Saturday, May 11, 2013
Le Canard Libéré nº296
Pour être vrai et drôle, le bon réflexe chez Le Canard Libéré
Les délices du Canard : enquêtes poussées, caricatures politiques, indiscrétions croustillantes
et bien autres révélations... Surtout, ne manquez pas le rendez-vous avec votre hebdomadaire satirique du vendredi.
Bonne dégustation !
Les délices du Canard : enquêtes poussées, caricatures politiques, indiscrétions croustillantes
et bien autres révélations... Surtout, ne manquez pas le rendez-vous avec votre hebdomadaire satirique du vendredi.
Bonne dégustation !
Si vous avez des difficultés pour visualiser ce message, cliquez ici
© 2013
Thursday, May 09, 2013
Historia da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1913 por Osvaldo Macedo de Sousa
1913
Este último realizará, em 1913,
uma exposição individual, merecendo a primeira crítica pós-modernista, assinada
por Fernando Pessoa. Nela, o poeta manifesta a sua ignorância sobre o humorismo
e a sua arrogância, descrita por Leal da Câmara como raça de dominadores que
marcam fronteiras imaginária, decretando a sátira como a arte do fútil, do
ódio, uma arte satânica, na linha de Baudelaire (outro poeta). Num texto de
paradoxos, como ele confessa, acaba por dar meia dúzia de palavras sobre a arte
de Almada Negreiros, obras que ele posteriormente confessará, desconhecia, já
que não visitou a exposição. Contudo, afirmará que «Almada Negreiros pertence
aos satíricos que se aplicam a dar a futilidade das cousas /.../ Negreiros não
ê um génio manifesta-se em não se Manifestar. Eu creio que ele tem talento.
Basta reparar que ao sorriso do seu lápis se liga o polymorphismo da sua arte
para voltarmos as costas a conceder-lhe inteligência apenas...»
Outro poeta, Mário de
Sá-Carneiro, que posteriormente estará ligado a uma revista que é apresentada
como a revolucionária do Modernismo, mas mais no campo literário, também fará
comentários trocistas a outro vanguardista português: «Amadeo ê um tipo blagueur,
snob, vaidoso, intolerável, etc. etc. Parece que não se pode ser cubista sem
ser impertinente e blagueur...»
Devido ao sucesso do primeiro
Salão dos Humoristas, estes conseguem realizar, no ano seguinte uma segunda
versão, com um catálogo mais cuidado, com auto-biografias, algumas delas
burlescas, e onde, de novo, se destacará Christiano Cruz, que também será o
autor do desenho da capa. A introdução é um magnífico texto de André Brun sobre
o Humorismo, do qual já publicamos aqui alguns trechos.
Serão praticamente os mesmos
artistas a participar, mantendo-se a ausência de Luíz Filipe e Correia Dias (que
chegam a ventilar por troca de cartas a eventual participação), mas já com a
presença de Leal da Câmara (visto o principal óbice, que tinha sido o académico
Joaquim Guerreiro estar ausente), assim como mais nove artistas, destacando-se
António Soares e Mily Possoz como novos valores modernistas. Ausentar-se-ão dez
caricaturistas, sem grande perda para o Salão.
Se, na primeira vez, pela
novidade irreverente, mereceu a visita do Presidente da República, e o total
apoio da imprensa, neste ano o sucesso não foi tão grande. Se, na primeira
versão, o modernismo foi louvado pelos críticos de tendência moderna, neste
segundo ano, os críticos mais conservadores perderam o medo, e atacaram as
ousadias, as irreverências, não pelas suas concepções estéticas novas, pelas
novidades técnicas, mas sim pelo espírito mais profundo de nacionalismo.
Vivendo-se num período de
reformulação do país, de nacionalidade espicaçada contra as monarquias
europeias que não nos queriam aceitar republicanos, o nacionalismo era uma
bandeira muito forte.
Ora os conservadores
naturalistas, que já se tinham esquecido que importaram o romantismo e o
naturalismo estético (porque de alma sempre o fomos) de França, atacam os novos
por serem estrangeirados.
