenta e cinco; logo há trinta anos que me não entregava a esse sport. Este ano resolvi-me. Tinha de ser. Por casualidade, os viscondes de A. ofereciam um baile masqué; insistiram comigo para que fosse; disse que sim; prometi mesmo que iria mascarado - e comecei a pensar realmente a sério na minha futura máscara. aquilo que a princípio me parecia de uma facilidade transparente começou, pouco a pouco, a transformar-se num verdadeiro e complicado problema, não apenas de indumentária, mas até de filosofia e de psicologia. De que é que eu me havia de mascarar ? De rei, de pagem, de Arlequim, de D. Quixote - ou de Imperatriz Eugénia ? - Confesso que durante dias, noites a fio, a questão não me saía do pensamento, com todos os seus aspectos, as suas consequências, as suas hesitações. Se é certo que o homem fez a máscara, não é menos certo que a máscara faz o homem. Durante horas consecutivas folheei, consultei livros de figurinos, tratados de indumentárias, calhamaços de história. As minhas dúvidas, longe de dissiparem-se, avolumavam-se. Entra a folha da parra de Adão e a farda de hussard do cavaleiro de Tahault, desde a cabeleira empoada de Luíz XV ao nariz vermelho de Polichinelo - os meus olhos e, mais ainda, o meu espírito oscilavam, hesitavam sem saber por onde decidir-se. Em meia dúzia de dias envelheci meses - e acabei por entregar-me nas mãos experimentadas de costumier. Mal entrei, um homem grisalho, de óculos enfiado numa espécie de guarda-pó cinzento dirigiu-se para mim e perguntou-me, com a maior naturalidade do mundo:

- Que deseja ?

- Mascarar-me.

- E de quê, meu caro senhor ?

- Não sei. daquilo que me ficar melhor…

O homem sorriu, pediu-me que entrasse para o gabinete das provas, disse-me que ia buscar o que lhe parecia mais conveniente para a minha idade e, sobretudo, para a minha figura - e saiu. Passaram-se talvez cinco minutos e quando eu me preparava para acender um cigarro, a porta abriu-se; o homem voltou, ajoujado de fatos, de chapéus, de cabeleiras, de pares de botas de todas as épocas; atirou tudo aquilo para um sofá e exclamou:

- Vamos provar.

Durante duas horas, meu amigo, naquele pequeno gabinete, eu tive a fantasia de passar por tudo, desde a opulência real de D. João V até ao gibão humilde de Sancho Pança. Eu sei lá a infinidade de coisas que enfiei naquelas duas horas ! Às capas negras sucedem as casacas de seda, à cabeleiras empoadas os sombreiros de veludo, às espadas de ferro - os bastões de limoges. Num abrir e fechar de olhos eu passava do séc. XVIII para o séc. XIII, do séc. XIX para o séc. XVII. A certa altura, eu próprio não sabia quem era, se rei, se vassalo, se Pierrot - se eu próprio. Já não podia mais - e vim-me embora. Acabou-se.

- O quê ? Você desistiu de se mascarar ?

- Desisti.

- ?

- Acabei por convencer-me que a melhor máscara é ainda aquela que nós trazemos todos os dias!

Uma crónica de Luís de Oliveira Guimarães, in "O Diabo" de 3/3/1935. Este autor, Advogado e Juiz por profissão, será uma figura de destaque no estudo, e animação do mundo do humor ao longo desta e da década seguinte.

De mascaras vive o humor gráfico, umas mais simplistas, outras naturalistas ou modernistas, e outras mais arrevesadas. Uma das máscaras mais intrigantes, e curiosas dá pelo nome de Arnaldo Ressano Garcia, que este ano edita um "Álbum de Caricaturas". Não é uma raridade este facto, já que conhecemos álbuns de Raphael, Celso, Monterroso, Valença… mas este, pela qualidade excepcional de traço merece destaque, apresentando de seguida o Prefácio de Rocha Martins : O grande Bordalo, mais demolidor que vinte panfletários de garra, contou-me a origem do seu fracasso na burocracia.

Movia-o uma irreprimível tendência para traçar o grotesco e não se coadunavam os arrebatamentos de seu lápis com a uniformidade dos tinteiros da secretaria do Parlamento onde era empregado.

Certo dia, perguntando a Justino Soares como passara de carpinteiro a bailarino, compreendeu a impossibilidade de reprimir vocações e explicou a sua. O mestre de dança confessara-lhe, singelamente: senti uma grande comichão nos pés e comecei a bailar.

- Como eu! Também senti um formigueiro nas mãos e puz-me a fazer caricaturas. Aquelas cócegas perderam-me ­dizia alegremente -. Faltara-lhe o fastígio de uma direcção geral com a inherente carta de conselho mas ganhara a glória.

Arnaldo Ressano Garcia, caricaturista de excepcionais qualidades, ilustrou-se sem sacrifício da sua carreira, mas foi-lhe, também impossível refrear a inclinação.

Dotado de talento inegável, artista por temperamento, é Coronel de engenharia, lente da Faculdade de Ciências e foi professor das Escolas de Guerra e de Belas Artes.

