Saturday, December 13, 2008
LUIS D'OLIVEIRA GUIMARÃES - Exposição Bio-bibliográfica na Sociedade Portuguesa de Autores (Lisboa) até 16 de Janeiro
Decorridos 10 anos sobre o falecimento de Luís de Oliveira Guimarães, entendeu a Família, em estreita associação com a Câmara Municipal de Penela, a Junta de Freguesia do Espinhal e a Sociedade Portuguesa de Autores (já que foi um dos seus fundadores) que se justificava assinalar essa data.
Com esse objectivo promoveu-se, entre outras iniciativas, a organização de uma exposição sobre a sua vida e obra.
Esta merecida homenagem pretende sublinhar a diversidade e riqueza da sua personalidade e vida profissional, combatendo o esquecimento a que os homens e as suas acções são tantas vezes condenados.
Esta iniciativa dá a conhecer um percurso variado ao longo de quase um século sempre marcado pela crítica arguta, pela observação atenta e pela graça, por vezes virulenta mas sempre elegante. A sua capacidade para identificar o ridículo das situações e denunciar, de forma mordaz, o comportamento dos indivíduos e das instituições, dá-nos um fino retrato do espírito d’uma época, promovendo ao mesmo tempo o humor como estratégia de uma cidadania consciente.
Magistrado, escritor, dramaturgo, jornalista e, acima de tudo, humorista, Luís de Oliveira Guimarães, nascido em 1900 e falecido em 1998, acompanhou um século, particularmente conturbado, retratando-o com espírito cintilante.
Amante da ruralidade portuguesa e frequentador assíduo dos bastidores intelectuais dos centros urbanos, privou com os vultos mais marcantes dessa época e soube traduzir, nas suas inúmeras crónicas, conferências e livros, quer a singeleza da cultura tradicional portuguesa, quer o fino espírito dos intelectuais do seu tempo.
Lembrar a sua figura frágil e a sua palavra entusiasmante, a vivacidade da sua personalidade pública e o seu afectuoso trato no espaço familiar é, por isso, um dever que cumprimos com grande júbilo.
Para a Família é uma oportunidade extremamente gratificante de dar a conhecer a pessoa através do seu espólio, podendo, deste modo, reviver o privilégio que foi privar com uma individualidade ímpar e contribuir para a preservação da sua memória.
Com esse objectivo promoveu-se, entre outras iniciativas, a organização de uma exposição sobre a sua vida e obra.
Esta merecida homenagem pretende sublinhar a diversidade e riqueza da sua personalidade e vida profissional, combatendo o esquecimento a que os homens e as suas acções são tantas vezes condenados.
Esta iniciativa dá a conhecer um percurso variado ao longo de quase um século sempre marcado pela crítica arguta, pela observação atenta e pela graça, por vezes virulenta mas sempre elegante. A sua capacidade para identificar o ridículo das situações e denunciar, de forma mordaz, o comportamento dos indivíduos e das instituições, dá-nos um fino retrato do espírito d’uma época, promovendo ao mesmo tempo o humor como estratégia de uma cidadania consciente.
Magistrado, escritor, dramaturgo, jornalista e, acima de tudo, humorista, Luís de Oliveira Guimarães, nascido em 1900 e falecido em 1998, acompanhou um século, particularmente conturbado, retratando-o com espírito cintilante.
Amante da ruralidade portuguesa e frequentador assíduo dos bastidores intelectuais dos centros urbanos, privou com os vultos mais marcantes dessa época e soube traduzir, nas suas inúmeras crónicas, conferências e livros, quer a singeleza da cultura tradicional portuguesa, quer o fino espírito dos intelectuais do seu tempo.
Lembrar a sua figura frágil e a sua palavra entusiasmante, a vivacidade da sua personalidade pública e o seu afectuoso trato no espaço familiar é, por isso, um dever que cumprimos com grande júbilo.
Para a Família é uma oportunidade extremamente gratificante de dar a conhecer a pessoa através do seu espólio, podendo, deste modo, reviver o privilégio que foi privar com uma individualidade ímpar e contribuir para a preservação da sua memória.
Paula Oliveira Guimarães
Luíz de Oliveira Guimarães
O Espírito de uma Época
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
O Espírito de uma Época
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Cada época tem a sua cor, o seu cheiro, o seu ambiente, o seu espírito. Apesar da História ser uma espiral em que os acontecimentos, as modas, as situações sociais e políticas, travestidas com outros figurinos e cenografias, se repetem ciclicamente, há pelo menos algumas individualidades que não se repetem, são verdadeiramente genuínas e intrínsecas dum período.
Realmente a maioria dos seres não passam de clones dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados… Se alguns evoluíram, outros mantiveram-se na raiz, mantiveram as mesmas características trogloditas, barbaras, medievo-inquisitoriais… Contudo, como em tudo, há as tais excepções, uns como génios de irreverência criativa, de investigação, de pensamento, outros como seres especiais da evolução humana, outros como espelhos reflectores, como pintores, gravadores da paleta das cores, sons e sentires de cada época. São os cronistas do espírito, da alma social.
Luiz de Oliveira Guimarães é uma dessas figuras que não só marcou a sua época, como é o reflexo do seu espírito. Jornalista, Conferencista, Dramaturgo, Escritor L.O.G. foi não só um pensador, como um advogado e cronista da sociedade em que viveu. Recordar ("Recordar não é mais do que acordar o esquecimento" in As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 87) a sua vida, a sua figura, as suas obras é viajar pelo espírito de uma época, de uma sociedade, é atravessar o tempo histórico. Através dele podemos sentir os odores, as cores, as formas de estar e viver das suas vivências, e dos outros que com ele compartiram os tempos e espaços.
Recordamos pela sua pena as figuras que, com ele marcaram a sociedade, que com ele respiraram e transpiraram no nascimento da República, na implantação e decadência do Estado dito Novo… Flecha que trespassou todo o séc. XX, temos inclusive ainda o seu testemunho da revolução-evolução da sociedade portuguesa para a democracia.
Luíz de Oliveira Guimarães é sem qualquer dúvida um dos melhores testemunhos, uma das melhores crónicas do nosso séc. XX, é a encarnação do espírito da sua época.
CRONOLOGIA BIOGRÁFICA 1900- 1987
19 de Abril de 1900 - Nasce na Quinta do Castelo em Espinhal (Penela) Luíz de Abreu Alarcão de Oliveira Guimarães, filho de António Alves de Oliveira Guimarães e Maria da Glória Alarcão Vellasques Sarmento A 16 de Julho de 1900 - Baptizado na Igreja Matriz do Espinhal pelo vigário Manuel Parada d'Eça.
Os primeiros passos e as primeiras letras aprendeu-as no Espinhal, onde o seu primeiro mestre escola lhe ensinou que "a instrução serve, principalmente, para avaliar, não o que sabemos, mas o que ignoramos!". E toda a sua vida será uma eterna pesquisa sobre o que ele ignora, e mais ainda o que todos nós ignoramos. Ainda criança foi viver para Lisboa, onde acabou seus estudos primários.
1910 / 1917 - Estudos Liceais em Lisboa: Liceu da Lapa (1910-11), Liceu Pedro Nunes (1911-1915) Liceu Camões (1915-1917).
1917 / 1922- Estudo Universitários, no Curso de Direito. Ano de 1917/18 na Universidade de Coimbra, acabando o curso na Universidade de Lisboa (1918/1922). Em 1917 - Está na Universidade de em Coimbra a cursar Direito, transferindo-se em 1918 para Lisboa onde terminaria o curso a 4 de Dezembro de 1922. A tradição familiar, ligada à Jurisprudência levou-o ao curso de direito, mais não seja por uma questão civilizacional: "/…/ uma civilização só merecerá o nome de civilização quando a luta pela vida se travar no campo do direito. O ideal seria que todas as manifestações da actividade humana coubessem dentro duma fórmula jurídica. Mas se ainda não foi possível atingir esse ideal, se essa possibilidade pode muito bem-estar até, cada vez menos, ao alcance da nossa mão, nada nos aconselha a renunciar á glória suprema de procurar atingi-lo: pelo contrário o nosso esforço deverá redobrar dia a dia, no convívio desse misterioso capricho humano que nos faz desejar mais ardentemente os frutos que não podemos colher. A mais nobre missão do homem e, sobretudo, do homem de leis é a de concorrer, de algum modo, para efectivação desse ideal." (O Direito ao Riso pág. 11).
1918 / 1984 - O Jornalista - Em 1918 inicia a sua colaboração com a imprensa no semanário portuense "Vida-Moça", um periódico cultural que como ele próprio se definia semanário de teatros, arte, literatura, sport e nas páginas de "A Capital". Depois nos inícios da década de vinte colaborará com "A Manhã", "O Mundo"… abrindo assim um caminho de experiências e contactos. Actividade que se prolongará por mais sessenta e seis anos
"Ninguém ignora que o verdadeiro escritor, como o verdadeiro artista, não se faz: nasce. O estudo e a prática podem dar, e dão sem dúvida, a cultura e a experiência, - mas não dão a vocação, que constitui uma bênção dos Deuses. O que sucede, frequentemente, é a vocação do escritor e do artista conservar-se adormecida até que uma causa a desperte, em regra uma causa literária ou artística" (O Espírito e a Graça de Fialho pág. 21)
"Há quem se queixe da impertinente curiosidade dos jornalistas. Não é justo. O dever do jornalista é informar. Para informar necessita, previamente, de se informar. A curiosidade constitui parte do seu ofício.
- O que fazia Deus Nosso Senhor antes de criar o Mundo? - Perguntava, uma vez, na catequese, um garoto de dez anos ao padre-mestre.
O padre ficou uns momentos, perplexo e, depois, explicou:
- Preparava o Inferno para os curiosos.
Se assim foi, enganou-se, salvo o devido respeito. Os curiosos não estão no Inferno: estão no jornalismo ou, como agora se diz, na Comunicação Social. A menos que a Comunicação Social não seja o tal Inferno preparado por Deus Nosso Senhor para os curiosos." (Segredos a Toda a Gente - 7/3/1982).
1923/1979 - O Escritor - A sua veia literária conhecerá a cor do prelo pela primeira vez em 1923 com "Bonecas que amam" (Poesia), seguindo-se ainda nesse ano "Arte de conhecer mulheres" (crónicas), "O Direito ao Riso" (Monografia) e "As Blagues do Dr. Bonifrates" (blagues). Actividade que atingirá o numero significativo de 51 títulos
1923 / 1939 - O Jurista - Inicia-se a sua carreira profissional no universo do Direito a 8 de Agosto, primeiro como Ajudante da 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e a partir 8 de Dezembro como Subdelegado do 3º Juízo das Transgressões de Lisboa. Terminará em 1939 como Delegado do Procurador da República de 1ª Classe por opção sua, dedicando-se então completamente à escrita.
1924 - O Conferencista - A 26/1/1924 com a conferencia "A Vida nos Castelos" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa inicia uma das actividades que mais o celebrará, a de orador, de conferencista. É difícil fazer o levantamento de todas as conferencias que realizou, porque era constantemente convidado a botar discurso, improvisando no momento. Textos escritos de conferencias preparadas são pelo menos 40
1927 / 1961 - O Dramaturgo - A sua ligação ao teatro é fruto da sua participação em tertúlias literárias e "dramáticas", com um cheirinho de boémia e jornalismo. Assim surge o crítico, e só depois o dramaturgo. Convidado para escrever em parceria múltiplas Revistas à Portuguesa, Comédias, Farsas, acabou também por escrever sozinho outras peças que foram sempre um sucesso nos palcos alfacinhas. Escreveu pelo menos 27 peças de Teatro.
1932/8/17 - Casa-se com Maria Adelaide Matos Sequeira na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa e a 21 do mesmo mês na capela da família Matos Sequeira
1935/12/21 - Nasce o seu filho único, António Luís de Sequeira Oliveira Guimarães. Este também seguirá a tradição familiar ao cursar Direito, seguindo a Magistratura até ao posto mais alto da hierarquia, ou seja Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. António Luís desposará a também jurista Maria Leonor Loureiro Gonçalves, de cujo matrimónio nascerá uma filha que será registada como Paula. A mesma cursará Direito e desposará Renato Amorim Damas Barroso, hoje Juiz na Boa Hora.
1945 - Já conhecido na sociedade Portuguesa pela sai ironia, e pelo seu apoio ao Humorismo, neste ano organiza a mais irreverente das homenagens culturais realizadas nesses anos de Estado Novo - A homenagem ao Conselheiro Acácio, na Sociedade Nacional de Belas Artes.
1998/6/5 - Luís de Oliveira Guimarães viria a falecer na sua casa em Lisboa.
Boémia - Tertúlia
L.O.G. pode ser considerado como um boémio, um romantico boémio por onde deambulou, por onde conviveu, que apreciou, mas que sempre controlou com uma certa objectividade crítica. Não será o espaço da depravação, da boémia alcoólica e bacanais. Era e boémia intelectual das tertúlias literárias e artísticas da Lisboa cosmopolita, era a boémia teatral de quem gostava de conviver com a criatividade da expressão do pensamento.
Nessa época essas tertúlias dividiam-se essencialmente pelo Parque Mayer (a tertúlia teatral); o Rossio, essencialmente com o café Martinho, o Nicola…; o Terreiro do Paço com o seu Martinho da Arcada; e fundamentalmente o Chiado, o "coração do mundo".
O Chiado era o centro de Lisboa, era o centro do País, o centro do universo da vida cosmopolita alfacinha. O epicentro era a Brasileira, tendo como satélites a Havaneza, a Marques, a Garrett, a Bertrand, a Sá da Costa… ou seja essencialmente cafés e algumas livrarias, já que a nossa cultura sempre foi recheada por filosofia de café.
"Há vários chiados no Chiado. Há, primeiro, o chiado da manhã. - esperto, cinematográfico, anónimo, bulício de corpos, farandola de destinos - com uma grave e emotiva sugestão de actividade: humilde. Ha, depois, o chiado quase deserto do meio dia ás duas - o chiado-intervalo, esperando que Lisboa almoce para que: Lisboa passeie. A seguir, o chiado instável, indeciso das três e das quatro - mulheres que desfilam, no drama de fazerem as suas compras nas lojas do centro; homens que o interesse agita, ou que o dever orienta; gente que passa, que passa, que passa continuamente, sem parar em parte nenhuma. Por fim, o chiado máximo, o chiado das cinco horas e dos cinco sentidos, match de luxos, arena de flírts, esplendor de pastelarias vibrantes. Depois, outro intervalo - o jantar. E, no epilogo, já sob os arcos voltaicos acesos, o chiado da conversa, da má-língua, dos grupos irónicos, dos noctâmbulos." (Editorial da revista "O Chiado")
Se a política é a paixão e a arte a irreverência deste mundo, a Mulher é a rainha deste universo de olhares, de sinais, de ironias, de ditos de espírito, de boatos e anedotas. Aqui tudo é fantasia e realidade ao mesmo tempo.
