Saturday, May 23, 2020
Día dos Museos por Siro Lopez
Poucas veces será certo o aforismo «non hai
mal que por ben non veña», que repetimos como unha letanía ante calquera
contrariedade; máis como consolo que por convicción. Tampouco sería certo se o dixeramos da
celebración, o pasado luns, do Día Internacional dos Museos, a porta pecha;
aínda que o bo facer dos responsábeis e a aplicación das novas tecnoloxías
permitíronnos vivir experiencias inimaxinábeis, como a de adentrármonos, sen
saír de casa, nos museos de Altamira, o Románico de Taüll, a casa natal de
Cervantes ou as grandes pinacotecas españolas. O servizo que ofreceu o Museo do
Prado desde días antes foi extraordinario, ao darnos a oportunidade de pedir a
visualización de obras concretas e recibirmos ao mesmo tempo información oral
sobre elas.
Cando era
xove e inxenuo pensaba que, por ser o sentido do humor unha peculiaridade dos
galegos e dar Galicia algúns dos grandes humoristas literarios e gráficos do
mundo, cumpría levar o humor á universidade, facer prazas públicas dedicadas ao
humor e, sobre todo, crear o gran Museo do Humor de Galicia. Tenteino con máis
pena que gloria.
O rector da
Universidade de A Coruña, José Luís Meilán Gil, creou a Aula do
Humor e xuntos presentámola en roda de prensa. Ata fixo un cartaz precioso para
publicitala, pero antes de inaugurala perdeu as eleccións e todo quedou en
nada,
A Praza do
Humor de A Coruña -non hai outra- inaugurámola o alcalde Francisco
Vázquez e eu unha noite de 1990, ante centos de persoas entusiasmadas;
pero os gamberros e a desidia das corporacións municipais fan que esmoreza,
ante o pasmo dos turistas. Chumy Chúmez bromeu e propúxome
desmontala e levala a Madrid, onde sería coidada e valorada. Forges apoiou
a idea.
En 1983,
cando asinamos o Manifesto en defensa do humor, Xaquín
Marín e eu pensabamos que un Museo do Humor de Galicia, que acollese a
obra humorística de escritores e artistas, era tan necesario coma un museo de
arte contemporánea. Naceu o Museo do Humor de Fene e, aínda que sempre estivo
ben xestionado, sentinme frustrado porque non era o museo que eu soñara. Hoxe
penso que chega ben para unha Galicia na que o humor, como creación cultural e
artística, xa non interesa. Non, non interesa, aínda que políticos e
intelectuais falen decote da retranca galega e citen o libro O segredo
do humor, de Celestino Fernández de la Vega. Citalo dá un toque
de erudición, pero lese tan mal que eu escoitei a dous coñecidos intelectuais
-un deles, amigo a quen estimo e valoro- dicir en conferencias que o libro de
Celestino é boísimo, pero iso de que o humorismo naceu con Cervantes e
o Quixote é unha frivolidade. Talmente como se dixesen
que Einstein foi un científico estupendo, aínda que a teoría
da relatividade sexa un cachondeo.
Remato coa
proba do algodón. O Museo do Prado mostrou de novembro a febreiro dúas
exposicións: unha de debuxos de Goya e outra de debuxos
de El Roto, que recreou medio cento de deseños de Goya. Ver para
crer: un viñetista, un humorista gráfico actual, a carón de Goya no mellor
museo do mundo. El Roto é boísimo, certo; pero tamén en Galicia hai excelentes
humoristas gráficos. Alguén imaxina a obra dun deles exposta en calquera dos
museos galegos? Eu non.
História da arte da Caricatura de imprensa em Portugal (1930) por Osvaldo Macedo de Sousa
1930
Contrariamente ao que
acontece hoje, nestes anos os humoristas eram artistas que se conheciam, que
trocavam amizades, que regularmente homenageavam os colegas na imprensa. Esta
relação, apesar de não ser geral, antes por grupos, intensificou-se com a
tentativa de se criar a Sociedade de Humoristas em 11, reforçada sempre que se
levou avante um Salão. A questão de realização dos Salões era um amargo de boca
que permaneceu ao longo dos anos, e 1926 foi a última tentativa neste período
que tratamos. Os artistas não conseguiam ter capacidade organizativa, de ter
espírito de união para criar uma estrutura permanente.
