Saturday, October 31, 2020

O papa Francisco e o matrimonio gay por SIRO LOPEZ (IN VOZ DE GALICIA 31/10/2020)

 


A miña amiga ultracatólica mandoume un wasap cun arquivo e un comentario alarmista: «Esto es gravísimo. Supone el acto final para que se produzca un cisma». O arquivo titúlase «Francisco alienta la unión civil para parejas del mismo sexo» e informa de que no documental Francesco, do cineasta ruso Evgeny Afineevsky, estreado en Roma o día 21, o papa di que os homosexuais teñen dereito a formar unha familia porque son fillos de Deus e cómpre facer unha lei de convivencia civil que os ampare.

Por moito que o leo non vexo que as palabras do papa vaian contra o maxisterio da Igrexa. A homosexualidade non é pecado e o Catecismo da Igrexa católica, editado en 1992, déixao claro: «Un número considerable de homes e mulleres teñen tendencias homosexuais instintivas. Non elixen a súa condición homosexual. Deben ser acollidos con respecto, compaixón e delicadeza. Evitarase a inxusta discriminación con eles».

O papa Francisco xa fixera declaracións que os medios converteron en titulares de primeira páxina: «Si alguien es gay y busca al Señor con sinceridad, ¿quién soy yo para juzgarlo?», en 2013. «Jesús no respondería a nadie: -Vete porque eres homosexual», en 2016. Porén, nos dous casos afirmaba algo sabido: que gais e lesbianas poden ser parte da familia católica. A novidade estivo en non acollelos «con compaixón e delicadeza», senón con amor; como a homes e mulleres heterosexuais.

Se a homosexualidade non é pecado, a formación de unidades familiares por persoas do mesmo sexo tampouco debería selo. Digo debería porque hai unha condición sine qua non. Como a relación carnal entre persoas do mesmo sexo si é pecado, as familias de homosexuais terán que vivir en castidade. Dío o Catecismo: «As persoas homosexuais están chamadas á castidade». A voz chamadas é eufemismo de obrigadas, claro. E velaí a razón do alarmismo, que non está no que Francisco dixo, senón no que non dixo, pero os alarmados intúen que pode chegar a dicir. Efectivamente, a cuestión é saber se Francisco apoia aos gais e lesbianas católicos que desexan formar familias, porque cre que van vivir castamente; ou apóiaos a sabendas de que queren vivir o amor pleno, espiritual e físico, das parellas heterosexuais. Non o sabemos e tampouco se acepta que a unión civil de persoas homosexuais se chame matrimonio. En 2017 referíase a elas como «parellas de feito».

Malia ter denunciado «una corriente de corrupción» e recoñecido «un lobby gay» na curia romana; manifestarse contrario á «dictadura de la economía e del culto al dinero»; rexeitar «el comportamiento suicida que destruye el planeta»; e eliminar o secreto pontificio nos casos de abusos a menores por membros do clero; o papa Francisco non é un revolucionario. Non o é, pero a alarma que crea no catolicismo ultraconservador e no neoliberalismo económico é a mesma; de aí a coincidencia nas aldraxes e descualificacións que recibe de ambos e que van da acusación de marxista á de ser un papa ilexítimo que pavimenta os accesos para a chegada do antecristo, ou ser el o mesmo antecristo.

O que fai de Francisco un papa especial é o xeito de comunicar, que chega onde quere. Dicir a un activista homosexual: «Dios es quien te hizo gay y Dios te ama. Y el papa también te ama» non resolve o problema, pero reconforta.


«Caricaturistas – Zé Oliveira» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Trevim de 13/4/1989)

O Zé Oliveira é uma presença imprescindível no «TREVIM», é mesmo um símbolo irreverente qua transporta o nome deste jornal para além das suas fronteiras regionais, de como um extraordinário humorista pode fechar-se na província e aí, viver a grande arte do humor na vida quotidiana da Lousã.

Por essa razão, resolvi pregar-lhe uma partida e «roubar-lhe» o espaço onde costuma «despir» os outros humoristas, publicando uma entrevista que ele me deu para um artigo que escrevi para o «Diário de Notícias», de Lisboa. Eis o Mestre do Humor desmascarado.

OMS – Quando começou a desenhar «bonecos de humor»?

Zé Oliveira – É-me difícil referenciar isso com exactidão, porque não tenho o hábito de guardar desenhos antigos ou recortes. Começo, agora, a esboçar essa tentativa. Devo estar a ficar velho….

Entre os meus dez e treze anos, residi numa aldeia transmontana. O meu pai comprava o jornal «a meias» com um vizinho, de cuja leitura ambos usufruíam na totalidade, mas cujo papel era repartido para um fim último que justificava a sua aquisição: embrulhar (isolamento térmico) o almoço do meu pai, ferroviário. Aliás, a minha mãe também foi ferroviária, abrindo e fechando cancelas, como o fizera a minha avó paterna. Eu não, para desgosto de meu pai.

Eu, em aldeias do centro do país, filho único, não tendo sequer rádio em casa, nem garotos por perto e não dispondo também de livros, que não fossem os da escola, tinha que cuidar de me entreter. Brinquedos também não tinha, portanto deglutia os bonecos do «Janeiro», risco por risco e tentava reproduzir alguns. Repito, com 12/13 anos.

Acabados de completar os 13, fui morar para Miranda do Corvo. Aí estive até aos 21 anos.

Acabado de chegar a uma vila, vindo de uma aldeola transmontana, tendo que fazer os amigos que não tivera tempo de criar no norte, tentava afirmar-me mediante o processo mais simples, e mais barato: fazer bonecos. Aí, privei de muito perto (vizinho de ao pé da porta, também filho de ferroviários) com um garoto uns 3 anos mais novo que eu, com quem irmanei o gosto pelas aventuras de comunicação. Ele, hoje realizador na Antena 1 (Coimbra) e, episodicamente, tem feito algumas séries para a RTP – Porto.

Teve alguma influência no desenvolver da minha componente gráfica, o facto de crescer lado a lado com outro entusiasta da comunicação.

OMS –Então essa tendência surgiu espontaneamente, porém deve ter havido influencias!!??

Z.O. – Fundamentalmente espontânea, mas troquei muita correspondência com o Aniceto Carmona (outro caricaturista) – que eu não conheço pessoalmente. Ele teve uma pachorra deste tamanho para me aturar e funcionou, para mim, como uma janela aberta para o mundo da caricatura portuguesa (teria eu os meus 20 anos). Nem ele calcula quanto proveito tirei da troca de correspondência! Não é que ele mo dissesse explicitamente, mas entendi quanto perigoso seria embarcar em sonhos dourados, sem consistência.

Influências? Apreciava muito a «Parada da Paródia» - pelos desenhos e pelos textos – e dividia o meu apreço pelo trabalho, aparentemente fácil, do Cid, pela elegância das garotas desenhadas pelo precoce Zé Manel, pelo humor e vigor do traço do Vitor Milheirão, pela sobriedade de um Machado que, se bem apareceu, melhor desapareceu, pela novidade dos bonecos do iniciado Agostinho, etc. Não esquecendo a louca mordacidade de Gustavo Fontoura ou as pormenorizadas encenações do João Benamor. A um garoto que não sabe o que quer e o que só mais tarde descobrirá quão séria é a tarefa do caricaturista, a esse garoto todos terão influenciado um pouco.

