Saturday, November 21, 2020

Caricaturas Crónicas - «Amadeu de Souza-Cardoso, as suas origens e a caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 2/6/1985)

Considera-se normalmente a primeira fase, as origens de um artista, como pertencente ao mundo «anedótico» das biografias. Só que nem sempre assim se pode encarar e, em Portugal, entre os modernistas, as origens são um período de especial interesse, como foi o caso de Almada Negreiros, Jorge Barradas, António Soares, Carlos Botelho…. Amadeu de Souza-Cardoso. Estas origens, que se individualizam na obra geral, estão ligadas à caricatura, não por uma pseudo facilidade artística mas, porque como dizia Leal da Câmara «a caricatura ia na vanguarda».

Amadeu de Sousa Cardoso é um transmontano nascido em Amarante a 14 de Novembro de 1887. Filho da alta burguesia transmontana, teve uma educação esmerada, e quando chegou o «tempo», optou pelo estudo da Arquitectura. Um ano em Coimbra e outro em Lisboa, bastaram para o convencer da nulidade do ensino neste país. A alternativa consistia pois procurar nova profissão, ou prossegui-la noutro país.

Paris, a «cidade de sonho», onde a boémia, o prazer, o dinheiro e as artes dominavam, foi o lugar eleito por Amadeu (1906), uma escolha igual à de tantos outros artistas do mundo inteiro.

Apesar de a Arquitectura ter sido a opção oficial para um curso académico, já há algum tempo que a sua mão procurava outras formas de expressão, procurava a linha, a linguagem do traço, a caricatura como síntese da expressão. Um estudo iniciado em Portugal, prosseguido em Paris, mas sempre com o apoio conselheiro do seu grande amigo e poeta Manuel Laranjeira: «Eu compreendo porque você tem falhado todas as vezes que tenta caricaturar-me, meu amigo, e vou dizer-lho. É porque você ainda está na idade em que se não ri das coisas tristes, você toma-se muito a sério, e quando tenta caricaturar-me, o lado sombrio da criatura que se estorce dolorosamente em si mesma” avulta no seu espírito; e você, que não sabe nem pode rir-se de uma coisa assim, falha – tem de falhar. Eu, se soubesse desenhar como você, creio que fazia a minha caricatura em dois traços singelos e estou certo que o faria profundamente grotesco e doloroso». (Carta datada de Espinho 24 de Abril de 1906).

«Esplêndido, repito: você está de dia para dia adquirindo mais vigor e sobretudo mais sobriedade no desenho. É de resto uma evolução natural, que eu previ quando há dois anos, mal você balbuciava a linguagem das linhas, o aconselhei a desenhar, a desenhar, a desenhar muito, a desenhar sempre. Para entrar na posse plena de uma língua é preciso falá-la, falá-la sempre, sem desânimos, sem cansaços, obstinadamente. O desenho é uma língua também com uma estrutura própria que se adquire trabalhando, trabalhando infatigavelmente». (Carta datada de Espinho 23 de Outubro de 1907).

Amadeu partiu para as artes como que numa luta pelo domínio da linguagem gráfica, procurando não só o domínio técnico mas também da vida, trabalhando tanto a «mimese» naturalista como o retrato profundo, e por vezes grotesco que é a caricatura.

Não são muitas as obras humorísticas ou caricaturais de Amadeu, mas das poucas que se conservaram denota-se uma evolução (a tal que Laranjeira testemunha), um crescer de exteriorizações estéticas, conseguindo autenticas pequenas obras-primas da caricatura.

Denotam-se influências, para além dos conselhos de Laranjeira? Bem, em Portugal naquela altura ainda o naturalismo pictórico era rei e senhor e, na caricatura, a escola rafaelista (ou bordalliana) dominava, mas já tinham havido algumas dissidências como Leal da Câmara ou Celso Hermínio. Estes tiveram certamente influência no traço caricatural de Amadeu. As suas obras são como que uma fronteira entre essas «ilhas» gráficas do mar rafaelista, e a futura onde do modernismo dos anos dez.

Quando os anos dez chegaram, já Amadeu de Souza Cardoso estava longe da caricatura, tinha partido para novos mundos gráficos, talvez um pouco exóticos segundo alguns, e que no fundo são fruto daquela filosofia de trabalho impulsionada pelo amigo poeta, e que o levou, de 1906 a 1911, à busca das formas, conquistando assim o seu lugar na revolução estética do nosso século.

A partir de 1912, com a complementação pela cor, Amadeu precipita-se na «conquista da arte», a febre da pesquisa domina-o. A revolução está na destruição das escolas, e ele ultrapassa-as: «/…/ as escolas estão mortas. Nós, os jovens, procuramos a originalidade. Eu sou impressionista, futurista, abstracionista, de tudo um pouco». (1916, in entrevista no Primeiro de Janeiro). Procurará a modernidade de Baudelaire: «La modernité c’est le transitoire, le fugitif, le contingente, la moitie de l’art, dont l’autre moitié est l’eternel et l’immuable». Trabalhará todas as correntes estéticas do seu tempo, dará o seu contributo e abandoná-las-á. Teve a necessidade de tudo fizer nos seis anos de vida que lhe restavam. Mostrou o seu valor, mas não o pôde desenvolver, pois viria a morrer a 27 de Outubro de 1918 (com a pneumónica - pandemia da gripe espanhola)


Friday, November 20, 2020

«Enrico Caruso: um “cartoonista” que… cantava ópera» por Osvaldo Macedo de Sousa (In revista «Historia» nº58 de Agosto de 1983)

Na «História» nº 54 foi publicado um artigo que nos falava de Enrico Caruso, o cantor de ópera italiano que no princípio do século fascinou os ouvidos do mundo e que ainda hoje persiste através da técnica do disco fonográfico. Nesse artigo, o estilo de cantar de Caruso é dissecado, assim como as suas habilidades «circenses» que ainda hoje predominam em parte do mundo operático. Ao lê-lo, lembrei-me de uma outra faceta deste grande artista, num campo em que foi injustamente esquecido.

 

Durante séculos, o homem do palco foi despreciado, assim como a sua arte. É que estes tinham como missão ridicularizar, ou dramatizar a vida, quer dizer, fazer de espelho deformador perante a sociedade, para que esta tomasse consciência do mundo. O actor era o diabo que encarnava os fantasmas da sociedade. Com a evolução das mentalidades, esse desprezo foi desaparecendo e, em muitos casos transformou-se em divinização. Esta mudança verificou-se pelo acompanhamento de introdução de «malabarismos circenses» no palco, em detrimento da interpretação pura.

Quando Caruso chegou è arte cénica vocal, já os «dandys» criavam, e perseguiam os «divos». Este, com o potencial vocal que tinha, depressa ascendeu ao Olimpo. Apesar disso, Caruso tinha escrito no seu destino que deveria pertencer a uma arte depreciada pela sociedade intelectual e, por isso, foi caricaturista.

Dir-me-ão certamente que isto não é correcto, visto existirem caricaturistas célebres (também divinizados) e, normalmente estes serem conhecidos pelos seus contemporâneos, mas não me dizem do rápido esquecimento a que estão votados. Senão vejamos: quem conhece as obras mestres de um Leal da Câmara, Celso Hermínio, Jorge Colaço, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, Francisco Valença?... e isto só para falar de alguns artistas portugueses pertencentes ao nosso século (XX).

A caricatura, assim como o «cartoon» de humor, é algo que encontramos nos jornais, os quais, depois de lidos se deitam fora. Por isso, é natural que os poucos segundos dispensados na leitura do desenho não deem ao homem/leitor a verdadeira dimensão desta arte. Mas, se a analisarmos bem, verificamos que é uma das artes mais genuinamente pertencentes a este século audiovisual. Enquanto artes que provieram de séculos anteriores, perderam a sua verdadeira função e se fossilizaram no mundo do comércio, outras nasceram ou recriaram-se para acompanharem a evolução do homem, e destas poderíamos falar do cinema, do vídeo, das artes gráficas… do humor.

