Saturday, December 12, 2020
P*itik Bulag - 2nd Online Exhibition Contest - Theme Pandemic, disaster....
«26 millóns de fusilados» por SIRO LOPEZ (IN VOZ DE GALICIA)
Un son eu, seguro. Entre 26 millóns de roxos españois, como non sentirme aludido? Ademais non é a primeira vez que un xeneral xubilado fala de fusilarme. En 1980 o historiador Carlos Fernández e eu faciamos en Radio Voz, de luns a venres, un breve debate sobre a actualidade con visión conservadora el e progresista eu, pero con moito humor os dous. Tratábase de informar e divertir, e acadamos altos niveis de audiencia. Un xeneral xubilado, veciño de Carlos, faloulle da conveniencia de fusilarme e cando o meu amigo, arrepiado, dixo en defensa miña que son boa persoa, o vello militar retrucou, enérxico: «¡Con mayor razón! ¡Un rojo buena persona tiene el peligro del proselitismo!». Meses despois, en febreiro de 1981, aquel xeneral xubilado deu a Carlos Fernández as listas das persoas a controlar despois do 23-F, e alí estaba eu. Non aseguro que fose cousa súa, porque seis anos antes, en Ferrol, outro xeneral xubilado, de ilustre apelido na ditadura, denunciárame por aldraxar ao exército nunha viñeta sobre a película El gran dictador; abríraseme un consello de guerra e fora acusado de «intento de sedición e incitación a la misma», delito penado con seis anos e un día.
O xove feixista Ramiro Ledesma, fundador das JONS, falaba con menosprezo
dos «grupos sociales antiheroicos por constitución natural, a los cuales será
risible entregar una bayoneta». Deses antiheroes tamén son eu, que nin as
escopetas de feira me gustan e non consigo entender que alguén, por moi
cabreado que se sinta e moi xeneral xubilado que sexa, poida dicir nun grupo de
WhatsApp: «Confío en que salga otro mata
rojos pero que esta vez no se quede corto... hay que aniquilar 26 millones,
niños incluidos». E cando un colega o recrimina porque os nenos son o único
inocente que nos queda, reafirma: «Nada,
nada; la purga es la purga. Tenemos que convencernos de una puta vez de que
nuestra sangre no admite la democracia. Nuestros odios son más fuertes que
nuestra convivencia».
Para este militarote, que se sente cristián porque vai a misa e reza o
Credo, fusilar é como tomar un vermú; pero a xente con conciencia e cerebro ve
no fusilamento un acto irracional e horrendo. E isto vale para o executor, o
espectador e a vítima. Ata José Antonio Primo de Rivera, que mantivo en todo
momento a fortaleza de ánimo, dicía nunha conmovedora carta a Sánchez Mazas,
horas antes de ser executado: «Te
confieso que me horripila morir fulminado por el trallazo de las balas, bajo el
sol triste de los fusilamientos, frente a caras desconocidas y haciendo una
macabra pirueta».
O cumio do esperpento guasaperil produciuse cando o aguerrido xeneral
xubilado se viu descuberto e fixo como aquel falanxista que na Guerra Civil
matou nun enfrontamento a un miliciano e cortoulle unha orella como trofeo;
pero, ao se producir un contraataque republicano e verse en perigo de caer
prisioneiro colleu a orella e tragouna. Tamén o vello xeneral tragou as
palabras dos seus wasaps e dixo que el non fora, que alguén lle collera o
móbil, que apenas o usaba…
En fin, se teño que morrer fusilado, que non sexa por un espadón con
prostatite e lumbalxia, e ademais covarde.
NOTA
ACLARATORIA:
Este
artigo titulábase <26 millones de hijos de puta. Non discuto as razóns da ´Voz” para
trocalo, pero o troco alterou o ton e o sentido do artigo. Se digo
no comezo que <un dos fillos de puta son eu, seguro, é unha gracia; se digo
que son un dos 26 millóns a fusilar, é unha fantochada, unha chulería, un acto
de fachenda impropio de min. Por iso envíovos esta nota aclaratoria: Eu
sentinme aludido polo xeneral como <fillo de puta>. O de elemento a
fusilar é secundario porque so é leria.
Caricaturas Crónicas: «O “Strip” cómic(o)» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 13/4/1986)
Não, não vou falar no strip tease que as máquinas do sexo fomentam aos olhos frustrados
das massas de consumo. Nem desse desnudar constante que os governos nos impõem,
em propostas de impost(os)uras. Apenas quero sublinhar o nascimento cómico, mas
não ridículo, do que conhecemos por «histórias aos quadradinhos», ou «BD».
A história aos quadradinhos. Como o nome poderá supor,
não é uma visão do mundo através das grades, sendo pelo contrário uma
libertação de estruturas literárias, de conceitos linguísticos em narrativa
figurativa de tradução mais directa. Os quadradinhos estão assim ilibados da suspeita
de prisão, enquanto a história, essa cada um a faz segundo a sua consciência do
mundo, ou suas necessidades.
A génesis dela foi simples: a linha era uma sequência
estática de pontos, mas um dia fez-se movimento, fez-se símbolo, representação,
imagem. A imagem era o instante, era o tempo suspenso, porém duas imagens
juntaram-se, quebraram o tempo e fizeram narrativa.
Germinou durante o século passado (século XIX), como
entretenimento da burguesia infantil, como arte de ilustração paralela ao
texto. Neste género, que se manteve na Europa até muito tarde, o quadro era a
representação de um instante, um fragmento narrativo dependente da sequência do
texto. Paralelamente desenvolvia-se um outro género (em humor), onde a imagem
se impôs como expressão imediata da realidade ou da narrativa, como mensagem
codificada, como ilustração do jornal. O século apressava o tempo, e a imagem é
a tradução instantânea; o século democratizava a vida, e consequentemente a
imagem levava a informação simplificada ao alfabetizado e ao analfabeto.
Nasceu associada à caricatura, desenvolveu-se como
ilustração humorística e libertou-se da linha literária para desenvolver a tira
cómica – a «comic strip», como a definem os norte-americanos, os seus pais
adoptivos, que partindo das experiências europeias a desenvolveram até a
devolverem como a «nona arte». Gerada como humorismo, conheceu a narrativa como
aventura, desenvolveu-se como arte de mass
media.
Em Portugal, Raphael Bordallo Pinheiro (1846-1905) é
encarado como um dos primeiros fomentadores desta arte (antecedido por Nogueira
da Silva), desenvolvendo as suas «caricaturas cénicas» em sequências várias;
publicando o primeiro álbum de narrativa gráfica; publicando em seus jornais,
trabalhos dos pioneiros europeus, das histórias gráficas mudas, nomeadamente de
Caran d’Ache, Töpffer…; incentivando o seu filho a criar «historias
desenhadas» em sátira.
Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro (1867-1920), a
terceira geração artística dos Bordallo Pinheiro, seria o sucessor directo do
rafaelismo e, por essa razão, apontado como um simples imitador do seu pai.
Apesar de não ter o génio de seu pai, não deixou de ser um magnífico artista,
um bom desenhador, um humorista com graça, um espirito agudo de análise social.
