Thursday, February 26, 2009
MINGOTE 90 AÑOS
escrito por: J. M. Varona "Ché"
Ángel Antonio Mingote Barrachina (Sitges, 1919) Dibujante y humorista español más conocido como MINGOTE. Con motivo de su noventa cumpleaños el valenciano José García Martínez, de la Academia de Humor, más conocido por PGarcía, tuvo la feliz idea de convocar a los humoristas gráficos españoles para que dedicaran una de sus viñetas al maestro. La convocatoria tuvo éxito dando como resultado la realización de 44 originales y la exposición homenaje a Mingote que desde el 26 de febrero del 2009 organizado por la Biblioteca Valenciana y por la Academia de Humor se muestra en la Sala Capitular sita en el Monasterio de San Miguel de los Reyes en Valencia. Las obras originales también serán encuadernadas y entregadas a Mingote ...
Wednesday, February 25, 2009
Homenagem a Luis d'Oliveira Guimarães em Coimbra (Casa Municipal da Cultura) de 28 de Fevereiro a 27 de Março
O Carnaval por Luís d'Oliveira Guimarães
CARNAVAL - Nem todos saberão que se chama Carnaval á época que vai do Dia de Reis á Quaresma, convencidos de que o Carnaval é apenas o período de três dias, os chamados dias gordos, domingo, segunda e terça, que antecedem Quarta-Feira de Cinzas, inicio do ciclo quaresmal. Convencionou-se que, no Carnaval, ou. com mais rigor, nos seus três dias grandes; não só se podia foliar á vontade como se podia comer carne á farta (havendo-a), em contraposição com a quadra da Quaresma em que a folia e a carne eram desaconselháveis. A expressão Carnaval parece mesmo ter nascido da expressão «Caro vale» que significa «Adeus á carne». O que importa, porém, mais do que a origem da expressão, é aquilo que ela significa e, a este respeito, creio que podemos estar tranquilos. Poucos, desde criança, deixarão de saber o que o Carnaval é.
Há quem diga que as folias carnavalescas advêm das festas pagãs egípcias; há quem diga que advêm das festas pagãs hebraicas; há quem diga, fundando-se em Suetónio, que advêm das saturnais romanas. Na verdade, Suetónio dá-nos uma descrição das festas romanas em honra de Saturno que bem podia ser a descrição, sob determinados aspectos, das folias carnavalescas que surgiram depois. Mas não falta quem afirme que a origem destas folias remonta a muito maior idade, sendo já celebradas dez mil anos antes de Cristo. Não falta quem vá ainda mais longe e as filie no culto agrário praticado nelas povos primitivos em que, segundo determinados etnógrafos, homens e mulheres mascarados, de faces tisnadas, cobertos de peles e de plumas, se agrupavam em bandos e corriam, de noite, gritando:
- Afastai-vos, demónios! Afastai-vos, demónios!
Se me é lícito expressar uma opinião em assunto tão complexo e tão melindroso, afigura-se-me que o Carnaval (emprego, neste momento, a palavra Carnaval por comodidade de expressão) nasceu com o primeiro homem e com a primeira mulher, isto é, com a humanidade - e há-de existir enquanto houver um homem e uma mulher á superfície da Terra, quer dizer enquanto a humanidade existir. Pode ter variado e variar com o decorrer do tempo; pode mudar de fisionomia e de carácter, de país para país ou, até, de pessoa para pessoa; mas confunde-se tanto com a vida que, frequentes vezes, dificilmente saberemos, ante o que nos rodeia, se é a vida na sua realidade, se é o Carnaval na sua fantasia .
- Que diferença há entre o Carnava1 e a vida? - perguntaram, uma vez, ao político e escritor, conselheiro António Cabral, em Terça-Feira Gorda, à porta da Havaneza, enquanto grupos de mascarados subiam e desciam o Chiado.
António Cabral, que era, sob um aspecto aparentemente austero, um homem de espírito (ou não fosse ele, quando estudante de Direito, o autor de uma das mais célebres revistas do 5º ano - «ó Fabia que Foste Fabia» - levadas á cena em Coimbra!) , respondeu ao mesmo tempo grave e irónico:
- Confesso que não lhe vejo diferença nenhuma. Eu, por exemplo, todos os dias me mascaro, de sobrecasaca e chapéu alto, quando vou para São Bento!