Havia naturalmente
concorrência, e muita, já que a luta pela sobrevivência neste campo era férrea.
A maioria tinha mesmo que se dedicar ao humor apenas como uma segunda via
criativa, conciliando com trabalhos no âmbito
da decoração de montras, stands, publicidade, ilustração e artes
gráficas, cenografia… Outros dedicavam-se ao humor, porque a pintura era o seu
objectivo, mas esta é que não dava mesmo para sobreviver.
Eram concorrentes, pode-se
mesmo dizer "inimigos", mas isso não impedia a admiração mutua, e um
certo cavalheirismo. São interessantes as constantes saudações entre os
artistas na imprensa de então, publicando-se a caricatura dos colegas, umas
"larachas" humorísticas… Este hábito irá desaparecendo com o tempo,
com o evoluir da ditadura, o evoluir da desconfiança, o evoluir das dificuldades
da sobrevivência do próprio riso.
Após um período em que o
Humorismo foi dominado pelas vanguardas estéticas, por artistas que apenas
usavam o humor como formula de irreverência num caminho plástico mais
ambicioso, reiniciou-se a recuperação deste género artístico por uma nova
geração de "cómicos" gráficos, em que o suporte tanto pode ser
académico, ou de cunho sintético-modernista, mas onde predomina a anedota. O
ironista dá lugar ao cómico, o Bobo ao palhaço pobre.
A 23/1/1930, no "Sempre
Fixe", surge esta estranha notícia:
Vai Fundar-se A Associação dos Humoristas.
Isto hoje vae a sério.
Vae fundar-se a Associação dos Humoristas.
A ideia teve-a o nosso distincto colaborador dr. Augusto Cunha. Teve-a
e abandonou-a, expô-la na roda… de amigos com quem conversa habitualmente, e o Sempre Fixe, condoído da pobre exposta,
perfilhou-a, recolheu-a no seu seio e propõe-se ser a sua ama seca, porque o Fixe a não pode ser de leite, apesar do
deleite com que o lêem todos os seus amigos.
Da nova Associação farão parte todas as pessoas engraçadas de Portugal
e, por uma transigência especial, todos aqueles que caírem em graça e tudo isto
de graça, porque na associação dos Humoristas não haverá cotas. Cada um dos
associados dará apenas a sua quota-parte de graça e com isso ficará quite. Esta
inovação, além de outras muitas, teem a vantagem de ir educando o público nesse
sentido. a fim de ver se se consegue que ao cabo de algum tempo o sistema se
generalize. E quando se conseguir esse desidaratum,
a vida embaratece. Chega-se ao alfaiate, ao sapateiro, etc., manda-se fazer um
fato, calça-se umas botas, larga-se duas piadas (duas ou trez conforme o valor
da mercadoria) e pronto, está pago.
Para a nova Associação vão ser convidados os humoristas propriamente
ditos, desde as parcerias teatraes, até os parceiros que se encostam à porta da
Havaneza, à esquina do Rocio, às arcadas do Terreiro do Paço e largam duas
larachas. Ah ! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! não diga mais. Está feito sócio.
Nela entrarão os caricaturistas, os actores cómicos, os nossos
colaboradores e até nela poderá ter assento qualquer pessoa.
O Sempre Fixe, será o órgão
da Associação, dando aos seus leitores fiel relato da marcha dos
acontecimentos: actas das assembleias gerais, notícias sobre as festas a
realizar, conferências, publicações, viagens, concursos para admissão dos novos
associados, etc.