OMS – Em que periódicos colaborou?

Z.O. – Terei começado por «impressionar» os fotolitos das páginas da revista juvenil «Zorro» (mas recomendo que ninguém vá ver…). Depois «Flama», «Ridículos» (muita bonecada de pouco préstimo), «Magazine», «Capa e Batina» (de Coimbra com bastantes desenhos, incluindo capas a cores e textos de todo o género e feitio), «Barraca», «Brincalhão», «A-Z», «Pé-de-Cabra»… E o encargo de editar um jornal de caserna durante dois anos na tropa em Angola, feito numa técnica rudimentaríssima (copiógrafo), mas onde a criatividade conseguiu inserir a policromia a quatro cores, e uma tiragem de 2.000 exemplares – era o jornal «Jamba». Foi uma experiencia de que guardo as melhores recordações, entre tudo o quanto fiz em comunicação social. Também lá fiz intensamente (e cumulativamente) rádio, mas o que eu recordo é o jornal.

OMS – Nos anos 60 era mais fácil fazer humor?

Z.O. – O que eu fazia, eram bonecos sem profundidade crítica. A minha verdadeira consciência do papel social da caricatura, só tarde terá ficado amadurecida. Creio…

Fazer umas larachas inconsequentes, como creio que era quase tudo o que eu fazia, não seria mais fácil nem mais difícil do que hoje. Porque eu pertenço àquela geração de filhos da ditadura que aprenderam a fazer bonecos à medida das malhas da censura. Embora eu reconheça que nos dava muito gozo tentar forçar a malha, num jogo de entrelinhas subentendidas em cumplicidade com o leitor. Talvez essa encenação de compita entre gato e rato, que nóse os censoresprotagonizavamos, acabasse por, em si mesmo, conter uma grande carga de humor de ridículo. Vistas as coisas assim, seria mais fácil fazer humor. E mais necessário.

Imediatamente aos o Abril de 74, compeli-me a ensaiar o recomeço, pois estava graficamente inactivo mas, a verdade é que não fui capaz de fazer humor em plena liberdade. Eu não sabia, nunca tinha aprendido. Só há uns três anos (creio) me atrevi a (re)pegar nas cnetas, para desenhar umas coisas apressadas para o jornal «Trevim» da Lousã, a troco do simples prazer de desenhar. »Trevim» onde escrevo há 21 anos (com uma ou duas intermitências) desde o nº. 2.

OMS – A opção profissional (não humorística) foi fácil de tomar?

Z.O. – Se calhar, inesperadamente mas convictamente, digo: foi! Eu não tenho temperamento capaz de estar muito tempo encerrado, sentado, quieto. Foi assim sempre a minha vida desde garoto: andarilho deste país. Fui criado «em movimento», como é que eu agora ia parar? Fui criado a olhar para os comboios carregados de gente que ia para algures…. A desafiar-me a imaginação e o desejo de também ir…

Hoje sou topografo, por opção e sem patrão, nem horário. Com muito trabalho de campo e pouco de gabinete, apenas o suficiente para não deixar secar a tinta-da-china nas canetas, que tanto desenham plantas como bonecos. È uma actividade que me proporciona o gozo (egoísta) da permanente reportagem feita para meu exclusivo usufruto.

OMS – Lisboa teria sido um local mais fácil para vingar no humor?

Z.O. – Seria, mas eu nunca quis vingar no humor, pelo menos em Lisboa.

OMS – Fazer humor local, na província, não é um risco latente de criar inimigos entree os amigos?

Z.O. - … entre amigos, não. Cito Paulo de Carvalho: «com amigos desses… não preciso de inimigos!». Mas, já reparei que dois ou três indiferentes (porque não eram amigos nem inimigos), pessoas localmente bem colocadas, passaram a dar-me apertos de mão, desde que desenvolvo um boneco incomodativo no jornal da terra. Não vá o diabo (que seria eu…) tecê-las. Portanto, ao contrário do que pode parecer, até se arranjam «amigos»…

OMS- Como é que um humorista na província vê a política da capital?

Z.O. – De cima!! A resposta está implícita na pergunta. Um humorista na província vê a política… na Capital. E desengane-se quem, na Capital, porventura suponha ter em Lisboa as melhores meningens lusitanas. Lisboa é uma metrópole, é um cocktail. O Portugal autentico, genuino é cá fora. O Portugal de Lisboa está carente de identidade, na medida em que o que ostenta não é verdadeiramente lusitano. Inclusive na política.

Embora alguns idos do país autentico, os políticos de primeira divisão não são Zés. Faltam ainda muitas gerações para que sejam. Muitos são Franciscos, bastantes Antónios; vai havendo, por enquanto, um ou outro Anibal ou Diogo e coisa assim mas – decididamente – não há Zé que chegue a Presidente da República, Primeiro Ministro, Ministro ou Secretário-Geral do Partido. Os Zés começam a aparecer a nível de Secretariado de Estado e daí para baixo.

O Zé – já Bordallo o profetizava – não passará da cepa torta da política. As cadeiras de Lisboa estão-lhe inacessíveis. É assim, estatisticamente comprovado. E não é por acaso, embora o acaso tenha as costas largas. É uma questão de antropologia? Quase.


Friday, October 30, 2020

23rd Euro-kartoenale 2021

www.ecc-kruishoutem.be/register. 'CHANCES AND OPPORTUNITIES'.

RULES

1.   Theme: ”CHANCES AND OPPORTUNITIES”   

DEADLINE : 10th of January 2021!!!!

2.     The number of entries is limited to 5.

Any kind of graphical technique will be accepted. The works may not have been exhibited, published or awarded before. The drawings shall not bear subtitles.

3.     You can send your works in two ways:

Register and upload your cartoons on our website www.ecc-kruishoutem.be/register

OR send them by regular post to the following address: EURO-KARTOENALE - RENÉ D’HUYVETTERSTRAAT 5C - 9770 KRUISHOUTEM - BELGIUM – EUROPE                  

On our website you can check the list of participants to see if you works have arrived. The entry list is updated daily.

4.     The drawings shall have the following dimensions: A4 – 300 dpi, maximum 3MB for digital works.

5.     The drawings sent by post must bear, on the reverse side, the surname, forename and address of the participant.

6.     By participating, the artist agrees with this rules and authorize the organizers to publish the submitted works in the catalogue and for the promotion of the exhibition. For any other use of the cartoons the permission of the cartoonist is previously requested.

