Saturday, November 07, 2020

«Stuart recordado em Mateus» por Osvaldo Macedo de Sousa (in JL – Jornal de Artes e Letras de 27/9/1981)

     Há vinte anos, em Março de 1961, Lisboa perdeu um dos seus habitantes mais «castiços» e talvezo artista que melhore mais apaixonadamente a amou, compreendeu e retratou. Chama-se  José Herculano Torrie Stuart Carvalhais – o Stuart dos «bonecos».

                Os anos foram passando e nada, ou muito pouco foi feito para dar a conhecer a dimensão e versatilidade deste extraordinário artista que encantou a pequenada com o «Quim e Manecas» e deliciou os grandes com as suas varinas de perna bem torneada ou as anedotas do fim da tarde.

                O «Quim e o Manecas» foram substituídos por outras bandas desenhadas, e os traços daquela silhueta característica de beato ao canto da boca e olhar brejeiro por entre as pálpebras semicerradas vão-se esfumando na memória daqueles que o conheceram.

                Ao estudar a obra de Stuart, senti de uma maneira tão forte a injustiça deste esquecimento que me dediquei a escrever uma biografia. Paralelamente, e como forma mais directa de dar a conhecer Stuart e a sua obra, pareceu-me urgente e oportuno, dentro das comemorações do aniversário da sua morte, organizar uma exposição, tanto quanto possível exaustiva, relativamente aos variadíssimos géneros abordados por este artista.

                A ideia da exposição teve logo o franco apoio da Fundação da Casa de Mateus (dirigida pelo Eng. Fernando Albuquerque – Morgado de Mateus / Conde de Mangualde e Vila Real), um organismo que tem contribuído notavelmente para a cultura do nosso país através da organização de cursos vários, colóquios, seminários, espectáculos e exposições. Para além do natural interesse que esse projecto despertaria, a exposição foi objecto de especial carinho por parte não só da Fundação da Casa de Mateus mas também da Câmara Municipal de Vila Real, dado que se tratava de homenagear um vila-realense.

                «Mãos abertas»

                Agrupar um bom número de obras do Stuart para uma exposição não é matéria fácil, já que o «mãos abertas» do Stuart espalhou as suas milhentas obras pelos amigos e conhecidos, ou vendeu-as ao desbarato. Consegui, no entanto a colaboração de vários colecionadores, a quem agradeço e sobretudo a preciosa ajuda do filho do artista, o sr. Raul Stuart Carvalhais. Reunidas as obras e documentos, a exposição foi orientada de maneira a dar ao visitante a imagem dos vários traços, géneros e temas abordados pelo artista – estudos / humor / caricatura / a mulher / teatro / ilustração de livros, revistas e músicas / Lisboa – terminando com um grupo de obras a óleo, pastel, guache, aguarela, «crayon» e tinta-da-china que constitui, em si, a síntese das várias formas de expressão deste artista.

                Após vários adiamentos e peripécias, a inauguração foi marcada para o dia 18 de Setembro. Quis o acaso, ou o destino, que as comemorações do 20º aniversário da morte do Stuart ficassem intimamente ligadas ao Congresso da Vinorde, que teve lugar no mesmo local e na mesma data! O vinho, que fez parte integrante da vida de Stuart, continua ligado a ele após a sua morte…

                À inauguração assistiram o Secretário de Estado da Integração Europeia, Presidente da Fundação da Casa de Mateus, Presidente da Câmara Municipal de Vila Real, embaixador de Portugal em Bruxelas, embaixador de França em Portugal e o encarregado de Negócios da Roménia.

                No dia 2 de Outubro visitarão a exposição o Ministro e o Secretário de Estado da Cultura.

                Trabalhar para comer

                Falar de Stuart Carvalhais, artista, é falar também de Stuart pessoa. A sua vida foi de uma grande instabilidade, uma sequência de altos e baixos, o mesmo acontecendo na arte. A obra do artista é uma inconstante de qualidade e de géneros: Stuart, o humorista, é também o caricaturista, o cenógrafo, o ilustrador de revistas, livros e capas de música. Stuart foi um pouco de tudo, pois tudo o que lhe desse dinheiro, ele fazia.

                Desde cedo que manifestou o seu jeito para o desenho. O primeiro contacto com o profissionalismo foi como aprendiz de pintor de azulejos no estúdio do mestre Jorge Colaço. Em breve os jornais o atraem. O «Século» é o primeiro periódico para onde trabalha. Jornais e revistas serão as sanguessugas do seu génio. A sua vida, a partir desse momento, foi essencialmente o trabalho para a imprensa. Se nos primeiros vinte anos a caricatura política dominou, a partir de 1926, por razões da política nacional, o humorismo (branco) dominará.