O naturalismo que ressaltava o
nosso pitoresco, o nosso olhar bucólico da vida, o nosso povo parado no tempo
do folclorismo, não deveria ser alterado. Aceitava-se, a custo, as mudanças
radicais políticas, como a separação do Estado e da Igreja, as reformas
Sindicais... e demais reivindicações da sociedade menor. Contudo, a cultura,
como património da Alta Sociedade, não deveria ser alterada. Está em confronto
o tradicionalismo-nacionalismo com a vanguarda-intemacionalismo, ou seja a
sociedade entalada no confronto entre o padrão da burguesia, contra o movimento
operário, um confronto que existe em toda a sociedade ocidental de então.
É verdade que o modernismo é uma
importação, como foram todas as tendências estéticas. É uma tentativa, nem
sempre conseguida, sendo muitas vezes do género "saloio" novo-riquismo,
de acompanhar o progresso cultural europeu.
Se vários são os críticos que
atacam o modernismo, destaca-se, de entre eles, Alberto de Souza, por ser um
conceituado artista, um indivíduo que deveria ter uns horizontes mais ~
receptivos à abertura do progresso. Ele, no "Diário da Tarde" de
26/5/1913 escreverá “Reconheço que há entre os novos, rapazes de valor, mas
também vejo que o que se faz é a desnacionalização da nossa caricatura.
Na "Capital" de 6/6/13
escreverá outro crítico: Contrista-nos ver a subserviência com que a maioria
dos expositores j imita a caricatura estrangeira, desprezando e deixando
esquecer os typos e costumes genuinamente portugueses, e que caracterizam a
nossa sociedade.
De novo será Christiano Cruz a
defender os artistas modernos destes ataques, desta feita no "Diário da
Tarde de 28/5/1913 dizendo: Diz o senhor AIberto de Sousa que nós, os
caricaturistas novos, temos um traço pouco nacional.
No conceito desse senhor nós
emparelhamos com os traidores à Pátria, negociando planos de mobilização e ...
fazendo caricaturas.
O traço nacional constitui, pois,
para o senhor de Sousa um símbolo nacional ao lado do hino e da bandeira ...
Mas este furor patriótico, assim manifestado, não é só do senhor Sousa: é de
todos aqueles que não vêem numa obra de arte senão as tintas.
O Sr. Sousa, como esses outros
cavalheiros, queria-nos eternamente agarrados ao tradicional, venerando
fanaticamente os bonzos da arte, copiando-lhes a maneira de ser do seu espírito
e, embebidos na sua obra, plagiando-lhes ... o traço.
O Traço ! ....
O Sr. Alberto de Sousa, porém,
considerando esses mestres como modelos, como ponto de partida de tudo o que se
fez e fizer, reconhecendo-lhes em suma, uma pureza de traço toda portuguesa,
mostra implicitamente desconhecer o paralelismo de estilo, na sua opinião,
verdadeiramente comprometedor, entre as caricaturas do jornal francês Charivari
e os seus congéneres portugueses.
Esta analogia nada tem de
desonra: o artista do seu tempo assimila e adapta ao seu temperamento o
espírito da época, reflectida na maneira de ver dos seus camaradas.
Assim, ao passo que a caricatura
moderna tem uma feição pessimista, rindo de um modo doentio e céptico, as
charges dos humoristas, nossos avós, eram de um riso franco e saudável,
revelador da mais enternecedora ingenuidade.
Temos o pressentimento de que o
Sr. A. de S. nos acusará de outro crime: o de não pintarmos tipos portugueses!
Mas, digo isto já um pouco
zangado, creia, quererá o nosso patriótico adversário que passemos a vida
desenhando a mulher da hortaliça e os galegos das malas ?
Que nos ocupemos de politica com
cOlnentários de barbeiro?
A nossa legenda é: A GUERRA À
BOTA DE ELÁSTICO!
