Saturday, December 08, 2007
HOMENAGEM A JOÃO ABEL MANTA em 2008
Caros artistas do traço, aqui vai mais um desafio - HOMENAGEM A JOÃO ABEL MANTA
No início de 2008, o Mestre João Abel Manta comemora 0 seu octogésimo aniversário. Uma longa vida dedicada às artes, desde a arquitectura, passando pela ilustração, caricatura, cartoon até à pintura. As homenagens devem ser feitas enquanto os artistas estão vivos e com saúde.
80 anos é uma bonita idade para se comemorar, e creio que nenhum artista, principalmente ligado ás artes gráficas, põe em causa o valor, a importância da sua obra no panorama das artes do séc. XX.
Todos sabemos que o Mestre detesta homenagens e actos públicos de louvor, com palavras ocas, com hipocrisias oficiais e oficiosas. Qual pois a melhor forma de homenagear um artista irreverente? Naturalmente com irreverência, com humor. A forma mais séria de olhar a vida. Qual a melhor forma de se reconhecer a importância estética de um artista? Com o preito de outros artistas. Com o espelho reflector, respondendo à arte com arte. Perante a obra do Mestre, os artistas responderem com humildade, com o melhor da sua expressão estética, parodiando, alegorizando, caricaturando o Mestre…
A Humorgrafe (Osvaldo Macedo de Sousa) e o BDjornal (J.Machado-Dias / Clara Botelho) sonharam com uma homenagem ao grande Mestre João Abel Manta, como melhor forma de comemorar este aniversário, como melhor forma chamar a atenção para a obra genial do Mestre. O CNBDI da Amadora alia-se ao projecto oferecendo a sua sala de exposições. Esta poderá depois percorrer outros espaços. Mas, nós não somos artistas, apenas “idiotas” de iniciativas, razão pela qual necessitamos de outros cúmplices.
Vocês caricaturistas, cartoonistas, banda-desenhistas, ilustradores estão interessados em colaborar nesta homenagem?
Cada artista pode participar com uma ou duas obras (e forem bandas desenhadas não convinha que fossem muito grandes, uma, duas pranchas…) Se for uma obra digital pode ser enviada por e-mail (Jpeg, 300 dpis) para humorgrafe_oms@yahoo.com, se forem originais para Osvaldo Macedo de Sousa Av. Carolina Michaelis nº31-4ºA 2795-053 Linda-a-Velha. Naturalmente que no final todos os originais serão devolvidos com o respectivo catálogo. A data limite ideal seria 30 de Janeiro de 2008.
Aqui estão algumas fotos do artista, e reproduções de obras do Mestre para vos inspirarem.
Desde já agradecemos o vosso apoio
No início de 2008, o Mestre João Abel Manta comemora 0 seu octogésimo aniversário. Uma longa vida dedicada às artes, desde a arquitectura, passando pela ilustração, caricatura, cartoon até à pintura. As homenagens devem ser feitas enquanto os artistas estão vivos e com saúde.
80 anos é uma bonita idade para se comemorar, e creio que nenhum artista, principalmente ligado ás artes gráficas, põe em causa o valor, a importância da sua obra no panorama das artes do séc. XX.
Todos sabemos que o Mestre detesta homenagens e actos públicos de louvor, com palavras ocas, com hipocrisias oficiais e oficiosas. Qual pois a melhor forma de homenagear um artista irreverente? Naturalmente com irreverência, com humor. A forma mais séria de olhar a vida. Qual a melhor forma de se reconhecer a importância estética de um artista? Com o preito de outros artistas. Com o espelho reflector, respondendo à arte com arte. Perante a obra do Mestre, os artistas responderem com humildade, com o melhor da sua expressão estética, parodiando, alegorizando, caricaturando o Mestre…
A Humorgrafe (Osvaldo Macedo de Sousa) e o BDjornal (J.Machado-Dias / Clara Botelho) sonharam com uma homenagem ao grande Mestre João Abel Manta, como melhor forma de comemorar este aniversário, como melhor forma chamar a atenção para a obra genial do Mestre. O CNBDI da Amadora alia-se ao projecto oferecendo a sua sala de exposições. Esta poderá depois percorrer outros espaços. Mas, nós não somos artistas, apenas “idiotas” de iniciativas, razão pela qual necessitamos de outros cúmplices.
Vocês caricaturistas, cartoonistas, banda-desenhistas, ilustradores estão interessados em colaborar nesta homenagem?
Cada artista pode participar com uma ou duas obras (e forem bandas desenhadas não convinha que fossem muito grandes, uma, duas pranchas…) Se for uma obra digital pode ser enviada por e-mail (Jpeg, 300 dpis) para humorgrafe_oms@yahoo.com, se forem originais para Osvaldo Macedo de Sousa Av. Carolina Michaelis nº31-4ºA 2795-053 Linda-a-Velha. Naturalmente que no final todos os originais serão devolvidos com o respectivo catálogo. A data limite ideal seria 30 de Janeiro de 2008.
Aqui estão algumas fotos do artista, e reproduções de obras do Mestre para vos inspirarem.
Desde já agradecemos o vosso apoio
Thursday, December 06, 2007
HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 5)
Manuel Maria Bordallo Pinheiro
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A caricatura é um género que está entrar na moda aos poucos, e não há duvida que o Suplemento de “O Patriota” foi o grande impulsionador e motor do humor gráfico deste primeiro periodo, pela persistência e qualidade. Com o seu desaparecimento em 1852 (altura em que cremos que coincide com a morte do Cecília-Pinta-Monos de tísica) abrir-se-á uma lacuna, que só muito mais tarde será colmata com a revolução Bordaliana. Entretanto a caricatura política sobreviverá mediocremente, dando espaço ao humor gráfico de maior incidência social, num caminho de aprendizagem estética, e de democratização do Humor, deixando de rir-se DE, para procurar rir-se COM os políticos e demais Glórias caricaturáveis.
