Saturday, January 02, 2021
23rd Euro-kartoenale 2021 - 'CHANCES AND OPPORTUNITIES' - DEADLINE : 10th of January 2021!!!
For the 23rd time already our
association is organizing its biennial cartoon contest.
In the first place we would
like to thank all participants of the previous editions for their continued
participation in this contest. The continued increase in the number of
participants, entries and participating countries, and especially the quality
of your work, proves the trust you put in our organization.
Also this year you can upload
your drawings with a the online platform : www.ecc-kruishoutem.be/register.
Don’t forget to check your personal data in ‘my profile’.
We hope we can count on your collaboration and we wish you a lot of success with 'CHANCES AND OPPORTUNITIES'.
RULES
1. Theme: ”CHANCES
AND OPPORTUNITIES”
DEADLINE : 10th of January
2021!!!!
2. The
number of entries is limited to 5.
Any kind of graphical
technique will be accepted. The works may not have been exhibited, published or
awarded before. The drawings shall not bear subtitles.
3. You
can send your works in two ways:
Register and upload your
cartoons on our website www.ecc-kruishoutem.be/register
OR send them by regular post
to the following address: EURO-KARTOENALE - RENÉ D’HUYVETTERSTRAAT 5C - 9770
KRUISHOUTEM - BELGIUM – EUROPE On
our website you can check the list of participants to see if you
works have arrived. The entry list is updated daily.
4. The
drawings shall have the following dimensions: A4 – 300 dpi, maximum 3MB for
digital works.
5. The
drawings sent by post must bear, on the reverse side, the surname, forename and
address of the participant.
6. By
participating, the artist agrees with this rules and authorize the organizers
to publish the submitted works in the catalogue and for the promotion of the
exhibition. For any other use of the cartoons the permission of the cartoonist
is previously requested.
7. The
following prizes are awarded:
1st prize
€ 1.800,00 + trophy
2nd prize
€ 1.500,00 + trophy
3rd prize
€ 1.300,00 + trophy
Best European
cartoon
€ 900,00
Best Belgian
cartoon
€ 900,00
Prize of the ECC
Personal exhibition in the ECC
On the occasion of the prize-giving ceremony, all the winners are invited for a
stay of 3 days in Kruishoutem.*
8. On
request the participants get a free catalogue. However, the postage costs are
for their own account. They can also collect the catalogue at the European
Cartoon Center. If your work is published in the catalogue a free copy is sent
automatically.
9. By
participating the artist lends the submitted works to the organizers for
itinerant exhibitions. Consequently, the selected works will remain at the
disposal of the organizers until December 2022! The awarded works will become
property of the organization.
10. The original entries
will only be sent back by the organizers on written request. The organization
can in no way be held responsible for eventually damaged or lost works.
11. If after
announcement of the prizes, it appears that plagiarism has been committed, the
jury can after deliberation withdraw the prize.
12.
The international jury of cartoon professionals will meet in
Kruishoutem on the 29th of January 2021. The complete list of jury members
will be announced on our website after the expiry of the deadline.*
13. The
inauguration and prize-giving ceremony will take place on Saturday the 3rd of
April 2021. The exhibition will run from the 4th of April till the 25th of June
2021.*
(*) If the corona
pandemic results in specific restrictions on travelling or events the live jury
meeting can be replaced by a digital meeting or the prize giving ceremony can
be postponed or cancelled. We will look
for alternatives.
Caricaturas Crónicas: «Sam – O vizinho do lado» por Osvaldo Macedo de Sousa /in Diário de Notícias de 28/6/1987)
Um comungar
com o público num interrogar-se ironicamente, por vezes com sorriso, outras
vezes no gargalhar, e vezes há que apenas fica a indiferença perante o cartoon,
porém algo se esboça na folha branca da ironia.
A frontalidade é uma das características do Homem
correcto e honesto, e por vezes do humorista, o que se opõe à característica
traiçoeira de fazer algo nas costas dos outros. Sem querer, tenho andado a
escrever, há pelo menos dois anos, nas costas dele, o que não significa que
deste lado da página eu não envie pra detrás das minhas costas, um memorando
natalício, neste décimo aniversário de publicação no Diário de Notícias (27 de
Junho), e décimo sexto de existência do Guarda Ricardo.
O Guarda Ricardo não é um herói nacional, antes um
anti-herói como todo o Zé-povinho que apenas tem de sobreviver neste país, e
como tal, ele é o retrato diário de um povo, desde que re-descobriu (?) a
democracia até aos nossos dias, numa visão ingénua e irónica da vida. Ele, no
fundo não satiriza os políticos, não ridiculariza as opções governamentais,
apenas se interroga para «compreender», quer que os «chefes» lhe
expliquem…seriamente, ou com humor.
O humor é a mãe do Ricardo, que ao acasalar com o Sam
fez surgir esse Guarda (que não é Anjo) de todos nós. A missão dos filhos é, em
princípio raramente concretizado, quando atingem a maioridade, viverem
independentes dos pais, só que este é possessivo, e em vez de nos deixar falar
do «filho», requer as atenções para ele como progenitor criativo.
Diz-se chamar Samuel Azavey Torres de Carvalho,
engenheiro civil por «canudo», «barão» no seu aspecto quixotesco «seco e
esgalgado», esfinge de um rei de Saxe-Coburgo e humorista por absurdo, em
descoberta de um novo caminho de vida em ironia e «non-sense» quando se
encontrava em plena maturidade adulta.
Nascido, como artista, na dita «primavera marcelista»,
como se ambos proviessem do Maio 68 longínquo, desde os primeiros traços que
cresceu em dois braços distintos, mas provindos ambos do mesmo esqueleto, a
redescoberta do mundo que nos rodeia, que nos ultrapassa constantemente. Por um
lado, não sei se pela esquerda ou direita, faz esculturas, e que por vezes não
são sempre esculturas, e que por vezes não são feitas por ele, antes são o
non-sense dos objectos que existem em vidas que não deveriam ser as suas. É o
museu que invade o mundo quotidiano, guiado pela visão de Sam, abrigando em
redomas de sacralidade irónica a inutilidade, em utilidade criativa da fantasia
do inútil, ou seja, absurdo. Desta veia criativa, surgiram aos olhos do público
nacional as séries de «Funis», «Cadeiras», «Chá da vovó», «Enxadas», «Buracos»,
«Torneiras», «objectos aplastados»… pássaros em fantasia irreverente contra a
ordem dictatorial dos raciocínios lógicos, e como tal, ilógicos na ideologia
castrante da monotonia quotidiana e conservadora.
