Thursday, November 05, 2020

Cartoonistas / 2 – «Zingaro: Em Portugal as pessoas são chatas » por Osvaldo Macedo de sousa (in JL – Jornal de Artes e Letras de 25 de Dezembro de 1984)

    Carlos Corujo Zíngaro, um Músico/Humorista que faz música «séria» e humorismo «sério», é um artista ainda pouco conhecido, mas já possuidor de um traço vigoroso, onde a beleza estética é a tradução do seu «grito», de «um vómito do nosso interior». «Para mim humor é sair à rua e ainda conseguir sorrir».

As origens? Uma educação, a admiração por um pai ilustrador e uma necessidade satírica: «por necessidade de me defender de uma grande quantidade de coisas a que se convencionou chamar vida, rindo-me delas à minha maneira, mesmo que o riso seja á vezes um esgar ou um vómito. Mas, é óbvio que quando eu era miúdo não tinha estas filosofias, era uma necessidade de expressão, o prazer de mexer nos lápis e nas tintas, fazer as grandes anomalias, tentar imitar o meu pai e, depois todos os bonecos que eu via. Aliás, eu aprendi a ler vendo banda desenhada, porque queria perceber o que é que os bonecos diziam».

As publicações? Para além «daquelas coisas de miúdo que apareceram em jornais infantis, fiz duas ou três ilustrações que apareceram antes do 25 de Abril no «Diário Popular». Depois, foram as experiências de Banda Desenhada no «Evaristo», na «Visão», e de ilustração no «Pão com Manteiga» e no «Bisnau».

OMS –Carlos Zíngaro, como  te consideras: humorista, cartoonista ou caricaturista?

Carlos Zíngaro – É tão difícil situar-me… quer dizer, caricaturista não sou, cartoonista…. Até hoje o que fiz está relacionado essencialmente com a ilustração de textos humorísticos e satíricos. Humorista? Talvez, dentro do humor negro, de uma certa morbidez de análise de situações, de pessoas… um certo «nonsense».

OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, consideras o humorismo gráfico dentro das artes?

Carlos Zíngaro – Não sei o que são artes sérias. Se o que certos burocratas da cultura entendem por arte séria, mas eu não separo as coisas dessa maneira. Há realmente vias de mais fácil comercialização que outras. Há obras de imediato consumo que outras. È obvio que uma publicação num jornal, ou numa revista com tiragens na ordem dos milhares, tem um impacto, uma penetração em termos de massas muito maior que um quadro exposto numa galeria, ou num museu, visto por meia dúzia de pessoas ás quais se convencionou chamar a elite. Agora, em termos comerciais, e analisando dentro desses parâmetros práticos, é claro que um quadro de um artista consagrado rende muito mais do que centenas de cartoons para um jornal. Felizmente, tantos e tantos artistas ditos «sérios», consagrados, houve e há que fizeram ou fazem, num período da sua vida artística «séria», um certo humorismo.

Quem considera estas obras como menores, dentro da sua obra geral, são os tais críticos, as pessoas que falam fundamentalmente do que os outros fizeram. Para mim o que é importante é o que as pessoas fazem, as obras.

OMS – Neste campo quem são os teus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?

Carlos Zíngaro – Seja em relação ao que for, eu nunca tenho, ou sempre fugi de ter referências, porque isso inevitavelmente assemelha-se a ter mestres. Portanto, as minhas influências e as minhas preferências são inúmeras: vão desde um Grandville até um Topor, Levine, Steinberg, Ralph Steadman – um desenhador inglês que eu admiro especialmente, exactamente porque ele retalha as coisas, as pessoas - … o Goya fez coisas deliciosas… São tantos, o Bordallo Pinheiro, o Celso Hermínio, o Jorge Barradas… tantos, que é pena não haver uma reedição de álbuns deles.

OMS – Achas que trouxeste alguma coisa de novo ao humor gráfico português?

Carlos Zíngaro – Acho que não. Para trazer alguma coisa tem que haver uma obra de continuidade, onde uma pessoa vai explorando cada vez mais coisas, mais pormenores, formas de dizer as mesmas coisas que os outros já disseram.

Eu ainda não tenho uma obra substancial, porque as requisições são poucas e as publicações em que me meti, até agora, acabaram. O estar a desenhar só para mim não tem muito interesse. As coisas só têm significado a partir do momento em que têm um contacto com as outras pessoas, neste caso com o público. As pessoas sabem que eu existo, que eu faço coisas.

OMS – A existência da censura até 1974 influenciou a tua obra?

Carlos Zíngaro – Não, porque só comecei a publicar trabalhos, dentro desta irregularidade, depois de 74, concretamente em 75 quando apareceu o «Evaristo»-

OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para ti é uma opinião, ou uma forma de manipulação?

Carlos Zíngaro – Depende de quem o faz, pois pode não ser uma coisa nem outra, ou ser as duas ao mesmo tempo. Pode ser uma opinião, que não é o meu caso.

OMS – O humor gráfico português tem actualmente alguma característica específica, que o distinga do que se realiza no resto do mundo?

Carlos Zíngaro – Acho que Portugal é um país onde as pessoas são extremamente «chatas», onde o humor é triste, bisonho, ou na melhor das hipóteses «chacha», brejeiro (no mau sentido). Raras são as vezes do humor com profundidade, com frescura

O português é essencialmente um indivíduo inerte, pessimista, e isso é já um condicionalismo dramático para se ter qualquer tipo de humor.

Se o humor fosse mais propagado poderia ter uma maior influência nas pessoas, e isso compete essencialmente aos “mass media”. Se isso acontecesse, as pessoas talvez começassem a encarar a vida com um pouco mais de humor. É obvio que estamos em crise há uma quantidade de anos, a qual se agrava de dia para dia, e as pessoas encontram cada vez menos coisas para rir. Mas, a vida são dois dias e é uma estupidez estarmos a fazer um calvário desta, senão não estamos aqui a fazer nada. Daí eu achar vital, as pessoas terem um bocado de humor, seja ele qual for, tenha a cor que tiver, ou a falta de cor que tiver.

Na verdade existe uma grande diferença entre o nosso humor e o dos outros países. Tivemos um certo período influenciado por esses países. Depois houve um fosso enorme e todas as pessoas passaram a vestir-se de preto por dentro e por fora. Hoje, já não se vestem de preto por fora, mas por dentro estão bastante cinzentos.

A nível gráfico, apesar de ter havido uma série de experiencias, continuam agarrados aos seus modelos mais directos. Aqui as coisas fazem-se quase sempre por imitação e nunca por teoria fundamentada. Não existe uma busca da raiz das coisas. O drama do português é não saber onde está, é uma falta de identidade; falta de confiança em nós próprios – tudo o que vem de fora é bom e tudo o que é feito cá é uma porcaria – e assim agarramo-nos aos modelos, ás modas.

OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?

Carlos Zíngaro – Eu penso que sempre se pôde dizer tudo através do desenho, pois tudo depende da moral de cada pessoa. Cada um tem a sua e o que atira cá para fora é aquilo que cada um assume, ás vezes como vómito.

OMS - O Futuro?

Carlos Zíngaro – Quando comecei a perspectiva a minha vida profissional pensei que as artes plásticas seriam a minha forma de sobrevivência, e a música o trabalho sem concessões. O que se passa não é seuqre o contrário, pois acabo por fazer qualquer das coisas apenas quando me solicitam.


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