O artista não causou dano ao catedrático.

Estudante distintíssimo, agitava-o a incontível propensão para, o bico de lápis, rápida e flagrantemente, apresentar as facetas psicológicas e cómicas dos mestres, dos condiscípulos, dos jarrões, dos tipos das ruas, de todos os que tentavam seu chistoso estilete.

Hesitou em correr os riscos do julgamento do público; desconfiava da sua obra. Só os verdadeiros artistas conhecem este tormento.

O enorme e justíssimo triunfo obtido na exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes, consagrou o caricaturista sem prejuízo do professor e do militar.

Não seguiu os traços e as características das celebridades, desenfluenciou-se de admirações cegas, quasi sempre fontes de imitação. Dispensou mestres. Deveu a vitória a uma só escola: a sua.

Considero arte todas as manifestações, não só do engenho, mas da natureza, capazes de me impressionar. Sou como aquele soldadinho português que entrou no céu por não saber explicar a razão da sua estada na guerra, embora se batesse como os outros, muito a par do lance.

Também não consigo definir o motivo do meu agrado ou da minha frieza ante as expressões artísticas; desconheço regras, vibro ou quedo-me insensível, e assim, para o meu espírito, é belo ou vulgar o que se me depara.

Admiro ou desinteresso-me.

Emudeço quando contemplo o espaço, a incomensurável tela, na qual Deus, supremo artista, cria os seus caprichos colossais: batalhas, teorias infindáveis, templos ciclópicos, animais fantásticos, castelos de sonho, náus de maravilha, e, por vezes, decerto necessitado de ferir os ridículos, também caricatura quanto existe nos vastos céus e na mísera terra.

Curvo-me e penso ante as coisas de arte. Qualquer outra manifestação é tão dispensável, ante a beleza, como são inúteis estas palavras no pórtico do livro do meu velho e ilustre amigo para cuja obra vai o sincero e rude aplauso de um homem que, à mingua de outras aptidões, cultiva no seu cardal a flor inigualável da sinceridade.

É um magnífico Álbum das Glórias políticas, militares, universitárias e culturais de então, onde se destaca uma das mais interessantes caricaturas de Salazar, onde sobressaem toda a hipocrisia, cinismo do chefe de Governo. Esta foi a segunda escolha, porque uma outra em que Salazar surge como Hamlet com a caveira, foi "censurada" pela família, com medo das represálias.

Este livro vem como consequência de uma exposição sua na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Maio deste ano, a qual apesar de ter como antecedentes a publicação de alguns trabalhos na imprensa, é como que o recomeço de uma carreira. O próprio Arnaldo Ressano fala deste reinício da sua arte: Quando estudante fazia caricaturas, nos livros e nas paredes das escolas, que eram o divertimento dos meus colegas.

Os estudos da minha carreira cientifica e, depois, as exigências da minha profissão, obrigaram-me a abandonar, por completo, esta tendência.

Assim se passaram algumas dezenas de anos, sem que eu executasse qualquer trabalho e, só agora, já com cabelos brancos, devido à insistência de pessoas de família e amigos íntimos, eu ousei lançar mão, novamente, do lápis, realizando esta minha primeira exposição.

É, na sua grande maioria, o trabalho de alguns meses: desde Janeiro até Maio deste ano.

Ela representa uma tentativa e uma reminiscência, em que procurei caricaturar algumas das mais altas individualidades nacionais, políticos, artistas, colegas e amigos.

Não tive a intenção de os amesquinhar, e não há uma pessoa só, das por mim caricaturadas, por quem eu não tenha a mais subida consideração.

A natureza deu-me, porém, uma memória gráfica especial, um pouco bizarra: decoro a forma de quase tudo quanto observo, mas exagerando as suas características, quando, longe do modelo, reproduzo, por reminiscência, a sua imagem…

Nascido em Lisboa (1880), primo de outro militar caricaturista (João Menezes Ferreira), começa a publicar em 1904 no "Arauto", passando pela "Revista Nova", "Ilustração Portuguesa", "Pst"… Durante os primeiros anos da República publicará sob o nome de João Maria, participa no III Salão dos Humoristas em 1920, para depois desaparecer. Reaparece neste ano, sob o seu nome, com uma pujança, e uma grande maturidade plástica. Publicará então nos periódicos "Papagaio Real", "O Espectro", "Sempre Fixe", "O Diabo", "Risota", "Século Ilustrado", "Ocidente"…

Na realidade, a sua arte é a síntese do retrato-caricatural. Hoje, ao conhecermos não só a sua obra exposta ou publicada, mas também os estudos preliminares, e sem pormos em dúvida a sua propensão natural para o exagero, podemos admirar a ciência da deformação do desenho feito caricatura. Nos seus estudos, encontramos as individualidades estudadas como escultoras clássicas, em que o desenho é perfeito, no domínio da técnica. Depois, na segunda fase em que a estética se conjuga com a técnica, vemos as linhas a contorcerem-se sob o olhar satírico, que disseca a imagem, expondo-lhes a alma da expressão, a expressão da alma. Arnaldo Ressano é um clássico modernista, já que pela sua formação, ele procura a perfeição do belo, mas pela sua ironia, ele torna-se modernamente irreverente na síntese das linhas, ao mesmo tempo barroca e clássicas. Eu atrevo-me a dizer que Arnaldo Ressano é o contra-senso entre a filosofia e a realidade - Como me prezo de desenhar honestamente, os meus trabalhos afastaram-me, naturalmente do convívio dos chamados avançados…

Profundamente académico de formação, por cujo ideal lutará, e entrará em conflito com colegas de arte, é anti-académico na sua obra final, pela originalidade do seu olhar.