Foi nessa visão cómico-analítica, que ele desenvolveu
durante vários anos, no «António Maria», «Pontos nos ii» e «Paródia», as
histórias em narrativa figurativa. Todos os rafaelistas, ou não como leal da
Câmara, desenvolveram em seus jornais as «caricaturas cénicas», em narrativa
sequenciada, mas quase que poderemos afirmar que Manuel Gustavo foi o primeiro
bandadesenhista português a desenvolver com regularidade esta arte, em humor, e
desligada da caricatura política. «Casos, Typos e Costumes» era a sua rubrica
de sátira, onde o bom burguês não tinha descanso. Era no fundo uma sequência do
realismo pitoresco, desenvolvido numa narrativa figurativa. Um dos exemplos
destas histórias pode ser o eterno tema do casamento: «Contos Electricos – Viram-se os dois: Que desejos! E tomaram
gargarejos, e deram furtados beijos, e casaram de abalada. Lua-de-mel passa
breve, depois, já diz o almocreve, que ella tem cabeça leve, e elle, ao
contrário, pesada…» (MGBP in «Pontos nos ii» 28/7/1887).
Após este nascimento e infância em mãos de humoristas,
seria ainda o Stuart Carvalhais que, nos anos 10 (do século XX), daria um novo
impulso na reconversão técnica, e na conquista de novos públicos. Depois outra
história se desenvolveu em humor ou aventura, que não cabe nestas linhas, que
não são cómicas, nem «strip», mas que narram algumas aventuras dos «comic strip» em Portugal, as nossas
«histórias aos quadradinhos» ou «banda desenhada», «BD» para os amigos.
Friday, December 11, 2020
IZMIR METROPOLITAN MUNICIPALITY - INTERNATIONAL CARTOON CONTEST SPECIFICATION
SUBJECT: GENDER MAINSTREAMING
INTRODUCTION: The United Nations (UN) was
founded following the Second World War by 51 countries including Turkey on
October 24, 1945, to realize the noble humanity vision of securing
international peace and providing security, supporting sustainable development
and safeguarding human rights. Turkey, as a founding member of the United
Nations, plays an important role in the fulfillment of various duties of the
organization from peacekeeping and peace building to improving the lives of
people in need around the world.
UN Turkey and its partners work towards
achieving the UN Sustainable Development Goals: The 17 ambitious goals in
connection with each other aim to solve the problems faced by people all over
the world, including Turkey. One of these goals is GENDER MAINSTREAMING. We can
explain the gender mainstreaming, which is the main goal here, within the
following scopes:
• Ending all forms
of discrimination against women and girls everywhere,
•
Eliminating all forms of violence against all women and girls in public and
private domains, including woman trafficking and sexual and all forms of abuse,
• Eliminating child
marriage, early forced marriage and all harmful practices against women,
• Making policies of
public services, infrastructure and social protection regarding unpaid care and
housework, and recognition and appreciation of responsibility within the
household and family through improving the sharing of responsibility in a
nationally appropriate manner,
and;
• Ensuring women's
full and effective participation in decision-making processes of political,
economic and social life and equal opportunities for women to exist in
decision-making leadership mechanisms.
IZMIR
and especially IZMIR Metropolitan Municipality, which has become a leading
example for Turkey with exemplary efforts towards improving the lives of women
and girls, is a part "Women Friendly Cities Program" since 2006 and
carries the distinction of being the first metropolitan province in being so.
This was documented by the "Women Friendly City Certificate" issued
in 2009. We can define a "Women Friendly City" in general as a city
where the urban rights of women are realized, their participation in local
decision-making processes and decision-making mechanisms is ensured, local
equality policies that improve women's living conditions and ensure equality of
women and men in all areas of life are established, and local services are provided
through embedding these policies in the understanding of local government.
Established in Izmir Metropolitan Municipality, "Directorate of Women’s
studies" sets an example for the sustainability and permanence of the
Women Friendly Cities program. Besides, there are Women's Shelters; “Key”
Integrated Service Center; Fairy-Tale Houses for women with children;
Vocational Factories that prepare women for Employment and Entrepreneurship;
and Equality Unit.
Women
managers are an example of the given priority of the number of female employees
and female employment. IZMIR Metropolitan Municipality gives training on Gender
Mainstreaming and provides services that facilitate the life of women in the
city while taking into consideration of their rights and freedom through
awareness-raising activities carried out on special days including November 25
Combating Violence Against Women; March 8 International Women's Day, December 5
Turkish Women's Right to elect and to be elected, and through conducting mutual
work and well-attended meetings with NGOs and Trade Associations.
Sources: https://www.kureselamaclar.org/ http://www.kadindostukentler.com/content/docs/kitapcik-1.pdf
OBJECTIVE:
Cartoonists! Empowering women means empowering the world: Think, draw ... Show
everyone what comes to mind when you think about women's rights and
empowerment. The areas of interest of our Cartoon contest are as follows.
You can get inspired by the following subjects and much more:
- Women and the Environment - Women in Power and Decision Making -Girls- Women and the Economy - Women and Poverty - Violence against Women - Human Rights of Women - Education of Women
- Institutional Mechanisms
for the Improvement of Women - Women and Health - Women and Media.
IZMIR METROPOLITAN
MUNICIPALITY
INTERNATIONAL CARTOON
CONTEST PARTICIPATION CONDITIONS
SUBJECT: GENDER MAINSTREAMING
1. The contest is organized
nationally and internationally and is open to amateur and professional
cartoonists all over the world.
2. Cartoons that do not
abide by the general rules of ethics, that contain insults, serve political
purposes, violate personal rights and contain statements that may constitute a
crime will be excluded from the contest.
3. Relatives of the selection committee members cannot participate
in the contest.
4. Drawing technique is free. Competitors are required to fill in
and send the participation form. By completing the participation form,
the participant declares and acknowledges his/her consent in advance that
he/she is the owner of the work of cartoon(s) that he/she will participate in
the contest with and is vested with these work(s) and the participant grants
license to IZMIR Metropolitan Municipality as defined under the provisions of
Articles numbered 21-25 of the Law of Turkish Intellectual and Artistic Works
No. 5846, as the economic rights of communication to the public in the form of
a non-exclusive license, without limitation of any place, time and number, and
in a way that includes the right to transfer to third parties by means of
processing, reproducing, disseminating, representing and transferring signs,
sounds and/or images and that IZMIR Metropolitan Municipality may use the
cartoon(s) in any way it wishes by exhibiting, keeping in the archive,
reproducing and publishing on the internet and in other ways, and furthermore,
the participant cannot claim any price from the Municipality for this reason.
5. Cartoons will only be admitted to the specified e-mail address
through the internet. Cartoon sizes should be maximum A3 (29.7 x 42 cm) and 300
dpi resolution in RGB and jpg format. They should be sent without using a
compression program such as ZIP or RAR.
6. Cartoons to be sent
should not have been awarded in any national or international contest before.
Cartoons that the selection committee deems the same or similar or that belong
to another cartoonist will not be evaluated.
7. The Cartoons that made it
to the finals against similar claims will be exhibited on IZMIR Metropolitan
Municipality website and social media for a week. Objections received after
this period will not be taken into consideration and the decision of the jury
will be final.
8. Cartoons that are found to be similar will be
excluded from the contest. In the event of such a determination, the works
selected as a backup will be awarded. The participant will be responsible for
any possible discussions and stolen and similar claims.
9. Participants can send a
maximum of 5 Cartoons.
10. Cartoons should be sent
to the ibbcartoon@gmail.com
address with the title of "Izmir
Metropolitan Municipality International Cartoon Contest" until February 1,
2021, at 17:00.