Figuras fundamentais desta transição serão Manuel Maria Bordalo Pinheiro, Nogueira da Silva e Manuel Macedo, que procurarão tirar os melhores proventos da evolução gráfica que dominava países como a França e Inglaterra. Sobre esta transição escreveu Teixeira de Carvalho, in “Arte e Vida” (nº 7 de 1905): «De todos os caricaturistas estrangeiros é Hogarth o que teve na imprensa periódica ilustrada uma representação mais larga»
«/…/ Além de Hogarth, poucos caricaturistas lograram ser reproduzidos cuidadosamente em Portugal, e o seu verdadeiro valor passou no nosso país completamente desconhcido.»
«É facil encontrar nas publicações periódicas portuguezas referência d’onde se deduz que a literatura satyrica e a caricatura franceza eram conhecidas em Portugal; não é possivel porém encontrar um trecho donde possa deduzir-se o apreço em que eram tidas.»
«/…/ É para notar também que em parte alguma se encontra na imprensa periódica portugueza referência a Daumier e á sua obra.»
«Da obra caricatural franceza, admirava-se apenas em Portugal a frivolidade elegante de Gavarni, o desenho emfuso de Cham muito reproduzido em decalques de gravadores principiantes.»
«Importada pela literatura popular, é na litteratura popular que vemos aparecer a caricatura em Portugal com as illustrações originaes da ‘Revista Popular’ e da ‘Semana’.»
«A Caricatura teve o balbuciar nos enygmas pittorescos das publicações illustradas populares.»
«Foi ali, que os desenhadores aprenderam a linguagem do calembourg.»
«Além disso os desenhistas preocupavam-se com fazer fallar aqueles desenhos simples, tornar comprehensiveis os gestos, as attitudes, as visagens, que traduziam o pensamento ou a phrase popular.»
«Assim foram levados a dar a maior intensidade de expressão no traço mais incisivo e mais simples.»
«Nesses calembourgs o desenhista podia imitar, mas nunca copiar o desenho extrangeiro que fallava outra lingoa. O desenhista fazia assim a aprendizagem da linguagem e do gesto do traço.»
«Assim gradualmente, o desenhista, achou o traço caricatural, embora ingénuo.»
«Começava também por esse tempo em Portugal, a illustração dos romances que por seu lado havia de contribuir poderosamente para o apparecimento da caricatura.»
«De todo esse movimento é figura principal Nogueira da Silva, que pelo ser espirito emprehendedor, pela sua devoção á causa popular, e pela evolução do seu espírito de caricaturista é o antecessor de Raphael Bordallo Pinheiro…»
Vamos passar um período de cerca de duas dezenas de anos, em que a sátira política na formula explosiva e panfletária se esvai numa mediocridade total (o que confirma a grande importância do Cecília/Maria Pinta Monos). Mas, como já referi não é um período morto, antes de transição, onde vão reinar os artistas gravadores, os ilustradores que se tinham desenvolvido paralelamente nas referidas publicações de instrução e entretenimento. É um período em que as questões técnicas e estéticas são fonte de preocupação dos artistas.
Esta questão estética não é apenas uma preocupação dos gráficos, mas geral no país, primeiro porque os próprios tempos assim o exigiam a nível europeu, depois porque com o apoio do rei-consorte D. Fernando as artes em Portugal passavam um momento de impulsionamento.
Um dos protegidos do rei, e que procurará ser um dos teóricos é Manuel Maria Bordalo Pinheiro, que terá grande importância, não só pela sua dinâmica organizativa, pelas tertúlias que desenvolverá em sua casa, assim como pela pródiga geração de descendentes que dará ás artes.
Natural de Lisboa, onde nasceu a 28 de Novembro de 1815, Manuel Maria Bordallo Pinheiro é a imagem mais concreta do que eram as artes em Portugal no princípio deste século. Artista, sem o ser como profissional, levaria o seu amadorismo a limites de qualidade, explorando todas as técnicas e oportunidades passíveis de criar arte. Pintor, escultor gravador, litógrafo, critico e esteta, seria discípulo de António Maria da Fonseca, do miniaturista Luís Pereira de Resende e do escultor Faliciano José Lopes. Cultivou o gosto e a arte como ecletismo.
Seguir as correntes estéticas internacionais do momento era o seu objectivo num país um tanto arredado desses movimentos de exploração dos novos mundos, da interioridade de cada um. «Hoje - afirmaria Manuel Maria em carta dirigida á Academia de Belas Artes - as escolas acabaram. Cada um faz carreira por si próprio, observando a natureza, e é preciso estudá-la e compreendê-la. Os nossos artistas hão-de forçosamente representar a sua época seguindo o movimento actual».
No seu elogio fúnebre, publicado no “Ocidente” (nº52 de 15/2/1880), este papel de dinamizador das artes é mais explicito: «…Ao seu esforço deve-se, por assim dizer, o renascimento da arte da gravura, que se achava inteiramente esquecida e desprezada.»
«Do distinto artista disse há poucos dias um biógrafo: "Há quarenta anos, quando Manuel Maria Bordallo Pinheiro fez a sua entrada no mundo artístico compunha-se unicamente dos elementos seguintes, - uma sombra sentada sobre uma ruína.”»
«“O fio da tradição tinha-se partido, a memória dos grandes nomes estava perdida. Era preciso fazer tudo. Para vencer, era necessário em primeiro lugar a têmpera dos valentes e a crença dos predestinados.»
«Bordalo Pinheiro iniciou a gravura em madeira, e o 'Panorama' saiu do caos. Principia então, a laboriosa vida do artista, manifesta-se a fecunda iniciativa que depois, secundada por outros esforços, consegue tornar a sombra numa estátua e a ruína num templo.»