7.     The following prizes are awarded:

               1st prize                                                              € 1.800,00 + trophy

                2nd prize                                                             € 1.500,00 + trophy

                3rd prize                                                              € 1.300,00 + trophy

                Best European cartoon                                                        € 900,00

                Best Belgian cartoon                                                             € 900,00

                Prize of the ECC                          Personal exhibition in the ECC

            On the occasion of the prize-giving ceremony, all the winners are invited for a stay of 3 days in Kruishoutem.*

8.     On request the participants get a free catalogue. However, the postage costs are for their own account. They can also collect the catalogue at the European Cartoon Center. If your work is published in the catalogue a free copy is sent automatically. 

9.     By participating the artist lends the submitted works to the organizers for itinerant exhibitions. Consequently, the selected works will remain at the disposal of the organizers until December 2022! The awarded works will become property of the organization 

10.  The original entries will only be sent back by the organizers on written request. The organization can in no way be held responsible for eventually damaged or lost works.

11.   If after announcement of the prizes, it appears that plagiarism has been committed, the jury can after deliberation withdraw the prize.

12.  The international jury of cartoon professionals will meet in Kruishoutem on the 29th of January 2021. The complete list of jury members will be announced on our website after the expiry of the deadline.* 

13.     The inauguration and prize-giving ceremony will take place on Saturday the 3rd of April 2021. The exhibition will run from the 4th of April till the 25th of June 2021.*

(*) If   the corona pandemic results in specific restrictions on travelling or events the live jury meeting can be replaced by a digital meeting or the prize giving ceremony can be postponed or cancelled. We will look for alternatives.

Some FAQ's, questions and answers.

 


«Siné perde calças em Lisboa» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário Popular de 26/10/1988)

   O riso pode fazer-nos perder a compostura, a má disposição, mas raramente nos faz perder as calças. Mas foi isso que aconteceu a Siné (o famoso mestre da caricatura francês), em Lisboa. A propósito deste incidente, falamos da festa de jornalismo gráfico que está a decorrer em Porto de Mós.

                Perder a cabeça, qualquer um a perde, seja pelas constantes contradições do governo, pelos impostos, pelo patrão, pelo futebol, ou mesmo pelo humor. O riso pode fazer-nos perder a compostura, a má disposição, mas raramente nos faz perder as calças. Isso acontece normalmente com a chegada súbita do marido, ou na fuga de um cão raivoso, mas o Siné veio a Portugal por causa do humor e por cá perdeu as calças. Isto só poderia ter acontecido mesmo a um artista homenageado pelo II Salão Nacional de Caricatura – Porto de Mós / 88. Neste momento as calças já foram encontradas e enviadas.

Claro que já repararam que esta notícia, verdadeira, apenas serve para chamar a atenção sobre esta festa do jornalismo gráfico, patente ao público na Casa do Povo de Porto de Mós até ao dia 30 do corrente. São, pois os últimos dias.

                «Em que consiste o Salão Nacional de Caricatura? Antes de tudo – diz o catálogo – gostaríamos que fosse um sorriso na imagem do povo português, quebrando a seriedade que está colada à mascara de todos nós». E creio que esse objectivo foi atingido, pois o público que lá vimos, a observar as 190 obras expostas, nos parecia feliz e sorridente.

                Logo á entrada há uma mini feira do livro de humor, com os vários álbuns de autores portugueses ou os postais inéditos de Siné, que foram pré-lançados cá em Portugal. De seguida podem-se observar 50 trabalhos do mestre Siné, o artista homenageado neste Salão.

                Siné é o símbolo da revolta feita humor, a sátira lutando lutando contra a opressão militar, clerical… a liberdade sexual e vivencial. O seu traço-grafitti é incisivo, não deixando passar uma oportunidade para clamar pelos direitos humanos. Por essa razão, ele opõe-se a que o definam politicamente, recusando a esquerda, o centro ou a direita, já que ele é um anarca, um homem lutando contra-e-pelo-mundo, um Quixote que, após 30 anos de luta, se sente fracassado: «-Tentei desmascarar as ditaduras, a opressão, tentei derrubar os militarismos, o clericalismo, o poder… e tudo continua como se eu não existisse!». É uma pequena retrospectiva desta vida que se encontra em Porto de Mós.

                Podem-se também ver 44 trabalhos concorrentes ao I Salão Livre, onde, para além de artistas conhecidos, se pode descobrir obras de Belém, Costa Ferreira, JJ Monsanto, Onileda, Luís Saraiva e Isolino Vaz (ambos premiados)… ou os 90 trabalhos que participaram no II Salão de Caricatura de Imprensa, representando vinte periódicos.

                Através do II Salão, dedicado aos profissionais, correspondendo os prémios nacionais de jornalismo gráfico aos trabalhos publicados durante o ano de 1987, tem-se uma perspectiva do que melhor se cria em Portugal, no jornalismo gráfico-humorístico, assim como do que aconteceu politicamente em Portugal, pelo espelho deformante da caricatura.

                É a vida do país retratada em humor, é o jornalismo transformado em estética plástica, com as suas obras-primas criadas na tarimba do quotidiano, Naturalmente estão presentes os maiores humoristas portugueses como o António, Cid, Maia, Pedro Palma, Rui, Zambujal, Zingaro, Luis Afonso, Zé Bandeira, Adam, Aniceto Carmona… mas entre todos a revelação foi Zé Oliveira, que representa o jornal «Trevim». Sendo um artista desconhecido do grande público, demonstra já um total domínio do traço e um humor incisivo e inteligente.

                Raramente temos a oportunidade de observar um conjunto como este de obras de humor. É o Salão Nacional de Caricatura de Porto de Mós, que encerra no dia 30, com a entrega dos prémios às crianças e escolas que participaram no concurso «O Salão visto pelas crianças», organizado pela Câmara Municipal de Porto de Mós (uma das responsáveis do salão) com o patrocínio das Edições Caminho.

                Nota: (Como Director do Salão Nacional de Caricatura e de outros eventos para conseguirmos que a comunicação fale de nós temos que ser criativos. Este artigo, escrito por mim em 1988, só comprova que quem quiser fazer publicidade dos seus eventos na imprensa não pode esperar pelos outros e temos de sermos nós mesmo a escreve-los, tanto em 1988 como nos dias de hoje. Por vezes enviamos como nota de imprensa o artigo já feito, noutras vezes não assinamos ou pomos um pseudónimo. Este, foi assinado como M. de Macedo. Há muitos artios assinados simplesmente por Osvaldo de sousa, outros por O.Sousa, OMS, Osvaldo Macedo de Sousa, M de Macedo, Manuel Macedo e Manuel Gonçalves. Este ultimo, essencialmente como gráfico dos meus catálogos)


«Bastidores da Justiça» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário Popular de 24/12/1988)

  A edição, em França, de uma obra assinada por um reputado magistrado, que se propôs levar os seus leitores aos bastidores da justiça, trás consigo, além de surpreendentes revelações, uma pergunta: E em Portugal? Será que, pelo menos o livro irá ser traduzido e posto à venda entre nós?

                Acabou de me chegar às mãos o livro «A vous de  Juger», de Jean-Paul Jean, enviado pelo meu amigo Siné, esse mesmo que pelo humor luta quixotescamente pela justiça, liberdade e igualdade. Na dedicatória há uma referência a Otelo, porque, tal como ele, defende num desenho-testemunho deixado aos portugueses durante a sua estadia em Lisboa «le Portugal ne será paz libre, tant qu’Otelo será prisonier!».

