Monday, December 08, 2008

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal (1886) - Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Quem vai assumir um papel cada vez mais importante, será Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, que aprendendo ao lado do mestre, o vai substituindo gradualmente, já que este, cada vez se dedicará mais à cerâmica e à Fabrica das Caldas.
Sobre Manuel Gustavo, ternos um testemunho de Leal da Câmara, urna conferência realizada a 18/1/1938 no Grémio Alentejano: «falar de um artista como Manuel Gustavo, defini-lo e indicar - tão pobremente que seja - a sua figura moral e o papel que desempenhou na sociedade portuguesa durante os breves anos que atravessou esta vida, poderia ser fácil se se tratara de outro artista que não tivesse, como este, depois do nome de Manuel Gustavo, o nome familiar e predestinado de Bordalo Pinheiro. Não é que a personalidade de seu pai empanasse a não menor personalidade de Manuel Gustavo mas, quando esse pai se chamou Rafael Bordalo Pinheiro e que, por assim dizer, açambarcou a atenção da sua época com o brilho singular do seu talento, tão polimorfo, tocando todos os assuntos e realizando em Portugal e no Brasil, em Paris e em Madrid, todas as fantasias criadas pelo seu engenho, escrevendo dia a dia a história dos costumes portugueses com o bico do seu lápis e transformando o barro das Caldas como se fora um feiticeiro ou um mago de conto de fadas, é mais difícil medrar a seu lado, fazer um nome e impor-se, mesmo à força de muito talento (como sucedia a Manuel Gustavo) e chamar a atenção das gentes, pois o público no seu simplismo-encantador e por vezes injusto, mas sempre sintético, dizia quando ouvia falar de Bordalo Pinheiro: é o Rafael ! - e só raros, infelizmente, se lembram de quanto vale os nomes admiráveis de energia, de talento e de exemplo cívico de D. Maria Augusta, a excelsa artista de rendas portuguesas; de Columbano, o grande Mestre e certamente um dos nossos pintores modernos de amanhã; de Tomás Bordalo, o organizador do desenho profissional e o nome de Manuel Gustavo, caricaturista, professor e ceramista ilustre.»
«Para estilizar a figura de Manuel Gustavo, será bom relembrar a história do tempo em que ele viveu. O Manuel Gustavo que ajudava seu pai desenhando na mesma mesa de trabalho algumas páginas para o “António Maria", para “Paródia" e para outros jornais.»
«O Manuel Gustavo esgrimista, com o qual o mestre António Martins terçava armas em assaltos famosos nos saraus do Real Ginásio Club. O Manuel Gustavo de que um poeta disse:

CADETE DA GASCONHA E BOM CADETE ...
TALENTO VIVO, ESTRALE]ANTE E SÃO,
QUE TEM, PARA QUE EM TUDO SE COMPLETE,
O CORAÇÃO NA PONTA DO FLORETE,
E A IRONIA NO BICO DO CARTÃO!

«O Manuel Gustavo, dandy impecável, envergando pela manhã o fato claro de passeio; à tarde um correcto "Tailleur" de fino corte inglês, e à noite, o seu smoking ou a sua casaca.»
«Lembro o Manuel Gustavo da primeira época, no tempo em que desenhava tudo e todos, com aquele traço rectilínio que se desenvolvia em linhas quebradas e que, no seu conjunto, represen­tavam as "charges" mais hilariantes e inesperadas.»
«Esses desenhos, contrastavam com a grafia nervosa e ligeira do Pai Bordalo, pela audácia e pelo vigor bem próprias da sua exuberante juventude.»
«Lembro Manuel Gustavo, mundano do Chiado, no tempo em que Silva Porto, por debaixo de um alto chapéu alto, encostado a uma porta de livraria, criticava meio mundo; em que Ramalho Ortigão singrava Chiado abaixo, Chiado acima, "emborcado" nas suas sensacionais polainas e com o seu ar londrino; em que Fialho aparecia de fugida do seu Alentejo distante, para dizer insolências ao Marcelino Mesquita que esse vinha a cada instante de Pontével, com uma peça em 5 actos e em verso, para os Rosas ou para o Visconde de S. Luís de Braga.»