11. The money awards won by the participants in the contest will
be transferred to the bank IBAN that they have sent us. The award winner must
complete, sign and send the required documents, along with the IBAN. Situations
that may arise due to the failure of the award owner to declare the IBAN or to
be unable to receive the award price due to various reasons expire at the end
of 1 year after the results are announced. In the event of a time-lapse, the
right holder cannot demand any awards, royalties, etc. In case of disputes that
may arise between the IZMIR Metropolitan Municipality and the participant, the
jury's arbitration is sought first, if no result is reached, IZMIR Courts will
be authorized to resolve the disputes.
12. Among the cartoons sent
to the contest, the works selected by the jury and deemed worthy of the
exhibition will be collected in an album to be organized by IZMIR Metropolitan
Municipality. This album will only be sent to the participants who were placed
in the contest and whose work was published. No additional fee is paid for the
works selected for the album.
13. At the end of the
contest, the works which have won an award, honorary mention, gained the right
to be exhibited and to be put in the album will belong to IZMIR Metropolitan
Municipality indefinitely together with the owner of the work based on the
processing defined in Article 21, reproduction defined in Article 22,
dissemination defined in Article 23, representation defined in Article 24, and
the economic rights of communication to the public by means of transferring
signs, sounds and/or images defined in Article 25 of the Law on Intellectual
and Artistic Works numbered 5846. Within the framework of these rights, IZMIR
Metropolitan Municipality can use or provide the usage of the work indefinitely
within or outside of Turkey, in Turkish or in any other world languages, in all
kinds of media and material content by specifying the name of the author. No
additional fee is paid for the works selected for these uses. No fees will be
paid to the Consultant Members who take part in the contest. All participants
who submit their work to the contest are deemed to have accepted the above
conditions.
AWARDS:
First
Prize
: 15,000 TL
Second
Prize : 10,000 TL
Third
Prize :
5,000 TL
Honorable
Mention (3)
:
2,000 TL
SELECTION COMMITTEE: Cemalettin Güzeloğlu – Cartoonist / Canol Kocagöz – Cartoonist / Eray
Özbek – Cartoonist / Menekşe Çam – Cartoonist / Görkem Şengüler – Illustrator /
Hilal Bayındır – Illustrator
CONSULTANT MEMBERS: Neptün Soyer – Teacher / Izel Zenginobuz – IMM (Izmir
Metropolitan Municipality) Deputy Chairman of Child and Family Commission,
Lawyer / Nilay Kökkılınç – IMM Head of Gender Mainstreaming Commission, Lawyer
REPORTER: Ömer Çam – IMM Directorate of Vocational Factory, Cartoonist / Mert Gültekin – IMM Directorate of Culture and Art
CONTEST SCHEDULE: The deadline is until February 1, 2021, at 17:00.
The jury evaluation meeting
will be held on February 5, 2021.
The publication of the final
works will be announced on 8 February 2021. The final results of the contest
will be announced on 15 February 2021.
The cartoons deemed worthy
of the exhibition by the jury will be exhibited at the date; time and place
determined by the Izmir Metropolitan Municipality.
Note: Izmir Metropolitan Municipality reserves the right to make
changes in this specification if deemed necessary.
WE WISH OUR ARTISTS SUCCESS.
IZMIR
Metropolitan Municipality
Participation
form of International Cartoon Contest On Gender Mainstreaming
PHOTO
Name:
…………………………………………………………………………………….
Surname:
………………………………………………………………………………….
Addres:…………………………………………………………………………………
...………………………………………………………………………………
Country:
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IBAN:………………………………………………………………………………
Telephone:
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Fax:
………………………………………. ……………………
E-mail:
………………………………….@ …………………………………………..
Brief
BACKGROUND INFORMATION
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I
accept the Conditions of the Contest.
Date
Name,
Surname,
Signature
Caricaturas Crónicas: «José de Lemos em riso amarelo» por Osvaldo macedo de Sousa (in Diário de Notícias» de 4/5/1986)
José de
lemos é um desses artistas plásticos que tiveram de nascer, sobreviver e viver
presos à tarimba do jornalismo.
Amarelos eram aqueles transportes colectivos, em que a
colectividade contava a sua vida, discutia, apertava-se, pisava-se, trocavam-se
olhares de ódio ou amor. Hoje os amarelos são raros, não pela força sindical,
mas pela publicidade que os traveste das cores mais variadas, subsistindo
contudo o transporte e a colectividade ensardinhada.
Amarelo é também o sorriso de José de Lemos, ao
comentar com ironia essa vida popular, essa luta dia a dia pelo «lugar
sentado». O seu trabalho não é o de um simples fazedor de bonecos humorísticos,
ele é um jornalista (o único desenhador com cartão sindical) que em vez de
escrever, desenha: «O cartoonista é um
redactor, um trabalhador de jornal igual aos outros», que faz humor, não
para fazer rir, mas para comentar, criticar. É a sua visão do mundo, é uma
opinião feita de traço irónico - «O
humorismo é uma coisa muito séria, deve fazer pensar, mais do que rir».
José de lemos é um desses artistas plásticos que
tiveram de nascer, sobreviver e viver presos à tarimba do jornalismo. Nascido
em Lisboa (1910) como autodidacta em desenho e humorismo, iniciou, ainda
adolescente, a publicar os seus trabalhos no«Rebate», «O Papagaio», «Sempre
Fixe» e «Diário de Lisboa». Ao ingressar no quadro de fundadores do «Diário
Popular» terminou a sua peregrinação pelos periódicos, mantendo-se ainda hoje
neste jornal num «riso» quotidiano.
A sua vida, no fundo, é igual à de todos os outros
artistas feitos humoristas. Aprendeu o ofício no dia-a-dia, foi irreverente
mesmo quando não lhe apetecia, não criticou quando o sentia… A vida de todos os
cronistas satíricos, ou irónicos, seja pela palavra ou pelo desenho, é igual
nas liberdades, nos constrangimentos… apenas cada um procura a sua fórmula de
originalidade, procura as fugas possíveis de fazer arte, na crítica efémera.
José de Lemos é intrinsecamente um modernista da
geração do «Sempre Fixe» (do Botelho, Teixeira Cabral, Tom, Baltazar…), não só
por escola, como por grafia. A sua cartilha estética foi a análise-síntese, a
linha como interpretação caligráfica do mundo, das vivências quotidianas. A sua
cartilha em humor, foi a inteligência em ironia: «Há maneiras de dizer e fazer as coisas, de forma que a censura não
compreende».
A par do seu traço característico, existe uma
filosofia de grande humanismo, a que não é estranha a sua vida de escritor para
crianças: «Nada há mais bonito que uma
criança a sorrir, mesmo que tenha os dentes podres». A sua visão, pelos
olhos da criança, é o realismo frontal, mas poético, é a ingenuidade crítica da
falsidade, é o «riso amarelo», triste, do conhecedor da verdade humana.
Como escritor/ jornalista, dirigiu os suplementos
infantis do «Sábado Popular» com as célebres «Histórias e Bonecos», «Dr.
Sabichão», «Hoje há palhaços»… ou publicou livros infantis como «O Sábio que
sabia tudo e outras histórias», «O Compadre Simplório tem os Pés Tortos»,
«Histórias e Bonecos», «Pessoas e Bichos». Livros publicados tanto em Portugal
como no estrangeiro, com contos incluídos em antologias mundiais de conto
infantil.