Em Fevereiro o Presidente Carmona é re-eleito, já que era candidato único. Em Setembro a oposição militar tentar de novo o golpe…


Sunday, February 14, 2021

Caricaturas Crónicas - «O humor e a Revolução» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 6/8/1989

 

Caricaturas Crónicas - «O humor e a Revolução» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 6/8/1989

 

A Revolução Francesa foi um período caricatural pobre, porque não soube riscas na imprensa francesa as suas conquistas de uma forma humorística – mas foi ela que criou as bases fundamentais da filosofia crítica que ainda hoje domina o humor social e político em todo o mundo.

 

O próprio humor, em si, é uma revolução na monotonia do quotidiano, porém nem sempre duas revoluções conseguem conjugar agulhas para o mesmo sentido.

Partindo de um divertimento de atelier, desenvolvido no século XVII, transforma-se num instrumento de luta. A caricatura inofensiva, condicionada pelas novas relações entre o homem e a sociedade, quebra as amarras da sacralidade do indivíduo, pondo-o a nu perante os seus defeitos, as suas prepotências, a sua humanidade. Perante o espelho caricatural, todos os homens são iguais, desde os reis até ao escravo.

Foi uma revolução lenta, numa busca da fronteira entre a cientificidade dos estudiosos do carácter e o retrato-charge, o qual teve impulsos importantes com trabalhos de Ghuzzi (1674-1755), Luís Claude Vasse (1716-1776), William Hogarth (1697-1764)… O Século das Luzes foi um farol da investigação da Phisionomia, com suficiente abertura espiritual para se deixar influenciar pelo espírito satírico inglês, nascendo dessa fórmula a sátira social e política da idade moderna.

O século XVIII, com o seu espirito em revolução ideológica, vai procurar a sátira como espelho deformante da sociedade reinante, dos seus vícios, que em França terá a sua expressão máxima com a revolução de 1789.

A deformação máxima da sociedade do Antigo Regime foi a guilhotina, um extremismo caro aos revolucionários (que se mataram uns aos outros), mais receptivos à violência física (satírica), do que à ironia ou humor. Por isso, apesar de 1789 ter dado a liberdade necessária para a expansão do humor, quem beneficiou foi o humor contra-revolucionário, concedendo uma arma acutilante e directa aos realistas ou aos eternos «inimigos» da França, a Inglaterra.

Uma das primeiras vitimas da Revolução foi o humorista Boyer de Nimes, que em 1792 publica a «Histoire des caricatures de la Revolte des Français», e em 1793 é guilhotinado.

A «liberdade» de Imprensa, conquistada com a Revolução, fez proliferar os jornais, as folhas volantes, conseguindo alguns deles tiragens de 20.000 exemplares, explicando de forma simples, e por vezes satírica, as várias fases da Revolução. A sátira era então veiculada pela alegoria, pela simbologia.

Essa «sátira» revolucionária era normalmente uma expressão rudimentar, técnica, artística e comunicativa, que cumpria o seu efeito nas massas fogosas, prontas a soltar a sua raiva contida ao longo de séculos de servitude. Por sua vez, os contra-revolucionários respondiam com trabalhos de excelente perfil técnico, com crítica inteligente e requinte estético. Quem ia à frente neste campo eram os ingleses, como Gillray, Cruikshank, Rowlandson…

Entretanto, passados os fogachos revolucionários de 89, o Directório, o Consulado vão matizando a caricatura com a ironia burguesa, mais preocupada com as modas, clubes sociais, jogos de poder. É o esprit francês a escalpelizar a ligeireza das modas da nova sociedade, repleta de libertinos, escroques, hipócritas da Revolução, é «la mode par derriére, mais pas derrire la mode».

A grande revolução da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, afinal deu apenas à caricatura francesa a liberdade de caricaturar a oposição; a igualdade de temas do antigo regime, a fraternidade do povo com o humorismo, ambos com o espirito revolucionário engasgado na garganta, perante o fracasso dos seus ideais.

Só com a Restauração, o humor terá o grande alento em França, assumindo-se como um dos países-símbolo da democracia-caricatural, de liberdade de opinião-ironia, de arte-esprit.

A Revolução Francesa foi um período caricatural pobre, porque não soube riscas na imprensa francesa as suas conquistas de uma forma humorística, mas foi ela que criou as bases fundamentais da filosofia crítica que ainda hoje domina o humor social e político em todo o mundo.


This page is powered by Blogger. Isn't yours?