Apresentado como um pioneiro, como um inovador, ele teve um papel de dinamização nas nossas artes, como "espírito tutelar” orientador de uma família das artes portuguesas; como dinamizador de correntes estéticas novas; e organizador das mais variadas actividades artísticas.
A primeira manifestação onde se evidenciou foi na gravura. Partindo da observação de escolas ou mestres, soube recriar as técnicas necessárias das artes gráficas, para relançar a ilustração jornalística numa visão mais estética:
Recriou uma arte, difundindo a ilustração, e tentou fundar uma escola. Discípulos teve, as obras foram aparecendo no “Panorama”, na “Ilustração”, na “Revista Popular”, nas “Artes e Letras”, no “Ocidente”...
A nível estético acamaradou com os românticos, numa visão historicista ou pitoresca. A sua formação de miniaturista facilitou-lhe a exploração do pormenor, de pequenos quadros de género, pinturas de costumes, para além de quadros histórico-anedóticos.
Admirado por D. Fernando Sax-Coburgo e pelo duque de Palmela, viajou com mecenato do último, por Madrid, Paris e Londres, num estudo que acentuou a sua tendência para o género flamengo, onde o rigor na observação, o pormenor da realidade, o apresentam como antecessor do realismo, uma estética de vanguarda na época.
O realismo aparece aqui não como filosofia estético-social, mas como fruto de uma linha romântica no gosto do costumbrismo, das cenas populares que, vistas pela “verdade simples”, nos apresentam o anedótico como grotesco e por vezes caricatural.
Manuel Maria, sem ser um caricaturista ou um humorista, é um dinamizador (pela sua actividade de gravador e de crítico, pela constituição de uma Sociedade Promotora de artes...) da gravura que impulsionará a caricatura; do realismo como evolução estética da ilustração humorística. Foi portanto o primeiro espírito esclarecido a abrir as portas ás artes de mass-média e ao humorismo de expressão estética.
Morreu em 1880.
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A caricatura é um género que está entrar na moda aos poucos, e não há duvida que o Suplemento de “O Patriota” foi o grande impulsionador e motor do humor gráfico deste primeiro periodo, pela persistência e qualidade. Com o seu desaparecimento em 1852 (altura em que cremos que coincide com a morte do Cecília-Pinta-Monos de tísica) abrir-se-á uma lacuna, que só muito mais tarde será colmata com a revolução Bordaliana. Entretanto a caricatura política sobreviverá mediocremente, dando espaço ao humor gráfico de maior incidência social, num caminho de aprendizagem estética, e de democratização do Humor, deixando de rir-se DE, para procurar rir-se COM os políticos e demais Glórias caricaturáveis.
Figuras fundamentais desta transição serão Manuel Maria Bordalo Pinheiro, Nogueira da Silva e Manuel Macedo, que procurarão tirar os melhores proventos da evolução gráfica que dominava países como a França e Inglaterra. Sobre esta transição escreveu Teixeira de Carvalho, in “Arte e Vida” (nº 7 de 1905): «De todos os caricaturistas estrangeiros é Hogarth o que teve na imprensa periódica ilustrada uma representação mais larga»
«/…/ Além de Hogarth, poucos caricaturistas lograram ser reproduzidos cuidadosamente em Portugal, e o seu verdadeiro valor passou no nosso país completamente desconhcido.»
«É facil encontrar nas publicações periódicas portuguezas referência d’onde se deduz que a literatura satyrica e a caricatura franceza eram conhecidas em Portugal; não é possivel porém encontrar um trecho donde possa deduzir-se o apreço em que eram tidas.»
«/…/ É para notar também que em parte alguma se encontra na imprensa periódica portugueza referência a Daumier e á sua obra.»
«Da obra caricatural franceza, admirava-se apenas em Portugal a frivolidade elegante de Gavarni, o desenho emfuso de Cham muito reproduzido em decalques de gravadores principiantes.»
«Importada pela literatura popular, é na litteratura popular que vemos aparecer a caricatura em Portugal com as illustrações originaes da ‘Revista Popular’ e da ‘Semana’.»
«A Caricatura teve o balbuciar nos enygmas pittorescos das publicações illustradas populares.»
«Foi ali, que os desenhadores aprenderam a linguagem do calembourg.»
«Além disso os desenhistas preocupavam-se com fazer fallar aqueles desenhos simples, tornar comprehensiveis os gestos, as attitudes, as visagens, que traduziam o pensamento ou a phrase popular.»
«Assim foram levados a dar a maior intensidade de expressão no traço mais incisivo e mais simples.»
«Nesses calembourgs o desenhista podia imitar, mas nunca copiar o desenho extrangeiro que fallava outra lingoa. O desenhista fazia assim a aprendizagem da linguagem e do gesto do traço.»
«Assim gradualmente, o desenhista, achou o traço caricatural, embora ingénuo.»
«Começava também por esse tempo em Portugal, a illustração dos romances que por seu lado havia de contribuir poderosamente para o apparecimento da caricatura.»
«De todo esse movimento é figura principal Nogueira da Silva, que pelo ser espirito emprehendedor, pela sua devoção á causa popular, e pela evolução do seu espírito de caricaturista é o antecessor de Raphael Bordallo Pinheiro…»
Vamos passar um período de cerca de duas dezenas de anos, em que a sátira política na formula explosiva e panfletária se esvai numa mediocridade total (o que confirma a grande importância do Cecília/Maria Pinta Monos). Mas, como já referi não é um período morto, antes de transição, onde vão reinar os artistas gravadores, os ilustradores que se tinham desenvolvido paralelamente nas referidas publicações de instrução e entretenimento. É um período em que as questões técnicas e estéticas são fonte de preocupação dos artistas.
Esta questão estética não é apenas uma preocupação dos gráficos, mas geral no país, primeiro porque os próprios tempos assim o exigiam a nível europeu, depois porque com o apoio do rei-consorte D. Fernando as artes em Portugal passavam um momento de impulsionamento.