O humor é um dos «humours» existentes no animal inteligente, que este ainda não conseguiu definir totalmente, mas que o realizou. Esta realização, encontramo-la manifestada nas artes de todos os séculos, contudo, seria a partir do século XVI que se manifestaria com maior individualidade nas artes gráficas. Nesse século e, fruto dos estudos fisiológicos, a «caricatura» revelar-se-ia em Itália. Da observação realista do físico humano, a caricatura passou a retratar os feitos e os sentimentos humanos.

O humor, como já referi anteriormente, foi um elemento «moralizador» através do Teatro e da Literatura, mas no século XIX, com o desenvolvimento da Imprensa, seria nesta que a arma humorística teria a sua máxima força. Assim, nos periódicos o humor e a caricatura começaram a relatar o mundo e a tentar dirigi-lo. O humorista e o caricaturista são artistas da pena que também têm de ser repórteres, psicólogos e «futuristas». Mas, a caricatura, o humor e uma derivação destes, os «comics», não foram só uma arte da politica e crítica social, mas também uma arma para chamar o leitor, para explicar o mundo ao analfabeto – em suma, para vender mais jornais.

No ano de 1903 (quase) todos os jornais eram ilustrados e, se um novo desenhador aparecia no mundo do jornalismo, passava despercebido. Assim, é natural que nesse ano não tenha sido notado o nascimento de uma nova «estrela» da ilustração. Era um caricaturista, não daqueles que desenhavam grotescamente o retrato de um indivíduo exagerando o nariz, ou as orelhas, ou… Caricaturar é fixar a pessoa sem ela posar, é «apanhar-lhe» os traços essenciais que dão vida ao corpo, que o caracterizam, que o individualizam das massas. Caruso era um caricaturista, e «nasceu» em Nova Iorque a 23 de Novembro de 1903.

Enrico Caruso já era celebre no mundo, como cantor. Radicara-se nos Estados Unidos da América. Quando 2ª 23 de Novembro de 1903 cantou pela primeira vez a ópera «Rigoleto» no Metropolitan Ópera House, recebeu uma carta a elogiar sua arte canora e, ao mesmo tempo, a pedir-lhe uma foto para ilustrar a crítica no jornal «La Folia» (um jornal da comunidade italiana de Nova Iorque). A resposta foi uma carta de agradecimento pelos elogios, mas também um pedido de desculpa por não ter a foto requerida. Por esse motivo, e para poder colmatar esta lacuna, enviava um «croqui» seu, da ópera «Rigoleto».

Este desenho fascinou o editor, Marziale Sisca e, após uma aproximação através da amizade e certamente invocando as «raízes» comuns, consegue que Caruso aceda a colaborar com uma certa periodicidade no «La Folia». Caruso cumprirá esse compromisso, mesmo quando a sua vida musical o afastava de Nova Iorque, utilizando para isso correios especiais. Nesta colaboração, a sua pena não retratou simplesmente o mundo do canto, ou músicos ligados ao espectáculo de ópera, mas também o mundo da dança, do teatro declamado, das letras, da pintura… E nem o mundo da política foi esquecido. Em conclusão, ilustrou o mundo cultural e social do seu tempo.

Mais tarde, também Joseph Pulitzer (um dos patriarcas e monopolistas do jornalismo norte-americanos) tentou a sua chance junto de Caruso, pedindo-lhe uma colaboração semanal para a sua cadeia de jornais, em especial para o «World». Mas Enrico recusou, apesar da verba oferecida pelos «cartoons» e apesar do preço pago pelo «La Folia» não se poder comparar com o oferecido. Caruso era assim: não gostava de trair uma lealdade e agradava-lhe fazer o que lhe dava na gana. Deste modo, nasceu e se desenvolveu um artista que durante dezoito anos deu a sua colaboração a «La Folia».

Se Enrico Caruso ganhou no seu tempo a glória como cantor, a sua arte do desenho não lhe ficou atrás, apesar de esta fama se ter localizado nos USA. Claro que todos os seus amigos conheciam e admiravam a sua arte no desenho, e o seu humor que tantas vezes lhes obsequiava com a sua alegria de viver, como através de desenhos que ele espontaneamente fazia em envelopes, menus e outros papeis que encontrava à mão. O humor era uma constante do seu carácter.

Para Caruso, a caricatura era uma arte requintada e aristocrática, já que é o fruto da síntese das formas humanas. Para além disso, o estilo de Caruso pertence à «linha decorativa» que tem dominado os caricaturistas de todo o mundo. Este provém do barroquismo das artes gráficas do final do século passado e brilhou na «Arte Nova», no «Deco» e outros estilos ligados à ilustração e que ainda hoje subsistem. Apesar deste estilo predominar, podemos encontrar experiencias que testemunham os vários movimentos revolucionários que fermentavam nas artes de então.

Voltando ao pensamento de Caruso sobre a caricatura, será interessante transcrever a resposta que ele deu a Michel Sisca (o filho do editor) sobre como fazia a caricatura: «Para mim é muito fácil. A única coisa que deves fazer é seleccionar os traços predominantes da cara, e trabalhar sobre esses traços e encontramos a caricatura». Esta é uma análise muito simplista desta arte, porque se assim fosse,  qualquer um podia ser um génio da caricatura, o que não acontece. Esta definição compreende-se como uma explicação a uma criança, ou então como a simplificação de uma arte facilitada por uma mão genial.

Enrico Caruso, como caricaturista, morreria 16 dias antes da sua morte física, ao terminar a sua obra «Giovanni Grasso, actor». Morreu o homem e quase morreria o caricaturista, não fosse o filho do seu editor querer ressuscitar este grande artista, publicando o espólio pertencente ao jornal «La Folia». Se Caruso mantém a sua celebridade, pela sua voz que ficou gravada no fonógrafo, também deve reconquista-la no campo da caricatura, através dos originais que saíram da sua mão.


Caricaturas Crónicas - «Amarelhe - O Teatro na Caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 24/3/1985)

No novo Museu do Teatro, Amarelhe – o caricaturista da gente de teatro, encontrou finalmente a sua casa, o Museu adequado para a sua obra, já que toda a sua vida foi dedicada ao teatro, fixar em traços caricaturais, as «máscaras» dessa gente que vive para criar, ou reviver, no palco a vida dramática, trágica ou cómica do nosso mundo.

A relação entre o teatro e a caricatura perde-se no tempo, e o próprio símbolo iconográfico desta arte é já um exemplo de caricatura: duas máscaras (exageradas) caricaturais que representam a estilização da dualidade da vida – a comédia e a tragédia.

A máscara de suma impotência no teatro, é algo que é explorada por todos os povos, seja nos considerados primitivos, seja nos «civilizados»; seja em representações iniciáticas, seja na dramaturgia e até no quotidiano. Estas máscaras, construídas com um profundo cunho caricatural (na sua essência), tem não só uma missão iniciática, religiosa… mas também de instrumento de poder, de terror, de conjuração ou de expiação. A máscara é um esforço para dominar o Cosmos, uma tentativa de poder.

O sentido caricatural desta máscara não o humor clássico contra a sociedade e seus erros mas, fundamentalmente, contra o mundo da natureza que o rodeia, que o tenta oprimir, dominar, e que lhe mete medo. A máscara é então um meio de vencer a vida e a morte.

Por todos estes motivos, a máscara perdurou através das civilizações, perdendo, porém, o poder de encarnar os deuses e demónios no homem, de lhe dar suas forças, não perdendo contudo o poder de exorcismo, que ainda perdura inconscientemente, seja nos chamados Carnavais, nas festas dos equinócios, ou nas festas populares, acompanhadas agora com um cunho mais cómico de libertação, de quebra de tabus da nova ordem social.

No campo do teatro (seja europeu, africano ou oriental) a máscara tem a função de síntese exagerada da personagem, é a concentração de certas características que nos dão a «caricatura tipo».