Pelos testemunhos escritos que L.O.G. nos deixou, sabemos que também para ele a mulher era o epicentro da sua boémia estudantil, e inspiradora da sua criatividade.
Inconformista pela idade, irreverente como "revolta" normal contra o poder paterno (Juiz de família tradicional e conservadora), ele acaba por ser também um revoltado conservador, por educação. A imagem que ele nos deixa da mulher, esse novo ser feminino que desponta no cosmopolitismo da primeira república, no modernismo e futurismo… é de todas as formas retrógrada. Logo aqui ele é a imagem perturbada da sua época, dividida pelo puritanismo luso de tradição católico-medieval, e pelo cocotismo dos novos ventos europeus.
L.O.G. parece um grande amante, flirtando por aqui e por ali para não sofrer com os males de amor: "O flirt é um sorriso; o amor é uma lágrima; a paixão - é um soluço." (In As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 39). Tudo é ilusão na vã fantasia da realidade…O melhor local de Lisboa para flirtar? O Chiado naturalmente: "O Chiado é uma vitrina de chapéus e de vestidos. As mulheres são apenas os manequins que nos perguntam, com um olhar, se são bonitos os chapéus ou se são feios os vestidos." (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 116)
Em relação aos seus amores de juventude nada sabemos, ou seja não interessa saber por ai alem, mas certeza temos é que "nunca se deve comprar o amor: mas trocar por outra coisa" (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 40)
“Diante do retrato de uma mulher bonita os homens só lhes vêem as qualidades; as mulheres só lhe notam os defeitos.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 16)
“As mulheres são afinal as pernas dos homens: levam-nos para onde querem.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 18)
“A toilette é uma das formas elegantes da mentira. Quanto mais uma mulher se despe mais se aproxima da verdade. A maior mentira da Eva primitiva é do tamanho de uma folha de parra.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 19)
Carreira Jurídica
A licenciatura em Direito acabou por ser terminada, não em Coimbra, mas em Lisboa a 4 de Dezembro de 1922.
8/8/1923 entrou na carreira juridica como Ajudante da 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
8/12/1923 ingressa no corpo do Ministério Público com a categoria de Subdelegado do 3º Juízo das Transgressões de Lisboa.
27/4/1925 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Resende
30/6/1925 - Nomeado Delegado Auxiliar do Procurador da República na Comarca de Lisboa (Boa-Hora)
10/12/1925 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Lisboa 4ª Vara Cível
17/12/1925 - Nomeado Secretário do Ministro da Justiça
23/12/1925 - Nomeado Delegado em Comissão da 5ª Vara de Lisboa
26/3/1926 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Grândola
31/5/1929 - Nomeado Delegado do Procurador da República de 3º Classe na Comarca de Alcácer do Sal
9/8/1930 - Promovido a Delegado do Procurador da República de 2ª Classe e Nomeado para a Comarca da Sertã
13/10/1930 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Sintra
29/10/ 1933 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Vila Verde
5/5/1934 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Beja
14/12/1934 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Tomar
9/12/1936 - Promovido a Delegado do Procurador da República de 1ª Classe e colocado na 6ª Vara da Comarca de Lisboa.
"A carreira do Ministério Público exige requisitos especiais: iniciativa, desassombro e golpe de vista. Sem estes três requisitos, além dos outros necessários a todos os magistrados, o representante do Ministério Público não passará de uma sombra que, escondendo-o a ele próprio, poderá esconder ainda quem afinal devia ser descoberto". (Arte de Julgar pág. 55)
Pode-se dizer que a carreira de Luís d'Oliveira Guimarães no Ministério Público foi de sucesso, e com calma chegou ao ponto em que poderia ascenderão cargo de Juiz. O dever com os desejos paternos estava em parte cumprido, apesar do sonho do Conselheiro era ver o seu filho também como Juiz. Na tradição familiar tinha seguido as Leis, mas outras paixões, outros desejos de criatividade, de irreverência eram mais fortes, clamando cada vez mais alto a necessidade de se entregar às letras, se entregar ás musas sedutoras.
Não se conhecem irreverências nos seus actos como Procurador da República. Foi um sério, mas sempre com um sorriso nos lábios, defensor do seu cargo, das suas funções. "Há quem reduza a função do Ministério Público afirmando que, enquanto o juiz pode fazer justiça, o papel do Ministério Público consiste apenas em esperar que ela se faça. Engano. O Ministério Público é o fiscal da maneira por que essa justiça for feita, animando assim o bom juiz a fazer boa justiça e intimidando o mau a não fazer justiça má." (Arte de Julgar pág. 61). Contudo, o seu último acto na Magistratura foi um gesto quixotesco contra o sistema. Pode-se ver pelos seus textos que ele era um sério crítico de diversos elementos do sistema judicial, apontando múltiplos elementos corrigíveis, pequenos nadas que são importantes, não apenas na imagem da magistratura, como no seu funcionamento. Ora, o concurso para ascender ao cargo de Juiz era realizado por dois magistrados e um Académico de Direito, composição que Luís d’ Oliveira Guimarães criticava, visto que se ele tinha uma carreira de experiência como representante do Ministério Público, se ele queria prosseguir essa carreira como um novo passo na Magistratura, por que é que vinha uma personalidade estranha à magistratura fazer-lhe um exame? Assim, ele respondeu com garbo e sapiência às perguntas dos dois magistrados, com grande satisfação destes; mas quando chegou a vez do académico, afirmou que se recusava a responder, porque não reconhecia nessa figura de examinador, competência para o avaliar. Foi o espanto na sala, com o Académico a questionar de imediato por que razão se apresentou Guimarães a exame, sabendo de antemão que um dos examinadores não era magistrado. Ao que o examinado respondeu:
"- Para ter a oportunidade de lhe dizer isto!"
Isto aconteceu por voltas de 1938, 39...
O Dramaturgo
Toda a vida pode ser um drama, mas na visão de Luís d' Oliveira Guimarães a vida deveria ser sempre encarada como uma comédia, que por vezes tem índoles de tragicomédia, porém o optimismo deve prevalecer sempre. A sua ligação ao teatro é fruto da sua participação em tertúlias literárias e "dramáticas", com um cheirinho de boémia e jornalismo. Assim surge o crítico, o "advogado" que desconstroi a escrita, a representação, a encenação… para depois dar ao público a sua argumentação de defesa ou acusação, já que o grande juiz é sempre o público.
Se começa como crítico de Teatro, em breve prefere passar para além do proscénio, e invadir a privacidade dos bastidores, porque ai, onde a fantasia e a realidade se confundem num misticismo trágico o mundo parece ter outra dimensão, outro fascínio. É o mundo mágico que atrai todo o mundo, ignorando que por vezes em vez do paraíso se encontram muitos infernos, muita frustração…
"Existem no Teatro os bastidores - e os bastidores dos bastidores. Há, por consequência, no Teatro, dois teatros: um em que os actores representam para o publico; o outro, em que os actores representam para eles próprios. No primeiro desenrolam-se tragédias, dramas, farsas, operetas, revistas; no segundo faz-se a comédia frívola das pequenas aventuras, das pequenas intrigas e dos pequenos despeitos. E; encontram-se excelentes intérpretes de um e de outro género. Ao lado dos verdadeiros artistas de cena, existem também os artistas que só representam, afinal - quando não estão em cena." (Enquanto o pano não sobe… )
Assim começou uma outra carreira, uma outra faceta deste criador multifacetado, num lavor que se desenvolveu por quase 3 dezenas de peças ao longo de 3 décadas. A maioria das peças estas datadas e registadas a suas estreias. Outras apenas conhecemos o manuscrito. Em relação aos géneros ele passeou-se por todos, desde o drama à comédia, da revista è opereta, da Farsa ao teatro infantil.
Esta a lista de Peças que conseguimos referenciar através dos manuscritos, ou através de registos de peças representadas:
"Sete e Meio" (Revista em 2 Actos e 13 Quadros) (Assinado por dois Velhos e dois Novos que eram para além de Luíz d'Oliveira Guimarães, eram Pereira Coelho, Gustavo e Vasco de Matos Sequeira ) (música de Calderon Dinis Raul Ferrão e Isidro Aranha) (1927)
"Charleston" (Sátira em 3 Actos) (c/ parceria de João Correia d'Oliveira e Carlos Selvagem) (Foi representada no teatro Politeama de Lisboa) (1929)
"Balancé" (Revista-Fantasia) (c/ parceria de Anibal Nazaré) (manuscrito) (apresentado no Teatro do Ginásio) (música de Correia Leite, Armando Rodrigues, e João Nobre) (1937)
"Salão Cor-de-Rosa" (Fantasia em 1 Acto) (c/ parceria de Ramada Curto) (Manuscrito) (1939)
"Dá Cá o Pé" (c/ parceria de Mário Marques e Santos Braga" (1938) (Revista) (manuscrito) (apresentada a público no Teatro Avenida em Fevereiro de 1940)
"Auto da Tentação" (c/ parceria de Augusto Santa Rita) (1940) (teatro Infantil) (manuscrito)
"Arte de Reconquistar Maridos" (1941) (manuscrito)
"O Retiro dos Pacatos" (Revista) (c/ parceria de Aníbal Nazaré e Amadeu do Vale, música de M.de R. Portela, J. Mendes, e F. De Carvalho) (apresentada no Teatro Maria Vitória 1941)
"Minha Mulher é Um Homem" (adaptação do romance de Mary Love de colaboração com José Ribeiro dos Santos no Teatro Politeama) (1942) (manuscrito)
"Campo de Flores" (Evocação em 1 Acto) (c/ parceria de Silva Bastos) (manuscrito) (1942)
"Romaria" (Episódio Musical) (c/ parceria de Silva Bastos, Música de Manuela Bonito) (manuscrito) (1943)
"Auto do Boticário" (c/ Silva Bastos) (1943)
"O Jogo do Diabo" (c/ parceria de Ramada Curto, Amadeu do Vale e Lourenço Rodrigues, música de Raul Ferrão, F. Valério e J. Mendes ) (estreou no Teatro Avenida) (1944)
"Farsa da Velha Ferrunfunfelha" (assinada com o Pseudónimo Uma mais um - dois) (1945)
"O Enganador Enganado" (c/ parceria de José da Silva Bastos) (1947) (apresentada pelo Teatro do Povo, encenação de Paiva Raposo e Cenários e figurinos de Eduardo Anahory)
"Princesa Lisboa" (Peça Infantil) (teve encenação de Carlos Sousa)(1947) "Arcanjo Negro", adaptação do romance de Aquilino Ribeiro que se representou no Trindade (1948) (tem manuscrito)
"A Feira Nova" (c/ parceria de Rui Correia Leite) (1948) (apresentada pelo Teatro do Povo, encenação de Paiva Raposo e Cenários e figurinos de Eduardo Anahory)
"Três num Automóvel" (Um Prólogo) (manuscrito) (1952)
"Sangue na Guelra" (Revista-Fantasia) (c/ parceria de Rodrigues Melo) (manuscrito) (s/d)
"Corridinho" (revista)(c/ parceria de Aníbal Nazaré, música de D. Georgina Ribas, D. Maria Irene Pereira, Camilo Rebocho e Reis Saraiva Filho) (Manuscrito s/d)
"Cartas na Mesa" (Revista em 1 Prologo e 4 Actos) (c/ parceria de Schiappa Roby, Música de Camilo Rebôcho) (manuscrito s/d)
"O Enganador Enganado" (Farsa em 1 Acto) (c/ parceria de Silva Bastos) (manuscrito s/d)
"Siga a Roda" (Revista) (manuscrito) (com música de Aquiles Lima)(s/d)
"Mulheres Novas, Maridos Velhos" de Vicente Gil (Pseudónimo?) (Manuscrito)
"Letras e Tretas" (manuscrito) (s/d)
"Farsa do Juiz Direito" (manuscrito) (s/d)
Conferências Referenciadas:
26/1/1924 - "A Vida nos Castelos" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
26/6/1926 - "Os Leques" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
13/6/1931 - "Santo António e o Povo" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
Julho 1933 - "As Mulheres na Política" na Assembleia de Sintra.