Um dos protegidos do rei, e que procurará ser um dos teóricos é Manuel Maria Bordalo Pinheiro, que terá grande importância, não só pela sua dinâmica organizativa, pelas tertúlias que desenvolverá em sua casa, assim como pela pródiga geração de descendentes que dará ás artes.
Natural de Lisboa, onde nasceu a 28 de Novembro de 1815, Manuel Maria Bordallo Pinheiro é a imagem mais concreta do que eram as artes em Portugal no princípio deste século. Artista, sem o ser como profissional, levaria o seu amadorismo a limites de qualidade, explorando todas as técnicas e oportunidades passíveis de criar arte. Pintor, escultor gravador, litógrafo, critico e esteta, seria discípulo de António Maria da Fonseca, do miniaturista Luís Pereira de Resende e do escultor Faliciano José Lopes. Cultivou o gosto e a arte como ecletismo.
Seguir as correntes estéticas internacionais do momento era o seu objectivo num país um tanto arredado desses movimentos de exploração dos novos mundos, da interioridade de cada um. «Hoje - afirmaria Manuel Maria em carta dirigida á Academia de Belas Artes - as escolas acabaram. Cada um faz carreira por si próprio, observando a natureza, e é preciso estudá-la e compreendê-la. Os nossos artistas hão-de forçosamente representar a sua época seguindo o movimento actual».
No seu elogio fúnebre, publicado no “Ocidente” (nº52 de 15/2/1880), este papel de dinamizador das artes é mais explicito: «…Ao seu esforço deve-se, por assim dizer, o renascimento da arte da gravura, que se achava inteiramente esquecida e desprezada.»
«Do distinto artista disse há poucos dias um biógrafo: "Há quarenta anos, quando Manuel Maria Bordallo Pinheiro fez a sua entrada no mundo artístico compunha-se unicamente dos elementos seguintes, - uma sombra sentada sobre uma ruína.”»
«“O fio da tradição tinha-se partido, a memória dos grandes nomes estava perdida. Era preciso fazer tudo. Para vencer, era necessário em primeiro lugar a têmpera dos valentes e a crença dos predestinados.»
«Bordalo Pinheiro iniciou a gravura em madeira, e o 'Panorama' saiu do caos. Principia então, a laboriosa vida do artista, manifesta-se a fecunda iniciativa que depois, secundada por outros esforços, consegue tornar a sombra numa estátua e a ruína num templo.»
Apresentado como um pioneiro, como um inovador, ele teve um papel de dinamização nas nossas artes, como "espírito tutelar” orientador de uma família das artes portuguesas; como dinamizador de correntes estéticas novas; e organizador das mais variadas actividades artísticas.
A primeira manifestação onde se evidenciou foi na gravura. Partindo da observação de escolas ou mestres, soube recriar as técnicas necessárias das artes gráficas, para relançar a ilustração jornalística numa visão mais estética:
Recriou uma arte, difundindo a ilustração, e tentou fundar uma escola. Discípulos teve, as obras foram aparecendo no “Panorama”, na “Ilustração”, na “Revista Popular”, nas “Artes e Letras”, no “Ocidente”...
A nível estético acamaradou com os românticos, numa visão historicista ou pitoresca. A sua formação de miniaturista facilitou-lhe a exploração do pormenor, de pequenos quadros de género, pinturas de costumes, para além de quadros histórico-anedóticos.
Admirado por D. Fernando Sax-Coburgo e pelo duque de Palmela, viajou com mecenato do último, por Madrid, Paris e Londres, num estudo que acentuou a sua tendência para o género flamengo, onde o rigor na observação, o pormenor da realidade, o apresentam como antecessor do realismo, uma estética de vanguarda na época.
O realismo aparece aqui não como filosofia estético-social, mas como fruto de uma linha romântica no gosto do costumbrismo, das cenas populares que, vistas pela “verdade simples”, nos apresentam o anedótico como grotesco e por vezes caricatural.
Manuel Maria, sem ser um caricaturista ou um humorista, é um dinamizador (pela sua actividade de gravador e de crítico, pela constituição de uma Sociedade Promotora de artes...) da gravura que impulsionará a caricatura; do realismo como evolução estética da ilustração humorística. Foi portanto o primeiro espírito esclarecido a abrir as portas ás artes de mass-média e ao humorismo de expressão estética.
Morreu em 1880.
Monday, December 03, 2007
HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 4)
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A Censura Cabralista foi confirmada a 4 de Setembro de 1850 com legislação conhecida como «A Lei da Rolha». A oposição acusava esta Lei de não ser uma medida repressora da Liberdade, mas de supressora da Imprensa. As reacções não se fizeram esperar de norte a sul, e a 22 de Maio de 1851 são revogadas algumas providências censórias, sem contudo haver total liberalização.
Naturalmente haverá uma grande reacção por parte dos jornais, e especialmente do Suplemento de o Patriota, já que era não só um dos mais visados pelas tentativas de opressão, como era o mais ousado nas irreverências satíricas. Uma curiosidade é o conhecimento já existente da força da caricatura não só como oposição, mas como promoção dos próprios políticos, tal como se pode testemunhar no texto do Suplemento ao nº 1085 do Patriota.
«SUPLEMENTO AO Nº 1085 DO PATRI0TA»
PARTE OFICIAL
«0 doutor Pedro José da Silva Leitão Junior, administrador do bairro de Santa Catharina, etc. »
«Mando a qualquer dos oficiais de diligência desta administração passe em cumprimento d’ordens de S.Exa, 0 Sr Governador Civil, a intimar a Manoel de Jesus Coe1ho, editor do periódico político - Suplemento Burlesco ao Patriota - para não continuar a publicar o dito Suplemento em quanto se não proceder ás habilitações especiais, exigidas na carta de lei de 19 de Outubro de 1840, por não poder de modo algum considerar-se extensiva a publicação de dito responsável do jornal - O Patriota - visto que o suposto Suplemento constitui visível e incontestávelmente um jornal distinto, que se publica em diferente tipo, formato e numeração própria - tudo diverso e separado do dito jornal - 0 Patriota - do qual se pretende inculcar suplemento, sob pena no caso de desobediência a esta ordem do mesmo Exmº Sr. e contravenção à mesma lei de se proceder contra ele nos termos dela. Lisboa 11 de Janeiro 1848.»