O caricaturista francês Grandville levou o sentido da máscara a uma expressão mais profunda, quando escreveu: «Põe a tua máscara e eu te direi quem tu és. A máscara foi dada ao homem para dar a conhecer o seu pensamento». Amarelhe, se nunca escreveu isto, interpretou através da sua arte, este pensamento.

Amarelhe, de seu nome Américo da Silva Amarelhe (de pai galego Amarelle), é um portuense que nasceu em 1892 e que desde muito jovem se dedicou à caricatura. A sua formação artística é fundamentalmente de cunho autodidacta, aprendendo através do que via nos jornais, aprendendo  com mestres como Raphael Bordallo Pinheiro, Leal da Câmara, Jorge Colaço… que dominavam os jornais de então.

Fez a sua primeira exposição na cidade do Porto, tendo ainda 14 anos. Já aí a sua arte caricatural foi reconhecida e incentivada, lançando-opara o desejo de profissionalismo. Por essa razão, em 1912 já o encontramos em Lisboa, incorporando-se no movimento humorista de exposições, que foram, em parte, responsáveis pela introdução do modernismo em Portugal.

Amarelhe teve mesmo uma presença marcante nestes primeiros Salões de Humoristas, não por questões estéticas, mas pelo número de obras apresentadas. No âmbito estético, a sua arte não estava no rango dos «vanguardistas» do movimento modernista, como estavam Christiano Cruz, Almada Negreiros, Emmérico Nunes…

O estilo de Amarelhe, com origem no rafaelismo, soube libertar-se do «barroquismo» dessa escola, mas não da sua tendência naturalista (apesar de, sempre que possível, em obras que não se destinavam à imprensa, explorar novos caminhos). Evitando e exageração agressiva, a exploração de irregularidades anatómicas desnecessárias, ele foi essencialmente um retratista de síntese. O retrato, para ele, não é o reflexo de uma imagem pelo espelho deformante, mas a «máscara» onde só aparecem os traços dominantes, a força da personalidade, o pensamento do retratado. Amarelhe, aliando a graça com o traço síntese, preocupa-se sempre numa busca da semelhança e da diferenciação – a semelhança física e a diferença psicológica.

A caricatura portuguesa nasceu com a sátira política e sempre tem vivido dela e com ela mas, Amarelhe foi uma das excepções, já que a sua caricatura não é de cunho satírico, mas de testemunho (divertido) de máscaras, de personagens. Sem qualquer interesse pelo que hoje se denomina por cartoonismo (apesar de ter feito charges politicas para sobreviver em alguns periódicos), ele é o artista do «portrait-charge».

Colaborador dos principais periódicos portugueses, desde muito cedo o seu interesse temático se dirigiu para o teatro, industrializando a sua arte no testemunho desse mundo de fascínio, de aparências. Por isso, hoje podemos descobrir várias gerações de artistas fixados pelo seu lápis caricatural.

Mas o teatro seria ainda mais dominante e, a sua carreira artística não se limitaria à caricatura, trabalhando como cenógrafo e decorador de telões, cartazes, painéis (quase todos eles não assinados e portanto sem testemunho para o futuro)…

A sua obra foi extensa, com múltiplas exposições, mas o mesmo não se poderá dizer da sua vida, já que morreu em 1947, com 55 anos de idade. Nesse mesmo ano realizou-se a sua ultima exposição (póstuma).


Thursday, November 19, 2020

′′ Memory of Caricature ′ Egypt 2021

 


Under the generous sponsorship of the General Authority for the House of National Books and Documents, the Egyptian Comic Association and Gallery Ubuntu, the project ′′ Comic Memory ′′ is pleased to invite Egyptian, Arab and foreign cartoonists to participate Their work at the ′′ Comic Memory ′′ site - the first Egyptian cartoon site - set to be launched on the th of March, coinciding with the celebration of Egyptian Comic Day.

Conditions to be met in business

- 300 quality fees.

- No more than 50 jobs.

The works are as diverse and inclusive as possible for all the age and artistic stages of the artist.

- The artist sends a resume in Word file no more than 500 words.

- The artist sends one or more self-portraits of high quality.

The artist preferably mention the name of the sent work, date and place of publication if possible.

- Business and suggestions are sent to the following email

- Memoryofcaricature2012@gmail.com

- Deadline for business dispatch December 31, 2020.


Caricaturas Crónicas - «O CARICATURISTA» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Noticias de 5/5/1985)

«O mundo seria um manicómio; os humoristas apenas uma espécie de loucos, com fracção de juízo, para perceberem que também são loucos, como aliás os outros.» Afrânio Peixoto

O homem tem cinco sentidos para apreender o mundo, mas o caricaturista/humorista tem um sétimo sentido (já que o sexto é especial das mulheres) com o qual vê o mundo numa visão cósmica, superior, e da qual retira a força irónica ou satírica para o seu trabalho.

Claro que também se pode fazer humor ou caricatura/humor através da ordinarice, da pornografia de espírito, mas esse trabalho não provém do sétimo, mas da falta de sentido.

A visão universal do humorista dá-lhe a distanciação necessária aos acontecimentos contemporâneos, na mesma medida que os séculos a dão ao historiador. O humorista para ter essa análise objectiva, essa «fracção de juízo», tem que ser não só um bom técnico, um artista, mas também um sociólogo, um perito de política nacional e internacional, um captador de mentalidades, de espíritos, do Ser. O humorista é o homem que numa síntese nos apresenta a essência da pessoa / objecto / acontecimento de uma forma apreensível e, humorística.

O que é uma forma humorística para o público? Sebastião Sanhudo em 1880 (25 de Abril), no seu jornal "O Sorvete» (nº 100, pág. 317), dá-nos um excelente retrato do «Gosto do público pelos jornais satyricos»:  

«Quando insere caricatura ou artigo sem alusão pessoal: Hum!... Hoje não tem graça!... Isto está aqui, está a cahir! Bem podem tratar d' outro ofício que este não rende...» «Quando insere caricatura e artigos alusivos ao vizinho: Isto sim! Isto é um jornal com pilhéria! Este rapaz tem habilidade! Gosto muito d' este jornal porque tem muita graça e não ofende!...».

«Quando insere caricatura ou artigo alusivo a si: - Irra!!! Parece incrível que as leis d' este país consintam que se publiquem papéis d' esta ordem!!! Não haverá um polícia que prenda estes senhores que se divertem à custa do cidadão honrado e inofensivo?!!! Irra!!!»

Não é fácil para o caricaturista/humorista agradar a todo o público, a todas as facções, e mais difícil é ser aceite pelo meio político já que ele faz uma arte de crítica, de opinião que pode ferir profundamente os fanáticos, ou irritar os comodismos. Se o humor é a última coisa que se pode roubar a um povo, a liberdade de opinião é a primeira vítima dos despotismos políticos. Por isso já Raphael Bordallo Pinheiro se revoltava: «Não nos esqueçamos de que a supressão da imprensa às claras autoriza e desenvolve sempre a imprensa às escondidas. A liberdade amordaçada resvala sempre na licença sem pudores e sem balizas; e, quando o demónio quer, vai mesmo até à pornografia mais hedionda».

«A lei da Imprensa é infame. Não coíbe com lealdade, está cheia de alçapões e d' entrelinhas, faculta e premeia a espionagem, quem na fez tem medo da opinião.» (In Pontos nos ii 10/4/1890).

A lei da Imprensa, ou a «lei das rolhas» é uma das constantes preocupações governamentais com o desejo de controlar as opiniões e críticos, principalmente o caricaturista / humorista, já que, como diz Afrânio Peixoto, «o riso é um desafogo, uma revolta, uma vingança da nossa personalidade constrangida à atenção, à coerência, ao respeito, ao medo, que nos são impostos por nós mesmos ou por outrem».