A máscara é um elemento indispensável ao Carnaval, especificamente ao Carnaval da Vida. Li, uma vez, que cada um dos três mundos - o mundo antigo, o mundo medieval e o mundo moderno - tinha criado a sua máscara. A máscara do mundo antigo era de argila: a do mundo medieval de ferro; a do mundo moderno de veludo. Na Antiguidade Clássica, o homem, querendo reproduzir a face terrivel das divindades que ele próprio imaginara, inventara a máscara de barro. Na Idade Média, o cavaleiro viu em si a encarnação da força, da honra e da justiça é para que a força, a honra e a justiça fossem invencíveis, revestira-se de armas reluzentes - e moldara a máscara de ferro. Na Idade Moderna, perdendo a fé nas divindades e preferindo a dissimulação á franqueza, a mentira á verdade, a sombra á luz - recortara a máscara de veludo. Foi certamente assim. Simplesmente, nós não estamos já no mundo antigo, não estamos já no mundo medieval, não estamos Já, sequer, no mundo moderno estamos no mundo ultramoderno e, à semelhança do que aconteceu outrora, o homem do nosso tempo, não podia deixar de ter a sua máscara própria - e fez a máscara de papelão. Se a máscara constitui o símbolo da época em que surge, - a máscara de papelão, frágil, vulnerável, diversa, mas caricatural na sua expressão e no seu colorido, constitui, de algum modo, o símbolo da nossa época. Vende-se em qualquer tabacaria. Apresenta as mais variadas faces, á escolha do comprador. Põe-se e tira-se com maior facilidade do que se faz o nó da gravata. Não será a máscara ideal, mas é, no Mundo em que vivemos, a máscara que se usa...
/…/ Em Portugal, à semelhança de muitos outros países, a despeito do Carnaval da vida. piora todo o ano, as chamadas folias carnavalescas, sempre se efectuaram com mais ou menos fulgor, através dos séculos. Proclamada a independência por D. Afonso Henriques, passou a haver as folias carnavalescas nacionais. Realeza, nobreza e povo, muitas vezes divergentes, associaram-se para os mesmos objectivos: consagrar o Carnaval. O próprio clero integrou o Carnaval no seu calendário liturgico. Julgou-se mesmo conveniente que as folias carnavalescas nacionais tivessem um rei privativo - e proclamou-se o rei David. Gerações e gerações o conheceram com as suas barbas de estopa, a sua coroa doirada na cabeça, a sua lira na mão. Não havia folia sem o rei David. Diz-se que as folias carnavalescas já não são o que eram dantes. Não posso testemunhar o que foram os folguedos de Carnaval através dos nossos séculos de história; mas posso testemunhar o que eram esses folguedos nas primeiras décadas da minha existência, nas ruas, nos teatros, nas colectividades, nas próprias casas particulares, pelo menos em Lisboa. Ainda me lembro bem, desses folguedos que animavam a cidade durante, os três dias gordos. Hoje, o Carnaval popular já não assenta arraiais em Lisboa. Quem quiser ver um ar da sua graça, tem de ir a uma das nossas cidades ou vilas da província. Em Lisboa já não o encontra - a não ser por mero acaso. As suas figuras populares características desapareceram daqui. Festejam o Carnaval fora. Disseram-me que vivia ainda, em Lisboa, um xexé que eu conheci, no Chiado, nos meus tempos de rapaz. Pensei que daria uma entrevista. Indaguei a morada. procurei-o. Recebeu-me atenciosamente, numa velha cadeira, de estofo esgarçado (donde já não se levantava senão a muito custo), enfiado na sua velha casaca de cores, tendo a seu lado um bastão ornado do clássico chavelho a que se amparava para conseguir dar uns passos.
- Então o que o traz por cá? - perguntou-me.
- Entrevistá-lo.
- Ah, meu amigo. Estou muito velho. Já não saio de casa. O que sei é o que leio nos jornais, ouço na rádio e vejo na televisão. Não falo com ninguém. Mas a entrevista era sobre quê?
- Sobre o Carnaval.
O velho xexé estremeceu na cadeira, fitou·me através da sua luneta de um vidro só e respondeu-me:
- Desculpe. Mas de política jurei não falar...