Para se avaliar do interesse que terão esses relatos basta dizer que,
logo de início, foi estabelecido por quem lançou a ideia, que nas assembleias
geraes se não mandariam para a mesa moções, requerimentos e outras estopadas
deste género, mas sim boas piadas. /…/ Que numa palavra, as assembleias deverão
decorrer por forma tal que o próprio secretário, perante a maré cheia de
piadas, se veja tão embaraçado, que em vez de fazer a acta, não ata nem desata…
Uma pretensão não assinada,
onde se defende, não a criação de uma associação de Humoristas, mas de
contadores de piadas, uma associação de portugueses, já que estes sem humor,
mais não sabem que ser um povo de anedota. Por isso esta associação nunca se
formalizou oficialmente, mas sempre viveu à mesa do café, das tascas, à volta
de um copo de vinho…
Falando em vinho. Em Agosto
deste ano resolveu-se homenagear o humorista do povo de Lisboa, Stuart
Carvalhais, instituindo O Dia de Stuart
Carvalhais. O "Sempre Fixe" de 27/8/1930 relata desta forma como
é que os outros jornais homenagearam o artista neste dia: Quinta-feira passado pode considerar-se o «dia de Stuart Carvalhais».
Disse o «Diário de Notícias» pela pena de Armando Boaventura: «De Dia -
uma «pochade» de Malhôa. De noite - um «carvão» de Gavarni, de Forain ou do
nosso próprio artista Stuart Carvalhais - artistas do lápis, artistas das
manchas sombrias, dos esboços confusos. De todo esse desenho admirável feito de
impressões rápidas, sem linhas definidas, sem contornos marcados e onde existe
e vive, mais do que a forma, a alma dos seres…»
Matos Sequeira, no «Século» escreveu: «A capa é uma alegoria, a três
cores, ao calendário, feita sob um aspecto moderno, na qual se destaca a figura
de uma boneca de Lenci, devida ao talento de Stuart, que soube ainda encontrar
uma interpretação nova aos velhos símbolos do Zodiaco»
E António Lopes Ribeiro acompanhou, com estas palavras, uma bela capa
do «Kino»:
«A Severa é uma figura tipicamente portuguesa capaz de inspirar
artistas como Leitão de Barros - que lhe vai dedicar um grandioso fonofilme - e
Stuart de Carvalhais, - que soube pôr neste belo desenho todo o pitoresco e
todo o «sabor» das estampas antigas.»
O «Sempre Fixe», na impossibilidade de oferecer a Stuart, para
comemorar o acontecimento, um «Porto de Honra» -porque o artista está…«a aguas»
- dá-lhe um apertado chi-coração, e pede-lhe que continue…
Neste ano, em Maio,
desaparecerá um dos símbolos do Humorismo destas décadas, ou seja o Director e
principal redactor do jornal "Os
Ridículos" - Cruz Moreira, que assinava textos principalmente com o
pseudónimo Caracoles, assim como de Eva de Liz… Eis as várias homenagens que se
publicaram no seu jornal, logo a pós o seu desaparecimento. Este texto é
assinado por J. Correia dos Santos: Convivemos
com Cruz Moreira desde a época das suas primeiras tentativas para a fundação de
bi-semanário os Ridículos,
acompanhando-o nas suas diversas vicissitudes e nas dificuldades a vencer para
lançar o Petiz Jornal, de duração
efémera, até alcançar o período áureo que conquistou, após a nova tentativa, o
qual lhe foi assegurado em circunstâncias oportunas, pelas faculdades da graça
espontânea, com que a Natureza o dotou, aplicada sempre com êxito, n'uma
crítica mordaz, mas correcta, num campo de acção tão fértil em acontecimentos,
que se prestavam a um comentário jocoso.
Cruz Moreira foi o jornalista português que mais conseguiu; sozinho,
conquistou a simpatia do grande público, pelas suas faculdades de improvisação
imediata, por uma verve inesgotável, pela sua alegria comunicativa e por um
permanente humorismo contagioso. Os seus momentos de tristeza passavam
despercebidos, eram disfarçados por uma disposição alegre, e rindo mais ou
menos, ia sempre castigando severamente os costumes da sua época.