A faceta de escritor
é também motivo de criação plástica, conciliando a narrativa com a cor da
ilustração, a interpretação gráfica com a linha. A simplicidade e a cor são a
riqueza fundamental da expressão lírica do seu espirito, um exemplo mais da
força narrativa da sua arte.
Narrar a vida, os pequenos problemas dos «vizinhos»,
as vivencias na cidade em critica jornalística, é a arte de José de Lemos, é a
ironia sempre actual em «riso amarelo», como o são os transportes colectivos,
apesar das variantes da cor.
Caricaturas Crónicas: «A DITA DENTA DURA» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 16/11/1986)
Pela
boca morre o... e pelo dente se trituram os mundos, primeiro em leves
mordeduras de leite, suplantados depois por fortes queixais esmagadores, que
transformam as massas num bolo homogéneo, sem queixas possíveis dos triturados.
Vinte e oito (de Maio?) são os elementos trituradores, acrescidos de mais
quatro, em siso, que vão desaparecendo. Dizem os biólogos que a nossa evolução
civilizadora os tornou inúteis, e, consequentemente, temos cada vez menos siso.
Quem
também não tem esses sisos são as dentaduras, quais postiços vingadores de
sentimentos de frustração e inferioridade, tal como os governos que, perante as
suas fraquezas, criam as ditaduras trituradoras, sem siso.
«Sem uma ideia o governo / Na craniana
espessura / Pois que em pedreira tão dura / Agua mole não entra e fura / Vai
agora a toda a pressa / Para ver se se segura / Na mansa cavalgadura / Montar a
toda a largura / D. Dicta dicta Dura!» (Nogueira, in Os Pontos, 11/8/1901).
A
ditadura é um «estado de graça», sem graça, em que a «situação» é conservada,
numa defesa de instituições, instituídas para o caso, no ocaso das ideias... de
segurança.
«A ditadura, divorciando as instituições do espírito da
nação, colocou-se, para as defender, no meio de um triângulo, cujos três
vértices são o governo, a polícia e a municipal (polícia). Pois, meus senhores,
no centro d'esse delta nem a própria providência se julgaria segura!»
(Raphael Bordallo Pinheiro in Pontos nos ii. 3/7/1890).
A
Providência, sem a vidência; deixa-se enredar: na teia dentária, e a ditadura
domina o momento, mina o futuro, comportando-se como a estiagem que tudo seca,
enquanto o «Zé dorme o sono dos
entorpecidos pelo calor, e as pobres plantas (político-partidárias) murcham,
sem conseguirem que a atmosfera política lhes traga o aguaceiro da crise!» (J.R.
in Charivari, 18/4/1896)
Muitas
foram as crises, e não poucas as ditas, mas na nossa História recente, a que
esteve mais dura de roer foi a de 28, uma espiga de maio vinte e seis, com um
pronuncio de cárie nos dentes de leite sidonistas, a dezoito. «Mussolini -Então é esta a traquinas da sua
filha (a República)?»
«O Zé - Sim, Sr. Duce, mas nasceu enfezadinha:..»
«Mussolini -Porque não lhe dá o meu xarope fortificante?»
«O Zé - Deus me livre. Já tomou uma xaropada dessas em 1918
ia morrendo!» (Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe. 25/11/1926).
Não
lhe serviu de lição, e em 26 é servida uma nova xaropada, desejada por muitos,
mas logo temida por quase todos - «Ó
Maria, afianças a melancia (ditadura)?»
«- Sei lá, não estou dentro dela...»
«- Então, o melhor é calá-la, que de resto, o calado é o
melhor…»
(Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe 2/9/1926)
O
Calado não teve oportunidade, porque teve mesmo que se calar, como a maioria,
por impotência, por censura - «Na
impossibilidade de desenharmos e escrevermos no Diário do Governo, teremos de
transformar o Sempre Fixe em Jornal de Modas» (Francisco Valença, in Sempre
Fixe, 8/7/1926) - por prepotência e outras potências várias, que logo em 27 «põe a Declaração dos Direitos do Homem no
Penhor» (Francisco Valença, in Sempre Fixe; 5/5/1927).
No
Carnaval de 33 festejam-se as cinzas dos que nunca estão de acordo por inteiro,
os partidos - «Aqui repousam as cinzas
dos Partidos Políticos» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 2/3/1933) - e
lentamente, morrem as individualidades, cria-se um estado novo das coisas, em
monocromia de marionetas.
O
estado dos dentes também se vai deteriorando, como os governos; e se os
primeiros caem por velhice ou doença os segundos quanto mais velhos e enfermos
mais se agarram às pequenas materialidades, numa conservação de saudades de
potências.
Thursday, December 10, 2020
«Arte - Irreverência – Almada Negreiros» por Osvaldo Macedo de Sousa (in revista «História» nº 92 Junho de 1986)
Anos 10, anos de revolução, anos de irreverência, não só em Portugal, como em toda a europa. Neste país, essa irreverência irrompeu primeiro na moderação dos «Livres» e dos «Humoristas», passando pelos «Modernistas», expressando-se no máximo da sua força escandalosa, neste trio a que temos vindo a dedicar atenção – Amadeu de Souza Cardoso na pintura; Santa-Rita Pintor na sua forma de estar na vida; e Almada Negreiros como união das três irreverências, a pictórica, a vivencial e a da palavra, para domínio de uma só, ou fundamentalmente, a da palavra.
Portugal
sempre quis ser um belo jardim plantado à beira-mar, mas nunca passou de uma
«horta saloia». As primeiras irreverências, fê-las D. Afonso Henriques, e desde
aó os «Dantas» predominaram. Mas, «o
Dantas cheira mal da boca.
_ Se o Dantas é português, eu quero ser
espanhol.
- Portugal que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as áfricas! O exílio dos degredados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sabujos!» («Manifesto Anti-Dantas» - 1915).
Não existia uma tradição de escândalo intelectual, provocação estética ou irreverência existencial no nosso país. Havia porém, um espírito de revolta, dinamizado pelas políticas de mal-governo, mas, até esse espírito estava imbuído de um sentimento de fracasso, subjacente na evolução da nossa história. Também em 1910 se deu uma revolução de regime e também nos anos 10 fracassou. Não como derrube da monarquia, mas como resolução dos problemas do País.
«E não pertenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva /…/É preciso criar as aptidões pró-heroísmo moderno, o heroísmo quotidiano» («Ultimatum Futurista» - 1917).
A irreverência não é uma revolução, mas uma forma de estar na vida, são as ideias, o tom, e fundamentalmente, as fórmulas utilizadas para despertar os «Dantas» da letargia. Souza Cardoso foi irreverente pela pintura, mas não passou de um cometa, visto por poucos, na vida portuguesa. Santa-Rita foi irreverente na sua vivência com o País, que não era outra coisa, que o mundo-ilha do Chiado. Almada, encerrado também nesse mesmo micro-cosmos do Chiado, levou a sua irreverência para além dessas fronteiras. É a palavra como manifesto, é o desafio ao mundo português: «Vós ó portugueses da minha geração que como eu não tendes culpa de serdes portugueses, INSULTAI O PERIGO» («Ultimatum Futurista» - 1917).
