Saturday, May 11, 2013

Le Canard Libéré nº296


Pour être vrai et drôle, le bon réflexe chez Le Canard Libéré 
Les délices du Canard : enquêtes poussées, caricatures politiques, indiscrétions croustillantes 
et bien autres révélations... Surtout, ne manquez pas le rendez-vous avec votre hebdomadaire satirique du vendredi. 
Bonne dégustation !

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La Une Du Canard Libéré N° 296
© 2013
http://www.lecanardlibere.com/

Thursday, May 09, 2013

Historia da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1913 por Osvaldo Macedo de Sousa


1913
Este último realizará, em 1913, uma exposição individual, merecendo a primeira crítica pós-modernista, assinada por Fernando Pessoa. Nela, o poeta manifesta a sua ignorância sobre o humorismo e a sua arrogância, descrita por Leal da Câmara como raça de dominadores que marcam fronteiras imaginária, decretando a sátira como a arte do fútil, do ódio, uma arte satânica, na linha de Baudelaire (outro poeta). Num texto de paradoxos, como ele confessa, acaba por dar meia dúzia de palavras sobre a arte de Almada Negreiros, obras que ele posteriormente confessará, desconhecia, já que não visitou a exposição. Contudo, afirmará que «Almada Negreiros pertence aos satíricos que se aplicam a dar a futilidade das cousas /.../ Negreiros não ê um génio manifesta-se em não se Manifestar. Eu creio que ele tem talento. Basta reparar que ao sorriso do seu lápis se liga o polymorphismo da sua arte para voltarmos as costas a conceder-lhe inteligência apenas...»
Outro poeta, Mário de Sá-Carneiro, que posteriormente estará ligado a uma revista que é apresentada como a revolucionária do Modernismo, mas mais no campo literário, também fará comentários trocistas a outro vanguardista português: «Amadeo ê um tipo blagueur, snob, vaidoso, intolerável, etc. etc. Parece que não se pode ser cubista sem ser impertinente e blagueur...»
Devido ao sucesso do primeiro Salão dos Humoristas, estes conseguem realizar, no ano seguinte uma segunda versão, com um catálogo mais cuidado, com auto-biografias, algumas delas burlescas, e onde, de novo, se destacará Christiano Cruz, que também será o autor do desenho da capa. A introdução é um magnífico texto de André Brun sobre o Humorismo, do qual já publicamos aqui alguns trechos.
Serão praticamente os mesmos artistas a participar, mantendo-se a ausência de Luíz Filipe e Correia Dias (que chegam a ventilar por troca de cartas a eventual participação), mas já com a presença de Leal da Câmara (visto o principal óbice, que tinha sido o académico Joaquim Guerreiro estar ausente), assim como mais nove artistas, destacando-se António Soares e Mily Possoz como novos valores modernistas. Ausentar-se-ão dez caricaturistas, sem grande perda para o Salão.
Se, na primeira vez, pela novidade irreverente, mereceu a visita do Presidente da República, e o total apoio da imprensa, neste ano o sucesso não foi tão grande. Se, na primeira versão, o modernismo foi louvado pelos críticos de tendência moderna, neste segundo ano, os críticos mais conservadores perderam o medo, e atacaram as ousadias, as irreverências, não pelas suas concepções estéticas novas, pelas novidades técnicas, mas sim pelo espírito mais profundo de nacionalismo.
Vivendo-se num período de reformulação do país, de nacionalidade espicaçada contra as monarquias europeias que não nos queriam aceitar republicanos, o nacionalismo era uma bandeira muito forte.
Ora os conservadores naturalistas, que já se tinham esquecido que importaram o romantismo e o naturalismo estético (porque de alma sempre o fomos) de França, atacam os novos por serem estrangeirados.
O naturalismo que ressaltava o nosso pitoresco, o nosso olhar bucólico da vida, o nosso povo parado no tempo do folclorismo, não deveria ser alterado. Aceitava-se, a custo, as mudanças radicais políticas, como a separação do Estado e da Igreja, as reformas Sindicais... e demais reivindicações da sociedade menor. Contudo, a cultura, como património da Alta Sociedade, não deveria ser alterada. Está em confronto o tradicionalismo-nacionalismo com a vanguarda-­intemacionalismo, ou seja a sociedade entalada no confronto entre o padrão da burguesia, contra o movimento operário, um confronto que existe em toda a sociedade ocidental de então.
