Saturday, December 09, 2006
Caricaturas Crónicas 24
A PARÓDIA POLÍTICA
Por:Osvaldo Macedo de Sousa
Os governos formam-se... Caem, os políticos elegem-se... Substituem-se. A única que sempre persiste no tempo e no espaço é a Política, essa "Porca" que dá de mamar a todos, seja de que quadrante for, desde logo que o queira.
Mudam-se os nomes, não se mudam os costumes («os portugueses são essencialmente conservadores. (...) Se nós mudamos com frequência de fato, nos recusamos obstinadamente o mudar de ideias» (R.B.P. in a Paródia), e o Raphael Bordalo Pinheiro (com apoio de seu filho Manuel Gustavo), o «historiador» caricatural da política oitocentista bem o sabia, o que o levou quase como testamento, a visualizar a política em símbolos animalescos.
Foi na Paródia, quando a velhice o afastava de Lisboa, e o século procurava virar a página. Surgiram então, espaçadamente, as várias caricaturas do poder político como acto de governação. Anteriormente já tinha «consagrado» o Rei Fontes, criado o albardeiro «Zé Povinho», definido o político da seguinte forma: «Todo o homem político do nosso país é honrado, honesto, trabalhador, probo, virtuoso, etc. - antes de ser ministro. Depois de ministro passa a ser pulha, malandro, biltre, canalha, ladrão, assassino, incendiário. etc.» «E, entretanto, todos os honrados, honestos, trabalhadores, probos, virtuosos, etc... não fazem senão diligenciar para trepar, a ver se conseguem deitar a mão ao diploma de pulhas, malandros, biltres...» (in Pontos nos ii, 8/3/1888).
O político quando sobe ao poder altera-se, principalmente no conceito de barriga, o que faz com que tudo o que ele toque se transforme em «albardas» para o Zé, ou em alimento para o grande Zoo.
O Jardim Zoológico de Raphael é, por conseguinte, constituído pelos seguintes animalejos: - «A Grande Porca» (Paródia 17/1/1900), que tudo devora, para se manter em forma e poder dar de mamar aos «barrigas» eleitos. Não se importa de chafurdar nas imundícies, e gasta grande parte da vida a dormitar. As suas tetas são um constante vazadoiro;
- Para que ela tenha a gamela cheia, e em segurança, existe o «Grande Cão - Finanças» (Paródia 24/1/1900), um eterno esfaimado pronto a abocanhar um bom quinhão, um cão-de-fila protector dos deslizes porcinos;
- Companheira do cão, fiel amigo, e esperança dos crédulos está a «Galinha Choca - Economia» (Paródia 7/2/1900), boa poedeira, só que as ninhadas dela raramente medram neste clima, excepto alguns seres enfezados e fracos, o que faz com que o progresso não passe de um «Caranguejo» (Paródia 8/8/1900);
- Ora, para que a desilusão não invada o país, e o zoo, criou-se o «Papagaio - Retórica Parlamentar» (Paródia 16/ /5/1900), que nunca se cala, no desenvolvimento verbal do já dito, no empolgamento do desejo de um dia fazer, no exaltamento da ideia original que todos já tiveram, no emparceiramento com a «Rata - Burocracia» (Paródia 22/8/1900), que tudo mina para a comodidade latente dos «barrigas»;
- Paralelamente, como entretenimento e consolo do Zé cria-se o «Cágado - Beneficência» (Paródia 28/11/1900) e a «Burra - Instrução Pública» (Paródia 16/1/1901), para que ele se possa entreter com a ignorância;
- Não sendo parte do Governo, mas elemento do Poder, existe a «Toupeira - Reacção» (Paródia 24/4/1901), que rói as raízes às pretensões de verdadeiro progresso, às germinações revolucionárias que querem alterar a passividade quotidiana dos «barrigas» instalados, é a força que esburaca os caminhos do País e das cidades.
É este pois o resumo, em visão satírica, do longo conhecimento sobre a paródia política que os Bordallos nos deixaram deste mundo cão.
Os governos formam-se... Caem, os políticos elegem-se... Substituem-se. A única que sempre persiste no tempo e no espaço é a Política, essa "Porca" que dá de mamar a todos, seja de que quadrante for, desde logo que o queira.
