Thursday, December 10, 2020

Caricaturas Crónicas - «As origens e a caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 6/4/1986)

As primeiras experiências de ilustração satírica em Portugal têm, seguramente, proveniência estrangeira – como, de resto, aconteceu com todas as modas artísticas, filosóficas ou políticas.

 

O aparecimento da caricatura (como arte do grotesco e exageração crítica) perde-se na noite dos tempos, e em Portugal pode-se encontrar esses vestígios na arquitectura, nos azulejos, na cerâmica, na poesia… O azulejador popular, que costumava decorar as suas obras com figurações imitativas, dá liberdade à sua fantasia, ridicularizando o dia-a-dia do seu semelhante. O iconógrafo dando liberdade à sua faceta trocista e brejeira, torna-se caricaturista.

Na prosa e poesia portuguesa, encontramos primeiramente o escárnio e arte de mal dizer, seguindo-se a sátira caricatural, principalmente a partir da formação das Academias, onde se cultiva a arte do jocosério.

Os folhetos de cordel e Papeis Volantes recriam essa arte, sendo cada vez mais jocosos, e cada vez menos sérios, espalhando-se pelas camadas menos letradas. Os primeiros folhetos apareceram em 1730, com o «Folheto de ambas Lisboas», aparecendo também gravuras, desenhos satíricos, cuja intenção caricatural é incontestável no comentário à política nacional, mas, apesar de estarem adaptadas, são de autoria de artistas estrangeiros. Contudo, será português o desenho que aparece colado ao muro de paço da Bemposta (1808), aquando da fuga de D. João VI para o Brasil, e onde se via o rei de pernas tortas e cornudo, sendo insultado pela nação miserável abandonada.

As primeiras experiências de ilustração satírica em Portugal, nessas primeiras décadas de oitocentos, têm proveniência estrangeira – como, de resto, aconteceu com todas as modas artísticas, filosóficas ou políticas.

Pode-se dizer que a caricatura, como arte gráfica nasceu em grito de liberalismo, antes deste existir. Com a sua implantação, com a abertura de tolerância, a caricatura terá uma maior propagação.

Um dos primeiros entraves é que a gravura era ainda uma arte incipiente no nosso país, quase ignorada pelos artistas plásticos, mal apreendida pelos nossos técnicos tipográficos, vivendo apenas da adaptação de obras estrangeiras ou da exploração da veia satírica popular.

Essa tradição popular crítica, que como já dissemos, já existia na azulejaria, na cerâmica, nos folhetos de cordel… insuflou-se com a luta contra o absolutismo recalcitrante, com os ventos liberais e luta entre as diferentes facções que procuram o poder. Uma inspiração grosseira, porque verdade crua, mas também ordinária, violenta, panfletária, por se aliar às instigações políticas de luta pelo poder e destruição dos adversários. No fundo, uma representação realista do jogo político praticado na altura, representação da falta de maturidade de um país a despertar para um parlamentarismo dialogante, para o século XIX, o século da revolução industrial e social.

Uma violência crítica que, perante a violência da nossa política, a instabilidade do regime e das liberdades de pensamento conquistados pela revolução, obrigou os seus criadores ao anonimato, ou pela utilização de pseudónimos. Dessas caricaturas incipientes assinadas por Maris, Affonso… destacam-se as de Cecília.

Cecília, que seguindo o estilo de seus companheiros (não seria ele a assinar também como Maria, Affonso…?) na utilização do retrato realista, como identificação inconfundível, adossado a estruturas alegóricas ou antropomórficas, consegue um nível técnico, satírico e artístico que o destacam nesta produção. Da sua verdadeira identidade só temos o seguinte relato de Palmeirim («Os Excêntricos do meu tempo»): «O auctor das caricaturas era geralmente conhecido pela designação do Pinta Monos, com que o próprio redactor do suplemento chrismara o seu colaborador. Não me recordo n’este momento do nome do Pinta Monos, mas só me lembro de que era um rapaz triste, doentio e já então em princípio da tísica pulmonar que mais tarde o levaria à cova».

Os jornais políticos com ilustrações caricaturais iam-se sucedendo, aparecendo e desaparecendo consoante os momentos políticos, numa evolução que foi apaziguando os ânimos violentos da política, para haver uma maior preocupação de moderação crítica e evolução estética.

Essa evolução proveio de uma nova concepção filosófica da arte. Acabava o período da pré-história da caricatura portuguesa.


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