É verdade que o modernismo é uma importação, como foram todas as tendências estéticas. É uma tentativa, nem sempre conseguida, sendo muitas vezes do género "saloio" novo-riquismo, de acompanhar o progresso cultural europeu.
Se vários são os críticos que atacam o modernismo, destaca-se, de entre eles, Alberto de Souza, por ser um conceituado artista, um indivíduo que deveria ter uns horizontes mais ~ receptivos à abertura do progresso. Ele, no "Diário da Tarde" de 26/5/1913 escreverá ­ “Reconheço que há entre os novos, rapazes de valor, mas também vejo que o que se faz é a desnacionalização da nossa caricatura.
Na "Capital" de 6/6/13 escreverá outro crítico: Contrista-nos ver a subserviência com que a maioria dos expositores j imita a caricatura estrangeira, desprezando e deixando esquecer os typos e costumes genuinamente portugueses, e que caracterizam a nossa sociedade.
De novo será Christiano Cruz a defender os artistas modernos destes ataques, desta feita no "Diário da Tarde de 28/5/1913 dizendo: Diz o senhor AIberto de Sousa que nós, os caricaturistas novos, temos um traço pouco nacional.
No conceito desse senhor nós emparelhamos com os traidores à Pátria, negociando planos de mobilização e ... fazendo caricaturas.
O traço nacional constitui, pois, para o senhor de Sousa um símbolo nacional ao lado do hino e da bandeira ... Mas este furor patriótico, assim manifestado, não é só do senhor Sousa: é de todos aqueles que não vêem numa obra de arte senão as tintas.
O Sr. Sousa, como esses outros cavalheiros, queria-nos eternamente agarrados ao tradicional, venerando fanaticamente os bonzos da arte, copiando-lhes a maneira de ser do seu espírito e, embebidos na sua obra, plagiando-lhes ... o traço.
O Traço ! ....
O Sr. Alberto de Sousa, porém, considerando esses mestres como modelos, como ponto de partida de tudo o que se fez e fizer, reconhecendo-lhes em suma, uma pureza de traço toda portuguesa, mostra implicitamente desconhecer o paralelismo de estilo, na sua opinião, verdadeiramente comprometedor, entre as caricaturas do jornal francês Charivari e os seus congéneres portugueses.
Esta analogia nada tem de desonra: o artista do seu tempo assimila e adapta ao seu temperamento o espírito da época, reflectida na maneira de ver dos seus camaradas.
Assim, ao passo que a caricatura moderna tem uma feição pessimista, rindo de um modo doentio e céptico, as charges dos humoristas, nossos avós, eram de um riso franco e saudável, revelador da mais enternecedora ingenuidade.
Temos o pressentimento de que o Sr. A. de S. nos acusará de outro crime: o de não pintarmos tipos portugueses!
Mas, digo isto já um pouco zangado, creia, quererá o nosso patriótico adversário que passemos a vida desenhando a mulher da hortaliça e os galegos das malas ?
Que nos ocupemos de politica com cOlnentários de barbeiro?
A nossa legenda é: A GUERRA À BOTA DE ELÁSTICO!
Este será o primeiro "Grito de Ipiranga" do Modernismo, termo que ficará na tradição popular. A "bota-de-elástico" era uma peça de calçado usada pelo velhos políticos, e que Salazar também optará e, dessa forma, esta peça de vestuário ficará como ícone de conservadorismo.
O "Diário da Tarde", ao entrevistar uma série de artistas presentes no Salão, vai dar voz aos novos, e desse modo conhecermos quais as suas opções de ruptura. Christiano Cruz dirá que existe um rejuvenescimento, e esse rejuvenescintento acentua-se até na derrota infligida à caricatura política, estreita e cheia de limites. António Soares refere a mesma questão ao dizer, acho que o golpe dado à caricatura política é o melhor gesto dos novos, e marca uma fase nova da arte. Almada finaliza com a sentença - os novos devem orientar-se principalmente, no sentido de caminhar longe dos moldes de Bordallo Pinheiro. 