Mudam-se os nomes, não se mudam os costumes («os portugueses são essencialmente conservadores. (...) Se nós mudamos com frequência de fato, nos recusamos obstinadamente o mudar de ideias» (R.B.P. in a Paródia), e o Raphael Bordalo Pinheiro (com apoio de seu filho Manuel Gustavo), o «historiador» caricatural da política oitocentista bem o sabia, o que o levou quase como testamento, a visualizar a política em símbolos animalescos.
Foi na Paródia, quando a velhice o afastava de Lisboa, e o século procurava virar a página. Surgiram então, espaçadamente, as várias caricaturas do poder político como acto de governação. Anteriormente já tinha «consagrado» o Rei Fontes, criado o albardeiro «Zé Povinho», definido o político da seguinte forma: «Todo o homem político do nosso país é honrado, honesto, trabalhador, probo, virtuoso, etc. - antes de ser ministro. Depois de ministro passa a ser pulha, malandro, biltre, canalha, ladrão, assassino, incendiário. etc.» «E, entretanto, todos os honrados, honestos, trabalhadores, probos, virtuosos, etc... não fazem senão diligenciar para trepar, a ver se conseguem deitar a mão ao diploma de pulhas, malandros, biltres...» (in Pontos nos ii, 8/3/1888).
O político quando sobe ao poder altera-se, principalmente no conceito de barriga, o que faz com que tudo o que ele toque se transforme em «albardas» para o Zé, ou em alimento para o grande Zoo.
O Jardim Zoológico de Raphael é, por conseguinte, constituído pelos seguintes animalejos: - «A Grande Porca» (Paródia 17/1/1900), que tudo devora, para se manter em forma e poder dar de mamar aos «barrigas» eleitos. Não se importa de chafurdar nas imundícies, e gasta grande parte da vida a dormitar. As suas tetas são um constante vazadoiro;
- Para que ela tenha a gamela cheia, e em segurança, existe o «Grande Cão - Finanças» (Paródia 24/1/1900), um eterno esfaimado pronto a abocanhar um bom quinhão, um cão-de-fila protector dos deslizes porcinos;
- Companheira do cão, fiel amigo, e esperança dos crédulos está a «Galinha Choca - Economia» (Paródia 7/2/1900), boa poedeira, só que as ninhadas dela raramente medram neste clima, excepto alguns seres enfezados e fracos, o que faz com que o progresso não passe de um «Caranguejo» (Paródia 8/8/1900);
- Ora, para que a desilusão não invada o país, e o zoo, criou-se o «Papagaio - Retórica Parlamentar» (Paródia 16/ /5/1900), que nunca se cala, no desenvolvimento verbal do já dito, no empolgamento do desejo de um dia fazer, no exaltamento da ideia original que todos já tiveram, no emparceiramento com a «Rata - Burocracia» (Paródia 22/8/1900), que tudo mina para a comodidade latente dos «barrigas»;
- Paralelamente, como entretenimento e consolo do Zé cria-se o «Cágado - Beneficência» (Paródia 28/11/1900) e a «Burra - Instrução Pública» (Paródia 16/1/1901), para que ele se possa entreter com a ignorância;
- Não sendo parte do Governo, mas elemento do Poder, existe a «Toupeira - Reacção» (Paródia 24/4/1901), que rói as raízes às pretensões de verdadeiro progresso, às germinações revolucionárias que querem alterar a passividade quotidiana dos «barrigas» instalados, é a força que esburaca os caminhos do País e das cidades.
É este pois o resumo, em visão satírica, do longo conhecimento sobre a paródia política que os Bordallos nos deixaram deste mundo cão.
Wednesday, December 06, 2006
Caricaturas Crónicas 23
UMA NOVA SESSÃO PRA-LAMENTAR?
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Um novo Parlamento se constitui, e S. Bento, «...depois de ter o cortiço bem limpo do enxame passado, acaba de chamar o enxame novo, que há-de fabricar o mel das contribuições, com que se dá, não diremos pelos beiços, mas pela bolsa de Zé-Povinho.»
«Como estas abelhas parlamentares gostam muito de faltar ao cortiço preferindo-lhe a Avenida, muito desejaremos que antes façam cera fazendo a Avenida, de que façam mel fazendo-nos de fel e vinagre.» (Raphael Bordallo Pinheiro in «Pontos no ii», a 7/4/1887).