                 A justiça/injustiça é uma preocupação de todos nós. É curioso que esta obra «A vous de Juger» chegue no momento em que algo, em Portugal, está em crise. São os bastiões da perenidade, da ordem simbólica, que caem ao mesmo tempo, ou seja, a unanimidade no PCP e os laços intrínsecos entre a justiça e o poder político.

                Em Portugal, com a greve dos juízes, o que está em jogo é um estatuto de dignidade, uma justiça que não quer ficar subalternizada, em questões de ordenados, à política. No livro de Jean-Paul Jean, o que está em jogo? «Um debate sobre o que deveria ser a justiça, na ambição democrática de um país» - diz o autor. E acrescenta: «Actualmente, a função de julgar é um ritual, uma teatralização, na qual cada um representa o seu papel. Vocês, espectadores, são por vezes engolidos, sem mesmo conhecerem as regras do jogo

                «Eu proponho-vos – continua Jean-Paul – fazer uma visita pelos bastidores, desmontar a maquinaria, explorar os decors, apontar o projector para lá, onde os actores não esperam, fazer-vos olhar pelo buraco do ponto. Demonstrar pouco, mostrar muito, ao longo desta viagem pela justiça normal, eis a ambição deste livro

                É com simplicidade e humor que o autor (juiz, ex-vice-presidente e ex-secretário-geral do Sindicato da Magistratura, hoje conselheiro-técnico num gabinete ministerial), descreve as fraquezas e vícios desta máquina poderosa e complexa que é a justiça. Por exemplo, sabiam que em França 80% dos casos de roubo ficam por resolver? Que mais de um terço do contencioso penal é consagrado à circulação automóvel? Que uma criança de 10 anos pode ser presa? Que o facto de uma mulher participar em reuniões políticas pode permitir ao marido a obtenção do divórcio? Que pode ser condenado a dois meses de prisão quem for surpreendido a «fazer amor» na natureza?...

                E em Portugal? A este projecto-livro, associa-se Siné, criando ilustrações causticas e irónicas, como é o seu estilo magistral.. Os seus desenhos não são simples comentários aos textos, são provas contundentes da defesa, neste processo de auto-de-fé de um juiz que ainda tem fé na justiça.

                Será que alguma editora se interessará em traduzir esta obra surpreendente para português? Por agora é o livro de Jean-Paul Jean, editado pela Barrauilt, ilustrado poe Siné, e tem o titulo de «A vous de juger».


Thursday, October 29, 2020

«Caricaturistas – Zé Oliveira» por Osvaldo Macedo de Sousa in Trevim de 13/4/1989

O Zé Oliveira é uma presença imprescindível no «TREVIM», é mesmo um símbolo irreverente qua transporta o nome deste jornal para além das suas fronteiras regionais, de como um extraordinário humorista pode fechar-se na província e aí, viver a grande arte do humor na vida quotidiana da Lousã.

Por essa razão, resolvi pregar-lhe uma partida e «roubar-lhe» o espaço onde costuma «despir» os outros humoristas, publicando uma entrevista que ele me deu para um artigo que escrevi para o «Diário de Notícias», de Lisboa. Eis o Mestre do Humor desmascarado.

OMS – Quando começou a desenhar «bonecos de humor»?

Zé Oliveira – É-me difícil referenciar isso com exactidão, porque não tenho o hábito de guardar desenhos antigos ou recortes. Começo, agora, a esboçar essa tentativa. Devo estar a ficar velho….

Entre os meus dez e treze anos, residi numa aldeia transmontana. O meu pai comprava o jornal «a meias» com um vizinho, de cuja leitura ambos usufruíam na totalidade, mas cujo papel era repartido para um fim último que justificava a sua aquisição: embrulhar (isolamento térmico) o almoço do meu pai, ferroviário. Aliás, a minha mãe também foi ferroviária, abrindo e fechando cancelas, como o fizera a minha avó paterna. Eu não, para desgosto de meu pai.

Eu, em aldeias do centro do país, filho único, não tendo sequer rádio em casa, nem garotos por perto e não dispondo também de livros, que não fossem os da escola, tinha que cuidar de me entreter. Brinquedos também não tinha, portanto deglutia os bonecos do «Janeiro», risco por risco e tentava reproduzir alguns. Repito, com 12/13 anos.

Acabados de completar os 13, fui morar para Miranda do Corvo. Aí estive até aos 21 anos.

Acabado de chegar a uma vila, vindo de uma aldeola transmontana, tendo que fazer os amigos que não tivera tempo de criar no norte, tentava afirmar-me mediante o processo mais simples, e mais barato: fazer bonecos. Aí, privei de muito perto (vizinho de ao pé da porta, também filho de ferroviários) com um garoto uns 3 anos mais novo que eu, com quem irmanei o gosto pelas aventuras de comunicação. Ele, hoje realizador na Antena 1 (Coimbra) e, episodicamente, tem feito algumas séries para a RTP – Porto.

Teve alguma influência no desenvolver da minha componente gráfica, o facto de crescer lado a lado com outro entusiasta da comunicação.

OMS –Então essa tendência surgiu espontaneamente, porém deve ter havido influencias!!??

Z.O. – Fundamentalmente espontânea, mas troquei muita correspondência com o Aniceto Carmona (outro caricaturista) – que eu não conheço pessoalmente. Ele teve uma pachorra deste tamanho para me aturar e funcionou, para mim, como uma janela aberta para o mundo da caricatura portuguesa (teria eu os meus 20 anos). Nem ele calcula quanto proveito tirei da troca de correspondência! Não é que ele mo dissesse explicitamente, mas entendi quanto perigoso seria embarcar em sonhos dourados, sem consistência.

Influências? Apreciava muito a «Parada da Paródia» - pelos desenhos e pelos textos – e dividia o meu apreço pelo trabalho, aparentemente fácil, do Cid, pela elegância das garotas desenhadas pelo precoce Zé Manel, pelo humor e vigor do traço do Vitor Milheirão, pela sobriedade de um Machado que, se bem apareceu, melhor desapareceu, pela novidade dos bonecos do iniciado Agostinho, etc. Não esquecendo a louca mordacidade de Gustavo Fontoura ou as pormenorizadas encenações do João Benamor. A um garoto que não sabe o que quer e o que só mais tarde descobrirá quão séria é a tarefa do caricaturista, a esse garoto todos terão influenciado um pouco.

OMS – Em que periódicos colaborou?

Z.O. – Terei começado por «impressionar» os fotolitos das páginas da revista juvenil «Zorro» (mas recomendo que ninguém vá ver…). Depois «Flama», «Ridículos» (muita bonecada de pouco préstimo), «Magazine», «Capa e Batina» (de Coimbra com bastantes desenhos, incluindo capas a cores e textos de todo o género e feitio), «Barraca», «Brincalhão», «A-Z», «Pé-de-Cabra»… E o encargo de editar um jornal de caserna durante dois anos na tropa em Angola, feito numa técnica rudimentaríssima (copiógrafo), mas onde a criatividade conseguiu inserir a policromia a quatro cores, e uma tiragem de 2.000 exemplares – era o jornal «Jamba». Foi uma experiencia de que guardo as melhores recordações, entre tudo o quanto fiz em comunicação social. Também lá fiz intensamente (e cumulativamente) rádio, mas o que eu recordo é o jornal.