EMMÉRICO HARTWICH NUNES UM SIMPLICISSIMUS MODERNISTA (Lisboa 6/1/1888 – Sines 18/1/1968) Por: Osvaldo Macedo de Sousa


Recordar Emmérico Nunes é abrir a arca do esquecimento, é reabrir a história deste país tão bem esquecida oficialmente pelo poder. Emmérico é um desconhecido mestre das nossas artes, por isso toda e qualquer iniciativa que traga ao conhecimento mais um pouco da sua obra é sempre de louvar. Eu, que até sou um curioso da sua obra, pouco conheço do que ele realizou além fronteiras, ou na pintura. Infelizmente nunca tive a oportunidade de abarcar a sua vasta e dispersa obra pictórica, publicitária, decorativa e internacional.
Não é minha intenção fazer aqui a sua biografia, já que ele nos deixou seus passos bem descritos numa autobiografia que eu recomendo a leitura. Apenas desejo deixar aqui a minha modesta deambulação pelos seus tempos e obra enquadrada na época.
Nascido no seio de uma família com formação artística (pai arquitecto, mãe pintora, poetisa…) sempre esteve rodeado pelas musas e pela irreverência, apesar de uma educação Burguesa de classe alta, e portanto conservadora.
Sabemos que ainda criança se lançou nas primeiras aventuras editoriais caseiras, com o que hoje se poderia apelidar fanzines, aos quais ele deu por títulos pomposos de “O Paiz”, “Risota”, “Folhas Volantes”… o que testemunha uma consciência satírica de um jovem com 10 anos.
Em sua casa liam-se os jornais humorísticos da época, razão pela qual ele é desde tenra idade admirador de Raphael Bordallo, e mais ainda de Leal da Câmara e Celso Hermínio que ele usufruiu na Corja, na Marselheza, e que logo marcaram o seu pendor satírico expressionista.
O pai, como um bom chefe de família preocupado com o futuro da prole, tenta encaminha-lo para o comércio, primeiro no Liceu Politécnico, depois na Escola Comercial Peixoto. O mesmo tinha tentado Manuel Maria Bordallo Pinheiro ao querer amarrar Raphael às mangas-de-alpaca, só que a irreverência juvenil quebra na maior parte das vezes essas vontades. A teimosia artística convence o pai a deixa-lo estudar na Escola de Belas Artes onde frequenta as classes do Condeixa, do Alberto Nunes… O pai cauteloso questiona Malhoa sobre o futuro do seu filho, e este profere a célebre sentença: «Se você pode, acho que faz bem em tirar o pequeno da Escola e mandá-lo estudar para Paris. Aqui em Lisboa está 8 anos a marcar passo. Mas em Paris o ambiente e os métodos de ensino, se ele souber aproveitar, farão dele um artista em metade desse tempo.» O veredicto estava dado, e lá seguiu o seu destino em 1906/7 emparceirando-se com outros bolseiros, ou irreverentes das artes que viviam Paris como um sorvedouro de artes. Ai não se restringiu às Academias Livres do Ferdinand Cormon, à Academie Julien, frequenta mesmo a École dês Beaux Arts durante quatro anos. Em 1910 faz umas incursões de pesquisa pela Inglaterra, Holanda e Bélgica e em 1911 encontramo-lo em Munique a frequentar a Kunstakademie ou o Atelier de Heimann… De toda aquela geração de estudantes a voarem para além fronteiras na procura de novos caminhos estéticos, ele e Amadeo de Souza-Cardoso serão os que melhor aproveitarão as chances oferecidas. Emmérico estudou com os mestres possíveis, para poder renega-los e criar o seu estilo imbuído pelas boémias parisienses ou alemãs, para captar o novo ambiente plástico da Europa.
Amadeo em suas cartas revela um pouco o ambiente de então ao escrever: «os amigos compatriotas, que marcham numa rotina atrasada. Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem mais que muita gente julga. Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, aparte raras coisas.»
«Hoje os artistas preocupam-se com a realidade, pretendem imitar a natureza como se ela fosse imitável, não sentem emoções grandes, porque são neutras de nascença as suas almas - em suma, é o ocaso duma religião que passou.»
Em Portugal a arte não vive, sobrevive. As correntes estéticas não germinavam, nem se desenvolviam, copiavam-se. Os ismos dominantes eram o chiadismo, o cafezismo, o pedantismo, e o pedintismos de bolsas… o academismo regente era a imitação vazia de escolas e quando alguns quiseram gritar uma nova liberdade estética, esse grito soou vazio, porque ninguém pode ser livre de algo, se não conhece as prisões dessas regras. Primeiro tem que se conhecer os Mestres a fundo para os poder renegar.