24/11/1935 - “Espinhal” na Assembleia do Espinhal (há manuscrito)
15/1/1938 - "O Humorismo e o Direito" na Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa (há texto)
5/2/1938 - "Serão Humorístico" no Grémio Alentejano - Lisboa
24/2/1938 - "Gil Vicente Revisteiro" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
25/11/1939 - "A Feira das Mercês e o Muro do Derrete" in Casa Entre Douro e Minho (editado em livro)
10/5/1940 - "O Teatro de Revista" in Sociedade Propaganda de Portugal - Lisboa (editado em livro)
25/8/1945 - "Eça de Queiroz na Intimidade" na Emissora "Voz de Lisboa" (publicado in A Republica a 17/9/1940)
21/3/1945 - “Centenário de Rafael Bordalo Pinheiro - Dez anedotas de RBP” na Voz do Operário
2/5/1941 - "André Brun - Perfil dum Humorista" in Casa de Alentejo e Ateneu Com. de Lisboa (publicado na revista "Ver e Crer")
28/1/1943 - "Rosa Araújo e a Vida Lisboeta" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa (Editado em livro)
25/11/1944 - "Eça de Queiroz e o Conselheiro Acácio" in Casa de Entre-Douro e Minho (publicada em livro)
1/1945 - "O Humorismo de Eça de Queiroz" in Casa de Entre-Douro e Minho (editado em Livro)
12/5/1945 - "O Monóculo de Eça de Queiroz" na Casa de Entre-Douro e Minho (há manuscrito)
10/6/1945 - "Camões Humorista" na SNBA (Sessão inaugural do Grupo Rafael Bordalo Pinheiro)
30/5/1946 - "Palavras de Apresentação de Dulce de Oliveira" na Soc. Nacional de Belas Artes (há manuscrito)
28/6/1947 - "4 Originais Portugueses" no Teatro-Estúdio do Salitre - Lisboa
7/11/1947 - "Henrique Botelho de Andrade" in Casa do Alentejo (há manuscrito)
3/12/1947 - "Zéco e Domingos Saraiva" (na inauguração da exposição no Grupo de Amigos de Lisboa)
24/3/1948 - "Rafael Bordalo e o seu tempo" in Grupo dos Amigos de Lisboa (publicado em livro)
17/5/1949 - "O Filme "Quimera do Oiro" in Cinema Tivoli (há manuscrito)
27/6/1949 - "Alfredo Cândido" na Casa de Entre-Douro e Minho (há manuscrito)
Nov. 1951 - "A Marinha Mercante e os Livros" - I Congresso Nac. Marinha Mercante de Lisboa
23/1/1953 - "Homenagem a Rocha Martins" in Voz do Operário (há manuscrito)
6/4/1953 - "Aquilino Ribeiro - Escritor Beirão" na Casa das Beiras - Lisboa
30/11/1954 - "Homenagem a Garrett" in Sociedade de Escritores e Compositores Portugueses
30/3/1955 - "Homenagem a Matos Sequeira" in Casa da Imprensa (há manuscrito)
14/7/1956 - "O Conde de Arnoso" no Paço Ducal de Vila Viçosa (editado em livro)
1958 - "Cândido Guerreiro" in Casa do Algarve
10/7/1959 - "José Rodrigues Miguéis" in Casa da Imprensa (há manuscrito)
23/7/1959 - "António Pedro" na inauguração da estátua em Lisboa
18/5/1960 - "Schvalbach" na Casa onde viveu Schvalbach (há manuscrito)
12/6/1963 - "Junqueiro Diplomata" na Casa-Museu Guerra Junqueiro - Porto
30/7/1964 - "Joracy Camargo" in Sociedade de Escritores e Compositores
10/11/1964 - "Homenagem a Brunilde Júdice" in Teatro da Trindade
9/12/1966 - "Augusto de Castro e o Teatro" in Soc. Escritores e Compositores em Lisboa (há manuscrito)
18/11/1967 - "A Estreia de Amélia Rey-Colaço" na Homenagem à actriz no Teatro S. Luíz (há manuscrito)
11/1/1968 "Junqueiro e os Animais" in Vet.Clube - Hotel Florida
19/1/1968 - "Guerra Junqueiro e Lisboa" na inauguração da estátua em Lisboa (há manuscrito)
15/1/1969 - "Ivo Cruz" in Homenagem a Ivo Cruz pela Tábua Rasa (há manuscrito)
6/7/1973 - "Os Cem anos de Augusto Gil" no Ateneu Comercial do Porto
25/1/1975 - "Homenagem a Ferreira de Castro" in Casa Museu em Sintra
?/?/??? - "Um Perfil de João Bastos" inauguração da Rua João Bastos em Lisboa (há manuscrito)
O Escritor
«Quem procurar num dicionário a significação da palavra. "ensaio" concluirá, sem dificuldade, que se trata duma obra, de certo modo erudita, mas em que o seu autor não pretendeu tratar o assunto a fundo. O ensaio está, assim, para a erudição como a crónica para a literatura. É a esta circunstância que o ensaio deve, na hora actual, as razões da sua preferência não só por parte de quem escreve - mas também por parte de quem lê. De facto, hoje, as condições da nossa existência feita de ansiedade, de velocidade, de inquietação, de permanente excitação de nervos e de sentidos, não se harmonizam com a leitura de longas e profundas obras literárias ou científicas.» (Entre Nós que ninguém nos ouve pág. 1 )
Livros publicados:1923 - "Bonecas que amam" (Poesia)
"Arte de conhecer mulheres" (crónicas)
"O Direito ao Riso" (Monografia)
"As Blagues do Dr. Bonifrates" (blagues)
1924 - "O Chiado" (c/ João Ameal) (fait-divers)
"Loló, Biri, Záza" (Novela) (Capa de Fernando Santos)
1925 - "As Criminosas do Chiado" (c/ João Ameal) (novela)
"Saias Curtas" (capa de Cunha Barros) (crónicas)
1926 - "Caixa de Amêndoas" (Poesia) (capa de Ramalho Pedro)
1927 - "Cabelos Cortados" Diálogos)
1928 - "O Diabo , mestre de Dança" (crónicas)
1929 - "O Rei Maganão" (Subsídios para a História)
1931 - "Os Santos Populares" (Monografia)
"O Direito no Teatro de Gil Vicente" (Estudo)
1932 - "O Problema Jurídico do Transito" (comentários jurídicos)
1937 - "A Arte de Julgar" (Comentários judiciais)
1938 - "Entre nós que ninguém nos ouve" (Ensaios - Conferências)
"Gil Vicente, Revisteiro" (Separata do vol. III dos "Trabalhos da Assoc. dos Arqueólogos
Portugueses")
1939 - "A Feira das Mercês e o Muro do Derrête" (Ilustrações de Leal da Câmara)
1940 - "Teatro de Revista" (conferência)
1941 - "O Sofá côr de rosa" (contos) (capa de Júlio de Sousa)
1942 - "Junqueiro e o Bric-à-Brac" (ensaio) (Capa de Leal da Câmara)
"Dize Tu Direi Eu" (Crónicas) (ilustrações de vários caricaturistas)
1943 - "As Mulheres na Obra de Eça de Queiroz" (monografia)
"Rosa Araújo e a vida Lisboeta" (capa de Espinho) (conferência)
"Auto do Boticário" (c/ Silva Bastos) (Teatro) (capa de Zeco)
1944 - "Memórias dos Outros" (c/ José Ribeiro dos Santos) (fait-divers)
"Eça de Queiroz e os Políticos" (capa de Leal da Câmara) (ensaio)
1945 - "Senhoras Conhecidas" (c/ José Ribeiro dos Santos) (fait-divers)
"O Espírito e a Graça de Eça de Queiroz" (ensaio) (Capa de Manuel Santana)
"O Conselheiro Acácio" (capa de Manuel Santana) (conferências)
1946 - "Camões Humoristas" (conferência)
1948 - "Da Criação de um Teatro Municipal" (conferência)
1950 - "Junqueiro na Berlinda" (Ensaio) (Confidências e Inconfidências)
"Lisboa e Eça de Queiroz" (monografia)
1951 - "A Marinha Mercante e os Livros" (conferência)
1952 - "O Espírito e a Graça de Camilo" (Capa RBP) (ensaio)
"Espinhal Vila Beirã" (Memórias)
1953 - "Aquilino Ribeiro Através do seu ex-libris" (monografia)
1954 - "Homenagem a Garrett" (vários autores - conferências da Homenagem na SECTP)
1956 - "O Conde de Arnoso" (monografia) (conferência)
1957 - "O Espírito e a Graça de Fialho" (Ensaio) (Capa de Celso Hermínio)
1958 - "Cândido Guerreiro" (vários autores - texto das conferencias)
1960 - "Princesa Lisboa" (Teatro)
1963 - "Júlio Dantas" (Monografia)
"Junqueiro Diplomata" (conferência)
1966 - "Presidentes do Conselho Beirões" (ensaio)
1968 - "O Espírito e a Graça de Guerra Junqueiro" (ensaio)
"Monumento a Guerra Junqueiro em Lisboa" (de vários autores)
1973 - "Os Cem anos de Augusto Gil" (conferência)
1979 - "O Espírito e a Graça de Camões " (Capa de RBP)
No total 51 livros. Não tantos como L.O.G teria desejado publicar, porque muitos outros ficaram na intenção, ficaram como ideia falada em café, projecto projectado… como um trabalho sobre o Carnaval, As Pernas das Mulheres por Stuart Carvalhais, a "História Anedótica do Meu Tempo"…
1918 - 1984 O Jornalista
Jornais para onde L.O.G escreveu como jornalista: Vida-Moça, Capital, Manhã, Primeiro de Janeiro, Mundo, Diário da Tarde, Vida Mundial, Século Ilustrado, República, Sol, O Diabo, Notícia, Comércio do Porto, Diário de Notícias… Estes foram aqueles que beneficiaram da sua colaboração mais assídua e por períodos de tempo mais significativos. Outros houve, onde a sua colaboração foi esporádica, ou mínima.
Houve quatro em que foi director-fundador: A primeira aventura deu-se em parceria com João Ameal - "O Chiado"; "Babel" (selecção da artigos da imprensa internacional); "Dominó", um Semanário de Actualidades e Espectáculos; "Autores" foi um projecto da Sociedade Portuguesa de Autores, lançado em 1958, de cuja primeira série Luís d'Oliveira Guimarães foi director.
Títulos das suas rubricas: "Pó de Arroz", "Fumo no ar", "Bolas de Sabão", "Arco Iris", "Sorriso", "Sorriso da História", "Momentos de Espírito", "Chiado à 6-1/2", "O Diabo à Solta", "Momento", "Ao Domingo", "Fim de Semana", "O Caso da Semana", "Os Livros do mês", "Ribalta", "Enquanto o Pano não Sobe", "Cortina de Seda", "Teatro Português", "Da Nossa Cadeira", "Talvez te Escreva", "Tem a palavra V.Exª", "Figuras que se recordam", "Notas Trocadas", "Segredos a Toda a Gente"…
"Nunca tive na minha vida a pretensão de bater qualquer 'record'. Há, porém, um que, pelo menos entre nós, suponho ter batido: o de entrevistador. Creio que em Portugal nunca ninguém entrevistou mais gente. Se a entrevista pode considerar-se uma forma literária de tiro ao alvo, tenho sido um atirador obscuro, mas infatigável. Os alvejados contam-se por centenas; nunca a minha audácia tremeu ao persegui-los literariamente; e o certo é que um belo dia me encontrei senhor duma riqueza espiritual que as minhas vítimas gloriosas me entregaram - para eu as deixar em paz.
/…/ - Permita-me uma vaidade. Retratando uma série de figuras portuguesas do nosso tempo, julgo que estas páginas formarão um subsídio para o estudo e compreensão dessas figuras. Podendo constituir para muitos uma série de depoimentos históricos, não lhes falta mesmo, para os autenticar, a indispensável documentação gráfica. Na verdade, não nos limitamos, folheando este volume, a saber o que os entrevistados disseram: vemo-los, em carne e lápis, surpreendidos por alguns dos nossos melhores caricaturistas. A iconografia completa assim a história." (Dize tu Direi eu, pág. 307)
Para além das múltiplas entrevistas que ele foi realizando ao longo dos sessenta anos de actividade, material suficiente para darem o verdadeiro retrato ilustrado das figuras da sua época, das personalidades que nele viveram, há uma pequena série de artigos, pequenas anedotas que constroem o espírito da época, com sua picardia, sua ironia. Essas as verdadeiras crónicas da sociedade. Claro que há os comentários críticos, a livros, a peças de teatro, a fait-divers que ele apanhava aqui e ali, onde o barbeiro tem sempre um lugar importante na transmissão das notícias. Contudo, o café não é menos importante...
Sobre o que é que L.O.G. escreveu? Talvez seja melhor perguntar sobre o que é que ele não escreveu. Passou por tudo o que era importante para a sociedade de então, desde o bigode na mulher até aos problemas do novo Código da Estrada, dos Narizes ao Chiado.
E a censura? Éra apenas um dos muitos malabarismos que qualquer pensador tinha de saber tornear, porque como L.O.G. escreveu: «Há uma coisa mais grave do que pensar: é dizer o que se pensa.» (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 104)
Realmente a maioria dos seres não passam de clones dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados, dos seus antepassados… Se alguns evoluíram, outros mantiveram-se na raiz, mantiveram as mesmas características trogloditas, barbaras, medievo-inquisitoriais… Contudo, como em tudo, há as tais excepções, uns como génios de irreverência criativa, de investigação, de pensamento, outros como seres especiais da evolução humana, outros como espelhos reflectores, como pintores, gravadores da paleta das cores, sons e sentires de cada época. São os cronistas do espírito, da alma social.
Luiz de Oliveira Guimarães é uma dessas figuras que não só marcou a sua época, como é o reflexo do seu espírito. Jornalista, Conferencista, Dramaturgo, Escritor L.O.G. foi não só um pensador, como um advogado e cronista da sociedade em que viveu. Recordar ("Recordar não é mais do que acordar o esquecimento" in As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 87) a sua vida, a sua figura, as suas obras é viajar pelo espírito de uma época, de uma sociedade, é atravessar o tempo histórico. Através dele podemos sentir os odores, as cores, as formas de estar e viver das suas vivências, e dos outros que com ele compartiram os tempos e espaços.
Recordamos pela sua pena as figuras que, com ele marcaram a sociedade, que com ele respiraram e transpiraram no nascimento da República, na implantação e decadência do Estado dito Novo… Flecha que trespassou todo o séc. XX, temos inclusive ainda o seu testemunho da revolução-evolução da sociedade portuguesa para a democracia.
Luíz de Oliveira Guimarães é sem qualquer dúvida um dos melhores testemunhos, uma das melhores crónicas do nosso séc. XX, é a encarnação do espírito da sua época.
CRONOLOGIA BIOGRÁFICA 1900- 1987
19 de Abril de 1900 - Nasce na Quinta do Castelo em Espinhal (Penela) Luíz de Abreu Alarcão de Oliveira Guimarães, filho de António Alves de Oliveira Guimarães e Maria da Glória Alarcão Vellasques Sarmento A 16 de Julho de 1900 - Baptizado na Igreja Matriz do Espinhal pelo vigário Manuel Parada d'Eça.
Os primeiros passos e as primeiras letras aprendeu-as no Espinhal, onde o seu primeiro mestre escola lhe ensinou que "a instrução serve, principalmente, para avaliar, não o que sabemos, mas o que ignoramos!". E toda a sua vida será uma eterna pesquisa sobre o que ele ignora, e mais ainda o que todos nós ignoramos. Ainda criança foi viver para Lisboa, onde acabou seus estudos primários.
1910 / 1917 - Estudos Liceais em Lisboa: Liceu da Lapa (1910-11), Liceu Pedro Nunes (1911-1915) Liceu Camões (1915-1917).
1917 / 1922- Estudo Universitários, no Curso de Direito. Ano de 1917/18 na Universidade de Coimbra, acabando o curso na Universidade de Lisboa (1918/1922). Em 1917 - Está na Universidade de em Coimbra a cursar Direito, transferindo-se em 1918 para Lisboa onde terminaria o curso a 4 de Dezembro de 1922. A tradição familiar, ligada à Jurisprudência levou-o ao curso de direito, mais não seja por uma questão civilizacional: "/…/ uma civilização só merecerá o nome de civilização quando a luta pela vida se travar no campo do direito. O ideal seria que todas as manifestações da actividade humana coubessem dentro duma fórmula jurídica. Mas se ainda não foi possível atingir esse ideal, se essa possibilidade pode muito bem-estar até, cada vez menos, ao alcance da nossa mão, nada nos aconselha a renunciar á glória suprema de procurar atingi-lo: pelo contrário o nosso esforço deverá redobrar dia a dia, no convívio desse misterioso capricho humano que nos faz desejar mais ardentemente os frutos que não podemos colher. A mais nobre missão do homem e, sobretudo, do homem de leis é a de concorrer, de algum modo, para efectivação desse ideal." (O Direito ao Riso pág. 11).
1918 / 1984 - O Jornalista - Em 1918 inicia a sua colaboração com a imprensa no semanário portuense "Vida-Moça", um periódico cultural que como ele próprio se definia semanário de teatros, arte, literatura, sport e nas páginas de "A Capital". Depois nos inícios da década de vinte colaborará com "A Manhã", "O Mundo"… abrindo assim um caminho de experiências e contactos. Actividade que se prolongará por mais sessenta e seis anos
"Ninguém ignora que o verdadeiro escritor, como o verdadeiro artista, não se faz: nasce. O estudo e a prática podem dar, e dão sem dúvida, a cultura e a experiência, - mas não dão a vocação, que constitui uma bênção dos Deuses. O que sucede, frequentemente, é a vocação do escritor e do artista conservar-se adormecida até que uma causa a desperte, em regra uma causa literária ou artística" (O Espírito e a Graça de Fialho pág. 21)
"Há quem se queixe da impertinente curiosidade dos jornalistas. Não é justo. O dever do jornalista é informar. Para informar necessita, previamente, de se informar. A curiosidade constitui parte do seu ofício.