Os políticos, homens do Poder, dirigentes têm medo desta crítica porque os desmistifica, humaniza-os, ridiculariza as suas imagens, não perdoa fraquezas, abusos, mentiras, ou falsas promessas.

O caricaturista/humorista vê a vida, os acontecimentos, o mundo através de um prisma cómico, sem perder o respeito pela humanidade, e por ele próprio, apresentando-os de forma a provocar o sorriso ou riso no primeiro tempo, mas provocando ao instante seguinte a reflexão.

Partindo de uma ideia, ele procura aquele pensamento quase imperceptível, aquele gesto de que ninguém tinha notado, mas que sem eles já não era o mesmo. Então, o caricaturista com o seu jogo de linhas, ou palavras, capta o resumo, a síntese da ideia/objecto, ao mesmo tempo que se expressa a si mesmo, já que a caricatura é o encontro de duas assinaturas com a autentificação de uma terceira. Numa caricatura tanto se deve reconhecer o caricaturado, o caricaturista autentificada pelo público que reconhece ambos.

Um indivíduo pode pois ter tantas versões da sua caricatura, quantos caricaturistas a façam, porque o artista original tem tal personalidade que imediatamente se deve reconhecer o seu traço, o seu estilo, o seu espírito de análise - a sua assinatura.

O caricaturista/humorista é pois o operário do riso como labirinto filosófico, do jogo da inteligência para a inteligência, da síntese do mundo. É um homem como os outros, só que com «fracções de juízo» para ver melhor o mundo.


Caricaturas Crónicas - «Cecília. O anonimato na caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3/3/1985)

Quem é Cecília? O pseudónimo de um artista que ficou anónimo para a história, mas que devido à sua qualidade de traço e à sua maior inteligência satírica, pode ser considerado como o nosso primeiro caricaturista da história da caricatura gráfica portuguesa.

Os primeiros jornais a publicar ilustrações satíricas em Portugal foram… «O Procurador dos Povos», «A Matraca», «O Patriota», «O Torniquete», «Demócrito», «Duende»… jornais onde a violência satírica era grande e onde o anonimato, ou o pseudónimo, os protegia. A nível estético, também a grosseria, a falta de qualidade dominava os jornais. Os nossos artistas desta época não tinham sabido aprender a arte com os mestres que por cá passaram, ou que cá vieram morrer, nem com as gravuras estrangeiras que se editavam em Portugal, muitas das vezes com textos adaptados a assuntos nacionais.

Estes artistas eram quase todos simples operários da gravura, que ilustravam grosseiramente uma legenda, um texto satírico… e, s «e um ou outro se evidenciou, Cecília foi o principal.

Tanto a gravura satírica como o jornal tiveram nascimentos difícil, no nosso país, devido á intolerância espiritual dos nossos dirigentes e, só no princípio do séc. XIX puderam criar raízes estáveis. Só em 1807, aparece em Portugal o jornal ilustrado e, só em 1837, com o «Panorama» se transformou num género jornalístico. Contudo, se o desenvolvimento destes se deve à liberalização do regime, a censura ou a repressão nunca deixaram de pairar no ar.

Contra a repressão, a ditadura, o despotismo fervilha sempre a violência como reacção natural e, contra o cabralismo, não poderia haver outra forma de diálogo jornalístico. As caricaturas desta época são sempre de teor político, anónimas ou assinadas por pseudónimos como Maria, Affonso (que hoje se sabe serem outros pseudónimos do Cecília, ou seja do Lopes “Pinta Monos), Eu, Buffon, Júlio…

A sátira, expressão iconográfica das ideias e da vida, utiliza como primeira arma a Alegoria, construindo com os nomes dos personagens, ou suas actividades, a caricatura ligada a símbolos ou alegorias ligadas à tradição oral de fácil compreensão; como segunda arma, utiliza a metáfora –a metamorfose onomatopaica, ou a metamorfose antropomórfica. Esta utilização da semelhança, ou aliança do homem / nome com os animais ou objectos é uma das mais antigas fórmulas de sátira popular que se pode encontrar nas fábulas e outros contos ancestrais.

Desta forma nasceu, não só a arte do nosso primeiro «artista», como a primeira vedeta da nossa sátira caricatural – O Costa Cabral, o cabralismo e, por simbologia iconográfica, a cabra.

O anonimato, não é uma simples fuga a responsabilidades, no caso da caricatura política, mas uma defesa do caricaturista perante o «mau génio» anti-liberal, a falta de humor do governante. Como missão, o caricaturista ataca a política governamental, defende os interesses do leitor-povo, toma a palavra pela oposição em geral, ou por um sector específico e, como tal, atava o governante em pessoa. A liberdade de imprensa e de pensamento, nunca foram uma constante duradoira no nosso país e, por isso, sempre foi necessário procurar subterfúgios para dizer as verdades que os nossos dirigentes nunca gostam. Um desses subterfúgios mais conseguidos foi, sem dúvida, a sátira na “revista à portuguesa” (género teatral), mas também a caricatura soube sobreviver a esses maus tempos, primeiro, pelo anonimato, depois, pela inteligência.

É no anonimato que eu considero que nasceu a nossa caricatura, tendo como primeiro caricaturista, merecedor desse nome Cecília (litografo conhecido por Lopes Pinta Monos que morreu de tisica em 1853). Normalmente, designa-se Nogueira da Silva como o primeiro, mas na verdade, este é o iniciador de uma segunda fase da nossa caricatura. Denominando o Cecília como o primeiro, podemos datar o «nascimento» da nossa caricatura em 1847, com o aparecimento da sua obra no suplemento burlesco de «O Patriota» (12 de Agosto de 1847). Neste jornal várias foram as assinaturas anonimas que aqui apareceram, mas Cecília evidencia-se entre elas, não só pela qualidade, como pela quantidade de obras assinadas.

Podemos encontrar sua obra no suplemento de «O Patriota» desde 1847 a 1853, com uma periodicidade quase semanal, atacando durante todo este tempo o seu inimigo fidalgal, ou seja o cabralismo. O ser antropomórfico composto de pés de cabra e homem foi o seu meio preferido de identificação e, o assunto principal da crítica o roubo e a manipulação das eleições.

Cecília, e seus companheiros anónimos como ele, foram o primeiro impulso da caricatura, utilizando a violência panfletária na sua crítica política.


Wednesday, November 18, 2020

«1,5°C»International Cartoon Contest on the topic of ecology and global warming.


Theme:
global warming and ecocide &... «1,5°C» International Cartoon Contest on the topic of ecology and global warming.


            1.5 ° C is the most critical indicator of climate change on the planet. In the UN Paris Agreement, ratified in 2015, world leaders pledged to prevent an increase of the average global temperature by more than 1.5 degrees Celsius (compared top re-industrial levels) in 21stcentury.

Contest Organizer: Russian Ecological Movement -"RED" (http://www.red.help) Media partner of the Contest: "Ecosphere" newspaper (http://www.ecosphere.press)

The theme of the International Contest of Cartoonis ECOLOGY.

Here are the main subjects of the contest:

• global warming and ecocide,

• reasonable consumption and planet resources,

• garbage and industrial waste,

• biological and natural diversity.

Works performed in the form of a drawing, poster or collage (including using the Photoshop program) are accepted. The contest is open to professional and amateur artists from all over the world and to children aged 7 -16 years (a class of their own).

Awards:

• Grand prize - 350,000 rubles,(about 4.500 $ US).

• Four prizes of 70,000 rubles (about 990$ US),for each within listed topics.

• One prize of 70,000 rubles(about 990$ US),from the newspaper "Ecosphere" by the results of the readership • One merit award in the children class.

•Special award from sponsors and partner organizations.

• Diplomas

Prize money is taxed under current law.

The jury consists of professional artists and representatives of the Russian Ecological Movement.

The jury has the right to change the amount of monetary awards within the limits of the overall funds.

The Chairman of the contest jury is Mikhail Zlatkovsky, professional artist.