Lisboa 17 de Jabeiro
«Não foi sem fundamento que asseveramos há tempos que a situação actual nos pertencia, e que intimamos os ministros, os deputados, os rectas pronuncias, os governadores civis, os seus respectiv os secretários, e todos os outros gafanhotos oficiais, civis, eclesiásticos e militares, para que não dispusessem das suas pessoas sem nossa especial permissão.»
«Entretanto hoje já poderemos fazer presente a qualquer amigo nosso de algum daqueles ornamentos do nosso museu, por que nos entrou por casa dentro a maior riqueza da terra. ¬ Casamos com alguma herdeira rica? Não: ou já casaram, ou não nos querem. - Saiu-nos a sorte grande? Maior que isso, muito maior. Fizeram-nos ministro, deputado, porteiro, comendador, aguazil, bispo ou Rosa-Cruz ? Ainda é cousa muito maior, e ai vai, que nos está a saltar dos bicos da pena.»
«A Terra Santa é nossa oficialmente por c ontracto celebrado perante o dr. Leitão.»
«Foi o próprio cozinheiro Lapa quem nos mandou intimar, para que lhe déssemos lugar permanente no Sup1emento, qualquer que fosse a despesa dos garfos, caçarolas, colher de pau e mais utensílios para decorar convenientemente a carantonha do maior fazedor de rabiollos de todas as Europias de Portugal.»
«O cozinheiro viu o seu retrato na galeria contemporânea: cotejou-o com o espelho quebrado, que lhe serve para fazer a barba, gostou: encheu-se d'orgulho; se encontrava algum dos colegas ainda não caricaturado, olhava-o com desprezo como a um verme imundo; porém chegou a semana seguinte foi ver o Suplemento - não vindo lá - ficou a arder - no seguinte também não: no imediato nem já se falava no seu nome. - Isto é de mais! Gritou o homem ¬proíbam ja esse maroto; entaipem-o, suspendem-o, cacetem-o, enforquem-o.»
«A estas vozes de ira juntou-se a cozinha toda, para estudar o modo de dar cabo da nossa respeitavel produção - Um limpa caçarolas era de voto que se nos aplicasse o decreto dos fuzilamentos, outros que nos fizessem excomungar pelo Cardeal /.../ pelo Arcebispo burlesco das esmolas; e enfim tal foi a matinada e confusão, que até houve quem 1embrasse a lei das indemnizações, ou a dos forais para nos ser aplicada, cuidando que forais vinha de furar, e que não poderíamos deixar de ser pelo menos empalados.»
«Ai pondo-se em pé em cima de uma caldeira muito reluzente, gritou um gamenho cheirosissimo: = Meus senhores, em nome da água de co1ónia, e do maravilhoso óleo de macassar acomodem-se, e ouçam - Ninguém aborrece mais do que eu esse indigno Suplemento, que ainda me não concedeu as honras da caricatura... a mim, fidalgo por meu tio, comendador por meu tio, secretário geral por meu tio, bacharel por mim, deputado pela sombra do meu tio, e de outros tios adoptivos; a mim que não poupei sacrifícios para me fazer caricaturar; que até chamando-me António José Marques Caldeira, dei o José Marques ao meu criado para que ao menos por parvenú pudesse entrar na galeria contemporânea !! Isto é horrível como a convenção de Gramido, pesado ao meu coração como o quarto artigo do protocolo (As cafeteiras, e caçarolas batem uma nas outras com entusiasmo frenético, e o orador continua) Eu não queria levar a palma ao nosso cozinheiro, mas depois dele quem me negará o primeiro lugar? (Dá uma patada na caldeira - sinais de efervescência nos tachos) Não fui eu quem denunciei em Coimbra até o meu próprio companheiro de casa, quando 1á era meu secretário com o titulo de governador civil aquele larápio da rainha de Sunda? Não fui eu quem se escondeu com pasmosa coragem no dia da revolta dos estudantes, para aparecer depois do perigo valente como uma ovelha o vingativo como o tio inquisidor ? E não dava tudo isto para duas caricaturas sublimes ? . E por outro lado estes cabelos cheios de fleur de genet, de tubereuse e até de ó1eo de rícino se chegar a ser moda, estes lenços (puxa de 15 lenços de seda e de cambraia de diferentes algibeiras) impregnados de água de castanhas, estas ceroulas (faz gestos de as querer mostrar; os tachos murmuram ) embebidos de eau de lavandi, enfim, todo eu catita como não há outro, sem que um cabelo da risca ou da suissa se afaste um escropulo da posição que lhe está marcada, sou um antípoda, um bárbaro, um fiho de coito danado, para que me não caricaturem ? associo-me pois ás vossas ideias de suspensão do Suplemento, e suposto que vós não sabeis latim, por isso mesmo dir-vos-hei nessa língua morta, que o que mandar o nosso cozinheiro - ita jus esto - Mas como homem que andou em Coimbra, sempre lhes direi que visto ainda durar o tal sistema representativo é necessario um pretexto para o fazermos limpar.»
«0 Suplemento é em diferente formato e com diferente numeração; diremos que o typo é diferente, logo é outro periódico; logo suspenso.»
«Uma frigideira pede a palavra.»
«Ora sr dr. fidalgo e comendador, pode limpar a mão a uma rodilha. Amanhã sai o Suplemento com o mesmo formato e numeração do Patriota, e nós ficamos logrados.»
