Saturday, February 06, 2021

Caricaturas Crónicas: «Francisco Pacheco – uma breve vida Teatral» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 20/5/1989

 Saber tudo é o desejo de qualquer especialista, mas nem sempre isso é possível neste mundo, que nos submerge de informações. O caricaturista Aniceto Carmona por várias vezes me tinha chamado a atenção para as caricaturas que decoravam o cine-teatro Politeama, e qu eram assinadas por um desconhecido meu, um tal Pacheco.

Graças ao apoio do Aniceto Carmona, aqui fica a redescoberta de um autista de grande qualidade, que não teve tempo de se impor categoricamente na história da arte, pois morreu com apenas 25 anos.

Francisco Pacheco é algarvio, natural de Lagos, onde nasceu em 1923. Diz-se que, desde tenra idade, o seu espírito satírico farpeou amigos e professores, no seu mundo limitado. Como quase todos os mancebos, o horizonte de convivência e de oportunidades foi rasgado com a mobilização para o serviço militar. Pacheco veio para Lisboa, sendo colocado nos Serviços de Cartografia do Exército.

Aproveitando as potencialidades que Lisboa lhe dava, inscrve-se no curso nocturno da Sociedade de Belas Artes e procura introduzir-se no mundo da imprensa, com as suas caricaturasm possuidoras já de um traço firme e pessoal.

Estava-se no início dos anos quarenta, e os seus trabalhos podem-se descobrir na imprensa não diária, como é o caso de «Filmagem, Mosquito-Magazine», «Vida Mundial Ilustrada», «Século Ilustrado», «Universo», «Animatógrafo, «Bomba»…. Paralelamente, fez caricaturas para livros de fim de Curso, «postais-brinde» para as caixas de bombons da “Favorita”, programas do cinema Politeama…

As suas colaborações, tanto nos periódicos como nas actividades paralelas, iam-se especializando no mundo do cinema e do teatro. Amarelhe, o mestre da caricatura teatral ainda era vivo, mas encontrava-se já doente e a retirar-se do meio. Pacheco aproveitou esse espaço aberto, entrando em força com um novo alento gráfico no mundo teatral pela mão do empresário Piero Bernardon, para quem fez anúncios, cartazes…

Desenhador na linha de Amarelhe, com influências do modernismo sintético e das correntes caricaturais hollywoodescas que entretanto se publicavam na imprensa internacional, ele desenvolverá a caricatura policroma como uma «invasão» da caricatura-charge no retrato, na galeria das artes maiores. São exemplo disso os vinte quadros que decoravam o Politeama com «astros» da época.

Pacheco impôs-se rapidamente no meio artístico e, passados cinco anos de ter chegado a Lisboa, já era um dos caricaturistas  mais bem pagos e requisitados. Os convites vinham de todos os lados, e um, vindo de Lourenço Marques, cativou-o, por ser bastante rentável, aliado a interesses familiares já lá radicados. Partiu então no verão de 1947 para as terras africanas.

O artista, que sofria dos pulmões, não suportou a mudança climática, caindo enfermo, e em Outubro de 1948 morre Pacheco, com apenas 25 anos de idade, mas deixando já em herança uma obra significativa.


Friday, February 05, 2021

Golpe militar em Mianmar: o que ocorre no país onde foi presa a prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi


 Desenho de Shahid Atiqullah 


Thursday, February 04, 2021

Caricaturas Crónicas: «Zé Oliveira, um ”broncas” na Lousã» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 9/4/1989

 O «gozo» do investigador é, sem dúvida, a descoberta, mais não seja daquilo que todos os outros sabiam, e só ele, tal como o marido, ignorava. É o caso da minha maior descoberta de 1988, no Salão Nacional de Caricatura – Porto de Mós, personalizada num humorista gráfico de grande qualidade a trabalhar na imprensa regional, nomeadamente no jornal «Trevim» da Lousã, «Região de Leiria» de Leiria…e que afinal já «toda» a gente o conhecia.

Uma das grandes características do Zé Oliveira, comum à maioria dos humoristas, é a grande humildade, que quase pede desculpa por ser humorista: «Por favor, não leve muito a sério a minha actividade gráfica! Não estou a “armar” em falso modesto, mas a verdade é esta: se eu tenho alguma qualidade que assuma, ela é ter um razoável sentido de autocrítica. Sei o que vale ou não vale aquilo faço, e sei quanto “não vale” aquilo que não evolui, por falta de continuidade, o mesmo é dizer: por falta de coragem de assumir uma carreira vocacional».