Este será o primeiro "Grito
de Ipiranga" do Modernismo, termo que ficará na tradição popular. A
"bota-de-elástico" era uma peça de calçado usada pelo velhos
políticos, e que Salazar também optará e, dessa forma, esta peça de vestuário
ficará como ícone de conservadorismo.
O "Diário da Tarde", ao
entrevistar uma série de artistas presentes no Salão, vai dar voz aos novos, e
desse modo conhecermos quais as suas opções de ruptura. Christiano Cruz dirá
que existe um rejuvenescimento, e esse rejuvenescintento acentua-se até na
derrota infligida à caricatura política, estreita e cheia de limites. António
Soares refere a mesma questão ao dizer, acho que o golpe dado à caricatura
política é o melhor gesto dos novos, e marca uma fase nova da arte. Almada
finaliza com a sentença - os novos devem orientar-se principalmente, no sentido
de caminhar longe dos moldes de Bordallo Pinheiro.
EMMÉRICO HARTWICH NUNES UM SIMPLICISSIMUS MODERNISTA (Lisboa 6/1/1888 – Sines 18/1/1968) Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Recordar Emmérico Nunes é abrir a arca do esquecimento, é
reabrir a história deste país tão bem esquecida oficialmente pelo poder.
Emmérico é um desconhecido mestre das nossas artes, por isso toda e qualquer
iniciativa que traga ao conhecimento mais um pouco da sua obra é sempre de
louvar. Eu, que até sou um curioso da sua obra, pouco conheço do que ele
realizou além fronteiras, ou na pintura. Infelizmente nunca tive a oportunidade
de abarcar a sua vasta e dispersa obra pictórica, publicitária, decorativa e
internacional.
Não é minha intenção fazer aqui a sua biografia, já que ele
nos deixou seus passos bem descritos numa autobiografia que eu recomendo a
leitura. Apenas desejo deixar aqui a minha modesta deambulação pelos seus
tempos e obra enquadrada na época.
Nascido no seio de uma família com formação artística (pai
arquitecto, mãe pintora, poetisa…) sempre esteve rodeado pelas musas e pela
irreverência, apesar de uma educação Burguesa de classe alta, e portanto
conservadora.
Sabemos que ainda criança se lançou nas primeiras aventuras
editoriais caseiras, com o que hoje se poderia apelidar fanzines, aos quais ele
deu por títulos pomposos de “O Paiz”, “Risota”, “Folhas Volantes”… o que
testemunha uma consciência satírica de um jovem com 10 anos.
Em sua casa liam-se os jornais humorísticos da época, razão
pela qual ele é desde tenra idade admirador de Raphael Bordallo, e mais ainda
de Leal da Câmara e Celso Hermínio que ele usufruiu na Corja, na Marselheza, e
que logo marcaram o seu pendor satírico expressionista.
O pai, como um bom chefe de família preocupado com o futuro
da prole, tenta encaminha-lo para o comércio, primeiro no Liceu Politécnico,
depois na Escola Comercial Peixoto. O mesmo tinha tentado Manuel Maria Bordallo
Pinheiro ao querer amarrar Raphael às mangas-de-alpaca, só que a irreverência
juvenil quebra na maior parte das vezes essas vontades. A teimosia artística
convence o pai a deixa-lo estudar na Escola de Belas Artes onde frequenta as
classes do Condeixa, do Alberto Nunes… O pai cauteloso questiona Malhoa sobre o
futuro do seu filho, e este profere a célebre sentença: «Se você pode, acho que
faz bem em tirar o pequeno da Escola e mandá-lo estudar para Paris. Aqui em
Lisboa está 8 anos a marcar passo. Mas em Paris o ambiente e os métodos de
ensino, se ele souber aproveitar, farão dele um artista em metade desse tempo.»