«O dr. ex-marques levanta-se e diz: e então que importa! A redacção zanga-se: no primeiro número sairemos todos caricaturados, e ao menos por aquele caminho passaremos à imortalidade desde o nosso mestre dos rabiollos até ao mais insignificante de vocês (aplausos gerais; entusiasmo ebrio).»
«Em seguida mandaram-se ao dr. Leitão as instrucções necessárias.»
«Desejávamos deveras obsequiar o dr. ex-marques, porém o nosso Pinta-monos por delicadeza para com 0 Recta-Pronuncia e o Ferrugento recusava-se faze-lo - participamos dos escrúpulos do Pinta-monos, e por esta vez ainda não podemos fazer a vontade a S.Exa.»
Sobre o aparecimemo da caricatura na Imprensa temos mais um testemunho, agora de Rocha Martins que em 1909 nos dá a sua visão histórica (publicado em "Os Serões" de Setembro de 1909):
«Em Portugal um dos indivíduos mais violentamente atingidos pela caricatura foi Costa Cabral e d'uma forma que nem mesmo quando a arte perfeita de Bordallo marcou Fontes, Arrobas e todos os politécos do seu tempo, pode ser excedida. 0 Patriota jornal d’oposição ao cabralismo, lançou o seu Supplemento Burlesco, á imitação dos jornais franceses, um pequeno folheto de quatro paginas recheado de injúrias e de sátiras. Dois caricaturistas, que assinavam Cecilia e Maria, ocultarem-se, a ficarem desconhecidos para a posteridade, fizeram sangrar rijamente os Cabrais, sobretudo António Bernardo - depois Marquês de Tomar - que a ter realmente os figados ferozes que os seus inimigos lhe atribuíam e a rodear-se dos caceteiros que, diziam, acaudilhavam os seus sequazes, teria mandado por mais d'um vez, alguns rijos pimpões de Algodres deslombar com o estadulho provinciano os seus acusadores.»
«Há uma caricatura em que o ministro aparece rapinando lenços das algibeiras alheias e que traz a seguinte legenda: 0 Instincto do Roubo; outra intitulada A Sentença do Paiz, e levando escrito nas costas a palavra Ladrão. São como um estigma, aquelas letras resaltando na pagina do Supplemento Burlesco e mostram-nos a liberdade d'imprensa que então existia e a audácia d'ataque que os nossos avós punham nas suas lutas políticas. As caricaturas teem então um ar de certo capricho, o desenho já é acabado; a ideia é sempre mordaz iniciando assim a arte que faltava nos caricaturistas anteriores. Em 1847 pintavam António Bernardo virando a casaca, transvestiam-no sempre em cabra, referindo-se ao seu apelido de Cabral; os seus partidarios apareciam como um rebanho; o seu brasão tinha animais estranhos, toda uma violenta obra de ridículo se fazia pela caricatura que dentro em pouco devia esmorecer para só ressuscitar e engrandecer-se na notável obra de Bordallo. Em 1850-1851 punham o ministro guiando um caleche que os seus amigos puxavam, isto n'uma alusão a certo negócio, de resto nunca provado, e que as oposições assacavam ao homem d'Algodres e colocavam-no sobre peanhas ridiculas de um cómico atrevido. Fustigavam-no e aos seus com as caricaturas estranhas que sao 0 Triumpho do Chibo e a Adoração do Cacete. A nação despojada, surge com a legenda hilariante: Estado em que ficou Portugal depois das vantagens de Tomar. A Maria da Fonte aparece de vez em vez n'essas paginas com as suas armas, ferrando socos nos Cabrais, os homens mais feridos pela caricatura terrível durante quatro anos em que no Supplemento do Patriota, Maria e Cecília, pseudónimos d'artistas d'algnm valor e muita energia foram lutando contra o governo e firmando em mais solidas bases aquela que justamente o príncipe e a sua côrte que abandonaram a nação no periodo crítico em que os invasores vinham chegando para a tomadia infame.»
A política satírica do Suplemento do Patriota, que era dizer sem rodeios o que pensa dos Cabrais, naturalmente tinha reacções por parte do govemo, que procurava defender-se dos insultos. Contudo, nem a censura, nem as justificações eram suficientes, e segundo esta redacção de sátiros, a única forma de acabar com estas ofensas, era os próprios Cabrais assumirem directamente os factos, como recomenda a «CARTA Dirigida pela redacção do Suplemento aos irmãos Cabrais» (no nº 1704).
«Excelentissimos Milhafres»
«Tendo esta redacção lido por diversas vezes nos jornais ministeriais diabrites mais ou menos violentas contra aqueles que tem a franqueza de vos acusarem de ladrões, e estando nós convencidos que toda essa algazarra vem de ter havido da nossa parte pouca exactidão nas diferentes listas de vossos roubos, e desejando sermos exactos em matéria de tanta importância, tomamos a liberdade de vos rogar de enviardes a esta redacção um mapa semanal dos vosso roubos para à vista dele não cometermos erros que vos possam prejudicar.»
«Lisboa 23 de Fevereiro de 1850.»
«Os Redactores»
A Censura Cabralista foi confirmada a 4 de Setembro de 1850 com legislação conhecida como «A Lei da Rolha». A oposição acusava esta Lei de não ser uma medida repressora da Liberdade, mas de supressora da Imprensa. As reacções não se fizeram esperar de norte a sul, e a 22 de Maio de 1851 são revogadas algumas providências censórias, sem contudo haver total liberalização.
Naturalmente haverá uma grande reacção por parte dos jornais, e especialmente do Suplemento de o Patriota, já que era não só um dos mais visados pelas tentativas de opressão, como era o mais ousado nas irreverências satíricas. Uma curiosidade é o conhecimento já existente da força da caricatura não só como oposição, mas como promoção dos próprios políticos, tal como se pode testemunhar no texto do Suplemento ao nº 1085 do Patriota.