E a entrevista ficou no tinteiro.
(in Segredos a toda a Gente de 21/2/1982)
Há quem diga que as folias carnavalescas advêm das festas pagãs egípcias; há quem diga que advêm das festas pagãs hebraicas; há quem diga, fundando-se em Suetónio, que advêm das saturnais romanas. Na verdade, Suetónio dá-nos uma descrição das festas romanas em honra de Saturno que bem podia ser a descrição, sob determinados aspectos, das folias carnavalescas que surgiram depois. Mas não falta quem afirme que a origem destas folias remonta a muito maior idade, sendo já celebradas dez mil anos antes de Cristo. Não falta quem vá ainda mais longe e as filie no culto agrário praticado nelas povos primitivos em que, segundo determinados etnógrafos, homens e mulheres mascarados, de faces tisnadas, cobertos de peles e de plumas, se agrupavam em bandos e corriam, de noite, gritando:
- Afastai-vos, demónios! Afastai-vos, demónios!
Se me é lícito expressar uma opinião em assunto tão complexo e tão melindroso, afigura-se-me que o Carnaval (emprego, neste momento, a palavra Carnaval por comodidade de expressão) nasceu com o primeiro homem e com a primeira mulher, isto é, com a humanidade - e há-de existir enquanto houver um homem e uma mulher á superfície da Terra, quer dizer enquanto a humanidade existir. Pode ter variado e variar com o decorrer do tempo; pode mudar de fisionomia e de carácter, de país para país ou, até, de pessoa para pessoa; mas confunde-se tanto com a vida que, frequentes vezes, dificilmente saberemos, ante o que nos rodeia, se é a vida na sua realidade, se é o Carnaval na sua fantasia .
- Que diferença há entre o Carnava1 e a vida? - perguntaram, uma vez, ao político e escritor, conselheiro António Cabral, em Terça-Feira Gorda, à porta da Havaneza, enquanto grupos de mascarados subiam e desciam o Chiado.
António Cabral, que era, sob um aspecto aparentemente austero, um homem de espírito (ou não fosse ele, quando estudante de Direito, o autor de uma das mais célebres revistas do 5º ano - «ó Fabia que Foste Fabia» - levadas á cena em Coimbra!) , respondeu ao mesmo tempo grave e irónico:
- Confesso que não lhe vejo diferença nenhuma. Eu, por exemplo, todos os dias me mascaro, de sobrecasaca e chapéu alto, quando vou para São Bento!
A máscara é um elemento indispensável ao Carnaval, especificamente ao Carnaval da Vida. Li, uma vez, que cada um dos três mundos - o mundo antigo, o mundo medieval e o mundo moderno - tinha criado a sua máscara. A máscara do mundo antigo era de argila: a do mundo medieval de ferro; a do mundo moderno de veludo. Na Antiguidade Clássica, o homem, querendo reproduzir a face terrivel das divindades que ele próprio imaginara, inventara a máscara de barro. Na Idade Média, o cavaleiro viu em si a encarnação da força, da honra e da justiça é para que a força, a honra e a justiça fossem invencíveis, revestira-se de armas reluzentes - e moldara a máscara de ferro. Na Idade Moderna, perdendo a fé nas divindades e preferindo a dissimulação á franqueza, a mentira á verdade, a sombra á luz - recortara a máscara de veludo. Foi certamente assim. Simplesmente, nós não estamos já no mundo antigo, não estamos já no mundo medieval, não estamos Já, sequer, no mundo moderno estamos no mundo ultramoderno e, à semelhança do que aconteceu outrora, o homem do nosso tempo, não podia deixar de ter a sua máscara própria - e fez a máscara de papelão. Se a máscara constitui o símbolo da época em que surge, - a máscara de papelão, frágil, vulnerável, diversa, mas caricatural na sua expressão e no seu colorido, constitui, de algum modo, o símbolo da nossa época. Vende-se em qualquer tabacaria. Apresenta as mais variadas faces, á escolha do comprador. Põe-se e tira-se com maior facilidade do que se faz o nó da gravata. Não será a máscara ideal, mas é, no Mundo em que vivemos, a máscara que se usa...