O veredicto estava dado, e lá seguiu o seu destino em 1906/7 emparceirando-se
com outros bolseiros, ou irreverentes das artes que viviam Paris como um
sorvedouro de artes. Ai não se restringiu às Academias Livres do Ferdinand
Cormon, à Academie Julien, frequenta mesmo a École dês Beaux Arts durante
quatro anos. Em 1910 faz umas incursões de pesquisa pela Inglaterra, Holanda e
Bélgica e em 1911 encontramo-lo em Munique a frequentar a Kunstakademie ou o
Atelier de Heimann… De toda aquela geração de estudantes a voarem para além
fronteiras na procura de novos caminhos estéticos, ele e Amadeo de
Souza-Cardoso serão os que melhor aproveitarão as chances oferecidas. Emmérico
estudou com os mestres possíveis, para poder renega-los e criar o seu estilo
imbuído pelas boémias parisienses ou alemãs, para captar o novo ambiente plástico
da Europa.
Amadeo em suas cartas revela um pouco o
ambiente de então ao escrever: «os amigos compatriotas, que marcham numa
rotina atrasada. Arte é bem outra coisa que quase toda a gente pensa, é bem
mais que muita gente julga. Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, aparte
raras coisas.»
«Hoje os artistas preocupam-se com a
realidade, pretendem imitar a natureza como se ela fosse imitável, não sentem
emoções grandes, porque são neutras de nascença as suas almas - em suma, é o
ocaso duma religião que passou.»
Em Portugal a arte
não vive, sobrevive. As correntes estéticas não germinavam, nem se
desenvolviam, copiavam-se. Os ismos dominantes eram o chiadismo, o cafezismo, o
pedantismo, e o pedintismos de bolsas… o academismo regente era a imitação vazia
de escolas e quando alguns quiseram gritar uma nova liberdade estética, esse
grito soou vazio, porque ninguém pode ser livre de algo, se não conhece as
prisões dessas regras. Primeiro tem que se conhecer os Mestres a fundo para os
poder renegar.
Em Paris o que os
pensionistas encontraram foi um ambiente de anarquia filosófica-estética, onde
chocavam, e entrecruzavam-se o naturalismo, o expressionismo, o fauvismo, o
pontilismo… e tantos outros ismos irreverentes ou académicos. Raros foram os
que conseguiram visualizar algo entre tanta informação nova, optando a maioria
por se socorrer do que conheciam melhor da sua formação em terras lusas.
Regressou a maioria com os mesmos tiques plásticos, mas com alguns
deslumbramentos mais cosmopolitas, com a paleta menos sombria…
O que mais
fascinava estes jovens era por um lado a boémia parisiense, o convívio entre
idealistas das estéticas, do pensamento inovador na viragem do século… Por
outro, a oportunidade de verem ao vivo, de copiarem os mestres do passado no Louvre,
nas reproduções que aqui se encontravam com maior facilidade. Em relação às
vanguardas, a maior parte delas passavam ao lado, nas tertúlias de outro café,
nos disputas de outros círculos… e além disso, para se enveredar por essas
irreverências era necessário estar filosoficamente nessa onda, nesse via de
criatividade o que não acontecia à grande parte dos artistas que viviam por
Paris. Não tinham formação estética, filosófica ou ideológica para avançarem
nessa senda. Isso não quer dizer que no meio dos modernistas moderados não
vamos encontrar um ou outro trabalho de tendência cubista, futurista, dadaista…
numa linha mais irónica, de paródia ou de simples desvio ocasional na obra de
um artista.
Em Portugal estas
novas formas de abordar a arte, procurando recusar o passado, mas sem saber
qual o futuro, ficaram conhecidas como Modernismo. Este é um movimento sem
bases programáticas definidas, só uma vaga filosofia de utilitarismo plástico,
de síntese de expressão estrutural com alguma ideologia de socialismo estético.
É por essa razão que o humor gráfico está quase sempre presente na obra desses
jovens, quando não é ele que lidera as vanguardas mais ousadas do traço.