Em Paris o que os pensionistas encontraram foi um ambiente de anarquia filosófica-estética, onde chocavam, e entrecruzavam-se o naturalismo, o expressionismo, o fauvismo, o pontilismo… e tantos outros ismos irreverentes ou académicos. Raros foram os que conseguiram visualizar algo entre tanta informação nova, optando a maioria por se socorrer do que conheciam melhor da sua formação em terras lusas. Regressou a maioria com os mesmos tiques plásticos, mas com alguns deslumbramentos mais cosmopolitas, com a paleta menos sombria…
O que mais fascinava estes jovens era por um lado a boémia parisiense, o convívio entre idealistas das estéticas, do pensamento inovador na viragem do século… Por outro, a oportunidade de verem ao vivo, de copiarem os mestres do passado no Louvre, nas reproduções que aqui se encontravam com maior facilidade. Em relação às vanguardas, a maior parte delas passavam ao lado, nas tertúlias de outro café, nos disputas de outros círculos… e além disso, para se enveredar por essas irreverências era necessário estar filosoficamente nessa onda, nesse via de criatividade o que não acontecia à grande parte dos artistas que viviam por Paris. Não tinham formação estética, filosófica ou ideológica para avançarem nessa senda. Isso não quer dizer que no meio dos modernistas moderados não vamos encontrar um ou outro trabalho de tendência cubista, futurista, dadaista… numa linha mais irónica, de paródia ou de simples desvio ocasional na obra de um artista.
Em Portugal estas novas formas de abordar a arte, procurando recusar o passado, mas sem saber qual o futuro, ficaram conhecidas como Modernismo. Este é um movimento sem bases programáticas definidas, só uma vaga filosofia de utilitarismo plástico, de síntese de expressão estrutural com alguma ideologia de socialismo estético. É por essa razão que o humor gráfico está quase sempre presente na obra desses jovens, quando não é ele que lidera as vanguardas mais ousadas do traço.
Temos que recordar que este início do séc. XX, em consequência do que se foi desenvolvendo com o liberalismo, é uma revolução no estatuto do artista. Antes ele era um assalariado do Poder (religioso ou politico), um protegido do mecenas… Agora ele é livre… de morrer à fome. Pode não obedecer ao gosto dos outros, mas ao mesmo tempo tem de comprar o gosto do crítico, do galerista. A sobrevivência será sempre o factor principal da obra de qualquer artista, e nestes novos tempos, a ligação ao mundo empresarial (comércio, industria) será uma das possíveis saídas artísticas.
O personagem mais importante desta era modernista será o papel, como veículo experimental, ou como cartão para reprodução na imprensa, no cartaz, na publicidade… O desenho já não é um simples croqui, é a obra final num diálogo mais democrático com o novo público. As técnicas não tem barreiras de suporte e os óleos, os pateis, as aguarelas… assim como a desconstrução da realidade em colagens, foto-montagens… invadem o papel “moderno”.
Emmérico Nunes que não queria seguir a carreira comercial teve de passar a vida dependente desse mundo. A imprensa, o cartaz, e publicidade, o design são uma vias mais fáceis de sobrevivência, as quais exigem novas linguagens, sínteses de comunicação. Há uma perfeita harmonia entre o desejo de ser vanguarda e a necessidade comercial das novas formas de comunicação. O Modernismo será pois a conjugação dessas duas vontades.
Já todos sabiam que a Política é essa grande porca que nunca morre, antes se transforma, se renova em cada ninhada igual à anterior. Por isso a sátira política chegou a um momento que apenas se repetia, sendo um triste espelha da politica, uma serpente a morder a cauda, sem dar nada de novo. Por isso Christinao Cruz, na senda do novo pensamento modernista que domina a Europa, defende: «Depois de Bordallo ninguém fez nada na caricatura política que mereça menção: e embora a ela se dediquem muitos... E aos quais, note, eu não penso em negar talento, mas ao examinar uma página dos jornais humorísticos actuais eu vejo sempre uma página do 'António Maria' apenas virada do avesso... /…/ A caricatura impessoal, a única que lá fora tem  feito grandes artistas, não é conhecida em Portugal. O irritante e perspicaz quem é, acompanhando sempre a vista de um desenho impessoal, na esperança de ver surgir as convencionais figuras dos nossos estadistas, é um sintoma da mania política do nosso público. É preciso fazer-lhe desviar a atenção para a caricatura social, para a caricatura de costumes, enfim, para a verdadeira caricatura: a impessoal.»
André Brun, no Catálogo do Salão dos Humoristas de 1913, acrescentará: «O Humorismo, desde que for a reconhecido, baptizado e deitado à margem da arte séria, for a sempre vivendo, e se bem que o não vissem senão sob o aspecto d'um garoto da rua, gracioso e impertinente, ia criando músculos e caminhando com serenidade.