«SUPLEMENTO AO Nº 1085 DO PATRI0TA»
PARTE OFICIAL
«0 doutor Pedro José da Silva Leitão Junior, administrador do bairro de Santa Catharina, etc. »
«Mando a qualquer dos oficiais de diligência desta administração passe em cumprimento d’ordens de S.Exa, 0 Sr Governador Civil, a intimar a Manoel de Jesus Coe1ho, editor do periódico político - Suplemento Burlesco ao Patriota - para não continuar a publicar o dito Suplemento em quanto se não proceder ás habilitações especiais, exigidas na carta de lei de 19 de Outubro de 1840, por não poder de modo algum considerar-se extensiva a publicação de dito responsável do jornal - O Patriota - visto que o suposto Suplemento constitui visível e incontestávelmente um jornal distinto, que se publica em diferente tipo, formato e numeração própria - tudo diverso e separado do dito jornal - 0 Patriota - do qual se pretende inculcar suplemento, sob pena no caso de desobediência a esta ordem do mesmo Exmº Sr. e contravenção à mesma lei de se proceder contra ele nos termos dela. Lisboa 11 de Janeiro 1848.»
Lisboa 17 de Jabeiro
«Não foi sem fundamento que asseveramos há tempos que a situação actual nos pertencia, e que intimamos os ministros, os deputados, os rectas pronuncias, os governadores civis, os seus respectiv os secretários, e todos os outros gafanhotos oficiais, civis, eclesiásticos e militares, para que não dispusessem das suas pessoas sem nossa especial permissão.»
«Entretanto hoje já poderemos fazer presente a qualquer amigo nosso de algum daqueles ornamentos do nosso museu, por que nos entrou por casa dentro a maior riqueza da terra. ¬ Casamos com alguma herdeira rica? Não: ou já casaram, ou não nos querem. - Saiu-nos a sorte grande? Maior que isso, muito maior. Fizeram-nos ministro, deputado, porteiro, comendador, aguazil, bispo ou Rosa-Cruz ? Ainda é cousa muito maior, e ai vai, que nos está a saltar dos bicos da pena.»
«A Terra Santa é nossa oficialmente por c ontracto celebrado perante o dr. Leitão.»
«Foi o próprio cozinheiro Lapa quem nos mandou intimar, para que lhe déssemos lugar permanente no Sup1emento, qualquer que fosse a despesa dos garfos, caçarolas, colher de pau e mais utensílios para decorar convenientemente a carantonha do maior fazedor de rabiollos de todas as Europias de Portugal.»
«O cozinheiro viu o seu retrato na galeria contemporânea: cotejou-o com o espelho quebrado, que lhe serve para fazer a barba, gostou: encheu-se d'orgulho; se encontrava algum dos colegas ainda não caricaturado, olhava-o com desprezo como a um verme imundo; porém chegou a semana seguinte foi ver o Suplemento - não vindo lá - ficou a arder - no seguinte também não: no imediato nem já se falava no seu nome. - Isto é de mais! Gritou o homem ¬proíbam ja esse maroto; entaipem-o, suspendem-o, cacetem-o, enforquem-o.»
«A estas vozes de ira juntou-se a cozinha toda, para estudar o modo de dar cabo da nossa respeitavel produção - Um limpa caçarolas era de voto que se nos aplicasse o decreto dos fuzilamentos, outros que nos fizessem excomungar pelo Cardeal /.../ pelo Arcebispo burlesco das esmolas; e enfim tal foi a matinada e confusão, que até houve quem 1embrasse a lei das indemnizações, ou a dos forais para nos ser aplicada, cuidando que forais vinha de furar, e que não poderíamos deixar de ser pelo menos empalados.»
«Ai pondo-se em pé em cima de uma caldeira muito reluzente, gritou um gamenho cheirosissimo: = Meus senhores, em nome da água de co1ónia, e do maravilhoso óleo de macassar acomodem-se, e ouçam - Ninguém aborrece mais do que eu esse indigno Suplemento, que ainda me não concedeu as honras da caricatura... a mim, fidalgo por meu tio, comendador por meu tio, secretário geral por meu tio, bacharel por mim, deputado pela sombra do meu tio, e de outros tios adoptivos; a mim que não poupei sacrifícios para me fazer caricaturar; que até chamando-me António José Marques Caldeira, dei o José Marques ao meu criado para que ao menos por parvenú pudesse entrar na galeria contemporânea !! Isto é horrível como a convenção de Gramido, pesado ao meu coração como o quarto artigo do protocolo (As cafeteiras, e caçarolas batem uma nas outras com entusiasmo frenético, e o orador continua) Eu não queria levar a palma ao nosso cozinheiro, mas depois dele quem me negará o primeiro lugar? (Dá uma patada na caldeira - sinais de efervescência nos tachos) Não fui eu quem denunciei em Coimbra até o meu próprio companheiro de casa, quando 1á era meu secretário com o titulo de governador civil aquele larápio da rainha de Sunda? Não fui eu quem se escondeu com pasmosa coragem no dia da revolta dos estudantes, para aparecer depois do perigo valente como uma ovelha o vingativo como o tio inquisidor ? E não dava tudo isto para duas caricaturas sublimes ? . E por outro lado estes cabelos cheios de fleur de genet, de tubereuse e até de ó1eo de rícino se chegar a ser moda, estes lenços (puxa de 15 lenços de seda e de cambraia de diferentes algibeiras) impregnados de água de castanhas, estas ceroulas (faz gestos de as querer mostrar; os tachos murmuram ) embebidos de eau de lavandi, enfim, todo eu catita como não há outro, sem que um cabelo da risca ou da suissa se afaste um escropulo da posição que lhe está marcada, sou um antípoda, um bárbaro, um fiho de coito danado, para que me não caricaturem ? associo-me pois ás vossas ideias de suspensão do Suplemento, e suposto que vós não sabeis latim, por isso mesmo dir-vos-hei nessa língua morta, que o que mandar o nosso cozinheiro - ita jus esto - Mas como homem que andou em Coimbra, sempre lhes direi que visto ainda durar o tal sistema representativo é necessario um pretexto para o fazermos limpar.»