Temos que recordar
que este início do séc. XX, em consequência do que se foi desenvolvendo com o
liberalismo, é uma revolução no estatuto do artista. Antes ele era um
assalariado do Poder (religioso ou politico), um protegido do mecenas… Agora
ele é livre… de morrer à fome. Pode não obedecer ao gosto dos outros, mas ao
mesmo tempo tem de comprar o gosto do crítico, do galerista. A sobrevivência
será sempre o factor principal da obra de qualquer artista, e nestes novos
tempos, a ligação ao mundo empresarial (comércio, industria) será uma das
possíveis saídas artísticas.
O personagem mais
importante desta era modernista será o papel, como veículo experimental, ou
como cartão para reprodução na imprensa, no cartaz, na publicidade… O desenho
já não é um simples croqui, é a obra final num diálogo mais democrático com o
novo público. As técnicas não tem barreiras de suporte e os óleos, os pateis,
as aguarelas… assim como a desconstrução da realidade em colagens,
foto-montagens… invadem o papel “moderno”.
Emmérico Nunes que
não queria seguir a carreira comercial teve de passar a vida dependente desse
mundo. A imprensa, o cartaz, e publicidade, o design são uma vias mais fáceis
de sobrevivência, as quais exigem novas linguagens, sínteses de comunicação. Há
uma perfeita harmonia entre o desejo de ser vanguarda e a necessidade comercial
das novas formas de comunicação. O Modernismo será pois a conjugação dessas
duas vontades.
Já todos sabiam que a Política é essa grande
porca que nunca morre, antes se transforma, se renova em cada ninhada igual à
anterior. Por isso a sátira política chegou a um momento que apenas se repetia,
sendo um triste espelha da politica, uma serpente a morder a cauda, sem dar
nada de novo. Por isso Christinao Cruz, na senda do novo pensamento modernista
que domina a Europa, defende: «Depois de
Bordallo ninguém fez nada na caricatura política que mereça menção: e embora a
ela se dediquem muitos... E aos quais, note, eu não penso em negar talento, mas
ao examinar uma página dos jornais humorísticos actuais eu vejo sempre uma
página do 'António Maria' apenas virada do avesso... /…/ A caricatura
impessoal, a única que lá fora tem feito
grandes artistas, não é conhecida em Portugal. O irritante e perspicaz quem é,
acompanhando sempre a vista de um desenho impessoal, na esperança de ver surgir
as convencionais figuras dos nossos estadistas, é um sintoma da mania política
do nosso público. É preciso fazer-lhe desviar a atenção para a caricatura
social, para a caricatura de costumes, enfim, para a verdadeira caricatura: a
impessoal.»
André Brun, no Catálogo do Salão dos
Humoristas de 1913, acrescentará: «O Humorismo, desde que for a reconhecido,
baptizado e deitado à margem da arte séria, for a sempre vivendo, e se bem que
o não vissem senão sob o aspecto d'um garoto da rua, gracioso e impertinente,
ia criando músculos e caminhando com serenidade.
/…/ Um dia - o de hoje - a Arte chegou enfim
a uma franca simplicidade. Despiu-se de todos os falsos atavios que séculos
tinham ido sobrepondo sobre a nudez deslumbrante e já não busca iludir com
grandes gestos, mas convencer com raciocínio. Reduzir a vida às equações claras
e positivas, e quando a arte, professada por pontífices solenes e académicos,
chegou a esta meta, encontrou, esperando-a tranquilamente e olhando-a com um
sorriso, o Humorismo. Esse que ela sempre tomara, até então, por um gaiato irreverente,
verificou-se que for a quem sempre conduzira o facho da verdade.»