No outro lado irónico da vida, estão os tipos comuns a
todos nós, feitos em traços simples, breves como o tempo possível, repetitivos
como o dia-a-dia. O seu cartoonismo não é feito na busca de um traço estético e
trabalhado, antes num croqui sumário da estória narrada, que não é nenhuma
história, mas uma ironia feitas palavras saídas da boca desses anti-herois de
nome Ricardos, Heloísas, Ulisses… todos eles defendidos como auto-retratos de
um indivíduo em questão com o seu quotidiano.
Se esses breves traços irónicos da vida têm êxito, que
no caso do homenageado são dez de casa e dezasseis de vida, têm-se mantido em
sobrevivência quotidiana durante todo este tempo, é porque transportam algo.
Durante estes dez anos o Ricardo e seu chefe não cresceram, não envelheceram no
humor, mas também não se alteraram no traço caligráfico em maturidade
cartoonistica (apenas na filosófica), como se o traço tivesse ficado enquistado
na obrigatoriedade quotidiana da impressão no jornal.
Talvez se deva o êxito a não apresentarem sátira
acusatória, nem humor conclusivo, mas um comungar com o público num
interrogar-se ironicamente, por vezes com sorriso, outras vezes no gargalhar, e
vezes há que apenas fica a indiferença perante o cartoon, porém algo se esboça
na folha branca da ironia.
Caricaturas Crónicas: «QUARESMAS CARICATURAIS» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 12/4/1987)
Pelo
cruzar das linhas se tece a vida, a qual é a luta no dia-a-dia, é a gargalhada
de uns perante a queda de outros, é a caminhada íngreme, com seus obstáculos e
tropeções nas necessidades de alguns.
O
povo, na sua visão sábia, e irónica, simboliza esta labuta num paralelismo,
onde a «Cruz» é o pesado sinal dessa luta. Os espinhos (dos impostos), as
vergastadas (da opressão, desemprego, desilusões) nada se comparam com este
carrego da eterna Quaresma.
Mas
tudo isto são símbolos, estruturas-base de toda a comunicação, inc1usive da
caricatura. Esta, para que o leitor a traduza facilmente e de imediato, procura
o dia-a-dia, os acontecimentos sociais, políticos ou religiosos para melhor
veículo. Porém, a utilização desses símbolos ou comparações está sempre
dependente de um outro símbolo quaresmal, a abertura das mentes, o saber rir de
si próprio, da censura ditatorial, que pela sua fragilidade de conceitos, de
espírito limpo prefere fazer calar as bocas dos lápis e da tinta-da-china.
Um
desses símbolos «perigosos» pertence à religião, é a cruz que trazemos (quase)
todos ao peito, é a Quaresma, porque a «Cruz» não é igual para todos, como
diferentes são as texturas das madeiras que a constroem. Para uns é mais leve,
porque até o carpinteiro é subornável; para outros é pesada como chumbo, porque
a fome é demasiado leve. Mas, todos têm a sua cruz, transportando-a em
solitário, em cooperativas, sempre presente nem que seja na sua sombra de
ameaça negra: «O pobre Zé depenado /
Tanto pagou o patau, / que chega aquelle estado / d'escalado bacalhau.»
«E se isto vae neste andar, / e se a coisa assim mais
caminha / há-de acabar por ficar / reduzido a magra espinha.»
(J.M. Pinto, in «Charivari», 18/2/1899.) Os paralelos são quase sempre os
mesmos, tocando-se a eterna tecla da vida política do Zé povo: os impostos.
«Atráz d'esta procissão vae uma cruz, esta
cruz é a dos contribuintes; quem carrega com ela é o Zé-Povinho. Os emblemas do
poder e os martyrios dos contribuintes são levados pelos anjinhos dos diversos
círculos.» («Procissão dos Passos-Políticos», Raphael Bordalo Pinheiro, in António
·Maria 19/2/1880.)
A
imagem, por mais que se queira escapar a comparações que possam ofender
susceptibilidades, é sempre a mesma, a identificação do Zé com Cristo, porque
ambos sofrem os castigos do poder temporal, com a única esperança de uma outra
vida. Cristo foi flagelado pelo chicote, o que no Zé dói tanto como as contribuições.
Cristo carrega a cruz, o Zé, apesar de despojado, tem que carregar com o País
para a frente… e ambos são crucificados. O primeiro, como cumprimento de e um
sacrifício, o segundo, como sacrifício cumprido, sem direito a levantamento
para reagir.
Mesmo
nos trâmites dessa Quaresma, o Zé não vê reconhecido o sacrifício - «O sacerdote da constituição lava
indistintamente os pés a todos os partidos, dando assim um exemplo de limpeza
de mãos a todos os governos da orbe. Zé Povinho é posto fora, em consequência
de no orçamento não haver sabão para ele.» (Lava-Pés Político, R. B. P. in
António Maria 25/3/1880.)
Raphae1
foi provavelmente dos caricaturistas que mais empregaram estes símbolos da
Quaresma, como se de um Zé da Arimateia se tratasse, tentando levar os
políticos a tomar consciência do peso do madeiro, e dos espinhos, ou então
avisando esses mesmos políticos dos perigos de um dia o mártir deixar de se
sacrificar - «Zé-Povinho, amarrado pelos
a laços do deficit à coluna dos, impostos; e ameaçado pela lança do sello,
suporta resignado as crueldades dos judeus políticos, até que a cana verde que
tem na mão se transforme n'um cacete secco.» («A Paixão Popular» de Raphael
B. Pinheiro in António Maria, 21/4/ /1881)
Friday, January 01, 2021
Happy holidays cards sent by international cartoonist friends - Happy New Year 2021 with humour
Caricaturas Crónicas: «João Abel Manta, um plástico» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3/5/1987)
A sua obra permanece como um «mito» de humorismo de uma «terceira geração» modernista, que não existiu, permanecendo como uma ilha que ainda não fez escola entre nós.
Uma das características do plástico é a maleabilidade,
adaptação às exigências do momento. Também o é do artista plástico, que
querendo sobreviver da sua arte, tem que se adaptar às técnicas mais variadas,
deambulando desde a pintura, desenho, ilustração, cartaz, grafismo, decoração
de cerâmicas, tapeçaria, murais, azulejo, cenografia, arquitectura… até ao
humor gráfico.