«/.../ Tempos que foram brilhantes na literatura e nas belas artes, com nomes admiráveis em todas as manifestações do espírito e que todos passavam pelo Chiado onde me lembro ter visto com aque­les olhos ansiosos que tem as crianças, a figura prestigiosa de Raphael Bordalo a distribuir e a rece­ber abraços, cumprimentando à direita e à esquerda, de braço dado à GLÓRIA, na expressão feliz de João Chagas, e a seu lado, seu filho Manuel Gustavo, comedido, elegante, magrinho, de badine flexível como um florete e com aqueles olhos míopes e inteligentes, cheios de nostalgia que a lente dos óculos afirmavam, dando-lhes precisão definida de dois pontos luminosos.»
«Segundo e acompanhando seu Pai, com a modéstia admirável que foi uma das características da psicologia de Manuel Gustavo, e que ele próprio definiu inconscientemente por uma forma jocosa, em uma legenda célebre: A peor obra de meu pai... »
«O nome de Manuel Gustavo, não tomou talvez todo aquele valor que o seu talento merecia, mas, no decorrer dos anos e já metido nesta dureza de luta pela vida e em frente das dificuldades que se apresentam a quem deseja vencer e trilhar caminhos inéditos. Manuel Gustavo começou a tomar conhecimento de si próprio, a libertar-se da pesada tutela artística de seu Pai, a avaliar a sua própria força, a estudar o seu metier de professor, o seu ofício de desenhador e o de ceramista, em que foi verdadeiramente notável. »
«/.../ A originalidade não é, como há uma tendência infeliz de julgar, aliás em julgar, uma propriedade inicial do artista, uma determinante mas, para assim dizer, a florescência suprema dos verdadeiros talentos e, é sob este ponto de vista que é preciso admirar Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, ceramista e caricaturista ilustre.»
«Porque há, infelizmente, quem julgue que ser caricaturista é não ser artista ...»
«A caricatura, permitam-me a imagem, é uma bela, uma estranha e singular flor exótica - flor exótica das Belas Artes ...»
«O seu desenvolvimento, por vezes desconcertante, o exagero aparente dos seus elementos, das suas pétalas e dos seus estames, a violência bizarra do seu colorido, a essência subtil e perturbante que se evola do seu conjunto, dão a esta flor exótica, a graça do imprevisto, o vigor e a violência de expressão que é ignorada da quase totalidade das flores que com ela não trocaram o pólen misterioso da fantasia e que ficaram, comedidas flores de jardim burguês, proporcionadas, maneirinhas e de suaves perfumes.»
«A caricatura, se a considerarmos como sendo uma planta, teremos de constatar que, se não é flor comedida de jardim, também não é uma flor de estufa! ... »
«É sim, uma flor que medra e se desenvolve na sua mais perfeita e pujante expressão, quando batida pelas rajadas desse vento magnífico e saudável cheio de virtudes balsâmicas trazidas da sua passagem pelos iodados mares e pelos vastos e profundos bosques que lhe comunicam a seiva vivificante.»
«A caricatura é uma flor que só pode viver ao ar livre. Nascida aqui e acolá, sem regras definidas pela botânica, umas vezes entre os penhascos rebarbativos de uma serra, outras em um poético vale à beira dum virgílico regato, tomando a umas a rudeza das grandes imensidades, dos vastos panoramas que se alcançam do topo das serranias, de outras tomando à águas cristalinas, o lirismo do seu rumor e o flagrante próprio à natureza - mas à natureza sem artifícios e, por isso mesmo, porque ele toma contacto directo com a vida, com o seu carácter "que ela afirma corajosamente" e define como coisa substantiva, porque ela observa a verdade da natureza, mas a verdade verdadinha dos narizes como eles são e que não são propriamente iguais aos do Apolo de Belvedére, porque constatam a desproporção, o gebo das figuras com gorduras mal arrumadas e com magrezas esqueléticas que nada tem que ver com o classicismo das Vénus; é que esta arte da caricatura é uma flor que, apesar de exótica, pertence à grande família das Belas Artes....»
Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro é porventura um dos mais injustiçados caricaturistas da nossa história. Nascido em Lisboa em1867 (e viria a morrer em 1920 na mesma cidade), no seio da mais importante família de artistas do século, viu naturalmente o seu caminho desenhado para as artes, já que os seus brinquedos foram desde logo os croquis humorísticos do pai, os pincéis e as tintas do tio e do avô, ou a massa do barro de cerâmica. Naturalmente começa a desenhar, e naturalmente seu pai o chama para seu lado, pedindo a sua ajuda, e depois pedindo que o substitua gradualmente nas páginas dos seus jornais, enquanto se apaixonava cada vez mais pela cerâmica. Proprietário de uma Fábrica, naturalmente também Manuel Gustavo quis fazer as suas experiências, procurar as suas inovações e criatividade, criando obra e espaço próprio.
Infelizmente, tinha o estigma pesado de um mestre, no seu nome - Bordallo Pinheiro, e isso fez com que a história não o compreendesse. Inclusive essa chancela, aliada a Raphael é tão grande que ofuscou não só o filho, como o pai, e assim Manuel Maria e Manuel Gustavo só a custo conseguem a sua própria identidade. Columbano teve que ficar apenas com o seu primeiro nome, para fugir a essa pesada chancela humorística.
Manuel Gustavo é naturalmente um discípulo de Raphael, e como já disse, um dos primeiros raphaelistas. O que é o raphaelismo ? Pode-se considerar uma corrente estético-humoristica, nascida sob a influência do realismo, com uma pitada de naturalismo, academisando-se num barroco-decorativista técnico-litográfico, que dominará uma série de gerações (dizem que é um traço tardo-romantico!!!). Nesta base estética, desenvolvida por Raphael, se inspirarão os outros artistas emergentes no humorismo, que procurando imitar o sucesso do mestre, se inspiram na sua técnica gráfica e humorística, e desenvolveram este academismo gráfico. O raphaelismo é portanto, uma escola gráfico-caricatural que se impôs como uma estética nacional, e que ainda hoje subsiste, por vezes agora aliado a um hiper-realismo, ou a um Levineanismo lusitanizado.
Dentro desta escola existem os mais variados matizes, desde os ortodoxos, como será Manuel Gustavo, como haverá os mais barrocos, os mais sintéticos, os mais decorativos, os mais pictóricos... O raphaelismo, apesar de se ter tornado um academismo, adaptou-se a cada época, acusando as diferentes tendências e gostos gráficos do momento.
Pertencer a uma escola, não é um andicape, nem sinónimo de falta de originalidade. Manuel Gustavo, numa análise comparativa aos artistas do seu tempo, é um dos grandes criadores humorísticos, é um artista com obra sólida e de destaque, onde a 'arte nova' teve momentos especiais de criação gráfica, e onde a sátira subsistiu com firmeza, e agressividade numa sociedade cada vez mais decadente. Como curiosidade da sua originalidade, está a influência da cerâmica na sua criação gráfica. Profundo estudioso da cerâmica desde os tempos egípcios, pas­sando pela cerâmica grega, romana, ele introduzirá diversos desses elementos como base decorativa nos seus desenhos, destacando-se os frisos gregos ...
A sua obra humorística restringiu-se aos jornais da sua família, substituindo na Direcção de “A Paródia" o seu pai, após a sua morte. Foi também excelente ceramista, mas para não cair nas aflições de sobrevivência como seu pai, optou por também exercer uma profissão mais estável, e foi professor, destacando-se nesta actividade como pedagogo.

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