Esse novo universo de critica social é
capitaneada em França pelo “Rire”, “L’Assiete au Beurre”, na Alemanha pelo
“Simplicissimus”, pelo “Meggendorfer Blatter”… jornais que eram devorados em
Portugal pelos jovens irreverentes, e que levará 4 artistas a viverem em
Coimbra a impor o modernismo em Portugal. São eles Christiano Cruz, Correia Dias,
Luiz Philipe e Cerveira Pinto. Aconteceu em 1909. Quando se realiza em 1911 uma
exposição dita de Os Livres, já o modernismo vivia entre nós, e essa exposição
de bolseiros de Paris nada trouxe á pacata cidade de Lisboa. O seu mentor,
Manuel Bentes defendia: «A Arte não tem sistemas, tem emoções /…/ Queremos
ser livres ! Fugimos aos dogmas do ensino, às imposições dos mestres, e, quando
possível, às influências das escolas, porque cremos que os artistas têm uma só
escola - a Natureza; um dogma único - o Amor".»
De livres eles não
tinham nada, pois dependiam totalmente das bolsas do estado, e só vieram
mostrar que pouco tinham aprendido de inovador nesses anos de estudo além
fronteiras. Não fugiam aos dogmas de escolas e dos mestres, porque não as
dominavam, porque não ousavam. O único que se distinguiu naquela mediania foi
Emmérico Nunes que não esteve presente em pessoa, mas enviou trabalhos, numa
cumplicidade com os compatriotas que procurou manter sempre, enviando trabalhos
para os salões do Humoristas também.
A sua ascendência
germânica facilitou-lhe a vida em
Munique. A sua abertura estética para o Modernismo, com um
espírito arguto de critica satírica deram-lhe espaço para ser de imediato
aceite nos quadros do jornal “Meggendorfer Blatter”, o segundo jornais mais
importante do humor germânico. Em Paris ele apreendeu a simplicidade elegante
da sátira social, misturando o traço arte-nova com o expressionismo, explorando
as linhas geométricas do cosmopolitismo, com um traço agressivo da acutilância
critica. Ele era um bom sucessor de um Leal da Câmara, de um Celso Hermínio
juvenis que para sobreviverem acabaram por adoçar o traço. Emmérico, por seu
lado estava nos países que amavam essa forma irreverente de desenhar, e assim
se manteve durante duas décadas no “Meggendorfer Blatter, assim como colaborará
com o “Fliegende Blatter”, o “Zuricher Ilustrierte Zeitung”, o “Haagscher
Courant”, “Der Spatz”, “Buen Humor”… um trabalho que fez dispersar mais de dois
milhares de desenhos, originais quase todos perdidos nas redacções desses
periódicos de além fronteiras. Devido a esta longa colaboração com os jornais
germânicos, suíços e holandeses li em alguns textos sobre Emmérico como o
artista português que mais publicou no estrangeiro. Isso é falso porque não nos
podemos esquecer de um Julião Machado que trabalhou durante quase três décadas
no Brasil, de Leal da Câmara que teve colaboração em Paris de 1900 a 1915, de Correia Dias
que também no Brasil trabalhou de 1914 a 1935, do Zeco, do Hugo Sarmento… ou do
Brito que trabalha em Paris desde 1970 até aos nossos dias. Foi contudo um dos
artistas que mais sucesso teve além fronteiras, porém esse sucesso infelizmente
não teve repercussão significativa na sua carreira em Portugal.
A sua vida será uma
constante viagem entre a Alemanha, a Suiça e Portugal. Os tempos eram
conturbados, novos ventos estranhos arrasavam o espírito livre da Europa, e se
um dia se realizar a recolha de todo esse material publicado além fronteiras ver-se-á
um excepcional retrato dos costumes, das vicissitudes dos pequeno-burgueses e
novos ricos europeus, desde o cosmopolitismo urbano do centro da Europa ao
mundo rural da Baviera, dos cantões suíços cheios de ironia, de bom humor.
E. N. nunca
trabalhou para o “Simplicissimus”, mas como não dava jeito fazer um trocadinho
com o “Meggendorfer” usamos essa muleta para dizer que Emmérico Nunes é um “Simplicissimus”
Modernista. A corrente estética é semelhante entre os dois jornais, ou seja a
síntese plástica aliada ao expressionismo satírico. Emmérico Nunes foi o
artista português que melhor simboliza essa linha, à qual poderíamos ligar
Christiano Cruz ou António Soares. Noutras variantes ainda mais sintéticas e
menos expressionistas temos todos os outros ditos modernistas como Almada,
Barradas, Collomb…
A modernidade de
Emmérico Nunes está condicionada ao diálogo com o seu público. Para além de ma
paleta mais aberta, com cores fortes e expressionista, a síntese do traço, numa
caligrafia de comunicação directa sem barroquismos, dominarão a sua obra.