Um artista plástico que fez um pouco de quase tudo o
atrás referido, é João Abel Manta, que começou «com os cartoons por sentir necessidade de um certo tipo de intervenção.
/…/ Considero o cartoonismo uma arma extremamente perigosa e por vezes
excessiva. /…/ É um tipo de intervenção do artista plástico que acaba sempre
por chegar a um beco sem saída pois, para ser eficaz, tem de ser imediatamente
legível, o que a condiciona; assim, ao contrário da pintura, da ilustração,
etc, não tem horizontes ilimitados».
Filho de dois mestres da pintura modernista (Abel
Manta e Maria Clementina Carneiro de Moura), João Abel Manta nasceu em Lisboa,
em 1928, licenciando-se na ESBAL em Arquitectura (1951), mas vivendo a arte na
profusão criativa referenciada no início. Conhecido nas várias artes, aqui
falaremos apenas do seu lado gráfico-humorístico.
Tendo sido cartoonista por criação, não o é por
convicção - «Sou um pintor que em
determinado período político do País, senti a necessidade de me expressar pelo
cartoonismo, mas a minha luta de há dez anos para cá é sair da lista dos
cartoonistas, já que nunca fiz o autêntico cartoonismo, que é uma anedota com
um boneco. É uma Profissão de que me sinto desligado, porque está a ser
exercida de uma forma absurda, rastejante.
Eu sou um
artista plástico, e nas artes plásticas deve-se saber fazer tudo, com ou sem
humor, mas em cada traço há sempre uma intenção, como é o caso de Almada que
mais do que pintor foi “cartoonista”, de Júlio Pomar que tem optimos
“cartoons”, de Menez, Sá Nogueira, António Quadros…»
Apesar deste amor/ódio a ilustração humorística,
denominada ambiguamente de «cartoon», João Abel Manta é um marco e marco e uma
ilha no grafismop humorístico português. Surgindo nos finais dos anos 40 como
uma ruptura à tradição gráfica, ele introduz uma estética de influência
americana, em detrimento do rafaelismo ainda dominante, ou do modernismo
sintético de influência franco-simplicissimus. Com um grafismo de «esquematismo
realista». Como uma visão em humor negro, onde o surrealismo em espirito do
absurdo dá um cunho especial ao seu trabalho.
Criando um estilo original bem característico, que se
impôs como um dos traços mais originais e importantes da segunda metade do séc.
XX, ele é o rosto de um humorismo satírico agudo, que renasce como oposição ao
regime, enquanto os «clássicos» se dobravam à simples anedota, ou iam
desaparecendo. Publicando os seus trabalhos na ver. «Arquitectura», no
«Almanaque», «Diário de Lisboa» / «Mosca», «Diário de Notícias» e no «Jornal»,
ele fez a transição entre a ditadura e a democracia. Na primeira, como
oposição; na segunda, como «necessidade de relembrar que houve fascismo e em
que consistia». Dois períodos condensados em dois livros - «Caricaturas
Portuguesas dos Anos de Salazar»; «Cartoons 1969-1985».
Abandonando o cartoonismo por quebra de necessidade de
intervenção, a sua obra permanece como um «mito» de humorismo de uma «terceira
geração» modernista, que não existiu, permanecendo como uma ilha que ainda não
fez escola entre nós.
Caricaturas Crónicas: «Empréstimos» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 10/5/1987)
Pregar o País é mais fácil do que o empregar, porque exige mais ciência empresarial, a qual necessita de apoio monetário. O pedido de empréstimo ao estrangeiro não é só de hoje, o que demonstra o estado adiantado da nossa «ciência económica».
A «vasura» (lixo), é um mal da civilização actual,
enquanto a usura tem sido perseguida ao longo dos séculos, mas quando se usa e
abusa de um país não resta mais nada do que um «prego». O prego serve para
substituir o cabide que não temos, serve para construir a casa que nos falta,
serve para «empenhar» o pouco que herdámos. O «prego» é o empenho na falência
nossa e triunfo do penhor.
Empenhados andamos todos nós, uns a construir algo de
útil, outros a destruir o que os primeiros fazem, e quase todos empenhados até
aos fundilhos: «A Fazenda pública – É um pobre maltrapilho remendado com
empréstimos, juros, deficit, e os fundos estão rotos» (Sebastião Sanhudo, in
«Sorvete» 4/5/1884).
Pregar o País é mais fácil do que o empregar, porque
exige mais ciência empresarial, a qual necessita de apoio monetário. O pedido
de empréstimo ao estrangeiro é um uso já antigo, não é só de hoje, o que
demonstra o estado adiantado da nossa «ciência económica» desde longa data.
«A dar
crédito a várias folhas, o Governo pensa em contrair um empréstimo de trinta
mil contos.
Humildes
observações: Corre para ai que nós não somos um povo adiantado. Uma calunia.
È possível
que em instrução, em artes, em industrias (honestas) não estejamos
efectivamente muito adiantados. A Alemanha, a Inglaterra, a França, talvez
n’esses insignificantes particulares, nos sejam um tudo-nada superiores.
Mas, não é
por estas bagatelas que o adiantamento de um povo, ou de um país, se revela.
Para se saber
se nós estamos ou não adiantados, consulta-se o livro de escripturação de John
Bull.
E, consultado
ele, reconhecer-se-á que Portugal é, já hoje, o país mais “adiantado” da
europa.
Ainda assim o
Governo, no sagrado empenho de que ninguém nos lance o barro adiante – vai
agora, segundo se diz, arranjar-nos mais um adiantamento… de trinta mil contos.
Decididamente
– estamos adiantadíssimos!» (Joaquim
Costa in «Alfacinha» 24/10/1882)
Ainda hoje, continuamos adiantados à Europa, ao ponto
de, por vezes, nos confundirem já com a áfrica, ou com o Atlântico, por sermos
um povo afogado nos défices mais ocidentais. Quando o observador estrangeiro
consegue ter alguma cultura geográfico-económica, o que nem sempre é fácil,
integra-nos na Europa, mas e apenas como um apêndice da Espanha, qual ilusão
acostada no cais da civilização empenhorada. Rodeado de boias de «salvação» no
existencialismo europeu, questionámo-nos onde termina a terra e começa o mar,
onde termina a realidade e começa a ilusão.