/…/ A sua origem modesta e uma preparação deficiente eram largamente
compensadas pelo seu génio da fantasia humorística, que não dava tempo a
reflectir, na sua por vezes descuidada imperfeição da forma, que aliás era muito
original e justamente apreciada…
Um texto de Ventura Abranches
recorda-o desta forma: Há homens que
perduram toda a vida a sua obra como um bloco enorme de granito; outros que
vivem a sua hora, e ainda outros a sua aparição !
Cruz Moreira - o rei do humorismo, da graça portuguesa e o que
perdurará eternamente, não viver apenas a hora da sua aparição, verá tão eterno
como eternos são os homens que sabem antepor o seu talento cheio de vida,
fluido e palpitante nos milhentos casos que o seu espírito altamente elevado
marcam com o seu estilete de graça e de riso o momento que viveram.
Um dia que se faça a história do jornalismo onde se tenha de prestar
justiça ao talento e à graça, Cruz Moreira aparecerá tão alto no conceito do
historiador, como o mais aquilatado espírito de infatigável trabalhador,
rendendo graças, risos irónicos e chicotadas, como uma cornucópia de onde
brotassem gargalhadas, cheias de bom humor.
Cruz Moreira - foi o símbolo da nossa raça, tão cheia de riso e de
amargura, a sua pena tinha sempre fulgores como a espada d'um herói e rosas
como diadema a corar o riso do castigo…
Com o desaparecimento de
Caracoles, os Ridículos terminam um fase da sua vida. Se mantiveram Alonso,
como depois virá Stuart como autor da primeira página, o jornal, por força de
falta de artistas de qualidade, por razões de censura política obrigando o
humor a refugiar-se no anedotário básico, irá mudar aos poucos, entrando numa
gradual decadência. Contudo manter-se-á, a par do "Sempre Fixe" como
uma testemunha viva e actuante da imprensa humorística, ao longo dos anos.
Wednesday, May 20, 2020
We are the champions... almost! por Carlos Amorim (Brasil)
Monday, May 18, 2020
ANTES CLÍNICO QUE CÍNICO (ou VERSA-VICE) por Daniel Abrunheiro Coimbra, segunda-feira, 20 de Abril de 2020
I
Prendo & aprendo os meus Mortos.
Segui-os em troços hoje ínvios.
Brinco hoje a sós a cowboys & índios.
Mais bem os vejo tirando os óculos.
II
A pandemia corrente cria mais lutuosos.
Famílias perdem os velhos engaiolados em
lares.
Os números são escarlates, são
imperiosos.
Itália & Espanha? Macromorgues
sublunares.
III
Maus dias. Noites apreensivas.
Casas-celas.
Entretenho-me assomando mudo às janelas.
Nem espero nem desespero: nem posso nem
quero.
Folheio. Raspo a barba. Tenho atavio, sou
d’esmero.
IV
Vai fazer cinco anos em Outubro: um dia,
muito cedo ainda, icei-me da cama
& fui-me a uma clínica de hematologia
a que me fizessem o hemograma.
Receberam-me faces não-cínicas:
duas senhoris meninas de alvas batas,
experimentadas técnicas
analítico-clínicas
capazes de medir açúcar até das batatas.
Fui pois bem atendido eu, alimária
zero-hipocondríaca mas então em precisão
de hemograma com fórmula leucocitária
que me avaliasse a então actual condição.
Picaram-me, vampiraram-me, lá sangrei,
quase desejei ser testemunha-de-Jeová.
Mas pronto, era p’ra dar sangue, sangue
dei.
Após, desjejuei, no Mijacão, bifanas sem
ser com chá.
Tempos passados, poucos, chamaram-me
a buscar em papel os hemo-resultados.
Os doutores que depois foram consultados
Disseram Tudo-Bem – e
despacharam-me.
Procuro no relatório outras leituras
que ajudar-me possam neste assunto.