«0 Suplemento é em diferente formato e com diferente numeração; diremos que o typo é diferente, logo é outro periódico; logo suspenso.»
«Uma frigideira pede a palavra.»
«Ora sr dr. fidalgo e comendador, pode limpar a mão a uma rodilha. Amanhã sai o Suplemento com o mesmo formato e numeração do Patriota, e nós ficamos logrados.»
«O dr. ex-marques levanta-se e diz: e então que importa! A redacção zanga-se: no primeiro número sairemos todos caricaturados, e ao menos por aquele caminho passaremos à imortalidade desde o nosso mestre dos rabiollos até ao mais insignificante de vocês (aplausos gerais; entusiasmo ebrio).»
«Em seguida mandaram-se ao dr. Leitão as instrucções necessárias.»
«Desejávamos deveras obsequiar o dr. ex-marques, porém o nosso Pinta-monos por delicadeza para com 0 Recta-Pronuncia e o Ferrugento recusava-se faze-lo - participamos dos escrúpulos do Pinta-monos, e por esta vez ainda não podemos fazer a vontade a S.Exa.»
Sobre o aparecimemo da caricatura na Imprensa temos mais um testemunho, agora de Rocha Martins que em 1909 nos dá a sua visão histórica (publicado em "Os Serões" de Setembro de 1909):
«Em Portugal um dos indivíduos mais violentamente atingidos pela caricatura foi Costa Cabral e d'uma forma que nem mesmo quando a arte perfeita de Bordallo marcou Fontes, Arrobas e todos os politécos do seu tempo, pode ser excedida. 0 Patriota jornal d’oposição ao cabralismo, lançou o seu Supplemento Burlesco, á imitação dos jornais franceses, um pequeno folheto de quatro paginas recheado de injúrias e de sátiras. Dois caricaturistas, que assinavam Cecilia e Maria, ocultarem-se, a ficarem desconhecidos para a posteridade, fizeram sangrar rijamente os Cabrais, sobretudo António Bernardo - depois Marquês de Tomar - que a ter realmente os figados ferozes que os seus inimigos lhe atribuíam e a rodear-se dos caceteiros que, diziam, acaudilhavam os seus sequazes, teria mandado por mais d'um vez, alguns rijos pimpões de Algodres deslombar com o estadulho provinciano os seus acusadores.»
«Há uma caricatura em que o ministro aparece rapinando lenços das algibeiras alheias e que traz a seguinte legenda: 0 Instincto do Roubo; outra intitulada A Sentença do Paiz, e levando escrito nas costas a palavra Ladrão. São como um estigma, aquelas letras resaltando na pagina do Supplemento Burlesco e mostram-nos a liberdade d'imprensa que então existia e a audácia d'ataque que os nossos avós punham nas suas lutas políticas. As caricaturas teem então um ar de certo capricho, o desenho já é acabado; a ideia é sempre mordaz iniciando assim a arte que faltava nos caricaturistas anteriores. Em 1847 pintavam António Bernardo virando a casaca, transvestiam-no sempre em cabra, referindo-se ao seu apelido de Cabral; os seus partidarios apareciam como um rebanho; o seu brasão tinha animais estranhos, toda uma violenta obra de ridículo se fazia pela caricatura que dentro em pouco devia esmorecer para só ressuscitar e engrandecer-se na notável obra de Bordallo. Em 1850-1851 punham o ministro guiando um caleche que os seus amigos puxavam, isto n'uma alusão a certo negócio, de resto nunca provado, e que as oposições assacavam ao homem d'Algodres e colocavam-no sobre peanhas ridiculas de um cómico atrevido. Fustigavam-no e aos seus com as caricaturas estranhas que sao 0 Triumpho do Chibo e a Adoração do Cacete. A nação despojada, surge com a legenda hilariante: Estado em que ficou Portugal depois das vantagens de Tomar. A Maria da Fonte aparece de vez em vez n'essas paginas com as suas armas, ferrando socos nos Cabrais, os homens mais feridos pela caricatura terrível durante quatro anos em que no Supplemento do Patriota, Maria e Cecília, pseudónimos d'artistas d'algnm valor e muita energia foram lutando contra o governo e firmando em mais solidas bases aquela que justamente o príncipe e a sua côrte que abandonaram a nação no periodo crítico em que os invasores vinham chegando para a tomadia infame.»
A política satírica do Suplemento do Patriota, que era dizer sem rodeios o que pensa dos Cabrais, naturalmente tinha reacções por parte do govemo, que procurava defender-se dos insultos. Contudo, nem a censura, nem as justificações eram suficientes, e segundo esta redacção de sátiros, a única forma de acabar com estas ofensas, era os próprios Cabrais assumirem directamente os factos, como recomenda a «CARTA Dirigida pela redacção do Suplemento aos irmãos Cabrais» (no nº 1704).
«Excelentissimos Milhafres»
«Tendo esta redacção lido por diversas vezes nos jornais ministeriais diabrites mais ou menos violentas contra aqueles que tem a franqueza de vos acusarem de ladrões, e estando nós convencidos que toda essa algazarra vem de ter havido da nossa parte pouca exactidão nas diferentes listas de vossos roubos, e desejando sermos exactos em matéria de tanta importância, tomamos a liberdade de vos rogar de enviardes a esta redacção um mapa semanal dos vosso roubos para à vista dele não cometermos erros que vos possam prejudicar.»
«Lisboa 23 de Fevereiro de 1850.»
«Os Redactores»