OMS – Nos anos 60 era mais fácil fazer humor?

Z.O. – O que eu fazia, eram bonecos sem profundidade crítica. A minha verdadeira consciência do papel social da caricatura, só tarde terá ficado amadurecida. Creio…

Fazer umas larachas inconsequentes, como creio que era quase tudo o que eu fazia, não seria mais fácil nem mais difícil do que hoje. Porque eu pertenço àquela geração de filhos da ditadura que aprenderam a fazer bonecos à medida das malhas da censura. Embora eu reconheça que nos dava muito gozo tentar forçar a malha, num jogo de entrelinhas subentendidas em cumplicidade com o leitor. Talvez essa encenação de compita entre gato e rato, que nóse os censoresprotagonizavamos, acabasse por, em si mesmo, conter uma grande carga de humor de ridículo. Vistas as coisas assim, seria mais fácil fazer humor. E mais necessário.

Imediatamente aos o Abril de 74, compeli-me a ensaiar o recomeço, pois estava graficamente inactivo mas, a verdade é que não fui capaz de fazer humor em plena liberdade. Eu não sabia, nunca tinha aprendido. Só há uns três anos (creio) me atrevi a (re)pegar nas cnetas, para desenhar umas coisas apressadas para o jornal «Trevim» da Lousã, a troco do simples prazer de desenhar. »Trevim» onde escrevo há 21 anos (com uma ou duas intermitências) desde o nº. 2.

OMS – A opção profissional (não humorística) foi fácil de tomar?

Z.O. – Se calhar, inesperadamente mas convictamente, digo: foi! Eu não tenho temperamento capaz de estar muito tempo encerrado, sentado, quieto. Foi assim sempre a minha vida desde garoto: andarilho deste país. Fui criado «em movimento», como é que eu agora ia parar? Fui criado a olhar para os comboios carregados de gente que ia para algures…. A desafiar-me a imaginação e o desejo de também ir…

Hoje sou topografo, por opção e sem patrão, nem horário. Com muito trabalho de campo e pouco de gabinete, apenas o suficiente para não deixar secar a tinta-da-china nas canetas, que tanto desenham plantas como bonecos. È uma actividade que me proporciona o gozo (egoísta) da permanente reportagem feita para meu exclusivo usufruto.

OMS – Lisboa teria sido um local mais fácil para vingar no humor?

Z.O. – Seria, mas eu nunca quis vingar no humor, pelo menos em Lisboa.

OMS – Fazer humor local, na província, não é um risco latente de criar inimigos entree os amigos?

Z.O. - … entre amigos, não. Cito Paulo de Carvalho: «com amigos desses… não preciso de inimigos!». Mas, já reparei que dois ou três indiferentes (porque não eram amigos nem inimigos), pessoas localmente bem colocadas, passaram a dar-me apertos de mão, desde que desenvolvo um boneco incomodativo no jornal da terra. Não vá o diabo (que seria eu…) tecê-las. Portanto, ao contrário do que pode parecer, até se arranjam «amigos»…

OMS- Como é que um humorista na província vê a política da capital?

Z.O. – De cima!! A resposta está implícita na pergunta. Um humorista na província vê a política… na Capital. E desengane-se quem, na Capital, porventura suponha ter em Lisboa as melhores meningens lusitanas. Lisboa é uma metrópole, é um cocktail. O Portugal autentico, genuino é cá fora. O Portugal de Lisboa está carente de identidade, na medida em que o que ostenta não é verdadeiramente lusitano. Inclusive na política.

Embora alguns idos do país autentico, os políticos de primeira divisão não são Zés. Faltam ainda muitas gerações para que sejam. Muitos são Franciscos, bastantes Antónios; vai havendo, por enquanto, um ou outro Anibal ou Diogo e coisa assim mas – decididamente – não há Zé que chegue a Presidente da República, Primeiro Ministro, Ministro ou Secretário-Geral do Partido. Os Zés começam a aparecer a nível de Secretariado de Estado e daí para baixo.

O Zé – já Bordallo o profetizava – não passará da cepa torta da política. As cadeiras de Lisboa estão-lhe inacessíveis. É assim, estatisticamente comprovado. E não é por acaso, embora o acaso tenha as costas largas. É uma questão de antropologia? Quase.


Wednesday, October 28, 2020

27 Cartoon Rendon - Colombia 2020












 


«A importância de se chamar Humorista» por Osvaldo Macedo de Sousa in «Trevim» de 5/1/1989

                Leal da Câmara já dizia «saber rir é já alguma coisa, mas fazer rir os outros é mais do que um talento. É quase uma caridade.»

Mas, será mesmo que esta atitude irreverente e «altruísta», esta expressão anti-séria é um valor importante numa sociedade honrada, bem composta, amante da tradição e do bom nome?

                Se o humor e a irreverencia, o exagero, a incongruência, a deformação das realidades, em que é que pode beneficiário individuo «bem educado», simples, honesto, «seriozinho»?

                Poderíamos então contrapor que o Homem é o único animal que ri! Sendo um elemento de distinção, deve ter um significado especial para a humanidade, não? Nesta linha de pensamento poderemos pois ir mais longe e afirmar que o homem ó ultrapassou o estado animal para o estado «sapiens» quando conheceu o riso, a forma suprema de sabedoria.

                Por que razão as alcoviteiras de uma aldeia, que são o poder sério de uma localidade; por que razão os políticos, governantes e demais senhores da «seriedade» nacional, têm medo do humor?

                O primeiro Homem que se riu do mundo, ao rir-se de si próprio, foi um Homem que perdeu a solidão nesse espasmo de dezoito músculos faciais e demais reacções físicas. Perdeu a solidão porque se reconheceu como um ser duplo, animal e humano, porque amou os seres mais próximos de si. O riso foi uma porta que se abriu na escuridão, como reconhecimento de si, dos outros e da oposição de ideias. Como diria Afrânio Peixoto: «o mundo seria um manicómio; os humoristas apenas uma espécie de loucos, com fracções de juízo, para perceberem que também são loucos, como aliás, os outros».

                É isso o que as pessoas ditas «sérias» temem: serem descobertas, no seu falso puritanismo, na falsa honestidade, na falsa caridade. Não há mais egoísmo, hipocrisia que numa pessoa profundamente séria.

                Um indivíduo aberto à crítica, à expressão irreverente de outras opiniões, à visão exagerada dos actos e atitudes, é um indivíduo que domina o mundo, que domina o saber, que põe a verdade acima da sua teimosia, da prepotência. Por essa razão, não há arte que seja mais a expressão estética da democracia, como o é o humor.