/…/ Em Portugal, à semelhança de muitos outros países, a despeito do Carnaval da vida. piora todo o ano, as chamadas folias carnavalescas, sempre se efectuaram com mais ou menos fulgor, através dos séculos. Proclamada a independência por D. Afonso Henriques, passou a haver as folias carnavalescas nacionais. Realeza, nobreza e povo, muitas vezes divergentes, associaram-se para os mesmos objectivos: consagrar o Carnaval. O próprio clero integrou o Carnaval no seu calendário liturgico. Julgou-se mesmo conveniente que as folias carnavalescas nacionais tivessem um rei privativo - e proclamou-se o rei David. Gerações e gerações o conheceram com as suas barbas de estopa, a sua coroa doirada na cabeça, a sua lira na mão. Não havia folia sem o rei David. Diz-se que as folias carnavalescas já não são o que eram dantes. Não posso testemunhar o que foram os folguedos de Carnaval através dos nossos séculos de história; mas posso testemunhar o que eram esses folguedos nas primeiras décadas da minha existência, nas ruas, nos teatros, nas colectividades, nas próprias casas particulares, pelo menos em Lisboa. Ainda me lembro bem, desses folguedos que animavam a cidade durante, os três dias gordos. Hoje, o Carnaval popular já não assenta arraiais em Lisboa. Quem quiser ver um ar da sua graça, tem de ir a uma das nossas cidades ou vilas da província. Em Lisboa já não o encontra - a não ser por mero acaso. As suas figuras populares características desapareceram daqui. Festejam o Carnaval fora. Disseram-me que vivia ainda, em Lisboa, um xexé que eu conheci, no Chiado, nos meus tempos de rapaz. Pensei que daria uma entrevista. Indaguei a morada. procurei-o. Recebeu-me atenciosamente, numa velha cadeira, de estofo esgarçado (donde já não se levantava senão a muito custo), enfiado na sua velha casaca de cores, tendo a seu lado um bastão ornado do clássico chavelho a que se amparava para conseguir dar uns passos.
- Então o que o traz por cá? - perguntou-me.
- Entrevistá-lo.
- Ah, meu amigo. Estou muito velho. Já não saio de casa. O que sei é o que leio nos jornais, ouço na rádio e vejo na televisão. Não falo com ninguém. Mas a entrevista era sobre quê?
- Sobre o Carnaval.
O velho xexé estremeceu na cadeira, fitou·me através da sua luneta de um vidro só e respondeu-me:
- Desculpe. Mas de política jurei não falar...
E a entrevista ficou no tinteiro.
(in Segredos a toda a Gente de 21/2/1982)
Tuesday, February 24, 2009
Artefacto 15 de Omar Zevallos
Como siempre a las carreras y lidiando con un hacker que quiso bloquear mi blog, aquí les traigo la edición Nro. 15 de Artefacto con harto material. Una entrevista exclusiva desde México con el maestro moderno del pin-up, Armando Huerta, quien se declara seguidor de Sorayama y de nuestro Alberto Vargas.
También hay una nota con Luis León de Colombia y su humor sutil, un análisis interesante sobre el cómic Batman One Year y mucho más.
Pueden bajarla desde aquí:
También hay una nota con Luis León de Colombia y su humor sutil, un análisis interesante sobre el cómic Batman One Year y mucho más.
Pueden bajarla desde aquí:
http://artefacto.deartistas.com/uploads/2009/02/artefacto15.pdf
Disfrútenla y difúndanla
Disfrútenla y difúndanla
Vídeo da Exposição "80 anos de Tintin",
Aqui ficam as fotos e um pequeno vídeo da Exposição "80 anos de Tintin", especialmente para quem não veio à Lousã (quem veio, também pode ver, é claro).