                Entretanto, a par da caricatura e do humor, Stuart foi abordando outros campos: o desenho para as crianças fascinou-o e nesse trabalho a banda desenhada toma uma grandeza justificada, não só pelo èxito das séries («Quim e Manecas», «Cócó, Reineta e Facada» e outras historias), mas essencialmente por Stuart ser o pioneiro da banda desenhada infantil em Portugal. As capas de música foram outro género abordado pelo artista – estas deram-lhe os únicos prémios internacionais da sua obra. O teatro e a cenografia também quiseram o nosso artista, mas pouco perdurou, já que este trabalho exigia tempo e horários a cumprir. O cartaz, um campo em que quase todos os artistas contemporâneos trabalhavam, também foi feito por Stuart – poucos foram, mas dois deles deram-lhe prémios nacionais. A ilustração de revistas e livros desde sempre o cativou, mas só a faria nos anos 30 e 50.

                Stuart, o homem do desenho simples, do traço breve, sempre desejou ser um pintor, um desenhador de obras-primas… «mas ser artista é ter talento, possuir garra, ser condecorado /…/. Eu não, nunca pintei nada /…/, faço bonecos, para distrair a fome /…/. Artistas são os outros/…/» (Stuart Carvalhais in «República» de 13/12/1940). É verdade, desenhava para matar a fome e para isso era mais fácil fazer bonecos para os jornais. Aqui bastava obedecer às leis da censura e ter humor. Humor não faltava a Stuart, com sua irreverencia e apurado sentido de observação do quotidiano; quanto à censura, havia por vezes problemas, mas nada de grave. Na caricatura política ainda houve uma pesquisa estética e até uma linha modernista. No humor, a observação do mundo que o rodeava foi importante, num «país» dominado por uma burguesia e uma mentalidade de quem não se preocupa com mais nada para além do seu bem-estar. Se o traço fácil esboçou essa burguesia, o povo deu-lhe a oportunidade de criar as suas obras-primas. De tempos a tempos, em vez de fazer os bonecos, demorava-se na aguarela, no óleo, na tinta-da-china… para fazer a sua «obra» (paga a uma ninharia ou oferecida, que o Stuart era um «mãos largas»). Aqui Lisboa foi retalhada, retratada nas suas ruas e tipos: a varina, a costureirinha, a prostituta, o chulo, o bêbado, o gato preto, o pobre de pedir, as escadinhas, os becos, as ruelas, tudo ficou registado pela mão de Stuart. O artista soube ler bem fundo na alma do povo, observação e estudo que lhe deram o único prémio oficial da sua vida – o prémio do SNI (1949 - «Domingos Sequeira».

                A espontaneidade

                Se Stuart retratou Lisboa como ninguém, é porque também a conhecia como ninguém. Stuart nasceu em Vila Real de Trás-os-Montes, mas viveu Lisboa durante toda uma vida. Stuart é o boémio que o notívago encontrava pelas noites de Lisboa. Stuart era o bêbado que o lisboeta encontrava nos bancos de jardim e pelas valetas caído. Stuart era o homem que mandava piropos às mulheres e dava palmadas nos traseiros das varinas e costureiras desta velha cidade.Toda Lisboa conhecia o homem-artista que desde cedo se dedicou è boémia e que se afundou no vício. O álcool foi a fuga de um homem que nunca encontrou confiança em si próprio, que nunca acreditou naquilo que podia fazer. Cada obra era uma nova frustração, já que as suas mãos nunca satisfaziam a sua imaginação.

                Stuart não é genial pela sua filosofia artística inovadora, não é conhecido pela sua qualidade de cor e composição. Stuart é um génio porque nunca confiou em si, nunca idealizou personagens, porque as pôs no papel como elas são: desenhou as pessoas com seus amores, ódios, tristezas, alegrias, esperança, abandono, frio, fome; desenhou as pessoas que via por dentro e por fora. Stuart desenhou as pernas mais bonitas, os corpos mais esculturais, as caras mais lindas assim como os corpos disformes pela fome, pelo trabalho, as caras marcadas pelo ódio, desespero, amor gratidão. O artista, quando via algo que o tocava, agarrava no que tivesse à mão, um lápis, um pau de fosforo, tinta, borra de café, pau queimado, morrão de cera, graxa…. E num instante retratava o mundo. Stuart era um espontâneo, não só porque era a sua maneira de captar as expressões, mas também porque o boémio livre de horários e compromissos não deixava que fosse doutro modo. Nada o podia fazer sentir-se preso.