Vem de longe a tradição e fama da doçaria dos conventos, mas no de S. Bento existe uma constante incógnita sobre os seus produtos. Talvez que, com a entrada na CEE, e a vigência da nova regra, se consiga a garantia de uma certa qualidade de fabrico.
Ora, se para o caricaturista se mantém a dúvida sobre esse trabalho, não a tem sobre o político que aí professa. Este, igual em toda a parte, não usa hábito, mas tem barriga. Na verdade (caricatural) o político é uma barriga ambulante que monta feira em São Bento: «Os deputados pimpões estão já no Parlamento; animam-se as transacções no mercado de S. Bento; e a venda das convicções vai cada vez em aumento, até que lhes vá aos fungões o Zé-Povinho jumento.» (Nogueira, in «Pontos e Vírgulas» a 20/10/1894). O perigo do jumento Zé-povinho coicear não é muito, já que o iludem com passes de mágica e encantamento. A realidade é que São Bento é feira, mas também circo, onde trabalham magos, malabaristas, trapezistas e palhaços de grandes artes encantatórias.
Nos anos quarenta do século passado, quando os nossos caricaturistas começaram a caricaturar a política, uma das primeiras imagens que nos deram foi a de um parlamento em funcionamento, ou seja, a dormir a santa sesta. Quando não dorme, vai tratar dos seus negócios ou da sua imagem resplandecente.
O político também pode ser um «ratão» na expectativa do seu quinhão de queijo, encobrindo-se nas suas penas de «pavão». Um «pavão» que quando fala se transforma em «fogo-de-artifício», porque após um pelo jogo de palavras, nada resta de concreto: «contra a saraivada grossa da oposição, abre-se o guarda-chuva da resistência, fazem-se ouvidos de marcador, deixam-se correr os marfins... e fica-se!» (Almeida e Silva, in Charivari, a 3/3/ /1888).
«No fim de contas, enquanto eles lá dentro grazinam, insultam e esbofeteiam, cá fora o pobre Zé burro geme esquecido debaixo da pesada carga, e morto de fome. Ele bem presta a atenção a ver se distingue entre a grande vozearia dos amos as palavras palha, erva, milho ou fava... mas qual quê?!... Já ninguém se lembra do pobre burro!» (Almeida e Silva, in Charivari a 12/1887).
O Zé ficava esquecido na cozinha da política, mas de si os políticos nunca se esquecem, mantendo a boa imagem do cozinheiro na trilogia figural da política: «Bonita, feia e de barriga. Três figuras distintas e só uma verdadeira... a de barriga.» (Sebastião Sanhudo, in Sorvete a 30/9/1883).
Ora, quando um duende previne que «no ministério entram magros, começam a engordar; d'aqueles que entram gordos, há pouco que recear» (anónimo, in Duende 1865); é porque existe uma razão concreta. A política é um mundo de barrigas que o Zé sustenta, mas que não compreende muito bem. Para ele chega um naco de pão e toucinho com um bom copo, enquanto o político é insaciável, numa mesa a que o Zé não tem direito.
«A política é uma coisa que cheira bem a uns e cheira mal a outros - A política está na barriga e é pela barriga que se conhecem os grandes políticos - D'antes chamava-se político a qualquer sujeito que cumprimentava sempre a todos com muita amabilidade...- Hoje chama-se político àquele que só cumprimenta em vésperas de eleições. - Chama-se «Grande Político»: a todo o indivíduo (ainda que seja da marca de Judas) que se sabe abotoar - Politiqueiro: aqueles que fazem política... para levar a vida... – Politicões: aqueles que já têm o rabo pelado com a política Políticos honrados: aos que viram a casaca muitas vezes segundo lhes sopra o vento... - Político independente, noticioso, literário e comercial, a todo e qualquer jornal que recebe subsídio - Eis aqui um dos muitos que arrotam postas de pescada a favor do povo esmagado com décimas... para subirem ao poleiro e, depois de se lá pilharem... - Porque tal, porque o povo pode e deve pagar mais! - É a política de todos!» (Sebastião Sanhudo, in Sorvete a 23/3/1884).
Esperemos pois que as novas fornadas conventuais retomem a tradição da boa doçaria e que não nos saiba a amargo de boca.