Monday, January 07, 2008

HISTÓRIA DA CARICATURA EM PORTUGAL (parte 12)

ANOS 60 de OITOCENTOS

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Entramos na década de sessenta com uma grande pobreza editorial satírica, onde os melhores trabalhos são as colaborações de N.S.. assim teremos a 10 de Dezembro de1860 o nº 1 do “O Cabrion” (dirigido por Eduardo Tavaes sob o pseudónimo de Afrígio Fafes), que se apresenta da seguinte forma: «…Sabeis quem sou ? /…/ Sou um paladino da verdade. Eis um poucas palavras definida esta entidade, que talvez vos assute pelo arrevesado do nome, e pelo emaranhado dos bigodes; mas acreditae, calço luva branca e fina desde os sete snnos, e algumas vezes levei puchões de orelha, por vir sentar-me á mesa da communidade familiar, sem trazer ao pescoço a encebada gravatinha da puberdade.»
«Ora eu bem sei que isto de calçar luva e pôr gravata não é segura garantia de uma educação esmerada, porque, enfim, até já se tem accusado de immoral, e de mais alguma coisa muita gente boa por calçar luvas, não direi de pelica, mas d’outra qualidade qualquer: sei também que a gravata não é um symbolo de polidez, desde que qualquer cocheiro a usa mais aprimorada de que os que o não são: no entanto entendo dever fazer-vos constar que sou um homem polido, e é este talvez um meio de o fazer, ainda que estejaes costumados a observar que o polido não passa ás vezes de um grosseiro que, para illudir a sociedade culta, se embrulha naquele nome.»
«Estudei, não na Universidade, porque queria aprender; estudei, e sei o que digo, ou antes digo o que sei. /…/ Vamos ao programa.»
«/…/ Detesto a política, porque adoro os costumes puros: idolatro as artes porque me destrahem os sentidos: e , sobretudo, adoro (isto aqui baixinho) as damas bonitas, gentis elegantes e garridas. Ficou-me este geitinho, e por mais que faça, não posso perdel-o: acreditae porém que não ha ella, por mais garrida e encantadora, nem olhos por mais travessos e fascinadores, que tenham poder para me obrigarem a protrahir a minha missão. De ordinário eu amo… só quando não tenho mais que fazer.»
«Sou critico, e critico severo. Bebo a satyra como quem bebe um ponche, mas a satyra fina, sem ressaibos de doestos e de injurias. As reputações convencionaes, reputações, não da pessoa particular, mas da pessoa pública, são o meu prato de meio. Fumo depois de jantar a minha cigarrilha de merito fictício, erva parasita que produz maravilhosamente no nosso solo: e , de resto, entretenho-me, por desfastio, em soprar por um canudinho de cana pretenções balofas, desfeitas, primeiro, em água de sabão. Já vêdes que sou de uma sobriedade, digna dos tempos patriarchaes.»
O seu lema de cabeçalho era «Satyras prestam, satyras se estimam / Quando n’ellas calumnia o fel não verte.» Bocage
No ano de 1862, o Padre Manuel Bernardes, no “Archivo Pittoresco” (nº10 pág. 80) dá-nos a sua definição do humor, num momento peculiar da criação do humor gráfico na nossa imprensa, e onde a questão da democracia no riso está numa fase de aprendizagem: «o Riso - A alegria dos impios e mundanos não pode ser verdadeira, e não é mais que uma apparencia ou figura d’ella.»
«O riso do pecador, se não é animada com a vida do espirito, é só riso em estátua, frio como marmore; riso não tanto seu como do mundo, que por elle se ri de si mesmo; porque, como diz Santo Agostinho, este mundo ri-se de todos os que se não riem d’elle.»
Em 1863 nasce “O Duende” (63/66) onde vai pontificar a obra literária e litográfica de Manuel Victor Rodrigues, jornalista que entrará em polémica com outros jornais humorísticos. As suas obras gráficas estão mais próximas do Patriota, do que dos avanços implementados por Nogueira da Silva, sendo das suas páginas gráficas um pot-pourri de informações e sátiras simplistas. São também desse ano “O Torniquete”,e “O Escalpelo”. Este último apresenta-se desta forma: «O Escalpelo é um instrumento cirurgico, com que um habil operedor consegue pela sua mestria descobrir a origem dos males, que atacando a economia animal e inhabilitariam de funccionar, se com este meio se não podessem revellar.»
«É pois em sentido methaphorico o escalpello nas mãos d’um conscencioso escriptor o instrumento com o auxílio do qual consegue submetter ao dominio da sociedade as prejudicialissimas maculas, com que qualquer cidadão no exercício das suas funcções publicas a possa corromper ou grangrenar; aceite isto explicado está o pensamento desta redacção a qual no desenvolvimento deste programma se compromette a respeitar a vida particular de todos, a retribuir a urbanidade, que com ella haja, a não curar d’opinões politicas, e a enexoravelmente apresentar no pelourinho da opinião publica qualquer acto que offendendo a mesma sociedade mereça um corretivo.»