/…/ Um dia - o de hoje - a Arte chegou enfim a uma franca simplicidade. Despiu-se de todos os falsos atavios que séculos tinham ido sobrepondo sobre a nudez deslumbrante e já não busca iludir com grandes gestos, mas convencer com raciocínio. Reduzir a vida às equações claras e positivas, e quando a arte, professada por pontífices solenes e académicos, chegou a esta meta, encontrou, esperando-a tranquilamente e olhando-a com um sorriso, o Humorismo. Esse que ela sempre tomara, até então, por um gaiato irreverente, verificou-se que for a quem sempre conduzira o facho da verdade.»
Esse novo universo de critica social é capitaneada em França pelo “Rire”, “L’Assiete au Beurre”, na Alemanha pelo “Simplicissimus”, pelo “Meggendorfer Blatter”… jornais que eram devorados em Portugal pelos jovens irreverentes, e que levará 4 artistas a viverem em Coimbra a impor o modernismo em Portugal. São eles Christiano Cruz, Correia Dias, Luiz Philipe e Cerveira Pinto. Aconteceu em 1909. Quando se realiza em 1911 uma exposição dita de Os Livres, já o modernismo vivia entre nós, e essa exposição de bolseiros de Paris nada trouxe á pacata cidade de Lisboa. O seu mentor, Manuel Bentes defendia: «A Arte não tem sistemas, tem emoções /…/ Queremos ser livres ! Fugimos aos dogmas do ensino, às imposições dos mestres, e, quando possível, às influências das escolas, porque cremos que os artistas têm uma só escola - a Natureza; um dogma único - o Amor".»
De livres eles não tinham nada, pois dependiam totalmente das bolsas do estado, e só vieram mostrar que pouco tinham aprendido de inovador nesses anos de estudo além fronteiras. Não fugiam aos dogmas de escolas e dos mestres, porque não as dominavam, porque não ousavam. O único que se distinguiu naquela mediania foi Emmérico Nunes que não esteve presente em pessoa, mas enviou trabalhos, numa cumplicidade com os compatriotas que procurou manter sempre, enviando trabalhos para os salões do Humoristas também.
A sua ascendência germânica facilitou-lhe a vida em Munique. A sua abertura estética para o Modernismo, com um espírito arguto de critica satírica deram-lhe espaço para ser de imediato aceite nos quadros do jornal “Meggendorfer Blatter”, o segundo jornais mais importante do humor germânico. Em Paris ele apreendeu a simplicidade elegante da sátira social, misturando o traço arte-nova com o expressionismo, explorando as linhas geométricas do cosmopolitismo, com um traço agressivo da acutilância critica. Ele era um bom sucessor de um Leal da Câmara, de um Celso Hermínio juvenis que para sobreviverem acabaram por adoçar o traço. Emmérico, por seu lado estava nos países que amavam essa forma irreverente de desenhar, e assim se manteve durante duas décadas no “Meggendorfer Blatter, assim como colaborará com o “Fliegende Blatter”, o “Zuricher Ilustrierte Zeitung”, o “Haagscher Courant”, “Der Spatz”, “Buen Humor”… um trabalho que fez dispersar mais de dois milhares de desenhos, originais quase todos perdidos nas redacções desses periódicos de além fronteiras. Devido a esta longa colaboração com os jornais germânicos, suíços e holandeses li em alguns textos sobre Emmérico como o artista português que mais publicou no estrangeiro. Isso é falso porque não nos podemos esquecer de um Julião Machado que trabalhou durante quase três décadas no Brasil, de Leal da Câmara que teve colaboração em Paris de 1900 a 1915, de Correia Dias que também no Brasil trabalhou de 1914 a 1935, do Zeco, do Hugo Sarmento… ou do Brito que trabalha em Paris desde 1970 até aos nossos dias. Foi contudo um dos artistas que mais sucesso teve além fronteiras, porém esse sucesso infelizmente não teve repercussão significativa na sua carreira em Portugal.
A sua vida será uma constante viagem entre a Alemanha, a Suiça e Portugal. Os tempos eram conturbados, novos ventos estranhos arrasavam o espírito livre da Europa, e se um dia se realizar a recolha de todo esse material publicado além fronteiras ver-se-á um excepcional retrato dos costumes, das vicissitudes dos pequeno-burgueses e novos ricos europeus, desde o cosmopolitismo urbano do centro da Europa ao mundo rural da Baviera, dos cantões suíços cheios de ironia, de bom humor.
