Thursday, May 09, 2013
Historia da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1913 por Osvaldo Macedo de Sousa
1913
Este último realizará, em 1913,
uma exposição individual, merecendo a primeira crítica pós-modernista, assinada
por Fernando Pessoa. Nela, o poeta manifesta a sua ignorância sobre o humorismo
e a sua arrogância, descrita por Leal da Câmara como raça de dominadores que
marcam fronteiras imaginária, decretando a sátira como a arte do fútil, do
ódio, uma arte satânica, na linha de Baudelaire (outro poeta). Num texto de
paradoxos, como ele confessa, acaba por dar meia dúzia de palavras sobre a arte
de Almada Negreiros, obras que ele posteriormente confessará, desconhecia, já
que não visitou a exposição. Contudo, afirmará que «Almada Negreiros pertence
aos satíricos que se aplicam a dar a futilidade das cousas /.../ Negreiros não
ê um génio manifesta-se em não se Manifestar. Eu creio que ele tem talento.
Basta reparar que ao sorriso do seu lápis se liga o polymorphismo da sua arte
para voltarmos as costas a conceder-lhe inteligência apenas...»
Outro poeta, Mário de
Sá-Carneiro, que posteriormente estará ligado a uma revista que é apresentada
como a revolucionária do Modernismo, mas mais no campo literário, também fará
comentários trocistas a outro vanguardista português: «Amadeo ê um tipo blagueur,
snob, vaidoso, intolerável, etc. etc. Parece que não se pode ser cubista sem
ser impertinente e blagueur...»
Devido ao sucesso do primeiro
Salão dos Humoristas, estes conseguem realizar, no ano seguinte uma segunda
versão, com um catálogo mais cuidado, com auto-biografias, algumas delas
burlescas, e onde, de novo, se destacará Christiano Cruz, que também será o
autor do desenho da capa. A introdução é um magnífico texto de André Brun sobre
o Humorismo, do qual já publicamos aqui alguns trechos.
Serão praticamente os mesmos
artistas a participar, mantendo-se a ausência de Luíz Filipe e Correia Dias (que
chegam a ventilar por troca de cartas a eventual participação), mas já com a
presença de Leal da Câmara (visto o principal óbice, que tinha sido o académico
Joaquim Guerreiro estar ausente), assim como mais nove artistas, destacando-se
António Soares e Mily Possoz como novos valores modernistas. Ausentar-se-ão dez
caricaturistas, sem grande perda para o Salão.
Se, na primeira vez, pela
novidade irreverente, mereceu a visita do Presidente da República, e o total
apoio da imprensa, neste ano o sucesso não foi tão grande. Se, na primeira
versão, o modernismo foi louvado pelos críticos de tendência moderna, neste
segundo ano, os críticos mais conservadores perderam o medo, e atacaram as
ousadias, as irreverências, não pelas suas concepções estéticas novas, pelas
novidades técnicas, mas sim pelo espírito mais profundo de nacionalismo.
Vivendo-se num período de
reformulação do país, de nacionalidade espicaçada contra as monarquias
europeias que não nos queriam aceitar republicanos, o nacionalismo era uma
bandeira muito forte.
Ora os conservadores
naturalistas, que já se tinham esquecido que importaram o romantismo e o
naturalismo estético (porque de alma sempre o fomos) de França, atacam os novos
por serem estrangeirados.
O naturalismo que ressaltava o
nosso pitoresco, o nosso olhar bucólico da vida, o nosso povo parado no tempo
do folclorismo, não deveria ser alterado. Aceitava-se, a custo, as mudanças
radicais políticas, como a separação do Estado e da Igreja, as reformas
Sindicais... e demais reivindicações da sociedade menor. Contudo, a cultura,
como património da Alta Sociedade, não deveria ser alterada. Está em confronto
o tradicionalismo-nacionalismo com a vanguarda-intemacionalismo, ou seja a
sociedade entalada no confronto entre o padrão da burguesia, contra o movimento
operário, um confronto que existe em toda a sociedade ocidental de então.