A salvação de Portugal não se sabe onde está, mas o
Empréstimo tem, de qualquer modo, o condão de nos iludir na duplicidade visual.
«Na luvaria
do Estado: – Os fregueses acham as luvas pequenas;
- Pequenas!
Querem-nas ainda maiores do que a minha medida?! Quantos contos é que caalça
então quem empresta?...
-Quem
empresta calça tudo. Quem pede emprestado descalça outro tanto» (Raphael Bordallo Pinheiro in «António Maria»
11/11/1880).
Nesta visão estrábica, existe o lado emprestador,
senhorial; e o lado penhorado, do (em)pregado. Por um está o Burnay (188…) ou o
F(o)MI (198…), que são a «Phyloxera do Paíz» (R.B.P. in «António Maria»
26/6/1882), por outro está a vinha-produto da nação, que o Zé-vinhateiro vê
escoar na garganta de desconhecidos
Se nesta civilização se pudesse pôr a usura no
«prego», não só continuaríamos um país «adiantado», como seriamos ricos.
Thursday, December 31, 2020
Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020
Caricaturas Crónicas: «UM SORRISO PARA OS HOMENS DE BOA VONTADE» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 1/1/1989
A caridade é uma característica natalícia, momento em que certas pessoas fazem a limpeza de consciência, para um novo ano de competitividade. Leal da Câmara já dizia: «Saber rir é já alguma coisa, mas fazer rir aos outros é mais do que um talento. É quase uma caridade.» Só que nem sempre os deixam ser caridosos.
O
Natal tem sido desde sempre um elemento de inspiração para cartoons,
apresentando o Zé como o menino divino, à volta do qual rondam os políticos à
procura do voto; apresentando os Zés como reis magros, a despirem os seus
presentes perante o menino-governo.
O
centro das atenções é sempre o menino-político, rodeado pelos aduladores e pela
animalidade, ou seja, os burros e as vacas que proporcionam os tempos de
fartura ou minguança. Passam os tempos e nada muda, havendo para todos os anos
uma esperança, uma caridade, um amor a cumprir.
A
magia deste dia é como um sorriso que destrói conflitos, que arruína amarguras.
Por essa razão, mesmo em regiões de religiões diferentes se fazem tréguas de
guerras, se come mais uma rabanada pelos meninos com fome no outro lado do
mundo, se adiam ódios, se sentem remorsos momentâneos por injustiças.
O
humor é como esse menino-esperança, pois estabelece o diálogo entre os homens,
sendo um antídoto do ódio e do medo. Libertador dos «maus humores» do homem,
descontrai o ambiente de desconfiança e angústia que banha o mundo (os
políticos e oradores utilizam muitas vezes o humor para início de um diálogo).
É não
só um «ambientador», mas também um «corrector». Quando nos rimos de alguém não
só provocamos uma descontracção nos medos do nosso inconsciente, como «matamos»
esse alguém, nem que seja por uns segundos. Nesse «assassínio» momentâneo
criamos uma defesa contra os possíveis males que advêm do outro, sublimando-os
em riso-amor. Ao mesmo tempo que podemos visionar as nossas potencialidades e
fraquezas, tomamos consciência do que somos e de como nos podemos defender das
agressões exteriores. Só quem se conhece bem é que se pode defender.
Nesta
faceta «assassina» do humor, também existe o caso de nos encontrarmos como
cadáveres momentâneos, transformando-se então o humor numa forma de podermos
destruir as nossas fraquezas e inferioridades interiores. É como que uma
auto-expurgação ou destruição dos pontos fracos por onde o nosso inimigo pode
atacar. O humor pode ser um meio de defesa que castiga os defeitos e ameniza os
caracteres.
Pode
ser também utilizado como controlador do pensamento, ajudando a quebrar a
rotina, os hábitos e as teorias enquistadas no comodismo, demonstrando como
elas já não são realistas com o mundo, e deste modo apontando o caminho na
evolução, pela irreverência. O humor tem o «dom» de nos fazer reflectir (ou
pelo menos deveria ter) e esclarecer as contradições que existem no nosso
pensamento, porque destrói as máscaras e desnuda as nossas fugas.
O
humor não consiste na criação de um mundo totalmente original, mas numa nova
maneira de ver, uma apresentação diferente daquilo que as pessoas olham, mas
não vêem por simples alheamento do que é quotidiano e monótono, ou por fuga
inconsciente. O humor obriga a despertar, a sentir o que se passa à volta -
como dizia Freud, «o humor não resigna, desafia».
Desafio
não os deseja o Governo, preferindo a passividade dos pais, com o sorriso de
algumas crianças perante os presentes que o Pai Natal, apesar de tudo, consegue
sempre dar.
Com
um sorriso como lema haverá sempre boa vontade entre os homens, porque já diz o
ditado: «Natal é onde e quando quisermos».
«Centenário do nascimento de Stuart Carvalhais – Desenhos e Ilustrações no “Diário de Notícias”» por Osvadlo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 8/3/1987)
Estava-se nos finais do inverno quando Eduardo Coelho, sentado na sua tarimba de jornalista, foi interrompido de rompante, pelo aprendiz que entrava, gritando:
- Mestre, já sabe a última?
Como a curiosidade é o pecado de todo o
jornalista, o director, sem sequer levantar a cabeça, tentando manter uma
postura imperturbável, disfarçou esse sentimento, na pergunta indiferente:
- Qual é essa notícia tão perturbante?
- É que acabei de ter conhecimento do
nascimento do Zé…
- Ora, esse já nasceu em 1875, do pai
Bordallo, já cresceu, e os outros que por aí aparecem como novos, não são senão
novas tentativas de lhe acender lanterna apagada da irreverência!
- Não falo desse saloio, mas sim no
Herculano.
- Ignorante e idiota, o Herculano já
desapareceu no Val de Lobos que nos rodeia.
- Mestre! Eu refiro-me ao José Herculano
Stuart Carvalhais – retorquio, impaciente, o aprendiz.