Members: Alexandrov Vasiliy, Bogorad Viktor, Russia, Kazanevskii Vladimir, Ukraina, Feldstein Andry, USA, Erenburg Baruch.

Participation rules:

1. Participants can choose any listed subject, including the main theme.

2. By entering the contest, participant confirms that he or she is the author of the works and agrees that the Contest Organizer has the right to publish works on the Internet or other media, as well as use them in any other way without restriction. By sending works, author submits that Contest Organizer has the right to reproduce copies free of charge for publication on electronic resources, in print media and other sources without additional approvals and rewards. The work submitted to the Contest must not violate copyrights or infringe on the rights of others, violate confidentiality or contain defamation and insult against any company or person. The Organizer of the Competition will not be held liable if the participants do not take these rules into account.

Participants pledge to release the Organizer in case of any claims by third parties who have may arise if these conditions are not met.

3. Along with the work, the author must send a completed participant form. This form has to be filled in Russian or English. The author should download the participant form from the website. By sending the completed form, the author or his legal representatives agree to the processing of his or her personal data.

4. Participant should send no less than two, but no more than fifteen works.

5. File name of the works must correspond to following sample: LAST NAME – name country work number (PETROV_Ishtvan_Sweden_01).

6. Recommended size of files -3000x2000 px, JPG format. Size of all files together must be LESS THAN 25 MB.

7. Email for sending works: ecoart@red.help

8. The deadline for sending works is March 01, 2021, inclusively.

The deadline for jury decision -March 15, 2021.

9. The works must be signed by the Author. Additional text in the work must be in Russian or English.

10. It is allowed to send previously awarded works.

11. Pre-selected works will be published in the online newspaper "Ecosphere".

12. The original drawing of the awarded work are the property of the Contest Organizer and must be sent to the Organizer within one month of the announcement to the address:123610, Russia, Moscow, 12 Krasnopresnenskaya embankment (naberezhnaya), Office 1337, Russian Ecological Movement.

Prize payments are made only after the Contest Organizer receives the originals of the awarded work.

13. The decision of the jury is final and not subject to any review.

14. An online catalog of the best works will be published.

15. At the end of the Contest the best works will be displayed at the exhibition. 

 


«20 anos depois da sua morte – Stuart Carvalhais o “desenhador de bonecos”» por Osvaldo Macedo de Sousa (in revista “Historia” de Março 1981)


                Vinte anos de esquecimento se passaram sobre a morte de Stuart Carvalhais e já poucos são os que se lembram dele. José Herculano Stuart Torrie de Almeida Carvalhais, foi um humorista transmontano que viveu Lisboa. O Stuart – como era conhecido – nasceu em Vila Real de Trás-os-Montes a 7 de Março de 1887. Seus avós eram a proprietários rurais do Alto Douro e, por via materna, tinha ascendência numa família da alta nobreza escocesa – os Stuart Torrie. Seu pai, apesar de ter cursado engenharia agronómica, não quis fixar raízes, preferindo deambular de terra em terra e de profissão em profissão. Poucos meses após o nascimento de José Herculano, muda-se para Zalamea-la-Real (Espanha), seguindo depois para Alenquer, Montemor-o-Novo, Lisboa… e com ele deambulará o jovem Stuart.

                Em 1901, Stuart encontra-se já em Lisboa, onde frequenta várias escolas, completando assim a sua educação, iniciada em casa, com professores particulares, à qual se tinham seguido dois anos no Liceu de Évora. Até que nível chegaram os seus estudos é impossível precisar. Por volta de 1905 entre para o estúdio do mestre Jorge Colaço, onde inicia a sua aprendizagem artística como pintor de azulejos, podendo ao mesmo tempo seguir a criação artística de caricaturista e de ilustrador do mestre. Jorge Colaço não só lhe abriu perspectivas estilísticas e conceptuais no campo da caricatura, como também o lançaria nos jornais.

                A partir de 1906, começam a aparecer trabalhos de Stuart no «Suplemento Cómico de “o Século”». Será aqui, e nestes primeiros tempos, que ele abrirá novas perspectiva em Portugal na banda desenhada para crianças. Após várias experiências de interesse entre 1909 e 1911, será de 1914 a 1922, e depois menos intensamente, mas com o mesmo interesse, que, com as historias do «Quim e Manecas», «Manecas e João Manuel», «Cocó, Reineta e Facada» e outras historias, Stuart imporá a historia ilustrada para crianças na imprensa diária ou semanal. Stuart não foi só um introdutor, mas um inovador técnico.

                A partir de 1911, Portugal vive um intenso movimento artístico – a introdução do modernismo. Stuart, está na primeira linha da vanguarda e, como português, Paris era o seu sonho… Em 1913, de maneira imprevista (como era o próprio Stuart), encontramo-lo perdido entre a massa de artistas de Montmartre.

                Foi para Paris como um artista desconhecido, e regressa passado uma ano como cartoonista famoso. Em poucos meses, Stuart conseguirá vencer o difícil meio parisiense, mas, como a estabilidade, o compromisso e as responsabilidades o incomodavam, acaba por recusar a fama internacional e fugir a um processo judicial por quebra de contrato de exclusividade com um dos maiores jornais humorísticos da época, o «Ruy Blas», onde chegou a ser um dos principais artistas.

                Regressou definitivamente a Lisboa. Mal chegou e, também de um modo imprevisto, casou-se e tem um filho  – Raul. Um casamento desigual (com uma varina) e estranho (deve ter sido por a engravidar).

                Stuart regressou para a mediocridade do seu país. De Paris trouxera a saudade pela cidade da luz, a frustração por ter virado costas ao sucesso, a revolta contra si próprio. Tinha perdido a oportunidade e as condições de ‘criar» ao seu nível, de ganhar confiança em si mesmo. Tinha recusado a ocasião de ser o artista que sonhara ser. Em Portugal, a desilusão, a precariedade, a falta de oportunidades, a necessidade de sobrevivências aliadas ao vício crescente do álcool e as mulheres fizeram com que o sonho se tornasse irrealizável e, Stuart, «não passou de um desenhador de bonecos».

                A vida de Stuart nos anos 20, 30, 40 e 50, transformaram-se na fuga à família e às responsabilidades, na fuga de si próprio. Foram a frustração, a boémia e o excesso de trabalho para os jornais, como caricaturista e cartoonista de gags; para livros, revistas e partituras de música como ilustrador; como cartazista; como cenógrafo e figurinista para o “teatro de revista”; como decorador para a Feira Popular… Este trabalho será galardoado com vários prémios internacionais e um do SNI, o que não impediu que a insatisfação fosse o sentimento dominante dele e que os críticos e historiadores de arte se esquecessem da sua obra. Stuart viria a morrer com um ataque cardíaco no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, a 3 de Março de 1961. Faz agora 20 anos.

                O que terá tornado Stuart num artista a não esquecer?

                Talvez que, ao ser lido o que atrás foi dito, se pense que nada fez e que muito poderia ter feito.  Talvez esse pensamento esteja correcto, principalmente depois de se conhecerem as suas potencialidades desaproveitadas, o seu génio, do qual ele nos deixou apenas uma sombra.

                «Stuart tinha demasiado lá dentro», diz-nos (o pintor alemão Hein) Semke e, esta frase, leva-nos a descobrir o mundo interior de Stuart. Tinha imensas potencialidades, frustradas por um espírito sem a mínima confiança em si, sem equilíbrio organizativo e por um mundo artístico para o qual não estava preparado (para este pensamento anárquico). O meio das artes em Portugal, dominado pela concorrência, pela mesquinhez de cada um por si, pelo mal-estar (subterrâneo) entre os artistas (que só pensavam em sobreviver), era-lhe adverso. Stuart, o mãos-largas, o homem que nunca se zangou com amigos, sempre pronto a ajudar toda a gente, não se sentia bem no meio artístico mais requintado, apenas no boémio.