Stuart Carvalhais, apesar de ter sido um artista de preto e branco, não deixou de fazer algumas obras a aguarela e a óleo como já foi dito. Porém, nestas obras não se encontra o tão característico traço «pau de fósforo» à Stuart, nem sempre se encontra o estilo modernista da época, mas encontram-se beleza, espirito e maestria.

                Stuart na verdade fez um pouco de tudo e tudo com um pouco do seu génio. Talvez se tivesse ficado em Paris, teria conquistado a fama internacional, mas não, preferiu Lisboa e no final da vida s sua casa de Queluz. Seus últimos anos foram a procura interior do que foi a sua vida. Stuart viria de qualquer modo a morrer à «sua» cidade, viria a morrer em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, a 3 de Março de 1961, fez vinte anos.

                «A Lisboa dos bairros populares e pitorescos não morre sozinha: morrem com ela os seus cantores e os seus poetas. Podem esses bairros dos arcos, das varinas, dos gatos fugidos à rede municipal, dos candeeiros de chama agonizante, ser substituídos por Areeiros bem feitinhos, pretensiosos, de lustros repuxado e vaga intenção cosmopolita. Mas quem substitui esse poeta da cidade, que foi boémio genial e à cidade, como amante querido, sacrificou a glória da sua arte?» (in Século, 3/3/1961).


Friday, November 06, 2020

Cartoonistas /3 – «António: O humor é uma forma de subversão» por Osvaldo Macedo de sousa (in JL – Jornal de artes e Letras de 8 de Janeiro de 1985)

    António Antunes, um pintor em «rebeldia» procurando a comunicação («preferindo comunicar com milhares de pessoas a ser fechado numa sala de colecionador»), é a encarnação de um espírito artístico em conflito com a arte da nossa época. «Quando terminei o curso de pintura havia uma confusão de estilos e interesses. Havia também várias questões para as quais não tinha resposta, questões sobre a máquina das Artes ditas sérias». Para ele, «a arte de colecção é que não faz sentido», a arte não pode ser encarada unicamente pelo lado estético, ou pela cópia de escolas estilísticas do exterior. Hoje, todo este confronto se agudizou e, entre a híper-teorização das artes e a consciência da necessidade de um regresso à comunicação, o artista encontra-se perdido: «Eu sinto-me numa dessas contradições.» E afirma: «As artes mais atraentes são as artes públicas porque interferem com o quotidiano das pessoas. Havia uma necessidade de comunicação que os jornais facilitaram» - o «República», o «Expresso», o «Diário de Notícias» … 10 anos de jornais.

OMS – Após este percurso, como  se considera: humorista, cartoonista ou caricaturista?

António – Sou as três coisas. É difícil qualificar-me, já que funciono nas três áreas. Quem faz ficção pode caricaturar tipos, mas a caricatura como estilo é algo de específico que tanto pode ser um retrato como uma imagem deformada. Como cartoonista pode-se recorrer muitas das vezes à caricatura, apesar do cartoonismo ser uma agregado à volta de uma ideia e não de uma pessoa. Num trabalho destes pode-se passar por tudo, mas sou fundamentalmente um observador satírico e sintético. Reduzo tudo aos pontos fundamentais - escalpeliza-los é já uma violência.     

OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, considera o humorismo gráfico dentro das artes?

António - Dentro das artes existem ideias preconcebidas sobre artes maiores e artes menores, quando o problema está nos indivíduos. Estes não são, ou não devem ser, tão importantes que definam uma modalidade, ou um acto de criação.              

OMS – Neste campo quem são os seus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?

António – Há um que me influenciou: Brad Holland. David Levine teve uma certa importância de arranque. Quanto a artistas portugueses posso dizer que tive certas influências dos nossos clássicos da Primeira República.

OMS – Acha que trouxe alguma coisa de novo ao humor gráfico português?

António – Tenho sido procurado pelos jornais! Comecei muito cedo nos jornais, e estes, assim como o público, necessitam de uma habituação, de uma imagem gráfica constante, por isso tenho fugido dos diários para os semanários, escapando da obrigatoriedade diária.

Por causa desta obrigatoriedade o meu processo evolutivo não é linear (os meus dois álbuns publicados são recolhas de trabalhos para jornais, e ainda não tive tempo de fazer um trabalho específico de álbum), mas mesmo assim tenho sido transparente na evolução. Sou ambicioso e exigente.