Seja porque o Eduardo não ligou aos
mexericos de um aprendiz de «meia-desfeita», seja porque não considerou
importante o nome, o que na verdade foi uma grande falya de visão futura, o
facto é que, naquele dia de 7 de Março de 1887, o “Diário de Notícias” não
publicou a notícia desse nascimento, do que resultou, na evolução dos
acontecimentos, uma grande confusão e especulação sobre os dados concretos do
evento. Em último recurso, no desempatar das apostas, foi a velha arquivista do
registo da Freguesia de São Pedro – Vila Real de Trás-os-Montes, que nos enviou
a certidão registada e selada de tal data, confirmando da veracidade da notícia
trazida pelo aprendiz alfacinha.
O “Diário de Notícias” era na altura,
uma instituição noticiosa já de maioridade, ou seja, 23 anos de serviço sério e
objectivo, sem interferências humorísticas. Naturalmente riu-se da ideia de
publicar algo sobre um tal Stuart, esquecendo o ditado, nunca digas que desta
água não beberás. Também é certo que a ironia das coisas, feitas sátira, só
entrariam nas suas portas tipográficas, nos anos 90, pela pena do mestre Celso
Hermínio, qual conquistador das letras hermínias da romanidade jornalística.
Este jornal, um dos mais antigos ainda vivo, não poderia ter começado de melhor
forma a carreira satírica, do que com aquele traço «expressionista», em terras
de naturalistas românticos, quando o impressionismo ainda ofuscava a visão nas
terras longínquas da Europa.
Quando o jovem José Herculano, no
desenrolar das várias peripécias que é a vida, foi transferido por /com seus
pais para Lisboa (1902), era o traço de Celso que, contemporâneo de um Bordallo
envelhecido na “Paródia”, fazia rir-pensar nas segundas-feiras do “Diário de
Notícias”. O desenho, a ilustração, o humor tinham conquistado já esse bastião
noticioso, mas sem a força de outros titulares não menos seculares, que a
ganância de uns e a apatia de outros deixariam desaparecer.
Foi precisamente nesse «Século» que o
jovem José se transformaria no artista Stuart Carvalhais. Como tudo na vida,
deste território, é pelas amizades e influencias que as coisas acontecem.
Infelizmente ele não conhecia ninguém no «Diário de Notícias», enquanto o seu
mestre (trabalhava ele como aprendiz de azulejaria) Jorge Colaço, dirigia o
“Suplemento Humorístico d’O Século”, «O Cómico na luta-opinião política». Era o
ano de 1906, quando esse novo evento aconteceu. Se «os sinos tocam, quando um
anjo ganha as suas asas», nada acontece quando um artista nasce para as Artes
e, por vezes, nem mesmo quando ele morre.
Tal como dois amantes platónicos, ambos
se desconhecem na intimidade, mas observar-se-ão mutuamente à distância durante
muito tempo. Stuart, para além de «O Século», intervinha em quase todos os
periódicos da capital, naqueles que sobreviviam, nos que faliam, apoiando a
República ou o regresso à Monarquia, o Sidónio Paes como o Affonso Costa…
O “Diário de Notícias”, após uma pausa
irónica no final da Monarquia / princípio da República, recuperou a sua posição
satírica com nomes sonantes como Francisco Valença, Manuel Gustavo Bordallo
Pinheiro, Leal da Câmara, Jorge Barradas, Almada Negreiros, António Soares…
Teríamos de esperar pelos anos trinta do
século XX, para se dar o encontro há muito desejado. É em 1935 que o novo
evento acontece, e outra vez sem qualquer manifestação exterior de comemoração.
Foi um simples surgir da manvha negra sobre o papel branco, o traço que dá
origem ao «banco».
A ditadura dominava os espíritos, e os
tempos não eram propícios à sátira política. Após o fervor da luta dos anos
dez, do cansaço transformado numa certa apatia mundana, ou pseudocosmopolita, o
humor ainda teve força para criticar o início da ditadura, o professor que
tentava surgir como o salvador do país. Em 35, apesar da censura estar já
incrementada a todos os níveis, como na imprensa, no humor houve ainda uma
certa condescendência a alguns comentários. Mas, com o passar dos anos, e
endurecimento das carótidas do regime, a sátira, o humor transformou-se em
simples anedótas de salão, que mais parecia de tasca. O comentário, ou opinião
sobre a política internacional ainda era aceite pelos censores, principalmente
durante a Segunda Guerra Mundial, como fachada de liberalismo de pensamento. Por
outro lado, a ironia na anedota social, a sátira entre linhas do comentário
inocente, eram os caminhos possíveis de acusar o regime, a miséria do povo, a
falta de liberdade, o estagnamento, do qual os tipos imutáveis da sociedade se
tornavam heróis de um nacionalismo medievo.
Este foi o trajecto do Stuart no «Diário
de Notícias», tal como dos outros humoristas. Comentar de tempos a tempos a
política internacional; tentar de longe a longe passar uma anedota mais
comprometida; jogar os sentidos duplos, e fundamentalmente criar a «piada do
dia», a brincadeira da sogra, dos babados, dos náufragos… temas comuns a todo o
humor de circunstância.
Os condicionalismos, em homens de génio,
têm sempre como fruto de escape, uma alternativa, que no caso de Stuart, foi a exploração
de um mundo muito querido para ele, o povo, seus hábitos, sua cidade. Ainda não
havia exploração turística, ainda não havia o culto do pitoresco como
cenografia, havia sim a petrificação de uma sociedade-povo, na tradição
centenária que a civilização industrial não modificava, por a evolução ter sido
proibida pelo regime. Stuart foi desta forma o desenhador-pintor, o humorista
de uma Lisboa encantadora mas retrograda, pitoresca mas miserável.
A par do desenho de humor, Stuart foi
ilustrador do “Diário de Notícias” para os romances em folhetins que publicava,
as capas ou páginas referentes aos números de Carnaval, Páscoa, Santos
Populares, Natal… A sua relação de colaborador do “Diário de Notícias” era
igual à sua relação com os outros jornais, ou com a vida. Desprendido de
contratos, ou compromissos castradores, cumpria os pedidos quando lhe apetecia,
fazia os «bonecos» com o material que tinha à mão, ou seja tinta, café, graxa,
remédios… com um pincel de dois pelos, um pau de fosforo, um lápis, um carvão….