Ele está algures, dou-me às procuras,
hei-de encontrá-lo, é só puxar pelo
bestunto.
Cá está o gajo: 5,24 nos eritrócitos!
15,60 me vale a boa hemoglobina.
Zero vírgula 46 o hematócrito.
RDW? Vale 14,00 tal menina.
Mostro 21,09 de leucócitos,
Zero,44 de eosinófilos,
4,75 de linfócitos
& zero,10 de basófilos.
Vejo que há neutrófilos segmentados,
tal como contados monócitos.
Já as plaquetas mostram propósitos
micro-sanguíneo-esfregaçados.
Glicemia? Meros veros 86 (mg/dL).
(Isto é da parentética hexoquinase.)
Não te preocupes, ó Daniel:
ureia (cinético UV), 31 – ou quase.
Leio depois a creatinina (clorimétrico
cinético)
& o ácido úrico (que m’atormenta,
enzimático).
O colesterol a 251 não é poético
& os triglicéridos dão um 355
problemático.
Transaminase? Tenho duas, menina:
uma é GOT, outra é GPT.
Sou também, alegria!, da Gama GT
– e é de 70 a fosfatase alcalina.
Não tenho mijado sangue nas latrinas,
mas mesm’assim que tal a electroforese
das proteínas?
Albumina – própria de reis: 59,6.
Alfas & Betas globulinas fazem rol
c’as bilirrubinas.
Cabe ainda nesta formosa poesia
do Ionograma a potenciometria:
valho, só em sódio, 141;
potássio, 4 vírgula seis – e cloretos,
101.
Falta a relativa acalmia
dos dados da minha imunologia:
pois ora então, viva! viva!,
0,86 de proteína C reactiva.
Foi isto há coisa de cinco anos, noutra
zona.
Não tenho sondado a própria urina:
cor, glicose, ácidos biliares e acetona?
Não sei de densidade, PH ou proteína.
Recordo 0,2 de urobilinogénio
e terem dado negativo os nitritos.
Não estou para andar a ler mais detritos,
leio o Cesário Verde, esse sim génio.
Parece (é giro!) serem “elementos
figurados”
o que se conta no ou do sedimento
urinário.
Oh que riqueza de versos tão bem rimados,
alegria de pobretana ordinário!
Despeço-me confessando, do coração,
ter menos de 4,0 de leucócitos,
menos de 0,7 de células descamação
& menos de 2 vírgula zero de
eritrócitos.
Agora que por aí grassa o Corona,
lá é que me não apanham, não senhor!
Podia a contagem ser trapalhona
& mijo & sangue mostrarem má cor.
Sunday, May 17, 2020
História da arte da Caricatura de imprensa em Portugal (1929) por Osvaldo Macedo de Sousa
1929
Este fim de década, tal como
na anterior, é um período de transição estética, de meditação e questionação do
percurso criativo. Por essa razão vamos encontrar, principalmente a partir de
1926, uma série de artigos teorizantes, sobre o que é o Modernismo, o que é o
Humorismo, ou suas raízes estéticas…
Para que se tenha uma maior
percepção dessa angústia de definições estéticas, vamos aqui transcrever uma
série de artigos publicados na revista "ABC" sobre o tema:
A 7/10/1928, um artigo de
Ferreira de Castro medita sobre "O Humorismo da Arte Moderna" - Uma das mais representativas facetas da
arte de vanguarda, é a sua parte pitoresca, humorística. Os novos artistas,
querendo reagir contra as formulas, já consagradas, contra as escolas, contra
as academias, abandonaram as linhas suaves, as curvas subtis - e procuraram o
ângulo, sobrepondo o Egipto à Grécia. Simultaneamente, e com o trabalho sério
(Picasso, por exemplo dentro mesmo das formulas arrojadas tem obras duma
delicadeza notável) fizeram trabalhos de humorismo, de blague. Essas obras, onde a parte confusa e enigmática parecia uma
sátira à compreensão do grande público, acabaram por a este irritar. As pessoas
que se consideravam de bom gosto e cujo
convívio com as obras de arte consagradas lhes permitia falar com certa
autoridade sobre todas as manifestações artísticas, viram-se dum dia para o
outro inibidas de emitir opiniões sobre os trabalhos dos chamados «modernistas»,
que não só alteravam toda a estética oficial como davam ao assunto um carácter
quase indecifrável.