As guerras e
instabilidades no centro da Europa foram empurrando Emmérico Nunes para esta
ocidental praia, onde aos poucos foi constituindo família, e um abrigo. Contudo
esse abrigo será sempre precário visto não haver por cá bases sólidas para uma
sobrevivência desafogada de um artista. Aqui vai ter se sujeitar ao que há,
espalhando a sua criatividade do humor adulto ao humor infantil. Da publicidade
ás artes decorativas. Da pintura de retrato á paisagem. De restaurador a
Professor de meninos irrequietos.
Para além de
trabalho para empresas privadas no âmbito da publicidade (Vacuum, Portugal e
Colónias, Agencia Geral do Ultramar…) acabará por pertencer à elite da
“politica de espírito” de António Ferro, um grupo de modernistas que deu um
novo visual de Portugal além fronteiras nas Feiras Internacionais de Paris e de
Nova Iorque, no Mundo Português…
Na imprensa, que é
o que interessa mais a esta casa onde estamos a conferenciar ele deixou obra na
“Ilustração Portuguesa”, “Diário de Lisboa”, “Riso da Vitória”, “Có-có-ró-Có”,
“ABC a Rir”, “ABC”, “ABCzinho”, “Domingo Ilustrado”, “Senhor Doutro”, “Sempre
Fixe”, Voga, “Civilização”, “Espectro”, “Ilustração”, “Magazine Bertrand”,
“Eva”, “Noticias Ilustrado”, “Joaninha”, “Acção”… Neste percurso português duas
fases de destacam, a década de vinte e o trabalho na “Acção”. A década de vinte
é o seu período mais significativo do seu contributo para o modernismo
português, ousando, sendo irreverente ao mesmo tempo que impunha uma linha
mundana e cosmopolita cheio de ironia de influencia do seu trabalho germânico.
Destacdo obras do Riso da Vitória, capas do ABC, a capa do livro “Fantoches”… O
ambiente português, e o gosto das linhas editoriais foram entretanto adoçando o
lápis de Emmérico Nunes na imprensa. O período da “Acção” mostra um traço
caligráfico com influencias da estética dominante nos USA dessa época, mas com
um cunho pessoal de contrastes entre o claro e escuro e com um tom satírico
mais profundo, um pouco mais à direita (na linha editorial do jornal), mas
também com um matiz de revolta, de desconsolo com a vida.
Em toda a sua obra
está subjacente um lado pedagógico, uma vontade de educar as massas, se não
pela ironia, pelo menos pelo gosto estético, ou pela moral ética das histórias
mais infantis do ABCzinho, Senhor Doutor…
Como escreveu
António Ferro, «O Magazine é a espuma da vida, tudo quanto ela tem de branco,
de rendilhado”. Foi esse mar sempre revolto, mas pacificador que deu
voz ao modernismo, que os fez sonhar com novas terras estéticas, com um novo
povo mais educado em beleza estética. «Eu sei bem que o público não sente a
necessidade de arte, – disse Christiano Cruz em entrevista - da mesma
maneira que não sente a necessidade de lavar os pés. Mas as necessidades
criam-se e essa tarefa só nos pode caber a nós, dada a impossibilidade de
mandar o meio, a Paris, educar a vista…»
Emmérico Nunes foi
um desses educadores, um artista mal amado, como quase todos os outros artistas
nacionais. Um artistas que poucos conhecem, e que deve ser urgentemente
recuperado, assim como toda a sua obra internacional. Estas capas, estes
trabalhos para crianças são arte menor? Sim sabemos que é essa a ideia das
principais cabeças mandantes deste país. Não interessa olhar demasiado longe
para ver a boa arte. Hoje em dia todo o município que se preze tem o seu Museu
de Arte Contemporânea. Se não tem um museu tem um centro, se não é um centro é
uma colecção, como se o futuro dependesse de hoje, e não do passado. Antes de
reverenciarmos desalmadamente os artistas de hoje em Museus, trabalhos esses
que irão para o lixo daqui a uns anos após o esfriamento do subjectivismo dos
seus directores, devemos primeiro conhecer a fundo o passado, e saber que um
simplicissimus modernista é significante de obras de um época fundamental da
nossa historia da nossa identidade cultural.