Em 1864 surge o “Lucifer” e “O Distribuidor de Carapuças”. Este último apresenta programa desta forma: «Baptisando o nosso hebdomadário com o nome de Distribudor de carapuças, eis-nos dispostos a encetar o trabalho a que nos dispozemos. È arduo, superior talvez ás nossas forças, se quisermos seguir á risca as instrucções que abaixo vamos traçar.»
«É na verdade difficil talhar carapuças segundo o molde apropriado, confeccional-as de tal arte que aquelles a quem são destinadas tenham pouco trabalho em as ajustar, sem comtudo terem motivo algum para mal querer o artista que tão bem os servio.»
«E não julguem que havemos de poupar a algume, porque na posição que occupa entre nós, tenha uma influencia qualquer sobre o nosso modo de viver.»
«N’esses mesmo, dará sem dó o Distribuidor; se elles se zangam teem dois trabalhos - o de ressntir-se da catanada e o de mostrar boa cara immediatamente depois, sem o que, estão de novo sujeitos ao ferrão… d’ahi lhes irá novo ferrinho, porque seremos de ferro !»
«Attenção pois: venha ao nosso jornal a verdade e sómente ella. Venha embora mascarada de modo que só desmascare a consciência d’aquelle que assim ha mister.»
«Nada de insinuações pessoaes, nada de calvas á mostra com o nome do dono ahi entalhado; »
«/…/ O moral ressente-se tanto de tão violento abalo, que pode cair no collapso; e assim em vez de alcançarmos a cura que emprehendiamos, obtemos só a morte desse enfermo social.»
«Não pensem que dizendo isto exageramos a verdade, ou defendemos paradoxos. O homem para ser bom na sociedade, precisa de uma bella hygiene moral dada pela educação bem dirigida. /…/ É por meio de boas doutrinas, applicadas por longo espaço, e em tempo opportuno, que ell se desenvolve convenientemente tornando o homem um ente social.»
«/…/ Cuidado, pois, amigos ! Lembrai-vos sempre que o nosso fim não é dizer mal com o fito de mal fazer, é sim dizer a verdade com o fito de fazer bem a nós e ao nosso próximo. Amen.»
Ou seja a dominante dos programas de todos estes hebdomadários é a ‘verdade’, mais não seja a verdade de cada editor. È a educação dos políticos e demais senhores do poder. Por outro lado há uma grande preocupação de reclamar que não quer ofender pessoalmente ninguém, já que a sombra das “Lei das Rolhas” subsiste, e se a crítica for ‘dura’ não é por sua culpa, mas do ‘criminoso’.
Em 1865 surgem o “Demócrito” e o “Piparote”. O primeiro declara que : «…O Demócrito rirá das muitas misérias que ahi nascem, crescem, e se multiplicam; e diligenciará applicar-lhes o correctivo.»
«…A política - o que é propriamente política, e não o que muita gente entenede por esta palavra - só por incidente será tratada. O DEMOCRITO não é instrumento de ruins paixões.
«Syndicará sem prevenção, censurará sem azedume, castigará sem fel.»
«Severo, não perdoará ninguem; urbano, observará as boas regras de cortezia; imparcial, fará justiça recta.»
«/…/ O DEMOCRITO é liberal. Quer a maxima de liberdade para todos. Quer que ninguem seja obrigado a deixar de fazer o que as leis não prohibem.»
«Filiado no ainda grande partido da moralidade, O DEMOCRITO não tem compromissos com os históricos, com os regeneradores, nem com os conservadores. Ri-se dos catões de todos os partidos, e da independência sobre posse de muita gente.»
«/…/ Verdade e só verdade; justiça e só justiça. Eis a divisa do DEMOCRITO.»
Por seu lado o PIPAROTES apresenta estas palavras preliminares: «Piparotes, não é mais do que a pancada que se dá em qualquer objecto, soltando com força o dedo maior do dedo pollegar.»
«Porém como no mundo ha a faculdade de se applicarem bofetadas moraes, chamadas vulgarmente, bofetadas sem mão; chicotadas moraes, fustigações moraes, torniquetes moraes e até coices moraes; nós uzando dessa prerogativa, vamos applicar aos que os merecerem, piparotes moraes, decentes, é verdade, porém sem dó nem consciencia.»
«Ha em Lisboa um Democrito, que ri constantemente, um Duende que canta constantemente, um Torniquete que aperta constantemente, e então é bem que haja mais um Piparote que, ligeiro como uma ventoinha, e forte como uma machina a vapor, applique aos narizes dos devassos, tractantes e caturras, os seus golpes encarniçados para os fazer entrar no bom caminho, deixando a devassidão, a tratantice e o pedantismo.»
«Eis a que nos propomos»
Em 67 surge “O Japonês” (cujo cabeçalho é de Raphael Bordallo Pnheiro), em 69 o “Compadre Mateus” e “O Trinta Diabos” prolongando um decadente trabalho de humor, acentuado com o desaparecimento de Nogueira da Silva.

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