- Estão a brincar connosco ! - diziam - É impossível que este manipanso
seja um homem e que estes traços signifiquem uma arvore !
Depois, a disposição dos planos, geralmente intercepcionados, e a
distribuição angular da luz, característica especialmente no cubismo, levavam
os grandes públicos a revoltar-se contra essas manifestações artísticas, cuja
compreensão resultava para eles deveras difícil.
- Estão a brincar connosco - voltavam a afirmar - Fazem essas bizarrias
para encobrir a falta de talento, para esconder a orfandade que os inibe de
realizar como os grandes mestres !
Ora, embora estas afirmações não correspondam totalmente à verdade,
porque hoje ninguém já duvida de que um Picasso, um Moreau e um Braque sejam
grandes pintores, o certo é que muitos dos artistas da vanguarda cultivam
especialmente a blague pictural, a
blague literária, a blague
escultórica.
O "ABC" de
23/12/1926, fala sobre "A Caricatura nos Primitivos" (assinado por Z):
Hoje que a evolução da arte plástica
reconduziu para uma apreciação de simplicidade as produções dos artistas
modernos, hoje que o sentido caricatural das produções do continente africano é
copiado, imitado e estilizado por grande número de artistas, parece-nos útil
fazer um rápido exame aos ingénuos feitiços
negros.
Quando o nosso olhar tropeça inesperadamente com um feitiço negro, a primeira impressão é de
surpresa como ante uma forma conhecida desvirtuada por um vidro com defeito,
mas um exame atento modificará esta apreciação, fazendo ressaltar o espírito
caricatural da escultura negra...
Por mais primitiva que seja a produção, por mais baixo que se encontre
na escala humana, a linha é sempre real, a apreciação visual é sempre perfeita.
Quanto é interpretação raras vezes deixa de ser caricatural, no mais
estrito sentido da palavra, num curioso exagero de detalhes.
Não nos parece, pois, que a estilização negróide corresponda a uma
impossibilidade de execução plástica da parte dos artistas, mas sim a uma
tendência natural, aliás justificada pelo feitio ingenuamente trocista da raça
negra.
E permitimo-nos afirmar que a forma caricatural que os negros emprestam
às suas produções, significa um critério de manifesta superioridade artística
sobre a produção realista das primitivas cópias toscas e hesitantes da imagem
observada, tal como as renas gravadas nas cavernas.
O sentido da caricatura não pode aparecer na arte sem uma elevação
relativa de apreciação, sem uma observação comparada, fruto de um raciocínio
mental.
A raça negra se não realizou o monumento, a isso se opôs certamente a
sua natural indolência, soube vincar contudo na composição do ornato e na
pequena escultura um sentido artístico de um grau notável.
Hoje que se conseguiu um pouco, despir a arte do complicado arsenal de
detalhes, ornatos e enfeites dum realismo pretensioso, não seria mau observar
com atenção a obra dos primitivos, em cujas linhas, simples, ingénuas e livres
de influencia das academias, transparece tantas vezes a verdadeira beleza da
forma.
A 1 de Março de 28, o mesmo
"ABC", publica um estudo sobre o "Humorismo e Modernismo",
trabalho não assinado, mas que comenta:
O nosso tempo, tempo considerado sob o ponto de vista estético, bem merece o
epíteto de «idade da caricatura».
Numa reacção violenta contra o formalismo neo-romantico e
pseudo-realista, o sentido estético contorceu-se numa epilepsia jazz-bandesca e
desenhou, em traço caricatural, a forma das coisas.