Jossé Freire de Oliveira é filho de ferroviários, e por isso, a sua infância foi de andarilho deste país, sem tempo para criar raízes: «filho único, não tendo sequer rádio em casa, nem garotos da minha idade por perto, ou brinquedos, tinha que cuidar de me entreter com qualquer coisa. Deglutia, então, os bonecos do “Janeiro”, risco por trisco, e tentava reproduzi-los».

«Aos 13 anos fui morar para Miranda do Corvo (entre Coimbra e Lousã, a 8 km desta última) onde vivi até aos 21 anos. Acabado de chegar a uma vila, vindo de uma aldeola transmontana, tendo que fazer os amigos que não tivera tempo de criar, tentava afirmar-me mediante o processo mais simples e mais barato: fazer bonecos. Aí, privei de muito perto com um garoto, uns 3 anos mais novo que eu, com quem irmanei o gosto pelas aventuras da comunicação. Teve alguma influência no desenvolver da minha componente gráfica o facto de crescer lado a lado com outro entusiasta da comunicação».

Foi pela experiência, pela influência que a sua paixão se desenvolveu. Uma pessoa que o orientaria, através de cartas, já que acabaria por nunca oconhecer pessoalmente, seria o caricaturista Aniceto Carmona. «Influências? Apreciava muito a “parada da Paródia” – pelos desenhos e pelos textos – e dividia o meu apreço pelo traço (aparentemente) fácil do Agusto Cid, pela elegância das garotas desenhadas pelo precoce Zé Manel, pelo humor e vigor do traço do Vitor Milheirão, pela sobriedade de um Machado, que, se bem apareceu, melhor desapareceu, pela novidade dos bonecos do iniciado Agostinho (Vasco), etc.  Não esquecendo a louca mordacidade de Gustavo Fontoura ou as pormenorizadas encenações de João Benamor…»

Assim nasceu um desenhador que publicou os seus primeiros desenhos na revista juvenil «Zorro», passando depois pela «Flama», «Ridículos», «Magazine», «Capa e Batina», «Barraca», «Brincalhão», «A-Z», «Pé-de-Cabra», «Jamba» (Fanzine criado em Angola no âmbito militar)… «O que eu fazia eram bonecos sem profundidade crítica. A minha verdadeira consciência do papel social da caricatura, só tarde terá ficado amadurecida. Eu pertenço àquela geração de filhos da ditadiura que aprenderam a fazer bonecos à medida das malhas da censura. Embora eu reconheça que nos dava muito gozo tentar forçar a malha, num jogo de entrelinhas subentendidas em cumplicidade com o leitor. Talvez essa encenação de compita entre o gato e o rato, que nós e os censores protagonizávamos, acabasse por, em si mesmo, conter uma grande carga de humor, de ridículo. Vistas as coisas assim, seria mais fácil fazer humor e mais necessário, antigamente».

«Imediatamente após o Abril de 74, compeli-me a ensaiar o recomeço, pois estava graficamente inactivo. Mas a verdade é que não fui capaz de fazer humor em plena liberdade. Eu não sabia, nunca tinha aprendido. Sá há 3 anos (creio) me atrevi a (re)pegar nas cabetas, para desenhar uma coisas apressadas para o jornal «Trevim», da Lousã, a troco do simples prazer de desenhar. «Trevim», onde escrevo há 21 anos (com uma ou duas intermitências) desde o nº2».

Foram esses trabalhos “apressados” que me entusiasmaram no Salão Nacional de Caricatura, um traço poderoso a retratar o país através do humor local. Os problemas que se desenvolvem na província, e que são satirizados pelos humoristas da imprensa regional, mais não são que miniaturas dos problemas do país, portanto iguais. De todas as formas também a política da capital tem que ser por vezes alvo das suas críticas, porque «desengane-se quem, na capital, porventura, suponha ter em Lisboa as melhores meninges lusitanas.