Diz-se dele que foi um boémio genial, o
desenhador das varinas e gatos, das pernas mais bonitas de mulheres, de Lisboa
e seus becos, do humor simples quotidiano, mas no “Diário de Notícias” foi
apenas um colaborador, genial, que para o jornal trabalhou durante algumas
dezenas de anos, a par de Bernardo Marques, Albuquerque, Teixeira Cabral e,
posteriormente, «substituído» por um Júlio Gil, João Abel Manta, António, Sam,
Zé Manel, Pedro Palma, Vasco, José Bandeira…
Os colaboradores passam, a obra fica
registada no papel pardo do jornal, o qual quando é de valor, ou especial, como
é o caso, volta sempre a reaparecer na ribalta do jornalismo, ou das salas de
exposição, feitas obras de arte, que na verdade sempre foram. Desta vez, o
«Diário de Notícias» vai aliar-se ao Centenário do artista, expondo «Stuart no
Diário de Notícias» na terra natal do artista (Vila Real),
Quando o Stuart morreu a 3 de março de
1961, o director do “Diário de Notícias”, mandou notificar esse infeliz evento,
com saúde e tristeza.
Wednesday, December 30, 2020
Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020
Caricaturas Crónicas: «Arnaldo Ressano – o contra-senso» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 29/3/1987)
A caricatura é o exagero na sátira, a ironia do carácter, a irreverência na ordem, a ordem irreverente. Tudo isso é Arnaldo Ressano Garcia, nato em 1880, nesta cidade de Lisboa, militar por carreira, caricaturista por expressão.
As primeiras notícias do seu espírito satírico
publicado, datam de 1901, impondo-se como perito do retrato caricatural.
Discípulo de Luciano Freire no desenho, e na formação naturalista, não deixa de
mostrar, de imediato, as suas qualidades satíricas e caricaturais.
De 1906 a 1910 manterá o seu espirito caricatural
vivo, publicando regularmente os seus trabalhos, em periódicos como o «Arauto»,
«Revista Nova», «Ilustração Portuguesa», «Pst»…
Entretanto, tinha ingressado na carreira militar,
onde, durante 25 anos, a disciplina e a ordem se contrapõem, em espirito, à
possibilidade de expressão da sua veia irreverente e satírica. Como militar,
ascendeu até ao posto de coronel, exercendo o professorado em campos ligados ao
desenho, na Escola do Exército e na Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa.
A irreverência juvenil tinha dado lugar à ordem como
profissão, e seria por volta de 1935, quando a «passagem à reserva» o começava
a apoquentar, que a arte da sátira renasce dentro dele, ou pelo menos renasce a
vontade de a publicar. Nesse mesmo ano surgem, no «Sempre Fixe», os seus novos
desenhos.
Este reencontro da caricatura de Arnaldo Ressano com o
público foi em força, e com decisão, coincidindo o reaparecimento dos seus
trabalhos nos periódicos com uma grande exposição na SNBA. E a publicação de um
«Álbum de Caricaturas», como o seu manifesto em arte - «o equilíbrio, o saber, o estudo, o bom desenho, a bela pintura, a
perfeita estilização, a elevação nas ideias, no sentimento e na sensibilidade».
Surgia como ideal no extremo da deformação, como defensor do academismo, no
extremo teórico: «como me prezo de
desenhar honestamente, os meus trabalhos afastaram-me, naturalmente, do
convívio dos chamados avançados».
Partiu então para Paris, com bolsa de estudo, não para
estudar as técnicas e estéticas, mas para «desvendar
a razão de ser, a origem e explicação, desse tufão destruidor» que é a «revolta
internacional contra a cultura mental, procurando mergulhá-la no pântano escuro
da selva. /…/ Aqueles a quem esta
desorientação das artes aproveita, aqueles que a deflagram, são os inimigos
seculares da civilização cristã. Com esta desorientação antiestética e
paranoica, eles bem sabem que a vão atingir em pleno coração, isto é, na sua
espiritualidade».
Partiu numa cruzada estética, onde a política e sua
moral conservadora lhe toldava o espirito analítico: «E as obras ultimamente impostas, por todos os falhados, que nada sabem,
que nada pensam, que nada respeitam, e ainda menos estudam, são absolutamente
iguais às de todos os falhados do resto do mundo, e portanto internacionais». Tudo
o que fugia à sua compreensão era etiquetado de internacionalista-comunista,
que no tempo era o mesmo, englobando esteticamente os futuristas-fascistas,
futuristas-comunistas, cubistas, expressionistas…
Nesta primeira metade do século XX a política
dividia-se não em esquerda e direita, mas em internacionalismo e nacionalismo,
englobando is primeiros as vanguardas e os segundos os academismos.
As transcrições anteriores pertencem à conferência que
Arnaldo Ressano proferiu em 1938, no seu regresso, na SNBA, como conclusão do
seu estudo. Regressava então com o intuito de dirigir e corrigir a arte nacional,
afastando o «intrujismo» modernista da protecção estatal, e até eclesiástica.
Foi uma luta inglória e ridícula de afastar o pobre modernismo do «mundo
português».
Tendo iniciado, como artista, uma carreira em
naturalismo satírico, ele soube dar o seu cunho de originalidade pelo humorismo
incisivo. Quando reapareceu, em 1935, publicando no «Sempre Fixe» (jornal
essencialmente modernista), «Diabo», «Risota», «Século Ilustrado», «Ocidente»…
verifica-se apenas um maior domínio do desenho e da deformação.
A sua caricatura é a interpretação psicológica, na
deformação satírica, não só das fisionomias, como do todo anatómico, em
sugerência de «ave», o «animal», a «coisa» que existe dentro do ser, da alma…
do espirito de cada um. As mãos, os corpos, são a expressão de uma síntese no
exagero de um ser caricaturado.
Partindo do «equilíbrio» na deformação, do «desenho
honesto» na ironia, da «perfeita estilização» na incisão satírica, da
«sensibilidade», ele criou uma obra que na teoria respeitava os seus ideais, mas
que na prática se lhe opunham. Sem pertencer à caricatura modernista, ele
atingiu a «vanguarda» que combatia, pelo academismo no grotesco.
Um livro por semana – “Da cegueira dos pintores” de Júlio Pomar» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 16/11/1986)
«Um pintor que se dirige ao público, não para lhe apresentar as suas obras, mas para lhe revelar algumas das suas ideias sobre a arte de pintar, expõe-se a numerosos perigos» (Matisse)
Mais um livro da colecção «Arte e
artistas», em que o pintor Júlio Pomar se apresenta no «comércio das palavras: recorro a ele aqui para desbravar a selva do
ver, para me aproximar do lado perturbado da visão; para desempenhar, portanto,
a função da bengala do cego; protegendo a marcha do indivíduo, ajudo-o a
afastar-se dos obstáculos em que poderia tropeçar».