E esse traço caricatural,
exagerado e insolente, envolveu todas as artes, vincou fundamente o seu
gargalhar nas coisas do séc. XX. O Jazz-band é uma caricatura da música, é uma
paródia embriagada ao ritmo, é um escarneo inteligente.
A pintura cubista, impressionista ou intercecionista não é mais que uma
caricatura da forma, vistas as cores através de um prisma de dispersivo e
baralhador. A própria caricatura, tal como a realiza Zina Wassilieff, é a
caricatura da caricatura, é o riso do riso, é uma ironia construída sobre
ironias. A idade moderna ri-se de tudo, ri-se dela própria.
A idade moderna não quer ser romântica, a idade moderna não quer
escravizar-se aos ídolos, a idade moderna só conhece uma verdade, a de que
todas as coisas são cómicas, e de que o burlesco existe em toda a parte e que
esse burlesco é tão digno do mármore como a carne da Vénus de Milo.
O feio, o ridículo, que os
nossos avós buscavam esconder com tanto cuidado, e com tão ferozes precauções,
que esse mesmo ridículo se vingava neles, cobrindo-os com o seu manto de guizeiras,
esse mesmo feio, esse mesmo ridículo, é hoje posto nas vitrinas, é hoje
estilizado com o mesmo carinho que outrora se votou ao belo.
Mas, o feio não passou a ser bonito pelo facto de ter conquistado o
direito de cidade, e os seus próprios criadores se riem dele, desapiedados,
sépticos e insolentes.
O burlesco sábio, investigado, detalhado, analisado como uma preparação
microscópica, invadiu tudo, tornou-se regra no meio do desregramento.
No teatro, a peça de tese, o drama solidamente construído foi varrido
pela peça de profunda pesquisa psicológica, pelo estudo sapiente das
inquietações mais íntimas da alma, peças tão profundas, tão sábias que o
público hesita longamente entre as lágrimas copiosas e as gargalhadas sonoras.
Caricaturas ?
Sim, caricaturas, mas o que são as caricaturas senão visões ampliadas,
corpos de museu em que certos detalhes se exageram, se desdobram para fora do
corpo, como as vísceras em que estudam os alunos no teatro anatómico.
Tanto se pode rir diante de uma boa caricatura, como chorar se ela for
verdadeira.
Não será audacioso escrever que a idade da caricatura precede sempre um
período de arte equilibrada, porque também os primeiros homens antes de
firmarem a sua visão em linhas correctas, caricaturam, desenharam figuras de
duas cinturas, como que numa pesquisa das linhas verdadeiras, primitivas,
basilares, aqueles dois ou três traços que, constituem o ovo de toda a figura
existente. A idade moderna, caótica, ébria de movimento, convulsionada pelas
suas máquinas estrídulas e potentes, perdeu o equilíbrio artístico do século
passado, quebrou violentamente o molde das concepções, e procura modelar a sua
própria ideologia em formas novas. Idade de pesquisa, idade de ensaio, a nossa
época está votada às mais audaciosas tentativas, às cristalizações mais
paradoxais, mas um dia virá, não muito longe, certamente, em que dessa pesquisa
surja uma cristalização fulgurante, a nova arte.
Existe uma consciência de que
não só mudou a forma de olhar a arte, como de olhar o humor e a caricatura. Este
século entrou em ruptura com todos os conceitos passados, e a própria
caricatura ganhou corpo de expressão estética maior, já que graças a ela, o
artista rompia os horizontes da visão, da expressão, da deformação e
irreverência criativa. Se no início essa ruptura não tinha consistência
conceptual, e teórica, será neste virar de uma nova época, a chamada época
"folle", que a consciência se assume em escritos, em teorizações.
Era um momento de reflexão
que se corporizou no I Salão dos Independentes, em 1930 (Maio), e onde se
reuniriam as diferentes gerações de Modernistas de arquitectos, escultores,
pintores, desenhadores, ilustradores, designer-gráficos… onde surgem nomes como
Ernesto do Canto, Diogo de Macedo, Jorge Barradas, Almada Negreiros, Cunha
Barros, Menezes Ferreira, Bernardo Marques… que já vinham dos Salões de
Humoristas e Modernistas.