Como nasceu português, este «insultor do perigo»? António Lobo de Almada Negreiros era administrador do concelho de S. Tomé, casado com a filha de um colono, e aí nasceria José Sobral de Almada Negreiros a 7 de Abril de 1893. Nascia como africano, numa «África reclusa dos europeus», como português em «exílio dos indiferentes». Em 1900, vem para a metrópole e é internado no Colégio dos Jesuítas de Campolide. Aí aprende a concepção mais reacionária da vida, o pensamento jesuítico, o pensamento católico-burgês que ele combaterá posteriormente pela irreverência, como revolta à educação de «espartilho» - «Toda a modernidade luta contra a subordinação, contra o suborno da pessoa humana pelo forçoso da sua posição no quadro social». (Orpheu» - 1915).
Partindo de uma educação conservadora, ainda no colégio procura, pela sátira, a «República» como solução de revolta, o «Mundo» ou a «Pátria» como encontro. Não passaram de esboços, expressos em jornais manuscritos (inéditos – 1906), mas eram já o pronúncio de provocação ao conservadorismo, era o desejo de criar um Portugal novo, que ele não sabia como devia ser, mas que sabia como sonhar: «O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo, todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades». («Ultimatum Futurista» - 1917).
A falta dessas qualidades era, para Almada, a maior ofensa que este povo lhe poderia fazer, por isso partiu para as artes, satirizando-o. Entrará nas artes pelo humorismo, o género artístico que então, mais oportunidades de liberdade estética e de retribuição monetária, dava. Foram desenhos onde a irrever~enciaainda aprendia a medir o mundo, foram traços na apreensão do espaço limite da linha. Ainda aprendiz, partia já com uma opção: «esquecer Raphael Bordallo Pinheiro em favor de Celso Hermínio». Nesta opção, está já patente a orientação de ruptura da sua obra futura, ou seja a linha como liberdade e contorno.
O seu primeiro desenho a ser publicado, saiu na revista «A Sátira» em Julho de 1911. Em 1912, participa na 1ª Exposição dos Humoristas em Lisboa, na condição de par de um Christiano Cruz (seu mestre), Stuart, Colaço… Em 1913, realiza a sua primeira exposição individual - «Eu creio que ele tem talento. – escreverá Fernando Pessoana «águia» como crítica à exposição – Basta reparar que ao sorriso do seu lápis se liga o polymorphismo da sua arte para voltarmos as costas a conceder-lhe inteligência apenas».
Não tinha apenas inteligência, tinha também uma alma em ebulição, de criatividade e originalidade, tinha arte. O humor foi como que uma porta, para a sua libertação dos academismos, foi a aprendizagem da mão, foi a primeira ebulição, em ironia, de uma revolta. A seguir à ironia, veio a inundação, pela escrita e vivência.
Pode-se dizer que desde a revolução de 1910, quando vem para a rua procurar o novo mundo, nascido em republicanismo, teve intervenção em quase todas as manifestações culturais na procura de uma nova arte-sociedade. Leal da Câmara tinha dito que «a caricatura ia na vanguarda do movimento», e ele esteve entre os caricaturistas-humoristas nos seus primeiros salões e, voltaria sempre a este género, quando desejava uma intervenção directa e moderada.
Porém, nos anos 10, o humor não o satisfaz plenamente, apesar de chefiar, durante algum tempo, a crítica mais acérrima à República, dirigindo ele próprio o periódico pró-monárquico «Papagaio Real».
O tom da crítica subia pela palavra e, em 1914 (27/5), numa entrevista ao jornal «República», ele declara: «A nossa sociedade é uma mina de caricaturas. /…/ Só a aldeia é sã, e sã porque não teve ainda testamento de beneméritos a deshonestá-la com uma escola. O nosso povo é belo enquanto analfabeto. Se um dia tiverem por lembrança educa-lo e o fizerem, conseguirão do seu pulso um medíocre a desilustrar a sua terra altamente representado na profissão dele».
«Odeio tudo quanto o progresso perfilhou: e a nossa sociedade não é senão tabaco ordinário a fingir de fino numa apresentação bonita».
O humor tinha-lhe indicado o seu inimigo. Não era o progresso, nem a civilização ou cultura, mas o burguês e sua concepção falsa da civilização e progresso; os «Dantas» academistas que não deixam liberdade de pensamento a quem queria ultrapassar as ideias do tempo. O humor, pela ironia, dava então lugar à provocação directa; os esquemas literários simbolistas, davam lugar a expressões poéticas violentas; a irreverência rompia os preconceitos «dantaescos»:
«Ergo-Me Pederasta apupado d’imbecis.
Divinizo-Me Meretriz, ex-libris do pecado,
e odeio tudo o que não Me é por Me rirem o
Eu!»
(«A cena do ódio» - 1915).
A melhor forma de romperem este círculo de monotonia, era partir para novos horizontes, era procura-los para além das nossas fronteiras, e não regressar, ou então, transportar esse «novo mundo», em formas de «Orphismo», «Futurismo», para este país de retrógrados: «Algumas das raras energias mal comportadas que ainda assomam à tona d’água, pertencem halucinadamente a séculos que já não existem e, quando Um português, genialmente do séc. XX, desce da Europa, condoído da pátria entrevada, para lhe dar o Parto da sua Inteligência, a indiferença espartilhada da família portuguesa ainda não deslaça as mãos de cima da barriga». («Manifesto da exposição de amadeu de Souza-Cardoso – 1916).
Os seus
manifestos, ou manifestações, são uma posição cultural e, da mesma forma,
política. A polémica ideológico-literária é a revolta «dadaísta» ou
«futurista», é a procura de um «leit-motiv» como farol estético-filosófico, o
qual pode ser incorporado na ideia «pátria portuguesa»: «Eu sou uma poeta português que ama a sua pátria. /…/ Eu sou aquele que
se espanta da sua própria personalidade, e creio-me portanto, como português,
com o direito de exigir uma pátria que me mereça. Isto quer dizer: eu sou
português e quero portanto que Portugal seja a minha pátria.
Eu não tenho culpa nenhuma de ser português, mas sinto a força para não ter, como vós outros, a cobardia de deixar apodrecer a pátria». («Ultimatum Futurista à Gerações Portuguesas do séc. XX» - 1917).
Despertar o país da cobardia era o intuito da irreverência, e a fórmula foi ser nihilista, quando acreditava em alguma coisa, ser desprendido e livre, quando desejava algo, ser anarco-futurista, quando a ordem era o ideal. A irreverência foi provocação como «Orpheu», como presente quotidiano, ou como futuro(ismo), só que em vez de o terem feiro em Portugal, fizeram-no num «mundo à parte. Eles foram três irreverências que perturbaram, escandalizaram Portugal, apenas houve um erro – tanto Manhufe como o Chiado não eram Portugal e, por isso passaram despercebidos.
Em 1918 morre souza Cardoso e Santa Rita Pintor. Em 1919 Almada parte para outras fronteiras, agora geográficas, para encontrar a sua nacionalidade estética: «A Arte não vive sem a pátria do artista – eu aprendi isto para sempre no estrangeiro».
Em 1920, realiza-se em Lisboa (Teatro de S. Carlos) o III Salão dos Humoristas, como conclusão realista de uma década de irreverência moderada, como manifesto do futuro em ironia, mundanismo, em moderação modernista. As irreverências, no fundo, não passam de sonhos, neste País de brandos costumes.
Caricaturas Crónicas - «As origens e a caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 6/4/1986)
As primeiras experiências de ilustração satírica em
Portugal têm, seguramente, proveniência estrangeira – como, de resto, aconteceu
com todas as modas artísticas, filosóficas ou políticas.