                Mas nem todo aquele que ri é um humorista, uma pessoa que gosta de humor, pois, não falando no riso como enfermidade mental ou física, há indivíduos em que a sua capacidade mental não aceita senão o anedotário ordinário e brejeiro; não aceita senão a crítica, a sátira ridicularizadora do outrem. A maioria das pessoas adoram rir dos outros, não com os outros. Detestam ver em «perigo» a sua imagem «séria», as suas ideias políticas, desportivas, religiosas e filosóficas. Em conclusão, o ter sentido de humor é a análise do grau de cultura e inteligência de cada um.

                A expressão máxima do individuo no humor, é reconhecer-se em toda a magnitude de defeitos e qualidades, é reconhecer os pontos fracos e fortes dos seus vizinhos, amigos e ideias.

                No outro lado de tudo isto, está o humorista-criador, o «herói», se é da simpatia do indivíduo; o «mau da fita» no caso de atacar as suas ideias, ou a sua imagem.

                E quem é este louco, que tem fracções de lucidez? Um apóstolo de verdades? Um individuo detentor da 3ª visão? Um sábio? Um utopista? Um ser divertido que olha mais longe do que todos nós? …. Não sei! Creio que é apenas um ser como os outros, que por vezes só sabe ser ordinário, que por vezes só sabe criticar os «outros»… mas que possui uma capacidade especial de analise, de síntese do mundo que o rodeia.

                Ser humorista-criador não significa um «bom-vivant», uma pessoa sempre alegre, bem-disposta. Na verdade, aqueles que possuem dentro de si o «dom» no máximo da expressão criativa, são na maior parte das vezes (há excepções) indivíduos amargos, com crises existências, que se perdem no lado negro das visões. Ao estarem obrigatoriamente «atentos» ao pormenores mais profundos do que se passa no quotidiano da sociedade, são por vezes «esmagados» pela quantidade de defeitos, de incongruências da humanidade.

                Pela sua obra conseguem ser os catalisadores dos problemas da sociedade politica e social, conseguem exorcisar os pesadelos dos indivíduos, guardando porém para si o vazio das guerras perdidas. O artista francês Siné, quando esteve em Portugal no ano passado para o Salão Nacional de Caricatura disse-me: «sou célebre; muita gente gosta dos meus trabalhos, mas no fundo sou um fracassado. Há quarenta anos que luto contra ditadores, contra as armas, a estupidez das pessoas sérias… e apesar de toda esta minha luta, nada mudou. Continua a haver ditadores, guerras, conservadorismo, estúpidos…»

                Será que a luta dos humoristas, quais Quixotes, não serve para nada? Ou será que a irreverência humorística consegue quebrar a estupidez da prepotência de alguns governantes? Uma coisa é certa: por cada gargalhada inteligente, cai um santo de pés de barro.


Tuesday, October 27, 2020

Páginas d’um Diário – Carlos «Zíngaro» no Outro lado do Espelho por Osvaldo Macedo de Sousa in Jornal de Sintra de 9/11/1990

      Páginas soltas de cadernos onde os sonhos, as visões estéticas se agarram no dia-a-dia. Esta exposição é um passeio por essas deambulações gráficas de um espírito irrequieto.

Nascido em Lisboa (1948), Carlos Corujo «Zíngaro» é um artista dividido entre a música e as artes plásticas. Conhecido internacionalmente como um dos expoentes da «New Music», mantém a sua obra gráfica num certo anonimato, não por sua opção, mas pelos condicionalismos profissionais.

                Iniciando a sua actividade plástica nos anos 70, passou pela pintura, publicidade gráfica, ilustração de livros infantis, capas de discos, cartazes para teatro e demais espectáculos, cenografias para teatro e bailados, banda desenhada nas publicações «Evaristo», «Visão»… ilustração humorística no «Pão de Manteiga», «Bisnau», «Gazeta de Artes e Letras», «Ver. S. Carlos», «Rev. Artes Plásticas» … numa actividade que nem sempre manteve a continuidade, como reflexo das dificuldades de sobrevivência das artes neste País.

                Partindo de influências «psicadélicas», evoluirá para um grafismo «barroco futurista», onde a máquina, a ficção espacial, o humor negro e o non-sense se mesclam numa harmonia Zingariana.

                Nesta exposição da galeria sintrense «O Outro lado do Espelho» (patente ao público de 10 de Novembro a 2 de Dezembro de 1990), podem-se ver as suas mais recentes obras de estilo…. «Não sou um crítico – diz o artista – ou um teórico. Esta exposição não pretende dar nenhuma via estético / cultural. Todas as análises que façam do meu trabalho são definições a posteriori e, por isso, um bocado subjectivas. O que ali está é o desenho, pelo prazer de desenhar.»

                «É um bocado difícil definir o que faço, pois a minha pintura é, para mim, extremamente abstracta, feita nas horas vagas, sem ser uma pintura de domingo. O que acontece é que, o que me interessa nas Artes Plásticas é a expressão de um mundo individual, que não sendo indiferente a correntes, representa uma coisa bastante pessoal, própria, o que infelizmente não se tem assistido muito por aí. O que tem havido da minha parte é uma movimentação no sentido da figuração, pois para mim a figura humana é muito importante.»

                «Sendo a exposição intitulada «Páginas d’um Diário», não representam o que vejo mas o que sinto e como o desenhar para mim serve um bocado como terapia, como catarse, vomito para o papel frustrações várias como músico desta aldeia à beira-mar plantada e, por isso, não é de estranhar que haja uma grande violência naquilo que desenho. Não sei até que ponto, se não fosse artista, não seria eventualmente viajante ou navegador solitário e, não tendo a possibilidade de o ser, seria uma pessoa muito violenta, porque há coisas na sociedade portuguesa que me chocam e me revoltam, o que transparece nos meus desenhos.»

                O que transparece nos seus desenhos é uma paleta de cromatismos suaves, ligados a um desenho irreverente, por vezes surrealista, porque onírico. Uma das componentes essenciais na sua pintura, ou desenho é o grafismo e, não será exagerado afirmar que Carlos «Zingaro» é um dos maiores gráficos deste país, um dos artistas mais originais e com maior valor. O futuro o confirmará.


Monday, October 26, 2020

Paulo Cardoso – Em «Indícios de Ouro Pictóricos» - A pintura como homenagem a Mário de Sá-Carneiro, Entrevista de Osvaldo Macedo de Sousa para o “Jornal de Sintra” (29/7/1990)

    Decorreu em Lisboa, na Galeria S. Mamede, uma exposição-homenagem integrada nas comemorações do centenário do nascimento do poeta Mário de Sá-Carneiro. Não foi uma exposição biográfica, mas sim temática, ou seja, o pintor Paulo Cardoso, inspirando-se nos poemas «Indícios de Ouro», criou uma série de magnificas telas alusivas.

Não é a primeira vez que Paulo Cardoso veicula a sua inspiração através de motes poéticos. De facto, já em 88 comemorou o centenário de Pessoas com telas inspiradas na «Mensagem», às quais deu o nome de «Mar Português».