E. N. nunca trabalhou para o “Simplicissimus”, mas como não dava jeito fazer um trocadinho com o “Meggendorfer” usamos essa muleta para dizer que Emmérico Nunes é um “Simplicissimus” Modernista. A corrente estética é semelhante entre os dois jornais, ou seja a síntese plástica aliada ao expressionismo satírico. Emmérico Nunes foi o artista português que melhor simboliza essa linha, à qual poderíamos ligar Christiano Cruz ou António Soares. Noutras variantes ainda mais sintéticas e menos expressionistas temos todos os outros ditos modernistas como Almada, Barradas, Collomb…
A modernidade de Emmérico Nunes está condicionada ao diálogo com o seu público. Para além de ma paleta mais aberta, com cores fortes e expressionista, a síntese do traço, numa caligrafia de comunicação directa sem barroquismos, dominarão a sua obra.
As guerras e instabilidades no centro da Europa foram empurrando Emmérico Nunes para esta ocidental praia, onde aos poucos foi constituindo família, e um abrigo. Contudo esse abrigo será sempre precário visto não haver por cá bases sólidas para uma sobrevivência desafogada de um artista. Aqui vai ter se sujeitar ao que há, espalhando a sua criatividade do humor adulto ao humor infantil. Da publicidade ás artes decorativas. Da pintura de retrato á paisagem. De restaurador a Professor de meninos irrequietos.
Para além de trabalho para empresas privadas no âmbito da publicidade (Vacuum, Portugal e Colónias, Agencia Geral do Ultramar…) acabará por pertencer à elite da “politica de espírito” de António Ferro, um grupo de modernistas que deu um novo visual de Portugal além fronteiras nas Feiras Internacionais de Paris e de Nova Iorque, no Mundo Português…
Na imprensa, que é o que interessa mais a esta casa onde estamos a conferenciar ele deixou obra na “Ilustração Portuguesa”, “Diário de Lisboa”, “Riso da Vitória”, “Có-có-ró-Có”, “ABC a Rir”, “ABC”, “ABCzinho”, “Domingo Ilustrado”, “Senhor Doutro”, “Sempre Fixe”, Voga, “Civilização”, “Espectro”, “Ilustração”, “Magazine Bertrand”, “Eva”, “Noticias Ilustrado”, “Joaninha”, “Acção”… Neste percurso português duas fases de destacam, a década de vinte e o trabalho na “Acção”. A década de vinte é o seu período mais significativo do seu contributo para o modernismo português, ousando, sendo irreverente ao mesmo tempo que impunha uma linha mundana e cosmopolita cheio de ironia de influencia do seu trabalho germânico. Destacdo obras do Riso da Vitória, capas do ABC, a capa do livro “Fantoches”… O ambiente português, e o gosto das linhas editoriais foram entretanto adoçando o lápis de Emmérico Nunes na imprensa. O período da “Acção” mostra um traço caligráfico com influencias da estética dominante nos USA dessa época, mas com um cunho pessoal de contrastes entre o claro e escuro e com um tom satírico mais profundo, um pouco mais à direita (na linha editorial do jornal), mas também com um matiz de revolta, de desconsolo com a vida.
Em toda a sua obra está subjacente um lado pedagógico, uma vontade de educar as massas, se não pela ironia, pelo menos pelo gosto estético, ou pela moral ética das histórias mais infantis do ABCzinho, Senhor Doutor… 
Como escreveu António Ferro, «O Magazine é a espuma da vida, tudo quanto ela tem de branco, de rendilhado”. Foi esse mar sempre revolto, mas pacificador que deu voz ao modernismo, que os fez sonhar com novas terras estéticas, com um novo povo mais educado em beleza estética. «Eu sei bem que o público não sente a necessidade de arte, – disse Christiano Cruz em entrevista - da mesma maneira que não sente a necessidade de lavar os pés. Mas as necessidades criam-se e essa tarefa só nos pode caber a nós, dada a impossibilidade de mandar o meio, a Paris, educar a vista…»
Emmérico Nunes foi um desses educadores, um artista mal amado, como quase todos os outros artistas nacionais. Um artistas que poucos conhecem, e que deve ser urgentemente recuperado, assim como toda a sua obra internacional. Estas capas, estes trabalhos para crianças são arte menor? Sim sabemos que é essa a ideia das principais cabeças mandantes deste país. Não interessa olhar demasiado longe para ver a boa arte. Hoje em dia todo o município que se preze tem o seu Museu de Arte Contemporânea. Se não tem um museu tem um centro, se não é um centro é uma colecção, como se o futuro dependesse de hoje, e não do passado. Antes de reverenciarmos desalmadamente os artistas de hoje em Museus, trabalhos esses que irão para o lixo daqui a uns anos após o esfriamento do subjectivismo dos seus directores, devemos primeiro conhecer a fundo o passado, e saber que um simplicissimus modernista é significante de obras de um época fundamental da nossa historia da nossa identidade cultural.
(Texto base da conferencia proferida na Hemerotica de Lisboa em Junho de 2008)