                A sua vida familiar foi também uma frustração, já que o seu espírito, nada tinha de comum com o dos seus pais (rurais aristocráticos) nem com o da sua mulher (analfabeta do povo). Os amigos, eram muitos ao balcão da taberna, mas raros no seu coração. Stuart, para além da falta de confiança, (e apesar do estimulo de uma mão cheia de mecenas que lhe adquiram muitas obras) não sentia o estímulo, nem o apoio necessário para uma obra consistente. O seu pior inimigo sempre foi ele próprio, e, em breve, foi-se afundando no álcool, de onde foi quase impossível tirá-lo.

                Como se poderá falar das suas potencialidades, se aparentemente o que fez, foi nulo? Teremos de destrinçar, de entre as milhentas obras de ocasião, ou com o simples intuito de ganhar dinheiro, as obras de grande qualidade, as profundamente inspiradas – e que não são poucas.

                Após um período de “tendência” modernista, em que foi director de jornais de vanguarda humorística, como «A Sátira» e «ABC a Rir», sofre um certo retrocesso estilístico, para se concentrar na pesquisa de um traço novo, inconfundível, no qual vem a «retratar» a Lisboa antiga e o seu povo. Foi nesse traço, tão característico, que ficaram gravadas para sempre as belas pernas das varinas, das costureirinhas, das bonitas raparigas, assim como os bêbados, os gatos matreiros, os «cães vadios» e suas prostitutas, os ardinas – enfim, Lisboa. Stuart fixou para sempre a cidade antiga que ia desaparecendo para dar lugar à Lisboa «cosmopolita» dos nossos dias. Ninguém como ele soube conhecer e retratar através do desenho, a cidade e o seu povo.

                Desperdiçou-se (em parte felizmente) no «boneco» para o jornal diário, gastou-se na comicidade do dia-a-dia, no desenho de improviso mas, mesmo essa obra deverá ser reconhecida no seu valor de análise psicológico e social. Stuart não foi um pintor grande de telas -  como em parte gostaria de ter sido -, nem de encomendas oficiais. Não foi um pintor ao serviço da burguesia, nem um artista da cor. Ele foi essencialmente o mestre do preto e branco, o branco da folha de papel e, o preto da tinta-da.china, do lápis, do carvão, di pau-de-fósforo, da borra do café, da cinza, da graxa….

                A sua obra merece um outro tratamento, não o esqueçamos!

                Será mesmo que faz 20 anos que Stuart Carvalhais «morreu»?...

(PS: em Setembro desse ano, realizei no Solar de Mateus em Vila Real, a primeira exposição retrospectiva da sua obra – “Stuart - 20 anos após a sua morte” com edição de catálogo e em 1987, nessa mesma cidade com nova exposição retrospectiva lancei o álbum «Crónicas d’um Stuart», edição D. Quixote).


HISTÓRIA da Arte DA CARICATURA de Imprensa EM PORTUGAL - No Estado Novo 1933 / 1974 por Osvaldo Macedo de Sousa

"O humorista é, em última análise, o único triunfo certo da filosofia. Os humoristas - os que forem dignos deste nome - constituem na História multi-secular deste mundo, os verdadeiros filósofos."

Luís de Oliveira Guimarães

 

1º PREFÁCIO

Uma bela manhã, há muitos milhares de anos, um caricaturista genial, cujas mãos tinham um verdadeiro poder mágico, pegou num bocado de barro fresco, modelou-o à sua maneira - e fez o homem. Séculos passaram, como pequeninas folhas de um volumoso calendário: outros caricaturistas surgiram, embora sem a auréola sobrenatural do primeiro; e, por mais de uma vez, alguns desses caricaturistas tem-se permitido, com irreverente fantasia, pegar nesse homem, autentica obra-prima de imprevisto e de pitoresco, e procurar restituí-lo, exacto, flagrante, à sua expressão primitiva. No fundo da sua irreverência e do seu sorriso há, decerto, um sentido filosófico que possue o valor de uma lição. Parafraseando o velho conceito «Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris», poderão eles dizer, franzindo gravemente o nariz: - «Lembrem-se, meus amigos, que são barro e que em barro se tornarão». 

Luís de Oliveira Guimarães In "Dize tu Direi eu" Lisboa 1942 (pág. 93) 

2º PREFÁCIO 

Não suponham Vossas Excelências que o humorismo é uma fábrica de estrondosas gargalhadas. Não é, e ainda bem ! A gargalhada é uma manifestação de destrambelhamento dos nervos e, quantas vezes, gargalhadas nervosas traduzem estados de alma bem distantes da alegria e da felicidade.

Quando a alegria atinge a gargalhada aproxima-se da irreflexão, perde o contrôle, o raciocínio, não é fácil de dominar e… quantas vezes, passada a excitação, acalmados os nervos, nós sorrimos da sem razão das nossas gargalhadas.

Quanto mais distinto, ponderado e discreto não é um sorriso !… Há mesmo quem traga permanentemente um sorriso a brincar-lhe nos lábios. São as senhoras que têm uns lindos dentes !

Outras… porque um mafarrico dum dente encavalitado lhes quebrou a linha impecável da dentadura, têm um sorriso menos aberto, aparentemente menos franco e ainda, às vezes, velado pela concha da sua pequenina mão. O que eu pretendo, o que o Humorismo pretende, é apenas fazer-vos sorrir.

O humorismo, embora isso pese a muita gente, embora muitos o ignorem, outros o neguem e muitos outros o esqueçam, é filho das Belas artes, mas filho prodígio (perdoem-me esta vaidade). Respeita os pais, os irmãos, não despreza a sua ascendência que muito o honra, mas exige ser olhado e tratado como filho e não como enteado. Se alguma distinção houvesse a fazer, ela seria em seu favor porque a natureza fadou o humorista com um dom especial, que se não aprende em escola alguma. Pode-se, tendo jeito, cursar a Escola de Belas Artes, arranjar um mestre, estudar enfim, para pintor, para escultor, etc.

Para humorista, para caricaturista, não!

O humorismo nasce com o humorista; não se estuda, não se cursa, não obedece a regras, nem a escolas. É um filho das Belas artes, mas emancipado, livre, garoto, cheio de vida, de espírito, rindo-se dos preconceitos, boémio, mas com um fundo bom. O humorismo é a síntese da vida. Meia dúzia de traços, meia dúzia de palavras. A ciência de dizer tudo, em duas linhas, em dois traços.

Sinteticamente, também Leal da Câmara, nosso velho camarada e amigo, conseguiu representar tudo isso no nosso emblema.

Desenhar e palrar… «por bem».

Mas vamos propriamente ao «Humorismo e a Mulher».

A mulher, em geral, para não dizer na totalidade, detesta o humorismo e sobretudo a caricatura. As razões são facilmente compreensíveis e razoáveis, à primeira vista, mas não resistem a uma análise mais profunda e criteriosa, como vamos ver. Estou mesmo convencido de que ao sair daqui, algumas, senão todas Vossas Excelências, levarão do humorismo uma melhor impressão. /…/ Todas Vossas Excelências, quando tiram uma fotografia ou posam para um pintor de nome, são, em ambos os casos, retratadas o mais lisonjeiramente possível. O artista empregará as mais lindas tintas da sua paleta, os tons mais suaves e harmoniosos para transportar para a tela a vossa beleza e frescura. Procurará fazer realçar todos os vossos encantos. Se, porém, algum pequenino defeito, borbulha ou sinal capilar, existir, ele procurará posição adequada para que tal defeito se não note e não venha empanar a beleza da sua obra. O fotógrafo retocará até que tenham desaparecido todas as asperezas e defeitos.

Tirar-vos-á o buço, se o tiverdes demasiado refilão. Arrancar-vos-á os sinais de cabelo e se, por azar, fordes estrábicas, endireitar-vos-á os olhos. Pois mesmo assim… ainda por vezes não conseguem satisfazer-vos:

O que sucederá com o humorista, com o caricaturista ?