As fotos estão em
Cumprimentos
Carlos Sêco
Monday, February 23, 2009
O Carnaval pela pena dos Bordallo Pinheiro (Raphael e Manuel Gustavo)
O Carnaval por Luís d'Oliveira Guimarães (ilustração de Raphael Bordallo Pinheiro)
Carnaval - Sempre que chega o Carnaval me recordo da pitoresca figura do Chéché que, com a sua casaca de seda e o seu sapato de fivela, o seu bicorne e o seu chavelho, havia de atravessar um século, não apenas com uma máscara de entrudo, mas como uma sátira política, e que um belo dia desapareceu das ruas da cidade para se recolher - pobre sombra esmaecida - não sei se a um museu, se a um asilo. Lembro-me neste momento, duma velha crónica que li, há anos, em que se descrevia o ultimo Chéché como um farrapo de homem envolto num farrapo de lustrina, e se notava, lugubremente, que a graciosa folia do entrudo de Roma sob o pontificado paternal de Gangoneli, a mascarada aristocrata do Carnaval de Veneza, toda a teoria galante dos «cocumetti», todos os folguedos de Pantalone, todos os requebros de Colombina, tivessem vindo expirar naquela caricatura sórdida, quase torpe, que cheirava a vinho e pedia esmola. Por esse tempo havia ainda á sua volta, um ou outro que ria, que abria a boca de espanto, que fugia assustado do seu facalhão imenso? Não importa. O Chéché, como instituição, estava em decadência. O que sé via nas ruas, com um sujo rabícho de estopa e um nariz de papelão desbotado, era, quando muito a sombra do que ele fora! E, entretanto, essa figura de Carnaval representava - nunca é demais insistir neste ponto - não apenas uma máscara de entrudo, mas uma sátira política. Desempenhara um vasto papel. Dentro da sua expressão carnavalesca constituirá uma arma - e porventura a mais séria de todas as armas que é a do riso. Uma das melhores biografias que conheço do Chéché escreveu-o, com digna imparcialidade, Carlos Malheiro Dias. Nessa página admirável o Chéché surge o que ele estruturalmente pretendera realizar e que, de facto, realizara: a síntese ridícula, comicamente vingativa, do tempo do intendente, da inquisição e da forca. O Chéché, com a sua cabeleira de estopa, a sua luneta doirada, a sua casaca de seda, alvoroçando a velha Lisboa de capote e lenço, ora a pregar sermões jacobinos, ora a dar vivas à Constituição, tornara-se, na verdade, o mais implacável inimigo das instituições ultramontanas. Todos os anos durante os dias de Entrudo o Chéché, de luneta à Pina Manique·é de rabicho à D. João VI, demolia, com a sua faca de pau e as suas facécias grosseiras, o último prestígio da nobreza realista. Era ignominioso e terrível. Com o dobrar dos tempos, depois de sublevações e revoltas sangrentas, o liberalismo foi-se definitivamente enraizando e pacificando, com a sua corte irrequieta de marechais e de duques, até perder a feição revolucionária. Mas o Chéché, agarrado ao seu bastão de bobo, erecto nos seus sapatos de fivela, continuou a sua função crítica, como inimigo intransigente da tirania, ridicularizando os déspotas, verberando, nas bochechas da polícia, os excessos dos ministros e estruculências dos ditadores. Malheiro Dias tem razão. Durante um século essa caricatura foi o distintivo e a originalidade do entrudo lisboeta - o seu sucesso, a sua glória, o seu simbolo. Com o esguicho da seringa, o graniso do tremoço, a metralha do ovo de cheiro (para que nunca se descobriu máscara possível) o Chéché foi, de facto, o indiscreto senhor do Entrudo português. O seu bicórnio às três pancadas não temia o calabouço do governo civil. Não consta que uma vez sequer a sua luneta doirada tivesse relanceado um edital da polícia. Mas tudo passa - e o Chéché passou. A Lisboa solene, de saia de cauda, deixou de o tomar a sério. Já não era uma necessidade: era uma excrescência. Ele que ajudara a implantar o liberalismo; ele que fora, dentro da sua camisa de bofes e da sua casaca de Incroyable, uma das grandes forças do novo regime - viu-se postergado a um plano secundário. Alguns correligionários fiéis pretenderam ainda, caridosamente, instalá-lo num lugar de amanuense. Recusou. Antes morrer de fome. Era o seu último orgulho. A verdade é que um belo dia desapareceu das ruas. Não sei, repito, se ele teria recolhido a um museu, se a um asilo. Mas quantos não hão de perguntar se essa velha caricatura, agora votada ao esquecimento, não merecerá, além do nosso respeito por aquilo que foi, um pouco da nossa atenção por aquilo (tanto a História se repete) que ainda poderá vir a ser?