Wednesday, May 08, 2013

18º Marcosur Internacional Prémio Diógenes Taborda





Crónica Rosário Breve - Alegoria apícola por Daniel Abrunheiro


Nada perdura que humano seja.
Brilhantes terão sido as empenas das hoje áridas Pirâmides do Egipto. Da imortalidade a que se propuseram, areia ficou só, que permanecer não há-de.
Tirante esta melancolia, permiti-me Vós que Vos narre certa teimosa perduração de que o muito outonecer da vida me faz presença, gala e abespinhada teimosia. Foi quando o Carlos “Minhoca” da Fonseca gozou sem ofensa o bom Augusto Abreu.
Passou-se isto num Inverno benévolo de há coisa de vinte e picos anos. O Augusto tinha ajudado o filho a apossa-trespassar-se de um café-restaurante dedicado a refeições operário-diárias. A malta frequentava aquilo à noite, extintas do expediente as obrigações horárias. Tinha outra coisa, o Augusto Abreu: era homem de virtudes d’antigamente, daquelas virtudes que sabem o valor da horta, a beneficência da árvore de fruto, o tesourinho do porco d’engorda, o quanto para comprar uma lareira conta o salmourar da sardinha em caixa de sal com fundo de feto roubado ao pinhal. Era um homem que se interessava, pronto.
E, pronto, o Carlos “Minhoca” da Fonseca não quis outra vítima que Augusto, agravado de Abreu, se não chamasse, nesse Inverno que nem eu nem Vós reviveremos.
Disse assim o “Minhoca”, como quem não quer a coisa:
– Palavra de honra que achei estranho a mulher só me ter pedido 500 paus por um pote de dois litros de mel do purinho.
Eu nada disse: porque sei bem mais de minhocas do que de apiculturas. Mas o Augusto Abreu (bom homem, pai de seu casalinho, maridinho de sua esposa varizenta & cultor indefectível de seu quintalinho sem ferrugem nem caracol fumigado) caiu que nem um estorninho em visco armadilhado com anzol de silveira:
– Ó senhor Carlos, o senhor desculpe mas isso interessa-me muito. Eu fico com dez potes, se o senhor me der o número de telefone da senhora.
E o sacana do “Minhoca” assim:
– Dou-lho com todo o gosto, senhor Augusto, mas vai ter de esperar dois anos pela encomenda.
E o pobre Augusto assim para ele:
– Dois anos?! Então porquê?
E o mau: – Pois, dois anos porque a senhora de momento está a trabalhar só com uma abelha.
Ora, isto do trabalhar da solitária zunidora e da ilusão da eternidade tem tudo a ver com o mesmo, digo (ou bebo) eu.
E de potes, notas de 500 à Alves dos Reis, minhocas, abelhas e coelhos percebo eu.
E também muito de pirâmides, que mortas estão mas continuam a apontar para o céu como os imbecis que ainda se admiram de ver passar aviões que de Bruxelas, ou de Berlim, nada mais trazem que perdure senão a inelutabilidade da morte e a porquita miséria a meio conto de réis o pote.

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