O aparecimento da caricatura (como arte do grotesco e
exageração crítica) perde-se na noite dos tempos, e em Portugal pode-se
encontrar esses vestígios na arquitectura, nos azulejos, na cerâmica, na
poesia… O azulejador popular, que costumava decorar as suas obras com
figurações imitativas, dá liberdade à sua fantasia, ridicularizando o dia-a-dia
do seu semelhante. O iconógrafo dando liberdade à sua faceta trocista e
brejeira, torna-se caricaturista.
Na prosa e poesia portuguesa, encontramos primeiramente
o escárnio e arte de mal dizer, seguindo-se a sátira caricatural, principalmente
a partir da formação das Academias, onde se cultiva a arte do jocosério.
Os folhetos de cordel e Papeis Volantes recriam essa
arte, sendo cada vez mais jocosos, e cada vez menos sérios, espalhando-se pelas
camadas menos letradas. Os primeiros folhetos apareceram em 1730, com o «Folheto
de ambas Lisboas», aparecendo também gravuras, desenhos satíricos, cuja
intenção caricatural é incontestável no comentário à política nacional, mas,
apesar de estarem adaptadas, são de autoria de artistas estrangeiros. Contudo,
será português o desenho que aparece colado ao muro de paço da Bemposta (1808),
aquando da fuga de D. João VI para o Brasil, e onde se via o rei de pernas
tortas e cornudo, sendo insultado pela nação miserável abandonada.
As primeiras experiências de ilustração satírica em
Portugal, nessas primeiras décadas de oitocentos, têm proveniência estrangeira
– como, de resto, aconteceu com todas as modas artísticas, filosóficas ou
políticas.
Pode-se dizer que a caricatura, como arte gráfica
nasceu em grito de liberalismo, antes deste existir. Com a sua implantação, com
a abertura de tolerância, a caricatura terá uma maior propagação.
Um dos primeiros entraves é que a gravura era ainda
uma arte incipiente no nosso país, quase ignorada pelos artistas plásticos, mal
apreendida pelos nossos técnicos tipográficos, vivendo apenas da adaptação de
obras estrangeiras ou da exploração da veia satírica popular.
Essa tradição popular crítica, que como já dissemos,
já existia na azulejaria, na cerâmica, nos folhetos de cordel… insuflou-se com
a luta contra o absolutismo recalcitrante, com os ventos liberais e luta entre
as diferentes facções que procuram o poder. Uma inspiração grosseira, porque
verdade crua, mas também ordinária, violenta, panfletária, por se aliar às instigações
políticas de luta pelo poder e destruição dos adversários. No fundo, uma
representação realista do jogo político praticado na altura, representação da
falta de maturidade de um país a despertar para um parlamentarismo dialogante,
para o século XIX, o século da revolução industrial e social.
Uma violência crítica que, perante a violência da
nossa política, a instabilidade do regime e das liberdades de pensamento
conquistados pela revolução, obrigou os seus criadores ao anonimato, ou pela
utilização de pseudónimos. Dessas caricaturas incipientes assinadas por Maris,
Affonso… destacam-se as de Cecília.
Cecília, que seguindo o estilo de seus companheiros
(não seria ele a assinar também como Maria, Affonso…?) na utilização do retrato
realista, como identificação inconfundível, adossado a estruturas alegóricas ou
antropomórficas, consegue um nível técnico, satírico e artístico que o destacam
nesta produção. Da sua verdadeira identidade só temos o seguinte relato de
Palmeirim («Os Excêntricos do meu tempo»): «O
auctor das caricaturas era geralmente conhecido pela designação do Pinta Monos,
com que o próprio redactor do suplemento chrismara o seu colaborador. Não me
recordo n’este momento do nome do Pinta Monos, mas só me lembro de que era um
rapaz triste, doentio e já então em princípio da tísica pulmonar que mais tarde
o levaria à cova».
Os jornais políticos com ilustrações caricaturais
iam-se sucedendo, aparecendo e desaparecendo consoante os momentos políticos,
numa evolução que foi apaziguando os ânimos violentos da política, para haver
uma maior preocupação de moderação crítica e evolução estética.
Essa evolução proveio de uma nova concepção filosófica
da arte. Acabava o período da pré-história da caricatura portuguesa.
Wednesday, December 09, 2020
Caricaturas Crónicas - «Thomaz de Mello em tom de síntese» por Osvaldo Macedo de sousa (in Diário de Notícias de 23/3/1986)
Tom é o símbolo da economia linear, é a síntese na essência, o encontro da geometria simples com o mundo e o Homem.
A simplicidade é o despir-se das coisas, e nada mais
simples do que as coisas a nu à nossa frente, desde a mulher (ou o homem) à
caricatura.
Esta que nasceu, em Portugal, superaconchegada em
simbologias, alegorias e barroquismos, foi-se despindo gradualmente, consoante
a maior ou menor ousadia de cada artista.
A simplicidade na arte da caricatura é a síntese, é a
expressão condensada em traços e ideias fundamentais, e só estes. O primeiro a
ousar despir-se de alguns barroquismos foi Celso Hermínio, no seu lápis de
irreverência antimonárquica e anti-raphaelista, em expressões de impressões.
A segunda etapa surgiu em Coimbra, onde Christiano
Cruz, Luís Filipe e Fernando Correia Dias estudavam. O cabralismo tinha dado
força às primeiras caricaturas e a Torre da Cabra dava força aos primeiros
modernismos. A caricatura, a partir de 1909, tomava a liderança da vanguarda no
despertar das artes, partindo da província para conquistar a capital. Porém,
Correia Dias, o principal caricaturista da síntese coimbrã partia em breve para
o Brasil, onde triunfou e foi mestre da estilização.
A 11 de agosto de 1906 nasce no Rio de Janeiro Thomaz
de Mello, filho de uma velha família aristocrática portuguesa. A partir dai, a
sua vida não foi senão uma aventura artística, primeiro, pelos campos do teatro,
onde entrou com 14 anos como aprendiz e ajudante de cenografia, no teatro
amador, para em 1925 entrar no profissionalismo; depois, a aventura pelo mundo
da Amazónia, onde também é necessária arte para sobreviver; finalmente, a
aventura do regresso às origens familiares, num gesto teatral.
Em 1926 aporta a Lisboa este espírito irrequieto feito
actor, mas aberto a outras aventuras. Em 1927, surge um outro brasileiro por
estas paragens (Rubens Trinas-Fox) que o desafia a fazerem em conjunto uma
exposição de caricaturas, para ganharem algum dinheiro. Foi a revelação do seu
dom (e da sua mina de sobrevivência), porque o Dom de notabilização familiar
foi escondido sob o pseudónimo de TOM.
Após a escola de Coimbra, o modernismo caricatural tinha-se
desleixado da estilização sintética, para explorar a sintetização pitoresca,
mundana ou decorativa. Agora esta era devolvida à modernidade por um artista
brasileiro por nascimento, mas português pela arte. A escola de Correia Dias
floresceu no Brasil, e devolveu um dos seus talentos.
Tom é o símbolo da economia linear, é a síntese na
essência, o encontro da geometria simples com o mundo e o Homem. Ele recuperou
a caricatura síntese como linha de abstracção no modernismo, ao ponto de ser
identificado como «o modernismo na
caricatura, quasi diríamos, sem duplo sentido, a caricatura do modernismo»
(Século Ilustrado).