Lisboa é uma metrópole, um cocktail. O Portugal autêntico, genuíno é cá fora. O Portugal de Lisboa, está carente de identidade, na medida em que a que ostenta não é verdadeiramente lusitana. Inclusive na política».

«Embora alguns idos do país autentico, os políticos da primeira divisão não são Josés. Falta ainda muitas gerações para que sejam. Muitos são Franciscos, bastantes são Antónios; vai havendo, por enquanto, um ou outro Aníbal ou Diogo e coisa assim, mas – decididamente – não há Zés que chegue à Presidência da república. Primeiro-Ministro, Ministro ou Secretário-Geral do Partido, Os Zés começam a aparecer a nível de Secretário de Estado e daí para baixo».

«O Zé – já Bordalo o profetizava – não passará da cepa torta da política. As cadeiras de Lisboa estão-lhe inacessíveis. É assim. Estatisticamente comprovável. E não é por acaso, embora o acaso tenha as costas largas. É uma questão de antropologia? Quase…»


Wednesday, February 03, 2021

Caricaturas Crónicas – Orlando – um caricaturista em Coimbra» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 12/2/1989

Orlando Noronha prefere ser encarado como um retratista intervencionista, em que os traços são apenas o meio de fixar a expressão verdadeira do retratado. Discípulo de Pastecca, procura a essência da imagem no papel branco.

 

Recentemente, viajei ao centro do país para proferir uma conferência sobre humor. Nesse encontro, promovido pelo jornal «Trevim» (a convite do caricaturista José Oliveira), estavam pessoas interessadas em humor, e naturalmente caricaturistas. Um deles, que eu não conhecia, passou o tempo todo a esboçar, em traços rápidos, mas eficientes, a caricatura das pessoas que assistiam. A única que não conseguiu, eficaz, foi a minha, talvez por timidez ou desprezo por intelectuais do humor

(Os dados que vou fornecer nesta crónica foram recolhidos durante a conversa com o Orlando depois da conferencia, mãos os recolhidos pelo caricaturista Zé Oliveira que o entrevistou nessa altura para o jornal «Trevim», da Lousã, onde estávamos).

Orlando, de nome artístico, é um caricaturista espontâneo que, por entre os desenhos, a boémia estudantil, vai colecionando cadeira por cadeira no edifício de Direito, objectivo inicial da sua vinda para Coimbra, cidade que o fez descobrir a arte do exagero feito estética.

Orlando Noronha nasceu nos Açores – Ilha Graciosa) a 27 de Janeiro de 1955. Aos 20 anos veio para Coimbra estudar Direito, mas o seu percurso estudantil entortou-se, sem contudo nunca desistir de se «endireitar» ao longo destes 14 anos que, em princípio, findam neste Fevereiro, com a conclusão da última cadeira. Poderá então queimar o grelo (creio eu, que de praxes não sei nada) e assumir a titularidade de sr. Dr.

A caricatura não foi um vício que nasceu com ele, mas uma «enfermidade» continental que apanhou: «Foi em Coimbra que comecei a desenhar caricaturas, creio que pela simples razão de que lá na ilha vivi sempre num meio em que as caras não me eram estranhas. Quando vim para Coimbra, estudava-se mais nos cafés do que agora, e como tinha sempre um lápis à mão, inadvertidamente fui começando a caricaturar os rostos. O círculo de amigos foi-me incentivando – “Ó pá, isso está parecido”, e tal – e eu fui-me aperfeiçoando».

Após este «debute», o grande salto deu-se pela necessidade de ganhar uns trocos (entretanto a mesada paternal foi encolhendo perante tanto chumbo), durante as férias de verão, no Algarve: «Como não tinha jeito para roubar, mas precisava de comer, foi aí que perdi o medo de fazer caricatura à frente das pessoas». A partir de então as suas «vítimas» preferidas passaram a ser os estudantes de Coimbra (para os Livros de Curso), os veraneantes da Rota do Sol, do Algarve… «não gosto de caricaturar as pessoas que todos caricaturam, como os políticos e outras celebridades».