O fim do mundo! Ainda há pouco tempo um caricaturista célebre foi processado e lhe foi pedida uma pesada indemnização por ter exposto a caricaturista da artista Cecil Sorel com um queixo de rabeca e um nariz fenomenal. Aqui vos deixo pois um conselho, camaradas caricaturistas:

Por mais insistências, por mais rogos que vos faça qualquer dama para que vocês lhe façam uma caricatura, não caiam nessa! Fala-lhes uma pessoa experiente . Podem argumentar, e argumentam sempre as senhoras que pedem para que lhes façamos a caricatura, que são espíritos superiores, modernas, desempoeiradas; que apreciam imenso essa modalidade de arte; que quanto mais feias as fizermos mais gostam. Deixai-as falar, mas cautela com esses cantos de sereia! Há sempre uma pontinha de vaidade em todos nós e muito mais nas senhoras. É precisamente essa pontinha de vaidade que, embora escondida da própria dona, se irrita com a caricatura, com o exagero dos defeitos e não mais perdoa.

Tão cegos nos põe, por vezes, essa pequenina parcela de vaidade que nem sequer pensamos que a caricatura celebriza, ou pelo menos arranca da vulgaridade, da banalidade ! Já viram caricaturas de pobres diabos, desconhecidos, apagados, a quem ninguém prega atenção ? Não! Em geral a caricatura pessoal é sempre de alguém que se destaca da craveira, pelo seu espírito, pela sua arte, pelo seu dinheiro, pelos seus pergaminhos, enfim, por qualquer coisa acima da vulgaridade /…/

Sempre que alguém nos elogia e pinta com lindas cores qualquer coisa, é vulgar, ao vê-la, sentirmos uma decepção. Se, pelo contrário, nos disserem mal e fizerem uma descrição desagradável é mais que certo que a acharemos bonita. É precisamente o que se dá com o pintor e o caricaturista. O pintor e o fotógrafo representam o informador optimista. Geram, portanto, desilusões, decepções.

O caricaturista representa o informador pessimista, derrotista. Gera, portanto, impressões agradáveis, reacções benéficas para o modelo. Se alguma reacção desagradável gera é precisamente contra ele próprio por ter induzido em erro. Não há, portanto, quem veja a caricatura de uma senhora, por menos formosa que seja (e não digo feia, porque as senhoras nunca são feias), que, ao ver o original, não exclame: Mas… afinal ela é muito mais engraçadinha que eu supunha. É até bem interessante, bem simpática, bem gentil! E… se virmos bem, até é bonita; E aquele malvado que me enganou com aquela tremenda caricatura! Sempre o sacrificado caricaturista, antipático, maldito por todos.

Eu estou mesmo convencido que aquela canção brasileira, agora muito em voga: «Há uma forti correnti contra você…» deve ter sido dedicada a algum humorista. /…/ 

Leonel Cardoso (Trecho da Conferência "O Humorismo e a Mulher" proferida  a 31 de Maio de 1938, e editada em Livro no mesmo ano)

Introdução 

Com a "revolução" de Maio, muita gente acreditava que a tranquilidade política ia finalmente ser restabelecida. Era a direita Integralista que sonhava ter conquistado o poder; era a esquerda republicana que pensava ter o exército do seu lado; era a esquerda operária que se enganava numa pseudo-conquista da liberdade e igualdade de direitos… Os próprios golpistas estavam incertos quanto ao futuro, estavam divididos. E, se o golpe saiu vitorioso, de imediato seriam os heróis da primeira linha a caírem, como aconteceu com Gomes da Costa, Mendes Cabeçadas…

Como consequência, a ditadura impôs-se, a troco da paz, da tranquilidade, do equilíbrio económico. Para ser mais concreto, os primeiros anos da ditadura foram mais catastróficos, política e economicamente que os tempos da 1ª República.

A caricatura, como reflexo da história, tanto louvaria os políticos, como o Gomes da Costa a arrancar os furúnculos deixados pela República, como em breve se lamentaria dos piores inimigos do espírito humano - a opressão e a censura. A vitória dá alegria, mas não certezas, e as dúvidas são o primeiro sintoma do mau caminho político: « - Ó Maria, afianças a melancia (ditadura) ? - Sei lá, não estou dentro dela… - Então, o melhor é cala-la, que de resto, o calado é o melhor…» (Stuart, in Sempre Fixe de 2/9/1926).

Outra questão que de imediato se colocou, foi uma questão de estilo, já que a Europa de então tinha vários figurinos ditatoriais. A direita portuguesa tinha especial simpatia pelo estilo italiano : « Mussolini - Então é esta a traquinas da sua filha (República) ? O Zé - É sim. Sr. Duce, mas nasceu enfezadinha… Mussolini - Porque não lhe dá o meu xarope fortificante ? O Zé - Deus me livre, já tomou uma xaropada dessas em 1918 e ía morrendo!» (Stuart, in Sempre Fixe de 25/11/1926).

Porém, seja qual for o estilo, qualquer ditadura tem sempre o mesmo fito, calar as ideias, a liberdade - «Na impossibilidade de desenharmos e escrevermos no Diário do Governo, teremos de transformar o Sempre Fixe em Jornal de Modas (F. Valença, in Sempre Fixe de 8/7/1926), através de prepotências e outras potências várias que logo em 1927 põe a Declaração dos Direitos do Homem no Penhor (F. Valença in Sempre Fixe de 5/5/1927) - para no Carnaval de 1933 já se poder festejar as Cinzas dos que nunca estão de acordo por inteiro, os Partidos - Aqui repousam as cinzas dos Partidos Políticos. (F. Valença in Sempre Fixe de 2/3/1933); Lentamente morrem as individualidade, cria-se um estado novo das coisas, em monocromia, de marionetas. Os partidos e as ideologias divergentes com o regime são anuladas pela opressão.

Diversas serão as tentativas de derrubar a Ditadura, com movimentos partindo das próprias forças armadas, mas sempre sem êxito…

O humor teve que aprender a calar, a disfarçar a sua irreverência, o que não foi fácil, nem pacífica, porque sempre que possível, saía um grito do fundo do estômago: «mortos de pé, que os vivos estão de cócoras» (Stuart, in Sempre Fixe). Mas a abnegação também é um característica nacional e com o tempo fomo-nos contentando com a situação - "Onde moras agora ? - Não tenho casa, moro por aí… - Tem graça… sou teu vizinho." (Stuart, in sempre Fixe de 2/4/1942).

*****************************

Chefiada por militares, que evitam a todo o custo recorrerem-se de velhos políticos, os primeiros governos serão verdadeiras jangada à deriva entre as várias facções ideológicas, entre os vários interesses em jogo. Os ministros são escolhidos fundamentalmente entre militares e académicos, como acontece logo em Junho de 26, quando o convite para a pasta das Finanças foi enviado para a Universidade de Coimbra, endereçado a um tal  António Oliveira Salazar. Este, perante tal desorganização, acaba por recusar. Mas fica atento, publicando de quando em vez artigos sobre a sua definição de economia ideal para o país, com criticas a atitudes e actuações  dos Ministros das Finanças vigentes… ou seja, preparando o caminho para o seu regresso.

Na realidade, os Ministros de Finanças da Ditadura foram os principais obreiros da criação do mito do Salvador da Pátria. Perante o descalabro das suas políticas, só uma posição radical e forte podia mudar o rumo do país.

A 27 de Abril de 1928, Salazar assume a Pasta das Finanças, iniciando então uma radical reformulação das Finanças Nacionais - "Olha lá, o Ministro das Finanças é de Santa Comba Dão ? - Não, é de Santa Comba Tira…" (Luís Teixeira, in Sempre Fixe de 14/3/1929). A partir de Janeiro de 1930 Salazar acumula as finanças com a Pasta das Colónias.