(Texto base da conferencia proferida na Hemerotica de Lisboa em Junho de 2008)
(Texto base da conferencia proferida na Hemerotica de Lisboa em Junho de 2008)
Wednesday, May 08, 2013
18º Marcosur Internacional Prémio Diógenes Taborda
Crónica Rosário Breve - Alegoria apícola por Daniel Abrunheiro
Nada perdura que humano seja.
Brilhantes terão sido as empenas das hoje áridas
Pirâmides do Egipto. Da imortalidade a que se propuseram, areia ficou só, que
permanecer não há-de.
Tirante esta melancolia, permiti-me Vós que Vos
narre certa teimosa perduração de que o muito outonecer da vida me faz
presença, gala e abespinhada teimosia. Foi quando o Carlos “Minhoca” da Fonseca
gozou sem ofensa o bom Augusto Abreu.
Passou-se isto num Inverno benévolo de há coisa
de vinte e picos anos. O Augusto tinha ajudado o filho a apossa-trespassar-se
de um café-restaurante dedicado a refeições operário-diárias. A malta
frequentava aquilo à noite, extintas do expediente as obrigações horárias.
Tinha outra coisa, o Augusto Abreu: era homem de virtudes d’antigamente,
daquelas virtudes que sabem o valor da horta, a beneficência da árvore de
fruto, o tesourinho do porco d’engorda, o quanto para comprar uma lareira conta
o salmourar da sardinha em caixa de sal com fundo de feto roubado ao pinhal.
Era um homem que se interessava, pronto.
E, pronto, o Carlos “Minhoca” da Fonseca não
quis outra vítima que Augusto, agravado de Abreu, se não chamasse, nesse
Inverno que nem eu nem Vós reviveremos.
Disse assim o “Minhoca”, como quem não quer a
coisa:
– Palavra
de honra que achei estranho a mulher só me ter pedido 500 paus por um pote de
dois litros de mel do purinho.
Eu nada disse: porque sei bem mais de minhocas
do que de apiculturas. Mas o Augusto Abreu (bom homem, pai de seu casalinho,
maridinho de sua esposa varizenta & cultor indefectível de seu quintalinho
sem ferrugem nem caracol fumigado) caiu que nem um estorninho em visco
armadilhado com anzol de silveira:
– Ó senhor
Carlos, o senhor desculpe mas isso interessa-me muito. Eu fico com dez potes,
se o senhor me der o número de telefone da senhora.
E o sacana do “Minhoca” assim:
– Dou-lho
com todo o gosto, senhor Augusto, mas vai ter de esperar dois anos pela
encomenda.
E o pobre Augusto assim para ele:
– Dois
anos?! Então porquê?
E o mau: –
Pois, dois anos porque a senhora de momento está a trabalhar só com uma abelha.
Ora, isto do trabalhar da solitária zunidora e
da ilusão da eternidade tem tudo a ver com o mesmo, digo (ou bebo) eu.
E de potes, notas de 500 à Alves dos Reis, minhocas,
abelhas e coelhos percebo eu.
E também muito de pirâmides, que mortas estão
mas continuam a apontar para o céu como os imbecis que ainda se admiram de ver
passar aviões que de Bruxelas, ou de Berlim, nada mais trazem que perdure senão
a inelutabilidade da morte e a porquita miséria a meio conto de réis o pote.