Se exerço influências? Poderia exercer, sobretudo pelos prémios que tive, se houvesse condições para a integração de novos.

OMS – A existência da censura até 1974 influenciou a sua obra? Tem algum desenho censurado?

António – Muito pouco, já que comecei a desenhar em março de 1974, mas conheci outras censuras, as censuras políticas ou partidárias, devido às alterações constantes de governo. Mesmo assim, posso responder que não fui afectado pela censura, salvo durante a minha educação.

OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para si é uma opinião, ou uma forma de manipulação?

António – É fundamentalmente uma opinião. O caricaturista, tal como o jornalista, pode ter opções diferentes, e por isso defender teses. Nesse caso é uma manipulação, e isto existe em Portugal.  O humor é uma forma de subversão. No meu caso, tento fazer um jogo inteligente com o leitor. Tento não ser retórico, mas antes sintético, e o leitor tem a oportunidade de colocar a última peça. O sentido crítico do leitor é fundamental para a concretização deste jogo. É isto o que eu tento fazer.        

OMS – O humor gráfico português tem actualmente alguma característica específica, que o distinga do que se realiza no resto do mundo?

António – Acho que não. Cruzam-se aqui várias escolas de humor, várias correntes vindas de fora. Não critico essas influencias exteriores mas, sem deixar de olhar para o que se passa lá fora, é necessário ligar  à terra. Eu vivo com a graça da rua, do café, construo com o sentido de humor desta sociedade. As pessoas riem, mas é um humor ácido.

Na verdade, não há um humor único a nível de profissionais, porque são poucos e todos diferentes. Diferentes são também os seus vínculos a esta arte,uns são redactores, outros assalariados, outros criadores por simpatias políticas, artistas por gosto, ou diletantes que pagam para ver as suas obras publicadas.

O interesse pela modalidade não existe. Depois do 25 de Abril hpuve umas invasão de cartoonistas nos jornais, mas estes não ofereceram condições. Os jornais portugueses não ajudaram os bons caricaturistas e não exigiram qualidade aos que colaboram com eles. Os jornais não têm consciência da arte. Aos joprnais interessa simplesmente uma imagem, uma identificação gráfica. O «Diário de Notícias» talvez seja especial porque tem três ou quatro cartoonisas a funcionar. Quase como um segundo «Sempre Fixe».

OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?

António – O meu processo de criação não passa por exema prévio. È evidente que quando alguém se dirige a milhares de pessoas, não pode desenhar tudo, por uma simplres questão de consciência de sociedade. Não se trata de autocensura, mas sim da noção do meio ao qual nos dirigimos e da via que utilizamos.


Thursday, November 05, 2020

Cartoonistas / 2 – «Zingaro: Em Portugal as pessoas são chatas » por Osvaldo Macedo de sousa (in JL – Jornal de Artes e Letras de 25 de Dezembro de 1984)

    Carlos Corujo Zíngaro, um Músico/Humorista que faz música «séria» e humorismo «sério», é um artista ainda pouco conhecido, mas já possuidor de um traço vigoroso, onde a beleza estética é a tradução do seu «grito», de «um vómito do nosso interior». «Para mim humor é sair à rua e ainda conseguir sorrir».

As origens? Uma educação, a admiração por um pai ilustrador e uma necessidade satírica: «por necessidade de me defender de uma grande quantidade de coisas a que se convencionou chamar vida, rindo-me delas à minha maneira, mesmo que o riso seja á vezes um esgar ou um vómito. Mas, é óbvio que quando eu era miúdo não tinha estas filosofias, era uma necessidade de expressão, o prazer de mexer nos lápis e nas tintas, fazer as grandes anomalias, tentar imitar o meu pai e, depois todos os bonecos que eu via. Aliás, eu aprendi a ler vendo banda desenhada, porque queria perceber o que é que os bonecos diziam».

As publicações? Para além «daquelas coisas de miúdo que apareceram em jornais infantis, fiz duas ou três ilustrações que apareceram antes do 25 de Abril no «Diário Popular». Depois, foram as experiências de Banda Desenhada no «Evaristo», na «Visão», e de ilustração no «Pão com Manteiga» e no «Bisnau».

OMS –Carlos Zíngaro, como  te consideras: humorista, cartoonista ou caricaturista?

Carlos Zíngaro – É tão difícil situar-me… quer dizer, caricaturista não sou, cartoonista…. Até hoje o que fiz está relacionado essencialmente com a ilustração de textos humorísticos e satíricos. Humorista? Talvez, dentro do humor negro, de uma certa morbidez de análise de situações, de pessoas… um certo «nonsense».

OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, consideras o humorismo gráfico dentro das artes?

Carlos Zíngaro – Não sei o que são artes sérias. Se o que certos burocratas da cultura entendem por arte séria, mas eu não separo as coisas dessa maneira. Há realmente vias de mais fácil comercialização que outras. Há obras de imediato consumo que outras. È obvio que uma publicação num jornal, ou numa revista com tiragens na ordem dos milhares, tem um impacto, uma penetração em termos de massas muito maior que um quadro exposto numa galeria, ou num museu, visto por meia dúzia de pessoas ás quais se convencionou chamar a elite. Agora, em termos comerciais, e analisando dentro desses parâmetros práticos, é claro que um quadro de um artista consagrado rende muito mais do que centenas de cartoons para um jornal. Felizmente, tantos e tantos artistas ditos «sérios», consagrados, houve e há que fizeram ou fazem, num período da sua vida artística «séria», um certo humorismo.

Quem considera estas obras como menores, dentro da sua obra geral, são os tais críticos, as pessoas que falam fundamentalmente do que os outros fizeram. Para mim o que é importante é o que as pessoas fazem, as obras.

OMS – Neste campo quem são os teus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?

Carlos Zíngaro – Seja em relação ao que for, eu nunca tenho, ou sempre fugi de ter referências, porque isso inevitavelmente assemelha-se a ter mestres. Portanto, as minhas influências e as minhas preferências são inúmeras: vão desde um Grandville até um Topor, Levine, Steinberg, Ralph Steadman – um desenhador inglês que eu admiro especialmente, exactamente porque ele retalha as coisas, as pessoas - … o Goya fez coisas deliciosas… São tantos, o Bordallo Pinheiro, o Celso Hermínio, o Jorge Barradas… tantos, que é pena não haver uma reedição de álbuns deles.

OMS – Achas que trouxeste alguma coisa de novo ao humor gráfico português?

Carlos Zíngaro – Acho que não. Para trazer alguma coisa tem que haver uma obra de continuidade, onde uma pessoa vai explorando cada vez mais coisas, mais pormenores, formas de dizer as mesmas coisas que os outros já disseram.

Eu ainda não tenho uma obra substancial, porque as requisições são poucas e as publicações em que me meti, até agora, acabaram. O estar a desenhar só para mim não tem muito interesse. As coisas só têm significado a partir do momento em que têm um contacto com as outras pessoas, neste caso com o público. As pessoas sabem que eu existo, que eu faço coisas.

OMS – A existência da censura até 1974 influenciou a tua obra?

Carlos Zíngaro – Não, porque só comecei a publicar trabalhos, dentro desta irregularidade, depois de 74, concretamente em 75 quando apareceu o «Evaristo»-

OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para ti é uma opinião, ou uma forma de manipulação?

Carlos Zíngaro – Depende de quem o faz, pois pode não ser uma coisa nem outra, ou ser as duas ao mesmo tempo. Pode ser uma opinião, que não é o meu caso.

OMS – O humor gráfico português tem actualmente alguma característica específica, que o distinga do que se realiza no resto do mundo?

Carlos Zíngaro – Acho que Portugal é um país onde as pessoas são extremamente «chatas», onde o humor é triste, bisonho, ou na melhor das hipóteses «chacha», brejeiro (no mau sentido). Raras são as vezes do humor com profundidade, com frescura

O português é essencialmente um indivíduo inerte, pessimista, e isso é já um condicionalismo dramático para se ter qualquer tipo de humor.

Se o humor fosse mais propagado poderia ter uma maior influência nas pessoas, e isso compete essencialmente aos “mass media”. Se isso acontecesse, as pessoas talvez começassem a encarar a vida com um pouco mais de humor. É obvio que estamos em crise há uma quantidade de anos, a qual se agrava de dia para dia, e as pessoas encontram cada vez menos coisas para rir. Mas, a vida são dois dias e é uma estupidez estarmos a fazer um calvário desta, senão não estamos aqui a fazer nada. Daí eu achar vital, as pessoas terem um bocado de humor, seja ele qual for, tenha a cor que tiver, ou a falta de cor que tiver.

Na verdade existe uma grande diferença entre o nosso humor e o dos outros países. Tivemos um certo período influenciado por esses países. Depois houve um fosso enorme e todas as pessoas passaram a vestir-se de preto por dentro e por fora. Hoje, já não se vestem de preto por fora, mas por dentro estão bastante cinzentos.