- O que fazia Deus Nosso Senhor antes de criar o Mundo? - Perguntava, uma vez, na catequese, um garoto de dez anos ao padre-mestre.
O padre ficou uns momentos, perplexo e, depois, explicou:
- Preparava o Inferno para os curiosos.
Se assim foi, enganou-se, salvo o devido respeito. Os curiosos não estão no Inferno: estão no jornalismo ou, como agora se diz, na Comunicação Social. A menos que a Comunicação Social não seja o tal Inferno preparado por Deus Nosso Senhor para os curiosos." (Segredos a Toda a Gente - 7/3/1982).
1923/1979 - O Escritor - A sua veia literária conhecerá a cor do prelo pela primeira vez em 1923 com "Bonecas que amam" (Poesia), seguindo-se ainda nesse ano "Arte de conhecer mulheres" (crónicas), "O Direito ao Riso" (Monografia) e "As Blagues do Dr. Bonifrates" (blagues). Actividade que atingirá o numero significativo de 51 títulos
1923 / 1939 - O Jurista - Inicia-se a sua carreira profissional no universo do Direito a 8 de Agosto, primeiro como Ajudante da 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e a partir 8 de Dezembro como Subdelegado do 3º Juízo das Transgressões de Lisboa. Terminará em 1939 como Delegado do Procurador da República de 1ª Classe por opção sua, dedicando-se então completamente à escrita.
1924 - O Conferencista - A 26/1/1924 com a conferencia "A Vida nos Castelos" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa inicia uma das actividades que mais o celebrará, a de orador, de conferencista. É difícil fazer o levantamento de todas as conferencias que realizou, porque era constantemente convidado a botar discurso, improvisando no momento. Textos escritos de conferencias preparadas são pelo menos 40
1927 / 1961 - O Dramaturgo - A sua ligação ao teatro é fruto da sua participação em tertúlias literárias e "dramáticas", com um cheirinho de boémia e jornalismo. Assim surge o crítico, e só depois o dramaturgo. Convidado para escrever em parceria múltiplas Revistas à Portuguesa, Comédias, Farsas, acabou também por escrever sozinho outras peças que foram sempre um sucesso nos palcos alfacinhas. Escreveu pelo menos 27 peças de Teatro.
1932/8/17 - Casa-se com Maria Adelaide Matos Sequeira na 7ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa e a 21 do mesmo mês na capela da família Matos Sequeira
1935/12/21 - Nasce o seu filho único, António Luís de Sequeira Oliveira Guimarães. Este também seguirá a tradição familiar ao cursar Direito, seguindo a Magistratura até ao posto mais alto da hierarquia, ou seja Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. António Luís desposará a também jurista Maria Leonor Loureiro Gonçalves, de cujo matrimónio nascerá uma filha que será registada como Paula. A mesma cursará Direito e desposará Renato Amorim Damas Barroso, hoje Juiz na Boa Hora.
1945 - Já conhecido na sociedade Portuguesa pela sai ironia, e pelo seu apoio ao Humorismo, neste ano organiza a mais irreverente das homenagens culturais realizadas nesses anos de Estado Novo - A homenagem ao Conselheiro Acácio, na Sociedade Nacional de Belas Artes.
1998/6/5 - Luís de Oliveira Guimarães viria a falecer na sua casa em Lisboa.
Boémia - Tertúlia
L.O.G. pode ser considerado como um boémio, um romantico boémio por onde deambulou, por onde conviveu, que apreciou, mas que sempre controlou com uma certa objectividade crítica. Não será o espaço da depravação, da boémia alcoólica e bacanais. Era e boémia intelectual das tertúlias literárias e artísticas da Lisboa cosmopolita, era a boémia teatral de quem gostava de conviver com a criatividade da expressão do pensamento.
Nessa época essas tertúlias dividiam-se essencialmente pelo Parque Mayer (a tertúlia teatral); o Rossio, essencialmente com o café Martinho, o Nicola…; o Terreiro do Paço com o seu Martinho da Arcada; e fundamentalmente o Chiado, o "coração do mundo".
O Chiado era o centro de Lisboa, era o centro do País, o centro do universo da vida cosmopolita alfacinha. O epicentro era a Brasileira, tendo como satélites a Havaneza, a Marques, a Garrett, a Bertrand, a Sá da Costa… ou seja essencialmente cafés e algumas livrarias, já que a nossa cultura sempre foi recheada por filosofia de café.
"Há vários chiados no Chiado. Há, primeiro, o chiado da manhã. - esperto, cinematográfico, anónimo, bulício de corpos, farandola de destinos - com uma grave e emotiva sugestão de actividade: humilde. Ha, depois, o chiado quase deserto do meio dia ás duas - o chiado-intervalo, esperando que Lisboa almoce para que: Lisboa passeie. A seguir, o chiado instável, indeciso das três e das quatro - mulheres que desfilam, no drama de fazerem as suas compras nas lojas do centro; homens que o interesse agita, ou que o dever orienta; gente que passa, que passa, que passa continuamente, sem parar em parte nenhuma. Por fim, o chiado máximo, o chiado das cinco horas e dos cinco sentidos, match de luxos, arena de flírts, esplendor de pastelarias vibrantes. Depois, outro intervalo - o jantar. E, no epilogo, já sob os arcos voltaicos acesos, o chiado da conversa, da má-língua, dos grupos irónicos, dos noctâmbulos." (Editorial da revista "O Chiado")
Se a política é a paixão e a arte a irreverência deste mundo, a Mulher é a rainha deste universo de olhares, de sinais, de ironias, de ditos de espírito, de boatos e anedotas. Aqui tudo é fantasia e realidade ao mesmo tempo.
Pelos testemunhos escritos que L.O.G. nos deixou, sabemos que também para ele a mulher era o epicentro da sua boémia estudantil, e inspiradora da sua criatividade.
Inconformista pela idade, irreverente como "revolta" normal contra o poder paterno (Juiz de família tradicional e conservadora), ele acaba por ser também um revoltado conservador, por educação. A imagem que ele nos deixa da mulher, esse novo ser feminino que desponta no cosmopolitismo da primeira república, no modernismo e futurismo… é de todas as formas retrógrada. Logo aqui ele é a imagem perturbada da sua época, dividida pelo puritanismo luso de tradição católico-medieval, e pelo cocotismo dos novos ventos europeus.
L.O.G. parece um grande amante, flirtando por aqui e por ali para não sofrer com os males de amor: "O flirt é um sorriso; o amor é uma lágrima; a paixão - é um soluço." (In As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 39). Tudo é ilusão na vã fantasia da realidade…O melhor local de Lisboa para flirtar? O Chiado naturalmente: "O Chiado é uma vitrina de chapéus e de vestidos. As mulheres são apenas os manequins que nos perguntam, com um olhar, se são bonitos os chapéus ou se são feios os vestidos." (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 116)
Em relação aos seus amores de juventude nada sabemos, ou seja não interessa saber por ai alem, mas certeza temos é que "nunca se deve comprar o amor: mas trocar por outra coisa" (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 40)
“Diante do retrato de uma mulher bonita os homens só lhes vêem as qualidades; as mulheres só lhe notam os defeitos.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 16)
“As mulheres são afinal as pernas dos homens: levam-nos para onde querem.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 18)
“A toilette é uma das formas elegantes da mentira. Quanto mais uma mulher se despe mais se aproxima da verdade. A maior mentira da Eva primitiva é do tamanho de uma folha de parra.” (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 19)
Carreira Jurídica
A licenciatura em Direito acabou por ser terminada, não em Coimbra, mas em Lisboa a 4 de Dezembro de 1922.
8/8/1923 entrou na carreira juridica como Ajudante da 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
8/12/1923 ingressa no corpo do Ministério Público com a categoria de Subdelegado do 3º Juízo das Transgressões de Lisboa.
27/4/1925 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Resende
30/6/1925 - Nomeado Delegado Auxiliar do Procurador da República na Comarca de Lisboa (Boa-Hora)
10/12/1925 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Lisboa 4ª Vara Cível
17/12/1925 - Nomeado Secretário do Ministro da Justiça
23/12/1925 - Nomeado Delegado em Comissão da 5ª Vara de Lisboa
26/3/1926 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Grândola
31/5/1929 - Nomeado Delegado do Procurador da República de 3º Classe na Comarca de Alcácer do Sal
9/8/1930 - Promovido a Delegado do Procurador da República de 2ª Classe e Nomeado para a Comarca da Sertã
13/10/1930 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Sintra
29/10/ 1933 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Vila Verde
5/5/1934 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Beja
14/12/1934 - Nomeado Delegado do Procurador da República na Comarca de Tomar
9/12/1936 - Promovido a Delegado do Procurador da República de 1ª Classe e colocado na 6ª Vara da Comarca de Lisboa.
"A carreira do Ministério Público exige requisitos especiais: iniciativa, desassombro e golpe de vista. Sem estes três requisitos, além dos outros necessários a todos os magistrados, o representante do Ministério Público não passará de uma sombra que, escondendo-o a ele próprio, poderá esconder ainda quem afinal devia ser descoberto". (Arte de Julgar pág. 55)
Pode-se dizer que a carreira de Luís d'Oliveira Guimarães no Ministério Público foi de sucesso, e com calma chegou ao ponto em que poderia ascenderão cargo de Juiz. O dever com os desejos paternos estava em parte cumprido, apesar do sonho do Conselheiro era ver o seu filho também como Juiz. Na tradição familiar tinha seguido as Leis, mas outras paixões, outros desejos de criatividade, de irreverência eram mais fortes, clamando cada vez mais alto a necessidade de se entregar às letras, se entregar ás musas sedutoras.
Não se conhecem irreverências nos seus actos como Procurador da República. Foi um sério, mas sempre com um sorriso nos lábios, defensor do seu cargo, das suas funções. "Há quem reduza a função do Ministério Público afirmando que, enquanto o juiz pode fazer justiça, o papel do Ministério Público consiste apenas em esperar que ela se faça. Engano. O Ministério Público é o fiscal da maneira por que essa justiça for feita, animando assim o bom juiz a fazer boa justiça e intimidando o mau a não fazer justiça má." (Arte de Julgar pág. 61). Contudo, o seu último acto na Magistratura foi um gesto quixotesco contra o sistema. Pode-se ver pelos seus textos que ele era um sério crítico de diversos elementos do sistema judicial, apontando múltiplos elementos corrigíveis, pequenos nadas que são importantes, não apenas na imagem da magistratura, como no seu funcionamento. Ora, o concurso para ascender ao cargo de Juiz era realizado por dois magistrados e um Académico de Direito, composição que Luís d’ Oliveira Guimarães criticava, visto que se ele tinha uma carreira de experiência como representante do Ministério Público, se ele queria prosseguir essa carreira como um novo passo na Magistratura, por que é que vinha uma personalidade estranha à magistratura fazer-lhe um exame? Assim, ele respondeu com garbo e sapiência às perguntas dos dois magistrados, com grande satisfação destes; mas quando chegou a vez do académico, afirmou que se recusava a responder, porque não reconhecia nessa figura de examinador, competência para o avaliar. Foi o espanto na sala, com o Académico a questionar de imediato por que razão se apresentou Guimarães a exame, sabendo de antemão que um dos examinadores não era magistrado. Ao que o examinado respondeu:
"- Para ter a oportunidade de lhe dizer isto!"
Isto aconteceu por voltas de 1938, 39...
O Dramaturgo
Toda a vida pode ser um drama, mas na visão de Luís d' Oliveira Guimarães a vida deveria ser sempre encarada como uma comédia, que por vezes tem índoles de tragicomédia, porém o optimismo deve prevalecer sempre. A sua ligação ao teatro é fruto da sua participação em tertúlias literárias e "dramáticas", com um cheirinho de boémia e jornalismo. Assim surge o crítico, o "advogado" que desconstroi a escrita, a representação, a encenação… para depois dar ao público a sua argumentação de defesa ou acusação, já que o grande juiz é sempre o público.
Se começa como crítico de Teatro, em breve prefere passar para além do proscénio, e invadir a privacidade dos bastidores, porque ai, onde a fantasia e a realidade se confundem num misticismo trágico o mundo parece ter outra dimensão, outro fascínio. É o mundo mágico que atrai todo o mundo, ignorando que por vezes em vez do paraíso se encontram muitos infernos, muita frustração…
"Existem no Teatro os bastidores - e os bastidores dos bastidores. Há, por consequência, no Teatro, dois teatros: um em que os actores representam para o publico; o outro, em que os actores representam para eles próprios. No primeiro desenrolam-se tragédias, dramas, farsas, operetas, revistas; no segundo faz-se a comédia frívola das pequenas aventuras, das pequenas intrigas e dos pequenos despeitos. E; encontram-se excelentes intérpretes de um e de outro género. Ao lado dos verdadeiros artistas de cena, existem também os artistas que só representam, afinal - quando não estão em cena." (Enquanto o pano não sobe… )
Assim começou uma outra carreira, uma outra faceta deste criador multifacetado, num lavor que se desenvolveu por quase 3 dezenas de peças ao longo de 3 décadas. A maioria das peças estas datadas e registadas a suas estreias. Outras apenas conhecemos o manuscrito. Em relação aos géneros ele passeou-se por todos, desde o drama à comédia, da revista è opereta, da Farsa ao teatro infantil.