Não é fácil o autor falar da sua própria
pintura, mesmo olhando-a «com olhos frios»,
como um «intruso», já que segundo o
pintor-escritor «a pintura começa onde já não se pode falar dela, onde as
palavras fracassam e vogam à deriva».
Este livro não é a resposta à pergunta
nunca feita («E que pensa você de si
mesmo?»), mas uma deambulação, ou preferencialmente «uma ruminação no
vazio» que é a decomposição das imagens pela palavra. A palavra é a sedução do
desejo, o desejo dos objectos pictóricos, o «ser» ou «dizer», é um quadro «atravessado por chegadas sucessivas de
notações e de acontecimentos», é o assunto encontrado «ao acaso dos dias», é um «jogo» entre as imagens presas ao «não lugar» pictural, o universo pintura
que o artista tenta construir, e o quotidiano onde se recortam as imagens.
Partindo da sua obra, a «imagem deu origem a outras imagens» em «sucessivos encaixes ou desencaixes», até
atingir as raízes da arte contemporânea. Passando por Bacon, para dissecar
Matisse e Cezanne, o pintor-escritor escapa do vazio da palavra-discurso, para
analisar «o diálogo entre o que o pintor
quer e o que o pintor faz».
Neste itinerário literário, o artista
expôs-se a numerosos perigos, mas, tal como um «herói de ficção», escapou ao perigo da autocontemplação, ou ao
deserto da análise-vazio-estético. E tudo termina bem quando reconhece «a paixão do pintor: quotidiana partida do
mundo (partida no sentido de pregar partidas?). Rito solitário, festa mistério,
calvário, droga, bebedeira. Merda para os pintores aplicados (eu incluído)»
«Da Cegueira dos Pintores» de Júlio
Pomar (Colecção «Arte e Letras») Lisboa 1986.
Tuesday, December 29, 2020
Happy holidays cards sent by international cartoonist friends 2020
Caricaturas Crónicas: «Alfredo Cândido» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias» de 15/2/1987)
Nascido
no ano de 1879, em Ponte de Lima, veio ao mundo terreno sob o reinado
humorístico de Raphael Bordallo Pinheiro e naturalmente cresceria sob a sua
influência raphaelesca, como muitos outros seus contemporâneos.
«Pouco
se passou que não surgisse a maldita queda para os bonecos, o que me valeu
sempre ser corrido das escolas. O primeiro desgraçado que eu conheci a mamnejar
o lápis de Busch em danças macabras, foi morto à força de pancadaria, por causa
de uma caricatura, estando depois empregado em casa dum judeu de cara de mogno
polido, fui inesperadamente posto na rua.
Foi
então que me fiz navegador e cheguei a atravessar as florestas incultas fo
Brasol, aonde fis os meus estudos “d’aprés nature”, pintando os retratos de
vários surucureis que passaram graciosamente.
No
Rio de Janeiro estreei-me no “Portugal Moderno e d’ahi por diante uma
caricatura representou sempre uma ameaça e uma espera; d’uma vez, foram
suspensos três jornais e eu estive quase a ser também definitivamente suspenso,
Colaborei em quase todas as publicações do Rio e de São Paulo.
/…/
Depois, (a minha inópia) só me recordo que fechei os olhos e fazendo-me ao
largo, vim dar com o costado na Rocha de Conde d’Óbidos. Cé, meu amigo, nesta
cidade das iscas, tendo errado pelas páginas do «Portugal-Brasil», do «Vira» e
do «Novidades», deixando-me escorregar suavemente, distraidamente, pela
manteiga de muitos outros que o público alfacinha, ainda mais distraidamente,
se dignou gramar».
Desta forma se autobiografou Alfredo
Cândido, em 1913, para o Catálogo do segundo Salão dos Humoristas de Lisboa.
Este artista, minhoto de nascimento, sereia luso-brasileiro pelo trabalho, e
desenhador-publicista-caricaturista por profissão.
Nascido no ano de 1879, em Ponte de
Lima, veio ao mundo terreno sob o reinado humorístico de Raphael Bordallo
Pinheiro e naturalmente cresceria sob a sua influência raphaelesca, como muitos
outros seus contemporâneos. Curricularmente, estudou «oficialmente» na Escola
Industrial de Viana do Castelo, mas na realidade Artística, foi discípulo da
vida, em sobrevivência, como todo o caricaturista / humorista gráfico da época.
O Brasil, como muitos outros portos ao
longo da nossa história, pareceu à sua família, para onde partiram em 1895, o
ancoradouro mais propício para sua segurança económica. Ai procurou a fama
artística, mas, tal como o mestre Raphael e outros companheiros lusos, não
encontrou o paraíso, mas uma terra selvagem de «coronéis» e «jagunços» pouco
dados aos humores. Se o dinheiro poderia ser uma presa fácil, também o era o
seu físico, para os ofendidos da caricatura.
Sempre houve «humilhados e ofendidos»,
no amor pelo humor, nas terras em vias de desenvolvimento que nunca chega, em
sociedades pouco abertas à inteligência dialogante, à opinião livre. Uma
opinião é o humor, é a caricatura, esse auto-reflexo deformador que Alfredo
Cândido compara com o tempo - «o Tempo é o caricaturista demolidor das
idolatrias e dos homens». Apressando o tempo, desmascarando os homens,
demolindo fantoches, o caricaturista é um animal perigoso para consciências
sujas, ou narcisismos embaciados.
No Brasil existia então esse espírito
anti-humorístico. E a sua vida aí, apesar de trabalhar em múltiplos periódicos,
de fundar dois deles («Teatro», «Larva»), não foi fácil, ao ponto de resolver
regressar à Rocha de Conde d’Óbidos (1905), vindo engrossar a corrente de
humoristas-caricaturistas que lutavam pelo derrube da monarquia, prosseguindo depois
com as críticas à República. O seu irmão José Cândido, também caricaturista
acabaria por se manter sempre em terras de Vera Cruz.