Infelizmente, esta
conceitualização, esta consciencialização será também o fim de um período
áureo. Separando-se os géneros, castrando-se as irreverências, a caricatura aos
poucos será, de novo encurralada no seu "gueto"
plástico-jornalístico.
O meu primeiro «Quixote» por Siro Lopez
O pasado día 1, Xesús Alonso Montero contou no
artigo Confinados co Quixote que varias persoas lle
preguntaron polo libro máis axeitado para os rapaces neste tempo de
confinamento e a súa resposta foi sempre rotunda: o Quixote. Tamén
recordou que Ramón Suárez Picallo en Sada e Santiago
Álvarez en Valdeorras eran, de nenos, devotos do Quixote.
Eu non sei se fun un neno devoto do Quixote, pero si que aprendín a
ler nas súas páxinas e cando, aos seis anos, entrei nunha escola do barrio, os
escolantes don Justo e dona Carmen pasmaban ao oírme dicir de memoria os versos
«Es de vidrio la mujer/ pero no se ha de probar…», o comezo do discurso de Don
Quixote aos cabreiros e os pés das ilustracións do libro. Non debe de ser un
caso frecuente, pero no meu a explicación é sinxela.
Nos primeiros días do Alzamento, cando en Ferrol empezaron as detencións e
os paseos, meus país e meus irmáns refuxiáronse en Cornido, no
veciño concello de Narón, onde tiñan parentes e amigos, que lles cederon unha
casa pequena, sen luz nin auga, baleira de todo; pero á que o primeiro día
chegou un carro de palla para que non durmisen no chan e despois colchóns,
mesa, sillas, pratos, tixolas… e un quinqué. A comezos de 1937 a Garda Civil
levou a meu pai e nun consello de guerra condenárono a 30 anos por representar,
co grupo de teatro do Coro Toxos e Froles, obras de «marcado matiz
político-social». Saiu en 1941 e en 1943 nacín eu. Meu irmán apenas me viu.
Marchou a Madrid e co primeiro salario mercou un Quixote esplendidamente
editado e enviouno cunha dedicatoria: «Aos meus queridos país, o mellor libro
de España». Durante anos aquel foi o único libro na casa e nel aprendeume a ler
miña irmá, dezasete maior ca min.
Malia a escaseza en que vivían, meus país acordaron que eu estudase o
bacharelato, pero, mal aconsellados, non me mandaron ao instituto, senón a unha
academia onde, por boas notas que levase, era imposible obter unha beca.
Cursaba terceiro cando busquei o Quixote e non apareceu. Miña
nai levárao a un anticuario da cidade para poder pagar a matrícula do curso,
pero arrincoulle a folla coa dedicatoria e volveu sen libro e sen cartos. Pasei
media vida en procura dun exemplar daquela edición, e non o atopei.
Seguín lendo o Quixote nas escolas porque o franquismo se
apropiou do personaxe e falou do «quixotismo da Cruzada»; porén, en 1932, Giménez
Caballero, ideólogo do Réxime nos primeiros anos, víao como «el libro más
temible y corrosivo de España. El peor veneno de España». E, en 1936, en plena
celebración da victoria, o crítico literario Manuel de Montoliú propuxo
facer a Lope de Vega poeta nacional de España porque «el suyo es un teatro de
caballeros, hecho para caballeros», mentres Cervantes «deja ver constantemente
su predilección por los desheredados y menesterosos».
Ambos tiñan razón e, en boa lóxica, Cervantes e Don Quixote eran dos
vencidos. Meu pai dicía moi ben os versos de León Felipe: «Hazme un
sitio en tu montura/ caballero derrotado./ Hazme un sitio en tu montura/ que yo
también voy cargado/ de amargura». Non chegou a oílo musicado e cantado por
Serrat, pero eu emocioneime por el.