Anteriormente a sua pintura tinha espelhado uma outra faceta profissional do autor, ou seja a astrologia (ligada ao mundo intelectual e do espectáculo), na «Via lactea à escala humana» e «A Terra Vista do Sétimo Céu». Em Junho de 89 fez parte da exposição dos «Seleccionados do Prémio SOCTIP – Jovens Pintores», e nestes três primeiros meses de 90 participou em três colectivas.

Relativamente a esta nova exposição - «Indícios de Ouro» - procuramos que o artista nos conduzisse nesse seu mundo poético-pictórico.

Paulo Cardoso – A certa altura percebi que o que eu queria pôr nos quadros era muito mais próximo daquilo que Mário de Sá-Carneiro queria exprimir, sobretudo nos «Indícios de Ouro». E, não é por acaso que comecei mesmo a usar o ouro naquilo que fazia. Há um lado metálico, rutilante naqueles poemas, visto a linguagem de Sá Carneiro ser muito sugestiva e quente nos sentidos, no gosto, no tacto; tem cheiro, sente-se os cetins, o frio…

OMS – Como concretizas esse lado metálico?

P.C. – Estive praticamente um ano a preparar toda esta fase e a tentar experimentar novos materiais. Foi quando comecei a trabalhar com folha de ouro, a aprender qual a melhor técnica de aplicação da própria matéria e a preparar a tela de outra maneira, tal como o suporte, para que a própria tela apanhe e incorpore a folha de ouro.

Como já tinha acontecido anteriormente, eu próprio faço as tintas, para obter as transparências e os empastamentos. Misturo os pigmentos com o óleo, vernizes, terbentinas e faço reacções químicas. Jogando com compostos e derivados, esse lado alquímico cria maiores possibilidades de texturas, granulados. Nestas telas a matéria afirma a sua presença para além da tela. São trabalhos que vivem sobretudo do relevo.

OMS – E essa textura matéria, ligada ao lirismo poético é contudo abstrata e não figurativa!

P.C. – É uma pintura abstrata, sem suporte de imagem, porque este está nas ideias. Gosto de navegar na abstracção, sem procurar uma bitola, um valor de imagem.  O que me apaixona – é a descoberta do que está por definir, é procurar o inconsciente, a sugestão. Esta pintura não tem uma intenção ilustrativa, mas sugestiva, é como se a cada um dos quadros fosse uma sugestão de leitura óptica.

Eles são normalmente feitos e inspirados numa quadra ou num poema, só que a pintura vive também por si própria, sem necessidade do poema. Porém, lido o poema, pode ter-se outra leitura do quadro, sem esta ser redutora, no sentido de ilustrar ponto por ponto o poema – mote. Antes pelo contrário, o quadro deve ser encarado como uma meditação sobre uma hipótese interpretativa feita imagem sugestiva, mas abstrata.

Uma exposição de Paulo Cardoso, curiosa pela forma temática feita homenagem, interessante pela riqueza plástica que os quadros atingiram, como maturidade de um jovem pintor, e que esteve recentemente patente ao público na Galeria S. Mamede.


Sunday, October 25, 2020

«O Humor, uma moda da sociedade actual?» Por Osvaldo Macedo de Sousa (in «Tempo» de 5/1/1989)

O humor é algo de todos os tempos, já que se manifesta consciente ou inconscientemente desde que o homem tomou consciência dos seus actos. Porém, de repente, uma série de investigadores começaram a defender publicamente que estamos numa época em que o humor é moda, um elemento orientador da vivência da sociedade actual.

Veja-se o livro «A Era do Vazio» de Gilles Lipovitsky, ou os artigos da «Times» em Setembro, do «Cambio 16» em Outubro, do «Jornal» em Novembro… em que o humor mereceu capa e artigo de fundo. Nesses artigos, principalmente os espanhóis traziam algumas informações curiosas, como a existência, em paris, de uma Associação para a Promoção do Humor nos assuntos Internacionais (APHIA), com a atribuição regular de um Prémio Nobel de Humor. Esta associação está na linha do espirito do diplomata colombiano Juan Gustavo Cabo-Bordo, quando este defende que «quiçá a verdadeira tarefa dos adidos culturais seja fomentar o riso entre os diversos países». Será por essa razão que nos Estados Unidos da América o humor transformou-se numa necessidade premente da sociedade, com a incrementação de escolas e universidades para criar humoristas diplomados?

Outro aspecto interessante destes artigos verifica-se no plano bibliográfico referenciado no universo anglófono. Segundo os dados apresentados, à uns 20 anos haveria pouco mais de uma centena de títulos disponíveis, enquanto em 1977 já ultrapassavam um milhar e hoje dá para encher uma centena de paginas impressas. Na verdade, nunca se estudou tanto teoricamente o humor como hoje e, ao mesmo tempo, se sentiu tanta dificuldade em fazer um bom humor.

Josema Juste, um humorista espanhol, a trabalhar em bares e cabarés apresenta-se como um psicanalista, que faz «terapia de grupo com consumo mínimo». Isto está dentro do âmbito da fórmula matemática que define: «O prazer da anedota é directamente proporcional à disposição negativa contra o agente-objecto da mofa e inversamente proporcional ao agente promotor da mofa».

Rir é a melhor forma de descarregar os fantasmas, as opressões ou agressões, tornando-se um antidoto, um antibiótico contra os políticos, os (des)governos, a vida. Já na Antiguidade se defendia médicos do homem eram o Dr. Alegria, o Dr. Repouso e o Dr. Dieta, razão pela qual os humoristas deveriam ser pagos pela previdência Social e os Salões de Humor e caricatura subvencionados pelo Ministério da saúde.

Milan Kundera acrescenta que «a ironia e o humor são as formas mais elevadas da sabedoria», porque é através destes que o ser humano toma total conhecimento de si próprio e do mundo que o rodeia. O Ser só encontra paz e conhecimento quando se sabe ver ao espelho da realidade, sabe rir-se de si próprio, sabe rir dos (com) outros como seu reflexo.

Quem normalmente não tem esta «sabedoria» (infelizmente para eles e todos nós) é o poder, os políticos, a igreja (os homens das religiões), os militares, ou seja, as instituições (indivíduos) que se querem levar muito a sério e procuram, por uma ditadura moral, legislativa, comportamental, obrigar os outros a considerarem-se «sérios». Raros são os políticos com sentido de humor, amantes do humor, principalmente quando estão no Governo (sendo por vezes o oposto na oposição), o que é uma nítida falta de segurança perante as suas acções, perante a sua política e a sua imagem pública.

Porém, como afirmou João Chagas «não há homem verdadeiramente célebre se dele se não contarem, pelo menos, seis ou sete anedotas». Só quem sai da mediania, quem se distingue da multidão (pela positiva ou pela negativa) chama a atenção do humorista e pode ser reconhecido perlo público «leitor» da mensagem satírica, irónica ou humorística.