A nível gráfico, apesar de ter havido uma série de experiencias, continuam agarrados aos seus modelos mais directos. Aqui as coisas fazem-se quase sempre por imitação e nunca por teoria fundamentada. Não existe uma busca da raiz das coisas. O drama do português é não saber onde está, é uma falta de identidade; falta de confiança em nós próprios – tudo o que vem de fora é bom e tudo o que é feito cá é uma porcaria – e assim agarramo-nos aos modelos, ás modas.

OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?

Carlos Zíngaro – Eu penso que sempre se pôde dizer tudo através do desenho, pois tudo depende da moral de cada pessoa. Cada um tem a sua e o que atira cá para fora é aquilo que cada um assume, ás vezes como vómito.

OMS - O Futuro?

Carlos Zíngaro – Quando comecei a perspectiva a minha vida profissional pensei que as artes plásticas seriam a minha forma de sobrevivência, e a música o trabalho sem concessões. O que se passa não é seuqre o contrário, pois acabo por fazer qualquer das coisas apenas quando me solicitam.


Wednesday, November 04, 2020

Exposição de caricaturas «O Senhor das Taças» de Miguel Salazar no Santa Luzia ArtHotel ( R. Francisco Agra 100, 4800-157 Guimarães) em Guimarães patente ao publico a partir de 7 de Novembro de 2020 até 7 de Janeiro de 2021

 



Caricaturistas 1 – SAM – Aflige-me este povo e os seus dirigentes que só sorriem às escondidas» por Osvaldo Macedo de sousa (in JL – Jornal de artes e Letras de 11 de Dezembro de 1984)

   Todos os dias, entre as notícias que nos sobressaltam ou que nos informam, encontramos um «arabesco» gráfico que por um minuto «estraga o estuque de cada um com protesto do senhoria» (Raphael Bordallo Pinheiro). Uma pequena ilha de humorismo que nos serve de antídoto à loucura que nos submerge quando saímos à rua.

                O humor não consiste na criação de um mundo totalmente original, mas sim numa nova maneira de ver, uma apresentação diferente daquilo que as pessoas olham mas não vêem, por simples alheamento do que é quotidiano e monótono ou por fuga inconsciente. O humor vem unicamente despertar, obrigar as pessoas a repararem no que se passa à sua volta.

                Como escreveu Ernesto Sampaio, «a sorrir ou a ranger os dentes, o humor destrói a visão convencional do mundo, duvida de todas as definições lapidares, corrige todas as teorias definitivas, é, em suma, contra a esclerose e o imobilismo triunfante, o melhor meio de conquistar e manter na sua forma mais pura a independência e a liberdade.»

                Na série de entrevistas que hoje se inicia, com um questionário comum a todos os entrevistados, o nosso objectivo vai ser o de tentar conhecer os comentaristas-cartoonistas que nos têm traduzido, em desenho, as apreensões, os medos e as ironias de uma sociedade.

                Sam é efectivamente Samuel Torres de Carvalho, um engenheiro civil que conseguiu trazer à superfície o artista que existe em todos eles. É a incarnação da irreverência, do humor nas Artes, do humor na vida.

                Apesar de o conhecermos fundamentalmente como artista gráfico, só 15% dos seus afazeres são ocupados pelo desenho .Ele cria humor em tudo o que toca, seja no desenho, na escultura, na literatura… não por facilidade ou comercialismo, mas por opção por um estilo de irreverência e de comunicação: «Admito que no meu caso tem havido uma grande adesão ao humor que tenho praticado, mas penso que essa aceitação deriva de eu deixar ao público o espaço para a intervenção e participação, espaço para pensar.»

                Como meio de comunicação optou pela criação de «heróis»: «Tudo o que faço, mesmo os objectos, são auto-retratos. Sei que estou sempre a expor-me e talvez devesse ter um certo pudor, mas já estou habituado a andar nu.». Criou personagens que já entraram no estrelado, o Guarda Ricardo e o Chefe («o Guarda Ricardo compoe uma fisionomia, como uma actor teatral que vai representando várias personagens, mantendo contudo a relação de chefe e subordinado»), a Heloisa («uma personagem que vive na realidade sonhada, no meio de uma solidão imensa, e que resolve tudo pela imaginação»), e o Ulysse, que fala francês, e que está destinado a uma série de desenhos animados a fazer na Suécia.

                OMS – Como é que você se considera, humorista, cartoonista ou caricaturista?

                Sam – Tenho dificuldade em integrar-me, em etiquetar-me… O humor deve estar na origem de tudo o que faço. Eu faço caricaturas, não de rostos mas de situações e mesmo de ideias, utilizando a ironia. A vivência intensa do que nos envolve exige uma grande dose de ironia. A ironia mental é uma forma de sobrevivência.

                OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, considera o humorismo gráfico dentro das artes?

                Sam – Não há artes menores, há pessoas e artistas menores. Mas, para muitos intelectuais, a arte tem que ter um A grande, tem que obedecer a padrões que vêm de fora. Quanto a mim, aceitam-me, desde que  não ponha o pé no que eles consideram território deles.

                OMS – Quem são os seus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?

                Sam – Um autor que sempre admirei foi Moliére; o outro é Shakespeare. Eles dizem as coisas com a quantidade exacta de matéria, sem necessidade do supérfluo, deixando antever o além das coisas. A nível de influencias, acho que não tenho. Mas, vou-lhe contar uma coisa: eu assinava a revista francesa «Plexus» e no nº 14 vinha um artigo com reproduções de objectos onde a perspectiva estava erradamente exagerada. Era um efeito voluntário que transformava os objectos em algo absurdo. Recebi a revista em 25 de Maio de 1968 e posso dizer que foi uma revelação: fazer humor é algo que existe em nós. É  sobretudo um acto de inteligência. Nesse mesmo dia, fiz o meu primeiro desenho.

             Depois, a minha evolução foi um processo muito intimo. A princípio, os bonecos eram extremamente rudimentares e cresceram como qualquer outro animal. As figuras vão-se formando como se fossem seres que germinam, que vão adquirindo consistência e tendo vida própria. Um processo que é o inverso do normal, já que nos outros artistas o «boneco» costuma nascer um pouco barroco, e com o tempo sintetiza-se, simplifica-se.

                OMS – Acha que trouxe alguma coisa de novo ao humor gráfico português?

                Sam – Se trouxe algo… Talvez aquilo que não havia, uma ironia que existe latente no povo, mas que no humor português aparece com um aspecto de masculinidade, robustez, utilizando a violência nas personagens.

                OMS – A existencia da censura até 1974 influenciou a sua obra? Tem algum desenho censurado?

                Sam – Claro, mas provavelmente de uma forma positiva. A censura fazia parte do combate e, por isso, tive a necessidade de utilizar, como todos os outros, um tipo de exercício, a subtileza, o jogo das escondidas. O meu primeiro álbum é fruto destes exercícios, nele faço o confronto entre a Ordem e a Desordem. Eu poderia ter escolhido os políticos ou os homens influentes e falar deles, mas isso não os afectava, já que as suas posições estavam bem defendidas. Por outro lado, se eu falasse directamente nas dificulades do povo, na miséria, nos preços demasiado altos, a censura caía-me em cima como aconteceu várias vezes, porque isso era a incitação à desordem. A Ordem para o Estado Novo era mais importante que a miséria do povo.

                OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para si é uma opinião, ou uma forma de manipulação?

                Sam – É indiscutivelmente uma opinião.  O humor tende sempre a descobrir as fragilidades das instituições, dos homens e a apresenta-las de forma que os criticados possam tomar consciência. O meu processo é em cada semana recolher, anotar as situações, as frases, as discussões parlamentares ou partidárias. Faço uma selecção dos temas que me parecem menos sólidos e ponho-me à volta deles, procurando descobrir a fenda, as traseiras escondidas e é por aí que vou mexer. Procuro então dar-lhe outro rosto, um rosto de ambiguidade para dar às pessoas a possibilidade de decidirem o seu caminho.

                OMS – O humor gráfico português tem actualmente alguma caracteristica específica, que o distinga do que se realiza no resto do mundo?

                Sam – Aqui não há homogeneidade. É difícil falar de humor português porque todos são diferentes uns dos outros. São casos isolados e nenhum pode ser definido como protótipo de humor português.

                Quanto ao povo. Aflige-me este povo e seus dirigentes que só às escondidas, ou por vua privada, podem sorrir. Aqui, as pessoas estão mais habituadas a chorar do que a rir (mas também é verdade que há mais coisas para chorar). Porém, quando fazem humor são violentos, principalmente na palavra.

                OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?

                Sam – Tudo o que se queira. Sempre se pôde. O que difere é a maneira como se diz. O humor pode ser agressivo ou subtil e só ser visto através de uma elaboração mental. Por tudo isto, o humor é imprescindível na comunicação.

                Sam, o Guarda Ricardo, Heloisa, Ulysse seguem a sua vida de arte, crítica e humor, procurando não só que o povo tenha um maior sentido crítico, irónico e não violento, mas essencialmente que os nossos dirigentes percam a máscara da falsa seriedade, que não tenham medo do humor e da sua crítica construtiva, que não tenham vergonha de sorrir.