Esta a lista de Peças que conseguimos referenciar através dos manuscritos, ou através de registos de peças representadas:
"Sete e Meio" (Revista em 2 Actos e 13 Quadros) (Assinado por dois Velhos e dois Novos que eram para além de Luíz d'Oliveira Guimarães, eram Pereira Coelho, Gustavo e Vasco de Matos Sequeira ) (música de Calderon Dinis Raul Ferrão e Isidro Aranha) (1927)
"Charleston" (Sátira em 3 Actos) (c/ parceria de João Correia d'Oliveira e Carlos Selvagem) (Foi representada no teatro Politeama de Lisboa) (1929)
"Balancé" (Revista-Fantasia) (c/ parceria de Anibal Nazaré) (manuscrito) (apresentado no Teatro do Ginásio) (música de Correia Leite, Armando Rodrigues, e João Nobre) (1937)
"Salão Cor-de-Rosa" (Fantasia em 1 Acto) (c/ parceria de Ramada Curto) (Manuscrito) (1939)
"Dá Cá o Pé" (c/ parceria de Mário Marques e Santos Braga" (1938) (Revista) (manuscrito) (apresentada a público no Teatro Avenida em Fevereiro de 1940)
"Auto da Tentação" (c/ parceria de Augusto Santa Rita) (1940) (teatro Infantil) (manuscrito)
"Arte de Reconquistar Maridos" (1941) (manuscrito)
"O Retiro dos Pacatos" (Revista) (c/ parceria de Aníbal Nazaré e Amadeu do Vale, música de M.de R. Portela, J. Mendes, e F. De Carvalho) (apresentada no Teatro Maria Vitória 1941)
"Minha Mulher é Um Homem" (adaptação do romance de Mary Love de colaboração com José Ribeiro dos Santos no Teatro Politeama) (1942) (manuscrito)
"Campo de Flores" (Evocação em 1 Acto) (c/ parceria de Silva Bastos) (manuscrito) (1942)
"Romaria" (Episódio Musical) (c/ parceria de Silva Bastos, Música de Manuela Bonito) (manuscrito) (1943)
"Auto do Boticário" (c/ Silva Bastos) (1943)
"O Jogo do Diabo" (c/ parceria de Ramada Curto, Amadeu do Vale e Lourenço Rodrigues, música de Raul Ferrão, F. Valério e J. Mendes ) (estreou no Teatro Avenida) (1944)
"Farsa da Velha Ferrunfunfelha" (assinada com o Pseudónimo Uma mais um - dois) (1945)
"O Enganador Enganado" (c/ parceria de José da Silva Bastos) (1947) (apresentada pelo Teatro do Povo, encenação de Paiva Raposo e Cenários e figurinos de Eduardo Anahory)
"Princesa Lisboa" (Peça Infantil) (teve encenação de Carlos Sousa)(1947) "Arcanjo Negro", adaptação do romance de Aquilino Ribeiro que se representou no Trindade (1948) (tem manuscrito)
"A Feira Nova" (c/ parceria de Rui Correia Leite) (1948) (apresentada pelo Teatro do Povo, encenação de Paiva Raposo e Cenários e figurinos de Eduardo Anahory)
"Três num Automóvel" (Um Prólogo) (manuscrito) (1952)
"Sangue na Guelra" (Revista-Fantasia) (c/ parceria de Rodrigues Melo) (manuscrito) (s/d)
"Corridinho" (revista)(c/ parceria de Aníbal Nazaré, música de D. Georgina Ribas, D. Maria Irene Pereira, Camilo Rebocho e Reis Saraiva Filho) (Manuscrito s/d)
"Cartas na Mesa" (Revista em 1 Prologo e 4 Actos) (c/ parceria de Schiappa Roby, Música de Camilo Rebôcho) (manuscrito s/d)
"O Enganador Enganado" (Farsa em 1 Acto) (c/ parceria de Silva Bastos) (manuscrito s/d)
"Siga a Roda" (Revista) (manuscrito) (com música de Aquiles Lima)(s/d)
"Mulheres Novas, Maridos Velhos" de Vicente Gil (Pseudónimo?) (Manuscrito)
"Letras e Tretas" (manuscrito) (s/d)
"Farsa do Juiz Direito" (manuscrito) (s/d)
Conferências Referenciadas:
26/1/1924 - "A Vida nos Castelos" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
26/6/1926 - "Os Leques" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
13/6/1931 - "Santo António e o Povo" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
Julho 1933 - "As Mulheres na Política" na Assembleia de Sintra.
24/11/1935 - “Espinhal” na Assembleia do Espinhal (há manuscrito)
15/1/1938 - "O Humorismo e o Direito" na Associação Comercial dos Lojistas de Lisboa (há texto)
5/2/1938 - "Serão Humorístico" no Grémio Alentejano - Lisboa
24/2/1938 - "Gil Vicente Revisteiro" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa
25/11/1939 - "A Feira das Mercês e o Muro do Derrete" in Casa Entre Douro e Minho (editado em livro)
10/5/1940 - "O Teatro de Revista" in Sociedade Propaganda de Portugal - Lisboa (editado em livro)
25/8/1945 - "Eça de Queiroz na Intimidade" na Emissora "Voz de Lisboa" (publicado in A Republica a 17/9/1940)
21/3/1945 - “Centenário de Rafael Bordalo Pinheiro - Dez anedotas de RBP” na Voz do Operário
2/5/1941 - "André Brun - Perfil dum Humorista" in Casa de Alentejo e Ateneu Com. de Lisboa (publicado na revista "Ver e Crer")
28/1/1943 - "Rosa Araújo e a Vida Lisboeta" na Associação dos Arqueólogos em Lisboa (Editado em livro)
25/11/1944 - "Eça de Queiroz e o Conselheiro Acácio" in Casa de Entre-Douro e Minho (publicada em livro)
1/1945 - "O Humorismo de Eça de Queiroz" in Casa de Entre-Douro e Minho (editado em Livro)
12/5/1945 - "O Monóculo de Eça de Queiroz" na Casa de Entre-Douro e Minho (há manuscrito)
10/6/1945 - "Camões Humorista" na SNBA (Sessão inaugural do Grupo Rafael Bordalo Pinheiro)
30/5/1946 - "Palavras de Apresentação de Dulce de Oliveira" na Soc. Nacional de Belas Artes (há manuscrito)
28/6/1947 - "4 Originais Portugueses" no Teatro-Estúdio do Salitre - Lisboa
7/11/1947 - "Henrique Botelho de Andrade" in Casa do Alentejo (há manuscrito)
3/12/1947 - "Zéco e Domingos Saraiva" (na inauguração da exposição no Grupo de Amigos de Lisboa)
24/3/1948 - "Rafael Bordalo e o seu tempo" in Grupo dos Amigos de Lisboa (publicado em livro)
17/5/1949 - "O Filme "Quimera do Oiro" in Cinema Tivoli (há manuscrito)
27/6/1949 - "Alfredo Cândido" na Casa de Entre-Douro e Minho (há manuscrito)
Nov. 1951 - "A Marinha Mercante e os Livros" - I Congresso Nac. Marinha Mercante de Lisboa
23/1/1953 - "Homenagem a Rocha Martins" in Voz do Operário (há manuscrito)
6/4/1953 - "Aquilino Ribeiro - Escritor Beirão" na Casa das Beiras - Lisboa
30/11/1954 - "Homenagem a Garrett" in Sociedade de Escritores e Compositores Portugueses
30/3/1955 - "Homenagem a Matos Sequeira" in Casa da Imprensa (há manuscrito)
14/7/1956 - "O Conde de Arnoso" no Paço Ducal de Vila Viçosa (editado em livro)
1958 - "Cândido Guerreiro" in Casa do Algarve
10/7/1959 - "José Rodrigues Miguéis" in Casa da Imprensa (há manuscrito)
23/7/1959 - "António Pedro" na inauguração da estátua em Lisboa
18/5/1960 - "Schvalbach" na Casa onde viveu Schvalbach (há manuscrito)
12/6/1963 - "Junqueiro Diplomata" na Casa-Museu Guerra Junqueiro - Porto
30/7/1964 - "Joracy Camargo" in Sociedade de Escritores e Compositores
10/11/1964 - "Homenagem a Brunilde Júdice" in Teatro da Trindade
9/12/1966 - "Augusto de Castro e o Teatro" in Soc. Escritores e Compositores em Lisboa (há manuscrito)
18/11/1967 - "A Estreia de Amélia Rey-Colaço" na Homenagem à actriz no Teatro S. Luíz (há manuscrito)
11/1/1968 "Junqueiro e os Animais" in Vet.Clube - Hotel Florida
19/1/1968 - "Guerra Junqueiro e Lisboa" na inauguração da estátua em Lisboa (há manuscrito)
15/1/1969 - "Ivo Cruz" in Homenagem a Ivo Cruz pela Tábua Rasa (há manuscrito)
6/7/1973 - "Os Cem anos de Augusto Gil" no Ateneu Comercial do Porto
25/1/1975 - "Homenagem a Ferreira de Castro" in Casa Museu em Sintra
?/?/??? - "Um Perfil de João Bastos" inauguração da Rua João Bastos em Lisboa (há manuscrito)
O Escritor
«Quem procurar num dicionário a significação da palavra. "ensaio" concluirá, sem dificuldade, que se trata duma obra, de certo modo erudita, mas em que o seu autor não pretendeu tratar o assunto a fundo. O ensaio está, assim, para a erudição como a crónica para a literatura. É a esta circunstância que o ensaio deve, na hora actual, as razões da sua preferência não só por parte de quem escreve - mas também por parte de quem lê. De facto, hoje, as condições da nossa existência feita de ansiedade, de velocidade, de inquietação, de permanente excitação de nervos e de sentidos, não se harmonizam com a leitura de longas e profundas obras literárias ou científicas.» (Entre Nós que ninguém nos ouve pág. 1 )
Livros publicados:1923 - "Bonecas que amam" (Poesia)
"Arte de conhecer mulheres" (crónicas)
"O Direito ao Riso" (Monografia)
"As Blagues do Dr. Bonifrates" (blagues)
1924 - "O Chiado" (c/ João Ameal) (fait-divers)
"Loló, Biri, Záza" (Novela) (Capa de Fernando Santos)
1925 - "As Criminosas do Chiado" (c/ João Ameal) (novela)
"Saias Curtas" (capa de Cunha Barros) (crónicas)
1926 - "Caixa de Amêndoas" (Poesia) (capa de Ramalho Pedro)
1927 - "Cabelos Cortados" Diálogos)
1928 - "O Diabo , mestre de Dança" (crónicas)
1929 - "O Rei Maganão" (Subsídios para a História)
1931 - "Os Santos Populares" (Monografia)
"O Direito no Teatro de Gil Vicente" (Estudo)
1932 - "O Problema Jurídico do Transito" (comentários jurídicos)
1937 - "A Arte de Julgar" (Comentários judiciais)
1938 - "Entre nós que ninguém nos ouve" (Ensaios - Conferências)
"Gil Vicente, Revisteiro" (Separata do vol. III dos "Trabalhos da Assoc. dos Arqueólogos
Portugueses")
1939 - "A Feira das Mercês e o Muro do Derrête" (Ilustrações de Leal da Câmara)
1940 - "Teatro de Revista" (conferência)
1941 - "O Sofá côr de rosa" (contos) (capa de Júlio de Sousa)
1942 - "Junqueiro e o Bric-à-Brac" (ensaio) (Capa de Leal da Câmara)
"Dize Tu Direi Eu" (Crónicas) (ilustrações de vários caricaturistas)
1943 - "As Mulheres na Obra de Eça de Queiroz" (monografia)
"Rosa Araújo e a vida Lisboeta" (capa de Espinho) (conferência)
"Auto do Boticário" (c/ Silva Bastos) (Teatro) (capa de Zeco)
1944 - "Memórias dos Outros" (c/ José Ribeiro dos Santos) (fait-divers)
"Eça de Queiroz e os Políticos" (capa de Leal da Câmara) (ensaio)
1945 - "Senhoras Conhecidas" (c/ José Ribeiro dos Santos) (fait-divers)
"O Espírito e a Graça de Eça de Queiroz" (ensaio) (Capa de Manuel Santana)
"O Conselheiro Acácio" (capa de Manuel Santana) (conferências)
1946 - "Camões Humoristas" (conferência)
1948 - "Da Criação de um Teatro Municipal" (conferência)
1950 - "Junqueiro na Berlinda" (Ensaio) (Confidências e Inconfidências)
"Lisboa e Eça de Queiroz" (monografia)
1951 - "A Marinha Mercante e os Livros" (conferência)
1952 - "O Espírito e a Graça de Camilo" (Capa RBP) (ensaio)
"Espinhal Vila Beirã" (Memórias)
1953 - "Aquilino Ribeiro Através do seu ex-libris" (monografia)
1954 - "Homenagem a Garrett" (vários autores - conferências da Homenagem na SECTP)
1956 - "O Conde de Arnoso" (monografia) (conferência)
1957 - "O Espírito e a Graça de Fialho" (Ensaio) (Capa de Celso Hermínio)
1958 - "Cândido Guerreiro" (vários autores - texto das conferencias)
1960 - "Princesa Lisboa" (Teatro)
1963 - "Júlio Dantas" (Monografia)
"Junqueiro Diplomata" (conferência)
1966 - "Presidentes do Conselho Beirões" (ensaio)
1968 - "O Espírito e a Graça de Guerra Junqueiro" (ensaio)
"Monumento a Guerra Junqueiro em Lisboa" (de vários autores)
1973 - "Os Cem anos de Augusto Gil" (conferência)
1979 - "O Espírito e a Graça de Camões " (Capa de RBP)
No total 51 livros. Não tantos como L.O.G teria desejado publicar, porque muitos outros ficaram na intenção, ficaram como ideia falada em café, projecto projectado… como um trabalho sobre o Carnaval, As Pernas das Mulheres por Stuart Carvalhais, a "História Anedótica do Meu Tempo"…
1918 - 1984 O Jornalista
Jornais para onde L.O.G escreveu como jornalista: Vida-Moça, Capital, Manhã, Primeiro de Janeiro, Mundo, Diário da Tarde, Vida Mundial, Século Ilustrado, República, Sol, O Diabo, Notícia, Comércio do Porto, Diário de Notícias… Estes foram aqueles que beneficiaram da sua colaboração mais assídua e por períodos de tempo mais significativos. Outros houve, onde a sua colaboração foi esporádica, ou mínima.
Houve quatro em que foi director-fundador: A primeira aventura deu-se em parceria com João Ameal - "O Chiado"; "Babel" (selecção da artigos da imprensa internacional); "Dominó", um Semanário de Actualidades e Espectáculos; "Autores" foi um projecto da Sociedade Portuguesa de Autores, lançado em 1958, de cuja primeira série Luís d'Oliveira Guimarães foi director.
Títulos das suas rubricas: "Pó de Arroz", "Fumo no ar", "Bolas de Sabão", "Arco Iris", "Sorriso", "Sorriso da História", "Momentos de Espírito", "Chiado à 6-1/2", "O Diabo à Solta", "Momento", "Ao Domingo", "Fim de Semana", "O Caso da Semana", "Os Livros do mês", "Ribalta", "Enquanto o Pano não Sobe", "Cortina de Seda", "Teatro Português", "Da Nossa Cadeira", "Talvez te Escreva", "Tem a palavra V.Exª", "Figuras que se recordam", "Notas Trocadas", "Segredos a Toda a Gente"…
"Nunca tive na minha vida a pretensão de bater qualquer 'record'. Há, porém, um que, pelo menos entre nós, suponho ter batido: o de entrevistador. Creio que em Portugal nunca ninguém entrevistou mais gente. Se a entrevista pode considerar-se uma forma literária de tiro ao alvo, tenho sido um atirador obscuro, mas infatigável. Os alvejados contam-se por centenas; nunca a minha audácia tremeu ao persegui-los literariamente; e o certo é que um belo dia me encontrei senhor duma riqueza espiritual que as minhas vítimas gloriosas me entregaram - para eu as deixar em paz.