Orlando não é, até agora, um caricaturista de jornais, apesar de desenhar para a revista «Briosa» da A.A.C. alguns cartoons. É um caricaturista coimbrão e, como tal, um ser especial dentro desta arte. Ser caricaturista em Coimbra é mais um estatuto que uma profissão, é o senhor detentor da irreverência, do grotesco, um poder temível, mesmo nos meios de irreverência latente: «Ser caricaturista em Coimbra claro que é diferente do que sê-lo num outro sítio qualquer. A caricatura pessoal tem ali um mercado próprio, que se limita praticamente às solicitações das Queimas-das-Fitas e correspondentes livros de fim de curso. O caricaturista em Coimbra vê também o seu trabalho um pouco coarctado pelo facto de as pessoas cultivarem um bocado a sua imagem. Vemos limitada a nossa margem de utilização do humor. Aquilo que nós desenhamos nem são rigorosamente caricaturas, mas sim retratos grotescos».

Na conversa, Orlando por várias vezes rejeitou a possibilidade de ser encarado como um humorista, preferindo ser um retratista intervencionista, em que os traços são apenas o meio de fixar a expressão verdadeira do retratado. «Discípulo» de Pastecca, procura a essência da imagem no papel branco. «O essencial – escreveu Pastecca – é, pois aquilo que diferencia um ser humano de outro. E o que diferencia um ser humano de outro, de modo substancial não é um centímetro a mais ou menos de nariz: é a sua maneira de rir, a sua maneira de falar com os demais, a sua maneira de olhar…» E Orlando, na sua caricatura, é isto mesmo, um captador de instantâneos, que descobre no rosto a expressão de um ser, aliada a um traço vigoroso, mas simples.

Orlando, um caricaturista de Coimbra, um artista amadurecido na sua arte, pronto a levantar para mais altos voos. Para onde irá ele, findo o Direito?

 

PS. Sim Orlando Noronha terminou o curso, fazendo-o em 18 anos, ou seja fez dezoito anos de boémia coimbrã, com um curso de direito de fundo. Após este encontro na Lousã, Zé Oliveira, Orlando em parceria com, o também caricaturista de Coimbra, Eduardo Esteves, formamos um quarteto que andou pelo país a desenvolver o que seria posteriormente baptizado como Festas da Caricatura, uma fórmula de dinamização e divulgação da arte da caricatura (onde está é explorada em toda a sua exageração grotesca e humorística) e que hoje se tornou moda, não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo, mas que na altura ninguém fazia.


Tuesday, February 02, 2021

International Cartoon Competition and Exhibition on Road Safety, Malaysia, 2021


This event is organised by the Malaysian Institute of Road Safety Research (MIROS) in collaboration with the Balai Kartun Rossem (BKR), Malaysia.

Eligible participants: The competition is opened worldwide, aged 18 and above.

Theme: Towards Safer Roads

Road crashes is one of the leading causes of deaths around the world. Every year, about one 1.3 million people are killed while many others are injured or become permanently disabled as a result of road crashes. Road deaths and injuries are considered as one of most pressing public health issues, especially in low and medium income countries. This needs to be addressed through enforcement, engineering (for road infrastructures and vehicles) and education.

One way to educate the road users is through road safety advocacy with creative and effective use of campaign materials, including cartoons. Generally, among the cause of road crashes are poor road infrastructures (such as mixed traffic, unsafe road design, poorly maintained roads); unsafe vehicles (too old or poorly maintained); and poor behaviour of road users (such as untrained/unlicensed drivers, inattention as a result of using mobile phones or other devices; driving under the influence of drugs or alcohol, speeding, not wearing protective devices such as seatbelts, child seat or helmet).

To be safe, every road user should always be aware of traffic rules and regulations, keep the vehicles safe through regular maintenance, and consider the safety of every other road users. Road safety is a shared responsibility.

Technical Criteria:

• All artworks to be prepared at 300 dpi.

• Size A3 (297mmx420mm) in JPEG format.

• Entries: Max. 3 cartoons.

• Submitted works can be in colour or black and white, in any style or  technique.

 • Submitted works must not violate copyright laws.

• By virtue of submitting an entry, the participant certifies the work as his own and permits the organizer to have full rights to reproduce all or a part of the entered material free of charge for publications and/or display for exhibitions.

Submission: Send your cartoons and your CV (Name - Address - Phone number - Email address) via the following e-mail address:    rossemcartoon@gmail.com   yusofghani@miros.gov.my

Deadline: March 28, 2021

Exhibition: All participants whose works will be exhibited will receive a digital catalogue and a digital certificate of participation.