                Como primeiro passo, o reitor da Universidade de Lisboa e o Ministro da Cultura deveriam dar um exemplo de confiança no humor, autorizando e financiando a colocação do monumento «Ad Ephemeram Gloriam» na Cidade Universitária. Este é um monumento a todos os que esperam a vez de ter uma estátua «um monumento onde todos e cada um podem estar por um minuto, é uma economia num país como o nosso». Um monumento humorístico? Não, uma obra escultorica de Sam com liberdade de imaginação para o público.


Tuesday, November 03, 2020

Baghdad’s International Caricature Gathering

The organizing committee, for Baghdad’s international Caricature gathering, announces its open invitation for Cartoonists in Iraq and the world to participate in this gathering which will take place in Iraq on December the 4th 2020. This Gathering coincides with (OPEC) sixtieth anniversary in Baghdad in 1960.

- The topic of the contest is: Oil
- The Cartoonist has the right to present three works.
- The cartoons should be sent as follows
A- Extension: JPG or AI.
B- Dimension: A3.
C- Resolution: 1080 X 2000 Pixels
- The name of the cartoonist and his country should be sent either in English or Arabic.
- A short Bio of the cartoonist’s life and works With a recent photo of him.
- The deadline of receiving the contestants’ work is on 25/11/2020.
- Cartoons that are not part of the contest Topic will be declined.
- The qualified cartoons will be selected by a specialized artistic committee.
- The financial gifts and a golden magical lamp will be granted to the featured works as well as an album containing the participants’ cartoons.
- All the participants will be granted a certificate of appreciation.
- The a/m committee has the right to use these cartoons in all publications,social media, galleries and advertisements.
- Artistic workshops will be organised during the gathering.
- Number of famous cartoonists will be hosted.
- Number of Iraqi, arabic and foreign cartoonists will be awarded.
- The cartoons should be sent to the following email:
info@baghdadcartoon2020.com
website:
www.baghdadcartoon2020.com
Assim Jihad
Head of The organising committee for the gathering


Sacudindo a descentralização por Osvaldo Macedo de Sousa (in «Europeu» de 11/12/1988)

    Houve tempos em que a ordem do dia era a descentralização cultural, as campanhas de alfabetização literária e mental. Depois os ânimos da revolução acomodaram-se e a centralização voltou a apertar os seus tentáculos em redor da capital. Existem, contudo, dispersos pelo país, vários centros dinamizadores de cultura que tentam manter acordadas as povoações perdidas na paisagem portuguesa, para a importância de uma mente culta num corpo são.

Este é o caso da Cooperativa Editora ede Promoção Cultural CRL que vim a conhecer recentemente na Lousã. O seu nome de guerra é TREVIM e tem, como órgão fundamental, um quinzenário do mesmo nome. A sua história inicia-se em 1967, com o lançamento do periódico regionalista «Trevim». Em 1979, com o intuito de assegurar a continuidade do quinzenário (hoje com uma tiragem de três mil exemplares) foi fundada a cooperativa. Em 1983 houve uma nova remodelação nesta estrutura, iniciando-se então um real empenhamento cultural, organizando a partir dessa data exposições, colóquios, espectáculos, cursos de iniciação ao jornalismo, à fotografia, à informática… criação do Grupo Coral Trevim, do Grupo de Música e Cantares Tradicionais, da Escola de Música, do Grupo de Teatro e do Centro de Documentação / Biblioteca.

São uma série de iniciativas de relevo cultural que nem sempre têm tido o apoio das entidades oficiais, nacionais e locais; que nem sempre têm o apoio de uma população pouco vocacionada para a cultura. Retrato disso é a dificuldade da cooperativa tem por vezes em recrutar pessoas para a direcção. De todas as formas, a Lousã pode-se orgulhar da dinâmica cultural que nos últimos anos se tem concretizado, como fruto desse trabalho da cooperativa.

Mas, se tudo isto é importante, como notícia no deserto cultural da nossa província, a razão fundamental deste artigo é a próxima inauguração da exposição referente ao «3º Concurso de Fotografia – Trevim», um certame que se vai impondo no meio fotográfico, com larga participação. Por exemplo, no 2º concurso houve a participação de 43 concorrentes com 279 trabalhos e este ano espera-se um novo record de participações nos dois temas a concurso: «Lousã – o património, as gentes e a paisagen»; «Tema Livre».


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