/…/ - Permita-me uma vaidade. Retratando uma série de figuras portuguesas do nosso tempo, julgo que estas páginas formarão um subsídio para o estudo e compreensão dessas figuras. Podendo constituir para muitos uma série de depoimentos históricos, não lhes falta mesmo, para os autenticar, a indispensável documentação gráfica. Na verdade, não nos limitamos, folheando este volume, a saber o que os entrevistados disseram: vemo-los, em carne e lápis, surpreendidos por alguns dos nossos melhores caricaturistas. A iconografia completa assim a história." (Dize tu Direi eu, pág. 307)
Para além das múltiplas entrevistas que ele foi realizando ao longo dos sessenta anos de actividade, material suficiente para darem o verdadeiro retrato ilustrado das figuras da sua época, das personalidades que nele viveram, há uma pequena série de artigos, pequenas anedotas que constroem o espírito da época, com sua picardia, sua ironia. Essas as verdadeiras crónicas da sociedade. Claro que há os comentários críticos, a livros, a peças de teatro, a fait-divers que ele apanhava aqui e ali, onde o barbeiro tem sempre um lugar importante na transmissão das notícias. Contudo, o café não é menos importante...
Sobre o que é que L.O.G. escreveu? Talvez seja melhor perguntar sobre o que é que ele não escreveu. Passou por tudo o que era importante para a sociedade de então, desde o bigode na mulher até aos problemas do novo Código da Estrada, dos Narizes ao Chiado.
E a censura? Éra apenas um dos muitos malabarismos que qualquer pensador tinha de saber tornear, porque como L.O.G. escreveu: «Há uma coisa mais grave do que pensar: é dizer o que se pensa.» (As Blagues do Dr. Bonifrates pág. 104)
Tuesday, December 09, 2008
Prémio Ibero-Americano Quevedos 2008 para ZIRALDO Alves Pinto
Madrid, 09 Dez (Lusa) - O escritor e caricaturista brasileiro Ziraldo Alves Pinto conquistou hoje em Espanha o VI Prémio Ibero-americano de Humor Gráfico "Quevedos", pela "qualidade e importância da sua obra, o seu compromisso social e a sua grande repercussão e difusão internacional".
Este galardão bienal, instituído pelos ministérios da Cultura e dos Negócios Estrangeiros de Espanha, tem uma dotação de 30.000 euros.
A decisão do júri, que se reuniu na Universidade Alcalá de Henares, Madrid, foi adoptada por maioria e após sucessivas votações. O prémio distingue a trajectória profissional de humoristas gráficos espanhóis e ibero-americano cuja obra se destaque pelo seu significado social e artístico.
Ziraldo Alves Pinto, mais conhecido como Ziraldo, é um artista tão popular que se fizeram filmes com algumas das personagens que criou, como por exemplo o Menino Maluquinho, também adaptado ao teatro. É ainda autor de livros infantis, que ele mesmo ilustra.
Os seus desenhos e caricaturas são conhecidos em todo o mundo. Ziraldo nasceu em 1932 em Caratinga, estado de Minas Gerais, e os seus pais chamaram-lhe Ziraldo para unirem os seus respectivos nomes, Zizinha e Geraldo.
Tinha seis anos quando publicou o seu primeiro desenho no jornal "A Folha de Minas". Esse foi o começo de uma carreira ao longo da qual recebeu prémios importantes como o internacional do Salão de Caricatura de Bruxelas, o "Merghantelle" de 1969 e o prémio da Imprensa Livre da América Latina.
Ziraldo colaborou em praticamente todos os "media" do seu país. Em 1963 começou a trabalhar no "Jornal do Brasil", onde continua a publicar uma "tira" de humor que se converteu há muito numa referência indispensável.
"Jeremias o bom", "A super-mãe" e o "Mineirinho" são personagens que criou e foram muito populares nos anos 60. Em 1957 começou a publicar na revista "A cigarra".
Em 1964, quando os militares tomaram o poder no Brasil, foi suspensa a publicação de "O pasquim", o maior periódico inconformista da imprensa brasileira, que Ziraldo fundara com outro humorista, mas as suas personagens sobreviveram aos "anos de chumbo" do militarismo.
Nesse período de ditadura (1964-1984) Ziraldo desenvolveu um intenso trabalho de resistência à repressão. Em 1999 criou duas revistas, "Bundas" e "Palavras".
Pintor, caricaturista, desenhador gráfico, jornalista e autor de teatro, publicou vários livros para crianças, traduzidos para italiano, inglês, francês, alemão e basco.
RMM.
© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.2008-12-09 18:55:01
Este galardão bienal, instituído pelos ministérios da Cultura e dos Negócios Estrangeiros de Espanha, tem uma dotação de 30.000 euros.
A decisão do júri, que se reuniu na Universidade Alcalá de Henares, Madrid, foi adoptada por maioria e após sucessivas votações. O prémio distingue a trajectória profissional de humoristas gráficos espanhóis e ibero-americano cuja obra se destaque pelo seu significado social e artístico.
Ziraldo Alves Pinto, mais conhecido como Ziraldo, é um artista tão popular que se fizeram filmes com algumas das personagens que criou, como por exemplo o Menino Maluquinho, também adaptado ao teatro. É ainda autor de livros infantis, que ele mesmo ilustra.
Os seus desenhos e caricaturas são conhecidos em todo o mundo. Ziraldo nasceu em 1932 em Caratinga, estado de Minas Gerais, e os seus pais chamaram-lhe Ziraldo para unirem os seus respectivos nomes, Zizinha e Geraldo.
Tinha seis anos quando publicou o seu primeiro desenho no jornal "A Folha de Minas". Esse foi o começo de uma carreira ao longo da qual recebeu prémios importantes como o internacional do Salão de Caricatura de Bruxelas, o "Merghantelle" de 1969 e o prémio da Imprensa Livre da América Latina.
Ziraldo colaborou em praticamente todos os "media" do seu país. Em 1963 começou a trabalhar no "Jornal do Brasil", onde continua a publicar uma "tira" de humor que se converteu há muito numa referência indispensável.
"Jeremias o bom", "A super-mãe" e o "Mineirinho" são personagens que criou e foram muito populares nos anos 60. Em 1957 começou a publicar na revista "A cigarra".
Em 1964, quando os militares tomaram o poder no Brasil, foi suspensa a publicação de "O pasquim", o maior periódico inconformista da imprensa brasileira, que Ziraldo fundara com outro humorista, mas as suas personagens sobreviveram aos "anos de chumbo" do militarismo.
Nesse período de ditadura (1964-1984) Ziraldo desenvolveu um intenso trabalho de resistência à repressão. Em 1999 criou duas revistas, "Bundas" e "Palavras".
Pintor, caricaturista, desenhador gráfico, jornalista e autor de teatro, publicou vários livros para crianças, traduzidos para italiano, inglês, francês, alemão e basco.
RMM.
© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.2008-12-09 18:55:01
Ziraldo, o revolucionário do traço
Ziraldo Alves Pinto, nasceu no dia 24 de outubro de 1932, em Caratinga/Minas Gerais. É o mais velho de uma família de sete irmãos. Seu nome vem da combinação dos nomes de sua mãe, Zizinha com o de seu pai Geraldo: assim surgiu o Zi-raldo, um nome único.
Em 1949 foi com o avô para o Rio de Janeiro, onde cursou dois anos no MABE (Moderna Associação de Ensino). Em 1950 voltou para Caratinga para fazer o Tiro de Guerra. Terminou o Científico no Colégio Nossa Senhora das Graças. Formou-se em Direito na Faculdade de Direito de Minas Gerais em Belo Horizonte, em 1957. Começou sua carreira nos anos 50 em jornais e revistas de expressão, como Jornal do Brasil, O Cruzeiro, Folha de Minas, etc. Além de pintor, é cartazista, jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista, colecionador de piadas e escritor.
Ziraldo tem paixão pelo desenho. Desenhava em todos os lugares - na calçada, nas paredes, na sala de aula. Outra de suas paixões desde a infância é a leitura. Lia tudo que lhe caia nas mãos: Monteiro Lobato, Viriato Correa, Clemente Luz (O Mágico), e todas as revistas em quadrinhos da época. Já nesse momento, ao ler as páginas do primeiro "Gibi", sentiu que ali estava o seu futuro.
Ziraldo fez cartazes para inúmeros filmes do cinema brasileiro como Os Fuzis, Os Cafajestes, Selva Trágica, Os Mendigos, etc. Foi no Rio de Janeiro, que Ziraldo se consagrou como um dos artistas gráficos mais conhecidos e respeitados nacional e internacionalmente.
A carreira de Ziraldo começou na revista Era Uma Vez..., com colaborações mensais. Em 1954, começa a trabalhar no Jornal A Folha de Minas com uma página de humor. Por coincidência foi esse mesmo jornal que publicou o seu primeiro desenho em 1939, quando tinha apenas seis anos.
Em 1957, começou a publicar seus trabalhos na revista A Cigarra, e posteriormente em O Cruzeiro. No decorrer dos anos 60, seus cartuns e charges políticas começaram a aparecer na revista O Cruzeiro e no Jornal do Brasil. Personagens como Jeremias, O Bom, a Supermãe e posteriormente o Mineirinho, tornaram-se popularíssimas.
Em 1963, começou a colaborar com O Jornal do Brasil, onde até hoje publica diariamente uma tira de comics. Trabalhou ainda na revista Visão e Fairplay.
Durante o período da ditadura militar (1964-1984), Ziraldo realizou um trabalho intenso de resistência à repressão. Fundou, junto com outros humoristas, o mais importante jornal não-conformista da história da imprensa brasileira, O Pasquim. Ziraldo o considera um grande celeiro dos humoristas pós-68.
Quando foi editado o AI-5, durante a Revolução Militar, muita gente contrária ao regime procurou se esconder para escapar à prisão. Ziraldo passou a noite ajudando a esconder os amigos e não se preocupou consigo mesmo.
No dia seguinte à edição do famigerado ato, foi preso em sua residência e levado para o Forte de Copacabana por ser considerado um elemento perigoso. Ficou encarcerado, por dois meses com Jaguar e parte da turma do Pasquim na Vila Militar. Eles foram presos em outubro, e saíram de lá em dezembro de 1970.
Em 1964, com a tomada do poder pelos militares, a revista encerrou sua carreira. Era nacionalista demais para sobreviver àqueles tempos. Entretanto, a força desses personagens, tão tipicamente brasileiros, resistiu aos difíceis anos da ditadura. Em 1975, voltaram a ser publicados pela Editora Abril. Atualmente, as melhores histórias estão sendo reeditadas em álbuns pela Editora Salamandra.
Em 1968, Ziraldo teve reconhecido o seu talento internacionalmente, com a publicação de suas produções na revista Graphis, uma espécie de Panthéon das artes gráficas. Teve ainda trabalhos publicados nas revistas internacionais Penthouse e Private Eye da Inglaterra, Plexus e Planète da França e Mad dos Estados Unidos.
No ano de 1969, grandes acontecimentos marcaram a vida do artista. Ganhou o Oscar Internacional de Humor no 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e o prêmio Merghantealler - prêmio máximo da imprensa livre da América Latina, patrocinado pela Associação Internacional de Imprensa, recebido em Caracas, Venezuela. Foi convidado a desenhar o cartaz anual da UNICEF, honraria concedida pela primeira vez a um artista latino.
Diversas revistas internacionais usam seus desenhos em capas, inclusive Vision, Playboy e a GQ (Gentlemen's Quaterly). Seuscartuns percorrem revistas de várias partes do mundo. Alguns de seus desenhos foram selecionados para fazer parte do acervo do Museu da Caricatura de Basiléia, na Suíça.
A partir de 1979, Ziraldo passou a dedicar mais tempo à sua antiga paixão: escrever histórias para crianças. Nesse ano publicou: O Planeta Lilás, um poema de amor ao livro, onde mostra que o livro é maior que o Universo, que cabe inteirinho dentro de suas páginas.
Em 1980, Ziraldo recebeu sua maior consagração como autor infantil na Bienal do Livro de São Paulo, com o lançamento de O Menino Maluquinho. O livro se transformou no maior sucesso editorial da Feira e ganhou o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro em São Paulo. Esse livro foi adaptado para o teatro, cinema e em ópera infantil pelo Maestro Ernani Aguiar. O Menino Maluquinho virou um verdadeiro símbolo do Menino Nacional.
Em 1994, O Menino Maluquinho, o Bichinho da Maçã, a Turma do Pererê e o próprio Saci Pererê, transformam-se em selos comemorativos do Natal. Nessa homenagem dos Correios e Telégrafos ao artista, sua arte foi espalhada pelos quatro cantos do planeta, com votos de Boas Festas, Feliz Natal e Feliz Ano Novo.
Em 1999, criou, de uma só vez, duas revistas que sacudiram os conceitos do ramo editorial: Bundas e Palavra. Bundas foi uma resposta bem-humorada à ostentação dos “famosos” que semanalmente aparece na revista Caras. Reuniu grandes escritores, analistas políticos e cartunistas, muitos revelados no O Pasquim - que durou 20 anos e marcou época.. Ao contrário do que o nome podia sugerir, era uma revista que tratava de assuntos muito sérios, todos ligados ao destino político do país. Por sua vez, Palavra se destinava a divulgar e discutir a arte que se faz longe do eixo Rio - São Paulo, que concentra a maior parte das publicações nacionais do gênero. É uma revista marcada pelo requinte da produção gráfica e pela originalidade do conteúdo.
Por ter criado uma vasta obra na área da literatura infanto-juvenil, Ziraldo foi convidado, em 2000, para montar um parque de diversões temático em Brasília. No Ziramundo, as crianças podem rodar dentro da panela do Menino Maluquinho e subir à Lua com o FLICTS.
Com o fim de Bundas, Ziraldo continuou a articular seus colaboradores para sustentar uma publicação de humor e opinião. Logo no início de 2002, surgiu O Pasquim21, um jornal semanal que faz alusão ao histórico O Pasquim e continua a revelar talentos, especialmente na charge política e na caricatura.No carnaval de 2003, Ziraldo voltou a ser homenageado por uma escola de samba. A paulistana Nenê de Vila Matilde levou o enredo “É Melhor ler... O Mundo Colorido de um Maluco Genial” e conquistou o 4° lugar. Mais uma vez, Ziraldo subiu num enorme carro alegórico e desfilou emocionado.O marco dos 70 anos também foi oportunidade para a realização de um documentário sobre sua vida e obra, “Ziraldo, profissão cartunista”, exibido na TV Senac e realizado por Marisa Furtado.
No mesmo ano estreou a ópera “O Menino Maluquinho” no Theatro Central de Juiz de Fora. A ópera foi escrita pelo maestro Ernani Aguiar com libreto de Maria Gessy. Os papéis principais são cantados por dois meninos e uma menina acompanhados por um coro também de crianças.
Em 2004, Ziraldo ganhou, com o livro Flicts, o prêmio internacional Hans Christian Andersen. Sua arte faz parte do nosso cotidiano e pode ser identificada em logotipos famosos; ilustrações de livros e revistas; caixinhas de fósforos, que viraram itens de colecionador; cartazes da Feira da Providência (no Rio) e do Ministério da Educação; centenas de camisetas e símbolos de campanhas públicas ou privadas. Ziraldo está sempre envolvido em novos projetos.