Apesar de rafaelista, por formação, não
deixou de participar nos Salões dos Humoristas, lançadores do modernismo em
Portugal, e de camaradar com eles, na difusão do gosto pela caricatura, na
crítica aos erros do republicanismo, continuando sempre a publicar até sua
morte (Lisboa 1960).
A par da sua actividade de
caricaturista, foi aguarelista, desenhador e ilustrador. Regressaria ao Brasil
por três vezes para visitar a família e realizar exposições (1923, 32 e 51).
Caricaturas Crónicas: «Imaginário de Lisboa» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 22/3/1987)
No século
XIX, a cidade libertou-se do rio, sem renegar as suas brumas sebastianistas,
virou-lhe as costas, entregando-se a uma morte lenta. A norte nasceu uma
avenida anã como primeira pedra de uma cidade nova.
«Acordas num
lugar de brumas: brumas azuis e cor-de-rosa. - evocação lírica de Cecília Meireles na sua viagem a Portugal em
1934, com seu marido o caricaturista Fernando Correia Dias - Não tens a certeza do céu, mas sentes em
redor de ti um arejado bocejo de água. Dizem-te LISBOA. Não podes ainda ver
claramente. São tudo espumas de aurora. Mas de repente o sol atira certeiro uma
chispa de ouro. E sentes um brilho súbito de nácar descoberto. Repetem-te:
LISBOA».
Das brumas, das nuvens fluviais surgem colinas de
amoreiras, surgem «Guerreiros medievais escoltando a sua dama» (sic T.
Taveira), guerreiros perdidos numa cidade à procura de um imaginário.
Quem entra na cidade pelo poente marítimo, e se
surpreende por esta visão medieval, logo se recorda que o primeiro cavaleiro
portucalense que pôs um pé dentro da cidade se entalou, e desde aí todos
andamos «entalados». Martim Moniz se chamava, entalou-se numa porta,
mantendo-se hoje entalado entre bairros / história em degradação, e projectos
urbanísticos que nunca se concretizam. Entalada entre imaginários cenários e
desconstrução histórica, a cidade tem sobrevivido.
Nascida do Tejo, com ele tem vivido / sonhado, e se a
simbologia lhe deu sete colinas por superstição mágica, só tem um rio como
esgoto. Dele dependeu, nele se espraiou, crescendo com e pela história.
Um terramoto a destruiu, sendo reedificada segundo um
plano urbanístico, o único global desta cidade secular, salvo os que aparecem
em períodos eleitorais. Cidade / aldeia, cresceu como testemunho das colónias
emigrantes que por aqui se fixaram; cresceu com sonhos esporádficos de
cosmopolitismo europeu, expresso em shopping centres.
No século XIX a cidade libertou-se do rio, sem renegar
as suas brumas sebastianistas, virou-lhe as costas, entregando-se a uma morte
lenta. Procurou um novo norte, e a norte nasceu uma avenida anã como primeira
pedra de uma cidade nova. Cidade entalada por construtores civis, engenheiros,
e por vezes arquitectos, pouco teve de urbanistas, existindo contudo sonhos,
projectos de imaginário fabuloso.
«”Coincidirá
isto com a derrocada, ou pelo menos a larga desabridação dos bairros infectos
d’Alfama, Castelo, Mouraria, Alcântara e outros muitos onde a população
trabalhadora se comprime, e mais ou menos são montureiros de gente,
destruidoras da mocidade e vigor da raça popular – recomenda Fialho de Almeida”
/…/ Não devem os municípios dar ouvidos à arqueologia piegas que em certos
bestuntos confunde o respeito das coisas artísticas com a monomania idiota de
conservar tudo o que é velho. /…/ (conservar sim) um ou outro edifício, arco ou
recanto, valendo mais como reprego cenográfico do que como amostra
arquitecturaL dos séculos que conta…». Opiniões à muitas, e esta é uma opinião
não concretizada na época, mas consentida hoje, numa política de degradação e
destruição.
Criar uma outra cidade, não medieval e não pombalina,
era o desafio. Fialho de Almeida idealizava-a como cenário operático: «uma ponte sobre os vales da Avenida e Rua
da Palma, ligando S. Pedro d’ Alcântara a Sant’Ana, e esta à Graça ou Monte do
Castelo, era uma obra de seguro efeito cenográfico, gigantesco e pernalta,
barrando o ar n’um salto audacioso».
A culminar este projecto, uma «Yoshiwhara feérica e colossal, casino e circo, biblioteca e
restaurante, velódromo e frontão, hall de concertos e teatro d’Opera, n’esse
recinto do chamado Castelo de São Jorge, adentro da cinta de muros onde foi
outr’ora o rouqueiro da cidade».
Nesta cidade imaginária, Lisboa deve ser o lugar de
prazer e vivencia, e dentro dessa linha, Ventura Terra idealiza uma marginal /
jardim entre Santos e Terreiro do Paço, com reencontro da cidade com o rio, por
uma cenografia parisina.
Para o Parque Eduardo VII idealizam-se jardins,
cascatas, monumentalidade e desenfesamento da Avenida, como resposta viária de
comunicação da cidade ribeirinha com o norte, com a cidade nova.
Houve arquitectos na procura de uma linguagem
nacionalista, outros houve que procuraram impor estilos internacionalistas, mas
em todos se caracterizou uma tradição cenográfica, que os cenógrafos do Teatro
de São Carlos – Cinatti, Manini… - conseguiram deixar como testemunho (palácio
Foz, Mosteiro dos Jerónimos…). A arquitectura é a expressão de uma sociedade, e
neste caso, pelos vistos estamos perante uma sociedade de opereta. Lisboa
passou a ser sonhada como cenografia para deleite de turistas, é a busca de uma
«linguagem de comunicação… para comunicar
com os extraterrestres» (sic Tomás Taveira).
Hoje, a cidade cria imaginários em diálogo com
extraterrestres, ou com elites de opereta, imaginários implantados a ferros e
espelhos sem diálogo com o entorno, com o passado, com o presente, com o futuro
da sua população emigrante, com a cidade como entidade global para gozoi e
vivencia. Lisboa entalada entre politiqueiros e construtores civis, passou a
escritório onde se vem trabalhar.
Acordas enlatado em brumas; brumas cinzentas de
comboio e laranja de autocarros. Não tens a certeza do céu, mas sentes em redor
de ti um arejado bocejo de ar «condicionado». Dizem-te Lisboa. Não podes ainda
ver claramente. São tudo espumas de burocracia…