Em Dezembro de 1930 é ilegalizado o Partido Republicano, e demais partidos, quando está já em formação o partido único União Nacional. A 9 de Outubro de 1931 é criada uma comissão de trabalho, chefiada por Salazar, para a redacção da nova Constituição da República. A 5 de Julho de 1932, António Oliveira Salazar assume a pasta de Presidente do Conselho de Ministros do 8º Governo da Ditadura Militar. A 20 de Agosto Salazar aprova os estatutos da União Nacional. A 23 de Janeiro de 1933 é extinta a Secção de Vigilância Política e Social da Polícia Internacional Portuguesa, sendo criada a Polícia de Defesa Política e Social, para ainda este ano, em Agosto ser criada a Polícia de Vigilância e Defesa do estado (PVDE). A 11 de Abril é promulgada a nova Constituição Portuguesa, ficando desta forma instituído o Estado Novo.

António Oliveira Salazar, assim como a Censura foram os dois elementos mais visíveis desta ditadura Militar, ao longo desta década de trinta. A Censura, como já verificamos no volume anterior, parecia que tinha gozo em ser caricaturada nos suas iconografias satíricas, como a rolha, o lápis azul, a tesoura, a Nª. Srª do Carmo…já que surgiam constantemente na imprensa, sem serem importunadas pelo censor.

Quanto a Salazar também gozará desse privilégio, e hoje, observando o seu percurso político podemos pensar que ele usou a caricatura como forma de ascensão e imposição no governo. Salazar desde 29 era apenas o Ministro das Finanças, mas pertencerá sempre a ele os discursos mais importantes, as iniciativas de organização de estruturas paralelas do regime, as homenagens populares (onde por vezes dividia a popularidade com o Presidente da república), até que o Presidente do conselho se cansou de ser uma figura apagada e pede a demissão, abrindo espaço á ascensão de António Oliveira Salazar a Presidente do Conselho.

Ele soube rodear-se de uma máquina promocional, onde António Ferro terá um papel de destaque no meio jornalístico, e depois na imagem do regime através das Artes, da Cultura.

Na caricatura raras são as referências a outros ministros, ao Presidente do Conselho, ao Presidente da República, enquanto que Salazar, o salvador e o opressor, segundo as visões de cada um, surgirá com regularidade na imprensa.

Se Jorge Barradas desenha em 32, Estamos salvos! Temos homem… (in Sempre Fixe de 30/6); Emmérico Nunes in Acção o apresenta como um dos Capitães da Nação, ao lado de Afonso Henriques, Alvares Pereira, Vasco da Gama (de 1/5/1941), Francisco Valença como um D.Pedro V, um novo dador constitucional (in Sempre Fixe de 9/3/1932)… outras vezes surgirá como a sanguessuga, como o extorquidor (Com a nova partitura, o virtuose das finanças consegue arrancar muitas notas ao velho instrumento (o violoncelo contribuinte). Música de delicia o dilettante (o Tesouro)- in Sempre Fixe de 18/4/1929), como o opressor (quietinho menino ! Se vem fazer barulho, chamo o homem do saco (Salazar), por Teixeira Cabral in 5/1/1933)…

E Salazar dominará a caricatura destes anos, se primeiro com as suas próprias caricaturas, depois com a sua ausência, como testemunho da decadência, do medo, da opressão que dominará não só o país, como o próprio espírito do velho ditador.

Em relação ao período que este volume abarca, depois de resolvidas as questões de apenas começar em 1933, creio que não há polémicas. Naturalmente que poderíamos terminar em 1969, com o início da dita primavera Marcelista, em que o próprio humor renasce um pouco das cinzas, iniciando-se um novo período que triunfa plenamente a 25 de Abril de 1975. Contudo esse período não deixou de ser ditatorial, de ser um epilogo do Estado Novo.


Tuesday, November 17, 2020

Caricaturas Crónicas - «A Caricatura uma arte efémera» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 17/2/1985)

O hábito do jornal, o comprá-lo todos os dias, folheá-lo, ler os títulos ou os artigos que interessam, comentá-los e pousá-lo, tudo em movimentos automatizados, faz com que mal pensemos no jornal, e seu conteúdo, para além desse breve momento de leitura, como algo verdadeiramente efémero.

Isto, porque todos os dias o jornal nasce, envelhece, para renascer no dia seguinte com novas notícias, acontecimentos, sempre com algo de novo nesta correria que é a vida moderna. Após a sua breve existência noticiosa, perde-se num sótão, num autocarro, num embrulho urgente…. Mas dele fica sempre alguma coisa, uma história, um novo conhecimento, uma anedota. É um admirável exemplo de uma coisa que, dia após dia, se ri da morte da véspera.

Ora, o jornal não é um simples amontoado de notícias e conhecimentos, mas a vida comentada e ilustrada por palavras, desenhos ou fotografias. É a vida narrada com simplicidade ou com arte. Uma destas artes do efémero é a caricatura e o cartoonismo.

Se o factor do humor, para alguns, é já um handicap para ser encarado como uma obra de arte «séria», esta existência breve agrava a sua aceitação entre as chamadas artes maiores. Uma obra que é vista / lida num breve minuto, sendo trocada de imediato por um título chamativo e lançada para o esquecimento, é uma arte que chama pouco a atenção e que, no fundo, é desconhecida, como tal, do grande público.

O que é a caricatura? O termo, que provém do italiano caricare, tem como significado «exageração», mas como alguém dizia no séc. XIX, a caricatura pode ser «a mais divertida maneira de desenhar». A caricatura é a exageração da natureza, é o burlesco do caracter, é a forma de humor.

E que é o humor? O humor, para Pawloski não é senão o «velho método socrático, que consistia em colocar um simples espelho moral diante das ideias humanas e de curar as pessoas apenas pelo espectáculo homeopático de seus males».

No início, a caricatura era simplesmente um confronto com a realidade, como que uma busca do feio. Era seguir as sombras das figuras, ora alargando-as, ora alongando-as, ora espartilhando-as, vincando nas linhas das sombras humanas o próprio riso. Depois, a evolução da estética, da filosofia e do gosto, as normas de beleza foram-se alterando, perdendo esta a sua prioridade no ideal, ao mesmo tempo que a caricatura ia perdendo o monopólio do «não bonito». A caricatura deixou de ser uma simples exageração da realidade, deixou de ser o «retrato do feio», para ser, antes de tudo, o «estado de espírito». A caricatura transformou-se numa «posição mental» tomada tanto pelo criador como pelo receptor. Ela já não deve ser algo que se «vê», mas algo que se tem de descobrir. Deve ser feita da inteligência para a inteligência, assim como todo o humor. De todas as formas o sorriso, ou o riso, pertencem à caricatura, não só como reacção crítica mas também como arte de persuasão.

A sorrir, a rir ou a ranger os dentes a caricatura é uma arte de humor que pode tratar a vida, da simples anedota à política. Como arte de política, pode utilizara sátira social, ou a crítica directa aos indivíduos e, como tal, é um dos fundamentais documentos sociológicos e estéticos, tanto dos estilos artísticos da época, como dos costumes, ideias, governos e sua oposição.

Devido a esta última faceta, a caricatura ultrapassa a simples expressão estética ou sociológica para ser um risco, ser uma ameaça tanto para os governos, como para os artistas. Para os primeiros, é a irreverência, a revolta, a crítica contra a sua má política; para os segundos, pode ser a censura, a perseguição, as multas, a prisão ou exílio. Uma boa caricatura pode ser mais convincente e mais directa que qualquer discurso da oposição, ou artigo de jornal.

A caricatura, como qualquer desenho de humor, é uma arte do quotidiano, vivendo do momento,  da actualidade e, como tal, efémera. Relembrar a sua existência, ou os seus autores é revisitar a história, a política e a visão crítica de uma época.

Este artigo é, a introdução a uma série onde procuraremos redescobrir os mestres da caricatura portuguesa, os temas que mais preocuparam os caricaturistas e a sociedade.


This page is powered by Blogger. Isn't yours?