Pelo seu lado, o humorista-caricaturista «e um soldado que parte em guerra com a esperança de ganhar. Ele denuncia, desmistifica, desmascara ou penetra as “panças” dos Políticos» (Claude Roy). Ele é o porta-voz das injustiças, um louco dentro deste manicómio, que é a vida, «com fracções de juízo, para perceber que ele é louco, como aliás os outros». (Afrânio Peixoto)

Houve tempos em que o humor era uma festa colectiva, um carnaval (tempos em que a vida eram dois dias e o carnaval mais de 3 e não politicamente correcto) que jogava com a profanação, a  violação das regras oficiais, rebaixando o sublime até ao grotesco, numa transposição simbolica e catartica. Depois tentou-se expurgar os elementos escatológicos (que os anos de humor absurdo de sessenta tentaram recuperar), as profanações materiais, para incrementar o jogo do espírito. O simbólico transforma-se em crítico, em prazer subjectivo. O colectivo passa a individual, a liberdade a obscenidade. O que era natural, como elemento subversivo de renovação social, passa a ser apresentado como antinatural, desprezível, obsceno para a «boa» sociedade.

Actualmente a «boa» e «má» sociedade foram quebradas por uma nova forma de estar, despreocupada, sem pretensões na vida, como o é a sociedade pós-moderna. A irreverencia deixou de se panfletária (e quando é, castram-ma com actos de terrorismo, prisão, perseguição…), a sátira perdeu a força perante a espectacularização da política, o grotesco não tem contraponto ao banalizar-se ao desaparecimento do sublime. A filosofia dominante procura ser o «non-sense», a incongruência frívola, rodeada pelo estilo cómico da publicidade, da moda, dos costumes.

O «humor», nesta sociedade politicamente corecta, deixou de representar o risível, para ser uma forma de estar em sociedade da era do vazio. O riso provocador deixou de se ouvir, sufocado pelo ruido das cidades, para dar lugar a uma vacuidade falsamente preenchida por um narcisismo incongruente. Entretanto, o dito processo humorístico investe nas velhas estruturas da tradição, da ordem, dos valores superiores da sociedade, transformando-os em grotescos, como a castidade, a poupança, autoridade, educação, ética, consciência profissional, sacrifício… Até o traje perde o seu lado disciplinar, para investir na paródia, na antimoda, no grotesco. Quanto às artes à muito que jogam no cómico, no burlesco, no humorismo como expressões da vanguarda.

A própria política, onde os indivíduos se consideram muito sérios, optou por uma linha humorística do espectáculo, uma comédia dell’Arte onde o «carnaval» americano dá o tom, ou por uma linha picaresca em que a oposição entre os partidos não passa na maior parte das vezes de uma farsa eleitoralista.

Destarte, o humor, a sátira, a ironia continuam a existir, como uma necessidade cada vez mais premente em sociedades em luta pela sua voz, como as sul-americanas, médio-oriente, leste…

EM PORTUGAL?

Apesar de politica económica e socialmente sermos terceiro-mundistas, já somos, por estatuto, europeus. Isso quer dizer que ainda não atingimos em pleno as condições de uma sociedade pós-modernista ou «humorística».

O poder continua a ser «sério». Mesmo quando há crise ou escândalos ninguém se demite, são sérios. A televisão continua a ser «séria» e cala todo aquele que quiser fazer humor mais livre e a demitiram-se que o façam os humoristas.

Há actualmente apenas uma revista de humor. Nem todos os jornais empregam humoristas e muitos dos nossos jornalistas e chefes de redacção são bisonhos. Porém, já existe um Salão Nacional de Caricatura com a atribuição de Prémios nacionais; acabou de ser publicado um livro teórico «Do Humor Da Caricatura», que veio colmatar uma lacuna no desenho bibliográfico; há algumas coletâneas de anedotários e recolhas de obras de artistas gráficos.

Pode-se também que temos excelentes cartoonistas, humoristas gráficos com as mais diversas vertentes estilísticas de humor e estética. O mesmo não acontece na literatura humorística, campo com raros criadores. O espectáculo, com a existência de excelentes profissionais onde o humor sobreviveu às várias vicissitudes políticas, está em crise, numa tentativa de renovação.

O humor como «sabedoria» ainda não tem a vida facilitada em Portugal, mas o Zé continua a ser um perito em piadas brejeiras, do humor com a sogra, o bêbado, o sexo, os desgraçados… E, se o português é conhecido pelas suas «cem maneiras de fazer bacalhau», também o deveria ser pela mestria das «cem maneiras de fazer piada com os alentejanos, com a Sida, os países africanos…» O Zé gosta de «gozar» com o vizinho, mas detesta ver-se no espelho deformante do humor, assim como no espelho de português.


Xaquín Marín y el cíclope Polifemo por Ramón Loureiro (IN VOZ DE GALICIA 25/10/2020

 El gran Xaquín Marín, que acaba de cumplir 77 años («Xa me dicía meu pai que eu ía chegar moi lonxe», me comentaba ayer él mismo, bromeando), está a punto de publicar otro libro. Y además anda explorando, más allá de las fronteras de ese humor que para él es una manera de habitar la realidad, nuevos caminos en el mundo del dibujo. «Estou debuxando un cíclope, a Polifemo, pero, tal e como me vai saíndo, non dá medo ningún», me confesaba él también, riendo. Ni que decir tiene que siento una inmensa admiración por Xaquín, además de un afecto igual de inmenso. Y estoy convencido de que esos mismos sentimientos los comparten ustedes. Me fascina la extraordinaria ternura con la que contempla cuanto lo rodea. Una ternura que, de una forma o de otra, siempre encuentra su reflejo en todo lo que él crea. Hace 63 años, si no me salen mal las cuentas (si en vez de 63 son 64, la culpa será solamente mía, que siempre he sido muy torpe con los calendarios y con todos los números), que Xaquín expuso obras suyas por vez primera. Fue en una muestra colectiva de pintura, celebrada en el Círculo de Fene, en la que también participaron pintores como Balado y Loureiro, excelentes creadores de los que ya era muy amigo de niño. Cuenta Xaquín que su pasión por el arte nació viendo dibujar a su padre, que era un maestro de escuela -y un verdadero erudito en múltiples ámbitos- cuya figura siempre me ha fascinado también, sobre todo desde que conocí su formidable trabajo sobre el escudo del Pazo da Ribeira. Una piedra armera, esa, ubicada muy cerca del río Belelle, en la fachada de la casa que señorea un enclave de leyenda que es, además de un lugar de extraordinaria belleza, un auténtico territorio literario. Por cierto: muy cerca del Pazo da Ribeira, a orillas del río, se disputó, a mediados de los años ochenta -y disculpen el inciso-, un campeonato de España de campo a través en el que ganó Constantino Esparcia, que entró en meta por delante de José Luis González y de Antonio Prieto. El caso es que estoy seguro de que don Emilio, que así se llamaba el maestro, estará hoy muy orgulloso, allá donde se encuentra, de su hijo Xaquín y de cuanto ha creado. También, por supuesto, de que, gracias a él, ahora ya no dé miedo ese Polifemo que, como Homero nos enseña, no pudo con el astuto Ulises en las inmortales páginas de la Odisea.


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