First prize : RM1,500.00

Second prize : RM1,200.00

Third prize: RM1, 000.00

3 x Consolation Prizes: RM 500

Jury’s decision is final.


Caricaturas Crónicas: «João Martins – o humor antes e depois de Abril» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 26/2/1989

 Foi um dos maiores humoristas do desporto e por vezes até utilizava os acontecimentos desportivos para veicular a crítica política.

 

Decorriam os anos cinquenta, quando era cada vez mais difícil fazer humor, já que os dinossauros tinham descartado quaisquer pretensões de esquerda ou de direita de levar este país no caminho da modernidade (ou modernismo).

Neste momento cinzento, um ou outro periódico humorístico pontuava o quotidiano com o riso possível, a tira-linhas e entrelinhas. Era o caso do «Mundo Ri», onde um dia o seu director, António Gomes de Almeida, recebe anonimamente umas tantas caricaturas dos grandes do desporto de então. Habituados a mistérios, publicaram os trabalhos, surgindo então da penumbra da humildade o João Martins, a propor continuação de colaboração.

João Martins é um algarvio de Portimão, onde nasceu a 7 de agosto de 1928. Aos 14 anos vem para Lisboa, completando os seus estudos na Escola Agrícola da Paiã (Odivelas). Nesse âmbito profissional acabaria por se empregar na Câmara Municipal de Lisboa, como chefe de Jardins (Zona do Campo Grande), e mais tarde como capataz na Roça Maurício de Brito, em Angola (num curto espaço de tempo).

A imagem que ele deixou, foi a de um homem humilde, mas pleno de graça. Carlos Pinhão escreveu mesmo que ele «abusava do direito de ser discreto, tímido, retraído nos contactos pessoais no dia-a-dia». Porém, a sua mulher, Margarida Martins, acrescenta: «Era introvertido, mas quando ganhava confiança era brincalhão, tinha sempre anedotas para contar».

O desenho humorístico, inato, começou a desenvolver-se no «Mundo Ri», prosseguindo depois no «Record», «Mundo Desportivo», «Parada da Paródia», «A Bola», «O Diário»… Nesta deambulação, foi acompanhado de perto por António Gomes de almeida que o levaria também para a empresa «Regisconta» (produtos de escritório onde AGA era director de marketing e comunicação), como gráfico, depois para os Parodiantes de Lisboa, como colaborador da «Parada da Paródia» (onde era o director do jornal) e da Agência de Publicidade dos Parodiantes. Ou seja, foi pela sua mão que Martins se desenvolveu no humor gráfico e entrou no mundo da publicidade.

Nesse campo, ele conquistaria também a notoriedade no universo dos desenhos animados, animação fotográfica, spots, cartazes… Um anúncio que ficaria como um clássico foi, por exemplo, o «Pois, pois, J. Pimenta». Trabalhou também para a Casa Valentim de Carvalho, Tele-Cine, Telefilm Mor…

Entretanto, tinha abandonado a CML, dedicando-se totalmente às artes gráficas, desmultiplicando-se em muitos empregos, numa azáfama enorme, e sem um ordenado fixo ao fim do mês, sem previdência…

Um local onde poderia ter entrado para os quadros da empresa, se a profissão de caricaturista tivesse um estatuto de jornalista, era em «A Bola», onde trabalhou durante cerca de 25 anos, dando-lhe uma força de intervenção em «bonecos» inesquecíveis, dando-lhe um grafismo que ainda hoje permanece. O último desenho que ele criou, foi para «A Bola».

Ele foi um dos maiores humoristas do desporto (e não só), utilizando por vezes os acontecimentos desportivos para veicular a crítica política. Se ele o fez, por vezes, no antes de Abril, no pós ele assumiria ao extremo a sátira política, como uma voz do povo, como um olhar da esquerda reivindicativa. Foi então que nasceu a sua personagem mais célebre, o Chikoboné que retrata «a sua experiência de cidadão comum» no quotidiano difícil que é a vida do povo. Ele é o Zé-Povinho dos anos revolucionário, mas um Zé desperto e não tão dormente como o de Raphael. Dizem que até a própria figura era o retrato de João Martins, ou seja, entrega total do artista em imagem e experiências no humor.