É verdade que o modernismo é uma
importação, como foram todas as tendências estéticas. É uma tentativa, nem
sempre conseguida, sendo muitas vezes do género "saloio" novo-riquismo,
de acompanhar o progresso cultural europeu.
Se vários são os críticos que
atacam o modernismo, destaca-se, de entre eles, Alberto de Souza, por ser um
conceituado artista, um indivíduo que deveria ter uns horizontes mais ~
receptivos à abertura do progresso. Ele, no "Diário da Tarde" de
26/5/1913 escreverá “Reconheço que há entre os novos, rapazes de valor, mas
também vejo que o que se faz é a desnacionalização da nossa caricatura.
Na "Capital" de 6/6/13
escreverá outro crítico: Contrista-nos ver a subserviência com que a maioria
dos expositores j imita a caricatura estrangeira, desprezando e deixando
esquecer os typos e costumes genuinamente portugueses, e que caracterizam a
nossa sociedade.
De novo será Christiano Cruz a
defender os artistas modernos destes ataques, desta feita no "Diário da
Tarde de 28/5/1913 dizendo: Diz o senhor AIberto de Sousa que nós, os
caricaturistas novos, temos um traço pouco nacional.
No conceito desse senhor nós
emparelhamos com os traidores à Pátria, negociando planos de mobilização e ...
fazendo caricaturas.
O traço nacional constitui, pois,
para o senhor de Sousa um símbolo nacional ao lado do hino e da bandeira ...
Mas este furor patriótico, assim manifestado, não é só do senhor Sousa: é de
todos aqueles que não vêem numa obra de arte senão as tintas.
O Sr. Sousa, como esses outros
cavalheiros, queria-nos eternamente agarrados ao tradicional, venerando
fanaticamente os bonzos da arte, copiando-lhes a maneira de ser do seu espírito
e, embebidos na sua obra, plagiando-lhes ... o traço.
O Traço ! ....
O Sr. Alberto de Sousa, porém,
considerando esses mestres como modelos, como ponto de partida de tudo o que se
fez e fizer, reconhecendo-lhes em suma, uma pureza de traço toda portuguesa,
mostra implicitamente desconhecer o paralelismo de estilo, na sua opinião,
verdadeiramente comprometedor, entre as caricaturas do jornal francês Charivari
e os seus congéneres portugueses.
Esta analogia nada tem de
desonra: o artista do seu tempo assimila e adapta ao seu temperamento o
espírito da época, reflectida na maneira de ver dos seus camaradas.
Assim, ao passo que a caricatura
moderna tem uma feição pessimista, rindo de um modo doentio e céptico, as
charges dos humoristas, nossos avós, eram de um riso franco e saudável,
revelador da mais enternecedora ingenuidade.
Temos o pressentimento de que o
Sr. A. de S. nos acusará de outro crime: o de não pintarmos tipos portugueses!
Mas, digo isto já um pouco
zangado, creia, quererá o nosso patriótico adversário que passemos a vida
desenhando a mulher da hortaliça e os galegos das malas ?
Que nos ocupemos de politica com
cOlnentários de barbeiro?
A nossa legenda é: A GUERRA À
BOTA DE ELÁSTICO!
Este será o primeiro "Grito
de Ipiranga" do Modernismo, termo que ficará na tradição popular. A
"bota-de-elástico" era uma peça de calçado usada pelo velhos
políticos, e que Salazar também optará e, dessa forma, esta peça de vestuário
ficará como ícone de conservadorismo.
O "Diário da Tarde", ao
entrevistar uma série de artistas presentes no Salão, vai dar voz aos novos, e
desse modo conhecermos quais as suas opções de ruptura. Christiano Cruz dirá
que existe um rejuvenescimento, e esse rejuvenescintento acentua-se até na
derrota infligida à caricatura política, estreita e cheia de limites. António
Soares refere a mesma questão ao dizer, acho que o golpe dado à caricatura
política é o melhor gesto dos novos, e marca uma fase nova da arte. Almada
finaliza com a sentença - os novos devem orientar-se principalmente, no sentido
de caminhar longe dos moldes de Bordallo Pinheiro.