Os trabalhos de Ziraldo já foram traduzidos para diversos idiomas, como inglês, espanhol, alemão, francês, italiano e basco, e representam o talento e o humor brasileiro no mundo. Ziraldo ilustrou o primeiro livro infantil brasileiro com versão integral on-line, em uma iniciativa pioneira. Recebeu, em vida, um prêmio de valor inestimável: viu todos os seus livros infantis se transformarem em peças de teatro pelas mãos de outros artistas.
Para Ziraldo, o livro é maior que o universo, "porque esse cabe inteirinho dentro de suas páginas".
Ziraldo talvez seja o único escritor do mundo a desfrutar a honra de ter um de seus títulos comparados à lua por ninguém menos que Neil Armstrong, o primeiro astronauta a pisar o respectivo satélite, que disse: The moon is Flicts. Polivalente, foi o primeiro a criar uma revista de história em quadrinhos brasileira, reunindo todos os bichos do folclore nacional, um pequeno índio e o Saci-Pererê.
As obras de Ziraldo mesclam palavras e imagens de forma harmônica e convida o leitor à reflexão sobre a realidade. Por vezes, o olhar é conduzido para simples partes do corpo como o umbigo Rolim e o joelho Juvenal que se tornaram personagens principais de estórias.
A proposta principal é que uma parte do corpo, por menor que seja, pode sozinha não parecer tão importante, mas no conjunto do funcionamento ela se torna fundamental. Com certeza, manifesta-se nessa perspectiva o posicionamento político e democrático que marca a obra desse escritor maluquinho.
Defensor de inúmeras causas e envolvido com as mais diversas atividades, a presença de Ziraldo na vida cultural do país tem sido das mais marcantes nas últimas décadas.
Ziraldo fala sobre sua carreira, política, jornalismo e muito mais.
O Menino Maluquinho e os outros livros que a obra originou são um marco na literatura para crianças. O que você leva em conta ao escrever para crianças? A que atribui o sucesso de seus livros infantis? Ziraldo - O que eu levo em conta é manter, na história, mesmo a mais difícil idéia que me ocorra. Não fazer qualquer concessão ao leitor a que o livro se destina. A não ser a da simplicidade da linguagem. Procuro não usar qualquer palavra que pressuponho não ser do universo do meu leitor. Às vezes, porém, me ocorre uma frase com uma palavra bonita, que lhe dá ritmo. Aí, avalio se vale a pena deixar o menino parar de ler pra perguntar ao pai ou à mãe o significado de tal palavra. Se estou certo de que nem o pai nem a mãe vão saber, aí, mesmo morrendo de amor pela palavra, eu a retiro da frase. Às vezes me parece tão interessante deixar a frase propiciar uma discussão na família, que trabalho em volta dela para que isto aconteça. Um texto limpinho, enxuto, bem fácil, poético e bonito para um livro destinado à criança dá muito trabalho! Acho impossível acabar de escrever um livro e dizer: "Pode publicar".
E o Menino Maluquinho? Nas palavras do autor, quem é esse menino e qual a mensagem que ele quer passar para seus leitores?Ziraldo - O Menino Maluquinho é um menino que teve, acima de tudo, amor na infância. Uma criança feliz tem tudo para ser um adulto feliz, acredito. E vi! O Menino Maluquinho, como diria o Millôr, nunca trabalhou nos Correios, por isso não foi criado para enviar mensagens...
Você vê a internet como um novo instrumento de comunicação com as crianças, como mais uma ferramenta para que o universo infantil seja contemplado com inteligência?Ziraldo - A gente, hoje, nem pode imaginar o tanto que a internet vai alterar nossas vidas, a vida de todo mundo, da família, dos pais, das crianças, todos. Imagina você que o McLuhan falou numa aldeia global como resultado das conquistas eletrônicas de seu tempo – uns trinta e poucos anos atrás. Pensa só na aldeia que está vindo aí! O "neighbour next door", nosso mais íntimo amigo, poderá estar morando na Ilha de Pascoal e continuará sendo nosso vizinho de porta. Vem aí a universal "neighbourhood". Escrevi em inglês porque esta vai ser, inexoravelmente, a língua oficial desta vizinhança. Daqui a pouco a internet vai ser visual, você não vai mais precisar ler. E aí, o mundo será dominado por aqueles que deterão este segredo: saber ler. E gostar de ler. O livro tem, pois, um papel fundamental no nosso futuro. Porque, assim como o progresso não fará com que o ser humano perca o prazer do sexo, o prazer de ouvir uma bela canção, o prazer de olhar um belo quadro, ele não vai perder o prazer de ler uma bela história ou um belo poema. Se acontecer isto, o homem vai ser uma outra espécie de animal.
O que considera ser sua grande responsabilidade social como escritor?Ziraldo - A responsabilidade do cidadão existe como ser humano, e não especificamente como escritor. Responsabilidade inerente a todo e qualquer ser humano, né! Agora, por temperamento e por formação, andei carregando bandeiras, sem parar: contra a ditadura militar, contra o Fernando Henrique, contra o Bush, contra a globalização, contra a corrupção, o desmatamento, a poluição das águas e por aí vai. Quando virei autor de literatura infantil, descobri o que eu já sabia: artista, em um país como o Brasil, acaba fazendo de seu trabalho uma forma de missão. Sem manto e sem cajado, claro! Escrever livros num país sem leitores? Temos que tentar mudar isto. Acho que um dos caminhos para um país melhor é fazer dele um país de leitores.
O que faria se fosse o Ministro da Leitura no Brasil?Ziraldo - Dois dos males históricos do Brasil são a falta de seriedade e o imediatismo. Mas aqui e ali, porém, se vêem tentativas de melhorar o desempenho de um ou outro setor da vida brasileira. Na educação, honestamente, temos que louvar alguns esforços das autoridades brasileiras no momento e nos últimos anos. Tem muita gente séria fazendo das tripas coração pra levar um pouco de seriedade ao setor. E, aos poucos, vamos avançando. Heroicamente. Mas é uma tristeza imaginar que, para que a educação seja a prioridade básica deste país, a gente precise de heróis. Nunca tive a pretensão de ser ministro, mas falando hipoteticamente, acho que a escola não pode transformar ler em dever, em obrigação. Ler é básico. O importante é motivar a criança para a leitura, para a aventura que é ler. Acho que o importante é dar condições a nossas crianças de lerem mais, de gostar de ler. Ler é mais importante do que estudar, eu vivo repetindo.
Você lançou a primeira revista em quadrinhos brasileira de um só autor. Como conseguiu publicá-la na época?Ziraldo - Em torno dos anos 60, havia a expectativa da nacionalização da história em quadrinhos. Nosso editor na revista O Cruzeiro, para se precaver, resolveu publicar histórias em quadrinhos nacionais. E convidou o Péricles, o Carlos Estevão e a mim. Péricles, muito complicado, morreu pouco depois. Carlos Estevão fez o Dr. Macarra, um personagem carioca sensacional. Eu fiz o Pererê, a primeira revista em quadrinhos nacional de um autor só e em cores. Durou cinco anos e foi uma das coisas mais importantes da minha vida. Nesse tempo, cinco anos, a revistinha vendeu muito: 150 mil exemplares mensais, na época uma tiragem absurda. Em 64, a revista parou e fui trabalhar em publicidade.
De que forma descobriu a vocação pelo desenho?
Ziraldo - A mais antiga lembrança de minha infância sou eu desenhando. Antes de entender as palavras, minha cabeça já transava imagens. Acho que nasci desenhando. Não sei se naquele tempo já imaginava ser o que sou hoje. Acho que o que eu queria da vida era isso mesmo. Tinha ainda os livrinhos que minha mãe fazia para mim. Acho que foram os primeiros livros que ilustrei na minha vida. Minha mãe dobrava, costurava e fazia para mim uns livrinhos de papel manilha para eu ilustrar minhas historinhas.
O Pasquim foi seu maior empreendimento?
Ziraldo - Fazer O Pasquim, para mim, não foi um empreendimento meu, pelo amor de Deus. Foi de um bando de gente, começando pelo Jaguar e pelo Tarso de Castro. Não posso imaginar de que maneira eu poderia ter atravessado os anos de ditadura sem poder manifestar minha indignação. E de maneira tão efetiva. Foi uma sorte ter vivido nas páginas do Pasquim os anos de chumbo da ditadura militar brasileira. É bom saber disso, é bom contar para os meus netos que eu não fiquei assistindo de braços cruzados o triste espetáculo do desastre que foi este tempo para o Brasil e para o nosso futuro como nação. Epa! Tou fazendo um discurso. Menos, Ziraldo, menos...
Como foi peitar a ditadura?
Ziraldo - O Pasquim nasceu no berço do Jaguar. Mas eu antes tinha feito o Cartum JS, suplemento dominical criado para o Jornal dos Sports, responsável pelo lançamento de uma nova geração de cartunistas, entre eles Miguel Paiva, Al, Juarez Machado, Henfil, Vagn. Como foi o Manequinho, suplemento de humor que o Fortuna fez para o Correio da Manhã. Como o Pif-Paf, do Millôr. Eram jornais de humor, e você sabe que se passar duas gargalhadas em volta de um tirano, você pode começar a derrubá-lo, como já diziam em Roma. O Pasquim foi um jornal que reuniu todo o pensamento não-conformista, indignado, reflexivo e sério da época. Um jornal que usava todo o pensamento vivo brasileiro que existia naquele tempo – e pleno de Humor.
Como faziam para burlar a censura?
Ziraldo - Atrito com a censura, que era um braço do regime militar, dos golpistas, tinha toda hora. Nós usávamos da imaginação para enganar os milicos. No livro do Bernardo Kucinski, “Jornalistas e Revolucionários”, há mais explicação sobre isso, mas de qualquer modo, para ilustrar melhor a resposta, vou complementar para vocês: foi a mais rude censura jamais imposta à Imprensa Brasileira. Uma censura que era exercida por policiais no interior das redações, em misteriosos departamentos, ou seja, lá o que for, onde não podíamos ter acesso aos censores, na Polícia Federal, no Rio, ou no Ministério da Justiça, em Brasília. Era para lá que ia, de avião, nossos originais, que nos voltavam destruídos. Coisas do gênero...
Por que projetos como Bundas e O Pasquim 21 não foram adiante?
Ziraldo - Infelizmente, os anunciantes não entenderam que a revista e o jornal falavam para as pessoas mais inteligentes deste país, para os formadores de opinião, para as pessoas que não querem comprar-feito, mas querem criar, decidir, escolher, repensar, refletir.
Cinara Dreide - Jornalista
Sites: http://www.ziraldo.com.br/
E o Menino Maluquinho? Nas palavras do autor, quem é esse menino e qual a mensagem que ele quer passar para seus leitores?Ziraldo - O Menino Maluquinho é um menino que teve, acima de tudo, amor na infância. Uma criança feliz tem tudo para ser um adulto feliz, acredito. E vi! O Menino Maluquinho, como diria o Millôr, nunca trabalhou nos Correios, por isso não foi criado para enviar mensagens...
Você vê a internet como um novo instrumento de comunicação com as crianças, como mais uma ferramenta para que o universo infantil seja contemplado com inteligência?Ziraldo - A gente, hoje, nem pode imaginar o tanto que a internet vai alterar nossas vidas, a vida de todo mundo, da família, dos pais, das crianças, todos. Imagina você que o McLuhan falou numa aldeia global como resultado das conquistas eletrônicas de seu tempo – uns trinta e poucos anos atrás. Pensa só na aldeia que está vindo aí! O "neighbour next door", nosso mais íntimo amigo, poderá estar morando na Ilha de Pascoal e continuará sendo nosso vizinho de porta. Vem aí a universal "neighbourhood". Escrevi em inglês porque esta vai ser, inexoravelmente, a língua oficial desta vizinhança. Daqui a pouco a internet vai ser visual, você não vai mais precisar ler. E aí, o mundo será dominado por aqueles que deterão este segredo: saber ler. E gostar de ler. O livro tem, pois, um papel fundamental no nosso futuro. Porque, assim como o progresso não fará com que o ser humano perca o prazer do sexo, o prazer de ouvir uma bela canção, o prazer de olhar um belo quadro, ele não vai perder o prazer de ler uma bela história ou um belo poema. Se acontecer isto, o homem vai ser uma outra espécie de animal.
O que considera ser sua grande responsabilidade social como escritor?Ziraldo - A responsabilidade do cidadão existe como ser humano, e não especificamente como escritor. Responsabilidade inerente a todo e qualquer ser humano, né! Agora, por temperamento e por formação, andei carregando bandeiras, sem parar: contra a ditadura militar, contra o Fernando Henrique, contra o Bush, contra a globalização, contra a corrupção, o desmatamento, a poluição das águas e por aí vai. Quando virei autor de literatura infantil, descobri o que eu já sabia: artista, em um país como o Brasil, acaba fazendo de seu trabalho uma forma de missão. Sem manto e sem cajado, claro! Escrever livros num país sem leitores? Temos que tentar mudar isto. Acho que um dos caminhos para um país melhor é fazer dele um país de leitores.
O que faria se fosse o Ministro da Leitura no Brasil?Ziraldo - Dois dos males históricos do Brasil são a falta de seriedade e o imediatismo. Mas aqui e ali, porém, se vêem tentativas de melhorar o desempenho de um ou outro setor da vida brasileira. Na educação, honestamente, temos que louvar alguns esforços das autoridades brasileiras no momento e nos últimos anos. Tem muita gente séria fazendo das tripas coração pra levar um pouco de seriedade ao setor. E, aos poucos, vamos avançando. Heroicamente. Mas é uma tristeza imaginar que, para que a educação seja a prioridade básica deste país, a gente precise de heróis. Nunca tive a pretensão de ser ministro, mas falando hipoteticamente, acho que a escola não pode transformar ler em dever, em obrigação. Ler é básico. O importante é motivar a criança para a leitura, para a aventura que é ler. Acho que o importante é dar condições a nossas crianças de lerem mais, de gostar de ler. Ler é mais importante do que estudar, eu vivo repetindo.
Você lançou a primeira revista em quadrinhos brasileira de um só autor. Como conseguiu publicá-la na época?Ziraldo - Em torno dos anos 60, havia a expectativa da nacionalização da história em quadrinhos. Nosso editor na revista O Cruzeiro, para se precaver, resolveu publicar histórias em quadrinhos nacionais. E convidou o Péricles, o Carlos Estevão e a mim. Péricles, muito complicado, morreu pouco depois. Carlos Estevão fez o Dr. Macarra, um personagem carioca sensacional. Eu fiz o Pererê, a primeira revista em quadrinhos nacional de um autor só e em cores. Durou cinco anos e foi uma das coisas mais importantes da minha vida. Nesse tempo, cinco anos, a revistinha vendeu muito: 150 mil exemplares mensais, na época uma tiragem absurda. Em 64, a revista parou e fui trabalhar em publicidade.