(Fim de Semana 15/3/1948)
Elegia do Entrudo
Já Entrudo não sou! À' lama escura
Meu estro foi parar desfeito em vento…
Eu o mundo ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a sepultura!
Conheço agora quão triste figura
De mil maneiras fiz - que louco intento! -
Masc’ra!... Tivera algum merecimento
Se a linha da razão seguisse pura!
Eu me arrependo: a língua quase fria
Brade em alto pregão sobre a cidade
Que atrás de mím fantástica corria:
Já não sou quem fui... Nem sei que quero...•
Rapazes do meu tempo! O' mocidade!
Vou para o Outro-Mundo - e lá os espero…
Pela deturpação.
L.O.G. (9/2/1948)
Sunday, February 22, 2009
«A Mascara» por Luís d'Oliveira Guimarães e desenho de Ferreira dos Santos
A MÁSCARA
Por: Luís d'Oliveira Guimarães
O meu amigo X acendeu um cigarro, bebeu um golo de café, e contou-me, com o melhor dos sorrisos:
- Desde os quinze anos que me não mascarava. Tenho quarenta e cinco; logo, há trinta anos que me não entregava a esse sport. Este ano resolvi-me. Tinha de ser. Por casualidade, os viscondes de A. ofereciam um baile masqué, insistiram comigo para que fosse; disse que sim; prometi mesmo que iria mascarado - e comecei a pensar realmente a sério na minha futura máscara. Aquilo que a princípio me parecia de uma facilidade transparente começou, pouco a pouco, a transformar-se num verdadeiro e complicadíssimo problema, não apenas de indumentária, mas até de filosofia e de psicologia. De que é que eu me havia de mascarar? De rei, de pajem, de Arlequim, de D. Quixote - ou de Imperatriz Eugénia? Confesso que durante dias, noites a fio, a questão não me saia do pensamento, com todos os seus aspectos, as suas consequências, as suas hesitações. Se é certo que o homem fez a máscara, não menos certo que a máscara faz o homem. Durante horas consecutivas folheei, consultei livros de figurinos, tratados de indumentárias, calhamaços de História. As minhas dúvidas, longe de se dissiparem, avolumavam-se. Entre a folha de parra do Adão e a farda de hussard do cavaleiro de Tahault, desde a cabeleira empoada de Luís XV ao nariz vermelho de Polichinelo - os meus olhos e, mais ainda, o meu espíritos oscilavam, hesitavam sem saber por onde decidir-se. Em meia dúzia de dias envelheci meses - e acabei por entregar-me nas mãos experimentadas de um costumier. Mal entrei, um homem grisalho, de óculos, enfiado numa espécie de guarda-pó cinzento, dirigiu-se para mim e perguntou-me, com a maior naturalidade do mundo:
-. Que deseja?
- Mascarar-me.
- E de quê, meu caro senhor?
- Não sei. Daquilo que me ficar melhor ...
O homem sorriu, pediu-me que entrasse para o gabinete das provas, disse-me que ia buscar o que lhe parecia mais conveniente para a minha idade e, sobretudo, para a minha figura - e saíu. Passaram-se talvez cinco minutos e, quando eu, me preparava para acender um cigarro, a porta abriu-se; o homem voltou, ajoujado de fatos, de chapéus, de cabeleiras, de pares de botas; atirou tudo aquilo para um sofá e exclamou:
- Vamos provar.
Durante duas horas, meu amigo, naquele pequeno gabinete, eu tive a fantasia de passar por tudo, desde a opulência real de D. João V até ao gibão humilde de Sancho Pança. Eu sei lá a infinidade de coisas que enfiei naquelas duas horas! Às capas negras sucediam as casacas de sêda, às cabeleiras empoadas os sombreiros de veludo, às espadas de ferro os bastões de Limoges. Num abrir e fechar de olhos, passava do século XVIII para o século XIII, do século XIX para o século XVII. Terminei por não saber quem era, se rei, se vassalo, se Pierrot - se eu próprio. A certa altura, não pude mais. Resolvi o caso. Vim-me embora.
- O quê? Você desistiu de se mascarar?
- Desisti.
-?
- Acabei por convencer-me que a melhor máscara é ainda aquela que nós usamos habitualmente. E fui de casaca ao baile masqué ... (O Sofá Cor de Rosa pág. 51 a 54)
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