Integrando a segunda geração do modernismo português,
partiu, como os outros, do humorismo para as artes possíveis, que eram as artes
gráficas, a decoração… a pintura. Mestre do cartaz, e da publicidade gráfica,
não fazia mais do que continuar o trabalho de seu avô, o outro Dom Thomaz de
Mello, fundador da primeira agência de publicidade em Portugal, e criador dos
quiosques que ainda hoje nos cativam.
No humorismo ele deixou a lição da simplicidade, da
estilização das atitudes. Essas mesmas características são a sua assinatura e
originalidade em tudo o que tem feito até aos nossos dias.
Hoje, nos seus quase 80 anos, já está distante dos
tempos da caricatura e do humor, mas continua a ser o exemplo da síntese em
arte, a comunicação directa com o grande público.
Caricaturas Crónicas – «As “fontes” da caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (In Diário de Notícias de 9/3/1986)
O caricaturista é uma
criança que, na sua fantasia estética, inventa mundos de humor, mundos de
espelhos às avessas, mundos onde o Zé Povinho por ser soberano, onde a miséria
se pode transformar num sorriso em ironia, onde a verdade supera a realidade.
Como fonte destas
deambulações imagísticas, existe a visão caricatural de um mundo que, se não é
para fazer rir, é para desejar que os átomos se revoltem, que se desvaneçam no
pó que nós somos.
Como fonte de inspiração, ou
como brinquedo do caricaturista – humorista, na manipulação do real poder, foi
criado o político.
O humor é então um confronto, é uma «criança ingénua»
que se ri do poder, que brinca com ele, joga-o a pontapé da sátira, torce
achata, estica, mascara-o ou desmascara-o. Transforma o Polichinelo em «deus político» (Raphael Bordallo
Pinheiro in «Lanterna Mágica» 29/5/1875), em «Santo António de Lisboa» (R.B.P.
in «Lanterna Mágica» 29/5/1875).
Santos e Reis Antónios têm havido vários, assim como
polichinelos António na política portuguesa. Este, de que temos cindo a falar é
a «fonte» vivificante da caricatura oitocentista, é uma das razões da existência de um dos maiores
caricaturistas portugueses, é o António Maria Fontes Pereira de Melo - «Quem tudo rege, ordena e manda» (Raphael
Bordallo Pinheiro in «António Maria» 6/7/1882)
O Fontes foi o centro, foi a fonte inspiração, de
ironia, a «espinha» atravessada na
garganta do Zé (R.B.P. in «Pontos nos ii» 18/6/1885) durante várias décadas.
Foi o político que mais humor e caricaturas, originou em toda a nossa história
da sátira gráfica. Ora, se o Zé Povinho é o símbolo do povo português, quase se
poderia dizer que o Fontes é o símbolo do nosso político: «Caro Fontes, qual é a tua opinião a respeito da “mão calosa do
operário”?
- É que lhe
devemos prometer agora com a esquerda o que quando estamos no poder lhe
costumamos tirar com a direita»
(Raphael Bordallo Pinheiro in «António Maria» 27/11/1879).
Assim faz o político, mas também assim o desmascara o
humorista. Todos os artistas da sátira política exploraram ao máximo os
movimentos do Fontes, mas seria Raphael que faria dele a sua fonte de
existência fundamental. Ambos jogaram como contraponto e, até um dos seus
jornais foi baptizado com o nome do outro - «António Maria».
O «António Maria» foi um sol para os caricaturistas
seguidores da escola rafaelista, assim como o sol Fontes foi tão forte que
derreteu os seus opositores, ou o Zé pelo calor dos impostos (R.B.P. in
«António Maria» 7/12/1882.
Iniciando a sua carreira como deputado, passaria por
várias pastas ministeriais, até passar por todos os lugares possíveis da
governação: «O Homem dos sete
Instrumentos - Admirae-o, senhores. Elle toca a Presidência da Câmara dos Pares
com o queixo; toca a Presidência do Supremo Tribunal Administrativo com a
cabeça; toca o Generalato com os punhos;
toca a governação do credo hypothecario com a testa; e toca o poder
oculto com o nariz!» (R.B.P. in «António Maria» 23/6/1881). No final, não
passava de uma «velha raposa matreira»
(Sebastião Sanhudo, in «Sorvete» 28/2/1886).
Ser humorista, ou ser político, é um destino de «ódio»
e admiração. O humorista é obrigado a buscar a sua fonte satírica na governação,
ou desgoverno, no politico matreiro que joga pela manha com o Zé. O político é
obrigado a ser velha raposa, para poder sobreviver no Poder, e odeia o
humorista que o desmascara, que o satiriza, que faz dele a fonte de riso da
oposição, que faz dele a descarga dos maus humores sociais. Mas, no fundo
existe também um lado de admiração, seja pelo lado estético do artista, seja
pela arte do «trapezista» na corda bamba da política.
Também Raphael e Fontes foram admiração, critica e
perseguição, mas, no final, quando a morte desfez o jogo (1/1887), Raphael
saudou o seu adversário, reconhecendo que «por
mais que se encarrapitem, nenhum (político) é capaz de lhe chegar ao pulso» (R.B.P. in «Pontos nos ii»
3/2/1887).
Tuesday, December 08, 2020
Les invito a visitar la muestra virtual "Covicaricaturas" organizada por la Asociación de Caricaturistas Españoles
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Españoles
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«Stuart Carvalhais 25 anos depois - Quando os “bonecos” são arte» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 2/3/1986)
Festejara morte de alguém é um contra-senso em humor
negro, mas, quando se refere a um artista, é finalmente a consagração da obra
que, na maior parte das vezes, não foi reconhecida devidamente na sua época.
Celebrar o aniversário da morte do Stuart é recordá-lo, é criar um pouco mais
de mito à volta de uma obra, esquecendo as amarguras mais interiores do homem,
supervalorizando os romantismos do artista.
Passaram-se vinte e cinco anos desde a morte deste
artista, ainda hoje incomodo em certos meios intelectuais ligados às
belas-artes. A caricatura e a ilustração humorística, como artes efémeras,
artes de mass-media e gosto popular,
arte de irreverência, nem sempre são consideradas no seu valor verdadeiro. A
divisão nas artes entre expressões maiores ou menores é um grave defeito de
snobismo artístico, fomentado por psicoses de artistas pouco seguros do seu
valor estético. Na verdade, o que existe é artistas maiores e outros menores.
Na caricatura e ilustração humorística, artistas tem
havido que, se dedicando apenas a estas artes, forçaram as portas da história
das belas-artes, e impuseram-se acima de qualquer suspeita estética. Este foi o
caso, em Portugal, de Raphael Bordallo Pinheiro, Celso Hermínio, Leal da
Câmara, Christiano Cruz, Correia Dias, Teixeira Cabral… Stuart Carvalhais.
Outros, ao dedicarem-se também a «artes maiores», salvaram-se da «perdição».
Stuart, sendo um artista irreverente em artes
irreverentes, não foi um «perdido» nas artes, mas perdeu-se na vida, no tintol
boémio, nas pernas das vielas e calçadas, no quotidiano profissional dos
jornais. Diz-se mesmo que o seu génio foi chupado pelas máquinas impressoras, e
que ele é dos mais fecundos artistas de todo o mundo, sendo poucos os que
trabalharam tantos anos para a imprensa, como ele. Foram 54 anos.