De que forma descobriu a vocação pelo desenho?
Ziraldo - A mais antiga lembrança de minha infância sou eu desenhando. Antes de entender as palavras, minha cabeça já transava imagens. Acho que nasci desenhando. Não sei se naquele tempo já imaginava ser o que sou hoje. Acho que o que eu queria da vida era isso mesmo. Tinha ainda os livrinhos que minha mãe fazia para mim. Acho que foram os primeiros livros que ilustrei na minha vida. Minha mãe dobrava, costurava e fazia para mim uns livrinhos de papel manilha para eu ilustrar minhas historinhas.
O Pasquim foi seu maior empreendimento?
Ziraldo - Fazer O Pasquim, para mim, não foi um empreendimento meu, pelo amor de Deus. Foi de um bando de gente, começando pelo Jaguar e pelo Tarso de Castro. Não posso imaginar de que maneira eu poderia ter atravessado os anos de ditadura sem poder manifestar minha indignação. E de maneira tão efetiva. Foi uma sorte ter vivido nas páginas do Pasquim os anos de chumbo da ditadura militar brasileira. É bom saber disso, é bom contar para os meus netos que eu não fiquei assistindo de braços cruzados o triste espetáculo do desastre que foi este tempo para o Brasil e para o nosso futuro como nação. Epa! Tou fazendo um discurso. Menos, Ziraldo, menos...
Como foi peitar a ditadura?
Ziraldo - O Pasquim nasceu no berço do Jaguar. Mas eu antes tinha feito o Cartum JS, suplemento dominical criado para o Jornal dos Sports, responsável pelo lançamento de uma nova geração de cartunistas, entre eles Miguel Paiva, Al, Juarez Machado, Henfil, Vagn. Como foi o Manequinho, suplemento de humor que o Fortuna fez para o Correio da Manhã. Como o Pif-Paf, do Millôr. Eram jornais de humor, e você sabe que se passar duas gargalhadas em volta de um tirano, você pode começar a derrubá-lo, como já diziam em Roma. O Pasquim foi um jornal que reuniu todo o pensamento não-conformista, indignado, reflexivo e sério da época. Um jornal que usava todo o pensamento vivo brasileiro que existia naquele tempo – e pleno de Humor.
Como faziam para burlar a censura?
Ziraldo - Atrito com a censura, que era um braço do regime militar, dos golpistas, tinha toda hora. Nós usávamos da imaginação para enganar os milicos. No livro do Bernardo Kucinski, “Jornalistas e Revolucionários”, há mais explicação sobre isso, mas de qualquer modo, para ilustrar melhor a resposta, vou complementar para vocês: foi a mais rude censura jamais imposta à Imprensa Brasileira. Uma censura que era exercida por policiais no interior das redações, em misteriosos departamentos, ou seja, lá o que for, onde não podíamos ter acesso aos censores, na Polícia Federal, no Rio, ou no Ministério da Justiça, em Brasília. Era para lá que ia, de avião, nossos originais, que nos voltavam destruídos. Coisas do gênero...
Por que projetos como Bundas e O Pasquim 21 não foram adiante?
Ziraldo - Infelizmente, os anunciantes não entenderam que a revista e o jornal falavam para as pessoas mais inteligentes deste país, para os formadores de opinião, para as pessoas que não querem comprar-feito, mas querem criar, decidir, escolher, repensar, refletir.
Cinara Dreide - Jornalista
Sites: http://www.ziraldo.com.br/
Monday, December 08, 2008
Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal (1886) - Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Quem vai assumir um papel cada vez mais importante, será Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, que aprendendo ao lado do mestre, o vai substituindo gradualmente, já que este, cada vez se dedicará mais à cerâmica e à Fabrica das Caldas.
Sobre Manuel Gustavo, ternos um testemunho de Leal da Câmara, urna conferência realizada a 18/1/1938 no Grémio Alentejano: «falar de um artista como Manuel Gustavo, defini-lo e indicar - tão pobremente que seja - a sua figura moral e o papel que desempenhou na sociedade portuguesa durante os breves anos que atravessou esta vida, poderia ser fácil se se tratara de outro artista que não tivesse, como este, depois do nome de Manuel Gustavo, o nome familiar e predestinado de Bordalo Pinheiro. Não é que a personalidade de seu pai empanasse a não menor personalidade de Manuel Gustavo mas, quando esse pai se chamou Rafael Bordalo Pinheiro e que, por assim dizer, açambarcou a atenção da sua época com o brilho singular do seu talento, tão polimorfo, tocando todos os assuntos e realizando em Portugal e no Brasil, em Paris e em Madrid, todas as fantasias criadas pelo seu engenho, escrevendo dia a dia a história dos costumes portugueses com o bico do seu lápis e transformando o barro das Caldas como se fora um feiticeiro ou um mago de conto de fadas, é mais difícil medrar a seu lado, fazer um nome e impor-se, mesmo à força de muito talento (como sucedia a Manuel Gustavo) e chamar a atenção das gentes, pois o público no seu simplismo-encantador e por vezes injusto, mas sempre sintético, dizia quando ouvia falar de Bordalo Pinheiro: é o Rafael ! - e só raros, infelizmente, se lembram de quanto vale os nomes admiráveis de energia, de talento e de exemplo cívico de D. Maria Augusta, a excelsa artista de rendas portuguesas; de Columbano, o grande Mestre e certamente um dos nossos pintores modernos de amanhã; de Tomás Bordalo, o organizador do desenho profissional e o nome de Manuel Gustavo, caricaturista, professor e ceramista ilustre.»
«Para estilizar a figura de Manuel Gustavo, será bom relembrar a história do tempo em que ele viveu. O Manuel Gustavo que ajudava seu pai desenhando na mesma mesa de trabalho algumas páginas para o “António Maria", para “Paródia" e para outros jornais.»
«O Manuel Gustavo esgrimista, com o qual o mestre António Martins terçava armas em assaltos famosos nos saraus do Real Ginásio Club. O Manuel Gustavo de que um poeta disse:
CADETE DA GASCONHA E BOM CADETE ...
TALENTO VIVO, ESTRALE]ANTE E SÃO,
QUE TEM, PARA QUE EM TUDO SE COMPLETE,
O CORAÇÃO NA PONTA DO FLORETE,
E A IRONIA NO BICO DO CARTÃO!
«O Manuel Gustavo, dandy impecável, envergando pela manhã o fato claro de passeio; à tarde um correcto "Tailleur" de fino corte inglês, e à noite, o seu smoking ou a sua casaca.»
«Lembro o Manuel Gustavo da primeira época, no tempo em que desenhava tudo e todos, com aquele traço rectilínio que se desenvolvia em linhas quebradas e que, no seu conjunto, representavam as "charges" mais hilariantes e inesperadas.»
«Esses desenhos, contrastavam com a grafia nervosa e ligeira do Pai Bordalo, pela audácia e pelo vigor bem próprias da sua exuberante juventude.»
«Lembro Manuel Gustavo, mundano do Chiado, no tempo em que Silva Porto, por debaixo de um alto chapéu alto, encostado a uma porta de livraria, criticava meio mundo; em que Ramalho Ortigão singrava Chiado abaixo, Chiado acima, "emborcado" nas suas sensacionais polainas e com o seu ar londrino; em que Fialho aparecia de fugida do seu Alentejo distante, para dizer insolências ao Marcelino Mesquita que esse vinha a cada instante de Pontével, com uma peça em 5 actos e em verso, para os Rosas ou para o Visconde de S. Luís de Braga.»
«/.../ Tempos que foram brilhantes na literatura e nas belas artes, com nomes admiráveis em todas as manifestações do espírito e que todos passavam pelo Chiado onde me lembro ter visto com aqueles olhos ansiosos que tem as crianças, a figura prestigiosa de Raphael Bordalo a distribuir e a receber abraços, cumprimentando à direita e à esquerda, de braço dado à GLÓRIA, na expressão feliz de João Chagas, e a seu lado, seu filho Manuel Gustavo, comedido, elegante, magrinho, de badine flexível como um florete e com aqueles olhos míopes e inteligentes, cheios de nostalgia que a lente dos óculos afirmavam, dando-lhes precisão definida de dois pontos luminosos.»
«Segundo e acompanhando seu Pai, com a modéstia admirável que foi uma das características da psicologia de Manuel Gustavo, e que ele próprio definiu inconscientemente por uma forma jocosa, em uma legenda célebre: A peor obra de meu pai... »
«O nome de Manuel Gustavo, não tomou talvez todo aquele valor que o seu talento merecia, mas, no decorrer dos anos e já metido nesta dureza de luta pela vida e em frente das dificuldades que se apresentam a quem deseja vencer e trilhar caminhos inéditos. Manuel Gustavo começou a tomar conhecimento de si próprio, a libertar-se da pesada tutela artística de seu Pai, a avaliar a sua própria força, a estudar o seu metier de professor, o seu ofício de desenhador e o de ceramista, em que foi verdadeiramente notável. »
«/.../ A originalidade não é, como há uma tendência infeliz de julgar, aliás em julgar, uma propriedade inicial do artista, uma determinante mas, para assim dizer, a florescência suprema dos verdadeiros talentos e, é sob este ponto de vista que é preciso admirar Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, ceramista e caricaturista ilustre.»
«Porque há, infelizmente, quem julgue que ser caricaturista é não ser artista ...»
«A caricatura, permitam-me a imagem, é uma bela, uma estranha e singular flor exótica - flor exótica das Belas Artes ...»
«O seu desenvolvimento, por vezes desconcertante, o exagero aparente dos seus elementos, das suas pétalas e dos seus estames, a violência bizarra do seu colorido, a essência subtil e perturbante que se evola do seu conjunto, dão a esta flor exótica, a graça do imprevisto, o vigor e a violência de expressão que é ignorada da quase totalidade das flores que com ela não trocaram o pólen misterioso da fantasia e que ficaram, comedidas flores de jardim burguês, proporcionadas, maneirinhas e de suaves perfumes.»
«A caricatura, se a considerarmos como sendo uma planta, teremos de constatar que, se não é flor comedida de jardim, também não é uma flor de estufa! ... »
«É sim, uma flor que medra e se desenvolve na sua mais perfeita e pujante expressão, quando batida pelas rajadas desse vento magnífico e saudável cheio de virtudes balsâmicas trazidas da sua passagem pelos iodados mares e pelos vastos e profundos bosques que lhe comunicam a seiva vivificante.»
«A caricatura é uma flor que só pode viver ao ar livre. Nascida aqui e acolá, sem regras definidas pela botânica, umas vezes entre os penhascos rebarbativos de uma serra, outras em um poético vale à beira dum virgílico regato, tomando a umas a rudeza das grandes imensidades, dos vastos panoramas que se alcançam do topo das serranias, de outras tomando à águas cristalinas, o lirismo do seu rumor e o flagrante próprio à natureza - mas à natureza sem artifícios e, por isso mesmo, porque ele toma contacto directo com a vida, com o seu carácter "que ela afirma corajosamente" e define como coisa substantiva, porque ela observa a verdade da natureza, mas a verdade verdadinha dos narizes como eles são e que não são propriamente iguais aos do Apolo de Belvedére, porque constatam a desproporção, o gebo das figuras com gorduras mal arrumadas e com magrezas esqueléticas que nada tem que ver com o classicismo das Vénus; é que esta arte da caricatura é uma flor que, apesar de exótica, pertence à grande família das Belas Artes....»
Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro é porventura um dos mais injustiçados caricaturistas da nossa história. Nascido em Lisboa em1867 (e viria a morrer em 1920 na mesma cidade), no seio da mais importante família de artistas do século, viu naturalmente o seu caminho desenhado para as artes, já que os seus brinquedos foram desde logo os croquis humorísticos do pai, os pincéis e as tintas do tio e do avô, ou a massa do barro de cerâmica. Naturalmente começa a desenhar, e naturalmente seu pai o chama para seu lado, pedindo a sua ajuda, e depois pedindo que o substitua gradualmente nas páginas dos seus jornais, enquanto se apaixonava cada vez mais pela cerâmica. Proprietário de uma Fábrica, naturalmente também Manuel Gustavo quis fazer as suas experiências, procurar as suas inovações e criatividade, criando obra e espaço próprio.
Infelizmente, tinha o estigma pesado de um mestre, no seu nome - Bordallo Pinheiro, e isso fez com que a história não o compreendesse. Inclusive essa chancela, aliada a Raphael é tão grande que ofuscou não só o filho, como o pai, e assim Manuel Maria e Manuel Gustavo só a custo conseguem a sua própria identidade. Columbano teve que ficar apenas com o seu primeiro nome, para fugir a essa pesada chancela humorística.
Manuel Gustavo é naturalmente um discípulo de Raphael, e como já disse, um dos primeiros raphaelistas. O que é o raphaelismo ? Pode-se considerar uma corrente estético-humoristica, nascida sob a influência do realismo, com uma pitada de naturalismo, academisando-se num barroco-decorativista técnico-litográfico, que dominará uma série de gerações (dizem que é um traço tardo-romantico!!!). Nesta base estética, desenvolvida por Raphael, se inspirarão os outros artistas emergentes no humorismo, que procurando imitar o sucesso do mestre, se inspiram na sua técnica gráfica e humorística, e desenvolveram este academismo gráfico. O raphaelismo é portanto, uma escola gráfico-caricatural que se impôs como uma estética nacional, e que ainda hoje subsiste, por vezes agora aliado a um hiper-realismo, ou a um Levineanismo lusitanizado.
Dentro desta escola existem os mais variados matizes, desde os ortodoxos, como será Manuel Gustavo, como haverá os mais barrocos, os mais sintéticos, os mais decorativos, os mais pictóricos... O raphaelismo, apesar de se ter tornado um academismo, adaptou-se a cada época, acusando as diferentes tendências e gostos gráficos do momento.
Pertencer a uma escola, não é um andicape, nem sinónimo de falta de originalidade. Manuel Gustavo, numa análise comparativa aos artistas do seu tempo, é um dos grandes criadores humorísticos, é um artista com obra sólida e de destaque, onde a 'arte nova' teve momentos especiais de criação gráfica, e onde a sátira subsistiu com firmeza, e agressividade numa sociedade cada vez mais decadente. Como curiosidade da sua originalidade, está a influência da cerâmica na sua criação gráfica. Profundo estudioso da cerâmica desde os tempos egípcios, passando pela cerâmica grega, romana, ele introduzirá diversos desses elementos como base decorativa nos seus desenhos, destacando-se os frisos gregos ...
A sua obra humorística restringiu-se aos jornais da sua família, substituindo na Direcção de “A Paródia" o seu pai, após a sua morte. Foi também excelente ceramista, mas para não cair nas aflições de sobrevivência como seu pai, optou por também exercer uma profissão mais estável, e foi professor, destacando-se nesta actividade como pedagogo.