Os jornais dominaram a sua obra, a sobrevivência do
artista era o profissionalismo gráfico na tradução imediata das necessidades,
era o aproveitamento irrefelctido das oportunidades. Desta forma, ele soube
sobreviver também na ilustração de capas de revistas, de contos e narrativas,
de capas de música, cartazes, cenografias de teatro, decorações… Fez
obras-primas, fez obras prementes que o tempo não deu espaço à qualidade
apurada.
Quem é o Stuart Carvalhais? Ele apareceu quando uma
geração quis acordar Portugal da sonolência secular, para uns através da
tentativa de revolução ideológica, a que baptizaram de republicana, para outros
por manifestações estéticas, que baptizaram primeiramente de humoristas, e
depois rectificaram para modernistas.
Portugal tentava entrar no século XX, entrar na Europa
pelo sorriso. Muitos foram os que procuraram a europa portuguesa no
além-fronteiras, viram o mundo, e regressaram convictos de que tinham
apreendido a arte do europeu. Outros, ficaram por cá, tentando traduzir o que
pairava no ar.
Stuart foi um modernista, porque foi a Paris, e aí
triunfou. Foi um modernista, porque esteve presente em todas as manifestações
do grupo. Só que nunca foi um vanguardista, e caricaturou quem tinha pretensões
de o ser. Ele foi, basicamente, um «nacionalista», no conceito de Christiano
Cruz, ou seja, estudou as estéticas vanguardistas do estrangeiro, fez tabua
rasa do que sabia, e exprimiu a sua alma estética.
Enquanto os seus companheiros ensaiavam expressões
aprendidas, mas não sentidas, ele foi a sua própria expressão. Enquanto os outros
descobrem a aparência pela linha síntese mundana, ele transforma a linha na
aparência profunda da realidade.
O dia-a-dia está, como verdade sem máscara, nos seus
desenhos humorísticos, na vida que ele vivia, queixas que ele ouvia, cenas a
que ele assistia. A sua obra é testemunho da sua experiência, que ele
exorcizava pelo riso, seja de gosto doce ou amargo.
A vida, para ele, não é sombria, quando existe pode
existir um sorriso no canto da boca, ou quando alguém nos faz vê-la por um
prisma de humor. Foi o que ele tentou, senão por convicção, por forma de
sobrevivência. O humor era o parceiro natural do seu trabalho jornalístico, e
como tal, o seu ganha-pão - «há dezoito
anos que almoço desenhos, que janto desenhos, que visto desenhos….»
O humor ajuda a vida, principalmente quando dá que comer
e pagar as despesas da casa, mas nem sempre o espirito irónico, ou satírico,
consegue abafar o sentido da ternura humana que o rodeia: o mundo, a miséria, a
dor, que por vezes parece patética na representação plástica, tiveram neste
artista o estilete mais ácido e mais belo de toda a arte portuguesa. Ele aqui
não é um observador, mas alguém que vive nesse mundo, não só pelo convívio com
a miséria, os mendigos, o povo que luta dia a dia, mas também pela alma
atormentada que vive dentro dele como grito contra a miséria. Stuart foi como
que um grito dos pobres, dos desprotegidos. O seu “pau de fósforo”, foi como
que o lápis de um abaixo-assinado, o mensageiro do mundo, nas casas daquela
burguesia fechada no seu bem-estar, e tão ironizada por ele.
Por isso mesmo, é no retratar este submundo, que as
suas obras são mais geniais, que o seu traço se esmera, que o seu espírito se
agudiza e penetra bem fundo na alma das gentes.
As figuras da «Sombra da Noite» são impares. Aqui se
pode ler a dor, a solidão, a amargura e a exploração, mas também o amor e o
prazer. As prostitutas, as mulheres da vida, do prazer-encontro - «Chamam-nos perdidas, mas é connosco que ele
se encontram…» - são rostos de toda uma sociedade em desencontro.
Stuart passou a vida fazendo caricaturas, inventando
humor, fabricando o dia-a-dia, como profissional de um jornalismo gráfico, só
que no fundo, o seu maior desejo, como o de todos os artistas, era estar livre
de obrigatoriedades quotidianas, era dedicar-se à sua arte - «Oh! Da minha arte! Vocês sabem lá o que eu
sonho às vezes – o que eu quisera realizar! Mas não posso! A vida não deixa!
Sou um profissional! Não passo d’um fabricante de desenhos…»
Os desenhos foram, afinal, a sua obra, apesar de ter
sido um dos fundamentais pioneiros da banda desenhada em Portugal; de se ter
dedicado à ilustração para crianças; se ter dedicado à aguarela e pastel sobre
a cidade de Lisboa quando havia tempo e dinheiro para os materiais; apesar de
se ter dedicado a múltiplos géneros de criação artística com diferentes
materiais. Afinal é no desenho que a sua obra possível de génio se exprimiu
melhor.
Os estilos que se conjugam em Stuart são múltiplos e
tão variados quanto os fins visados. Porém, ao tentarmos encontrar uma
constante na sua obra, deparamos com as linhas, com o gesto único stuartiano
que corria na sua espontaneidade. A colaborar neste traço, muito seu, havia o
célebre «pau de fósforo», que ele preparava com os dentes ou com um navalha, e
que deram às obras dois géneros diferentes de obras, pois diferentes foram
também os materiais utilizados, e que definem o «verdadeiro» estilo stuartiano.
Géneros que não são definidos por temáticas particulares, mas sim por um
utensilio específico – o primeiro é o desenho a tinta-da-china, o segundo é o
desenho a tinta de… café, graxa, remédios, cinza de cigarro, carvão… materiais
que ele apanhava à mão, criando as obras mais belas do seu traço inconfundível.
Ele não cultivou a arte em investigações estéticas de
atelier, ou deambulações ideológicas de tertúlias intelectuais, ele foi apenas
um artista que se exprimia de uma forma a que chamam arte: «A arte, na minha opinião, é uma mulher como
as outras. Quem pode gabar-se de perceber alguma coisa de mulheres? Cá por
mim…»
Quem era o Stuart?
«A sua cabeleira revolta -
descreve-o Joaquim Manso – carregada de
feitiços, agitada como a rama de um pinheiro, devia ser o Sinai da sua glória,
a auréola que as musas lhe beijariam, nas horas divinas de inspiração. Stuart,
porém, deixa-a andar à solta, em busca de um ponto cardeal, que ele descobre –
visionário! – quando está de lápis em punho, mas nunca com o auxílio de um
pente.
/…/ Stuart em
certas manhãs de desalento, aparece apagado, murcho, desarticulado, decapitado
– nas solas dos sapatos, mil léguas do Sara… É a sua maneira de assistir ao
funeral de uma sua ilusão.
Morre uma das
tuas quimeras – ó caminhante da amargura!
Resolve,
então, partir para o Rio de Janeiro, para Paris, para o Telhal, para a noite de
Walpurgis ou para o Taiti».
No dia 2 de Março de 1961, partiu como um traço que se
esfuma, como um pau de fósforo sem fogo, nem tinta que o alimente. Morreu um
homem, ficou uma obra.
Pode-se, como acabei de fazer, escrever muitas
palavras sobre a sua vida e existência, muitas especulações sobra a sua
mensagem, e todos sabemos que todas elas são falsas, pois não passam de
teorias. Mas, quando do arquivo bolorento se desenterram os desenhos, que os
fazemos reviver pelo desfrute do público, então sabemos que o Stuart Carvalhais
ainda não morreu, e que a sua arte, como humorista e artista, está acima de
qualquer suspeita.