Ele empenhou-se profundamente na Revolução de Abril, assumindo o grito mais profundo das queixas, do sofrimento popular, ao ponto de diversos jornais estrangeiros «citarem» os seus desenhos como as melhores «crónicas» da realidade portuguesa de então (e de agora?). Este empenhamento custar-lhe-ia caro, como a muitos outros, no período depois do entusiasmo revolucionário do país.

O seu traço, bem característico da sua personalidade artística, é fruto das correntes estéticas dos anos sessenta, o modernismo de «linhas quebradas», conjugando com o grafismo «pop» e uma certa abstração da linha, nunca perdendo o essencial do naturalismo, como elemento de identificação e de melhor leitura do público. O humor é simples, directo e incisivo, assumindo-se como um dos artistas mais importantes dos anos sessenta e setenta do humorismo português.

Viria a morrer em Setembro de 1981. Nesse mesmo ano a editora Caminho editou um álbum que testemunha as suas grandes qualidades gráficas e humorísticas, numa antologia breve da obra imensa que criou.

Um outro livro que ficou como símbolo de beleza, poesia e humor, é a «Bicharada de Abril» feito em parceria com o Carlos Pinhão.

João Martins, um artista que certamente está ainda na memória dos leitores de jornais deste país.


Monday, February 01, 2021

Caricaturas Crónicas: «Teixeira Cabral – o mestre da caricatura-síntese» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 4/12/1988

Apesar de ser um dos artistas geniais deste século, poucos o conhecem e raros livros de arte se referem à sua obra – apenas porque só fez a «vil arte» da caricatura.

 

Na geração do «Sempre Fixe», onde se evidenciam os artistas ligados ao traço-síntese, destaca-se um dos mestres da caricatura deste sáculo, pela sua vanguarda e ousadias quase abstratas – António Teixeira Cabral (Funchal, 29 de Janeiro de 1908 - Lisboa, 1 de Julho de 1980).

Madeirense de gema, filho de uma família da alta burguesia comercial, Teixeira Cabral nasceu na capital da ilha da Madeira e sobre a sua infância ou adolescência quase nada se sabe. As primeiras notícias que nos interessam datam de finais dos anos 20, quando ele chega a Lisboa em busca da liberdade, da boémia.

Entretanto, há um luso-brasileiro que, ao chegar a Portugfal, se transforma em caricaturista, explorando a caricatura-síntese, recuperando as experiencias de um Celso Hermínio, ou de um Correia Dias, entretanto já esquecidas. Esse artista é o Tom, ou Thomaz de Mello, que seria também o grande orientador da linha estética de Teixeira Cabral. Seria também este artista que organizaria a primeira exposição individual de caricaturas de Teixeira Cabral, na sua Galeria U.P., em 1934 (já tinha participado em 1929 numa outra exposição que lhe tinha aberto as primeiras portas, mas essa seria colectiva), consagrando-o definitivamente como um mestre do modernismo.

Teixeira Cabral vivia de uma mesada dos pais, a qual era exígua para as suas necessidades boémias, para o seu descontrolo económico. Por essa razão, lança-se na profissão de colaborador de jornais, começando pelo «Sempre Fixe» em 1928, seguindo-se o «Re-Nhau-Nhau» (do Funchal 1930-1934), «Kino» (1930), «Cinéfilo» (1930), «Ilustração» (1930 - 1934), «Diário de Lisboa» (1931 - 1932), «O Século» (1931), «Notícias Ilustrado» (1931-1933), «Girassol» (1931), «Diário de Notícias» (1932-1938), «Diário de Lisboa : edição mensal» (1933), «Diário de Coimbra» (1933), «Semana Portuguesa» (1933-1936), «Novidades» (1934), «O Diabo» (1935), Dominó (1935), «Acção» (1941), Açores-Madeira (1958), «Diário Popular» (anos 40-60), «Revista de Angola» (anos 70), «Autores : boletim da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses» (anos 70)…

Creio que ele foi caricaturista mais por necessidade de sobrevivência do que por desejo, o que influenciaria a sua forma de estar nas artes. Ele tinha o poder da linha, como poucos, o controle da síntese caricatural explorando as vanguardas das artes até ao abstracionismo, mas isso não impediu de se sentir humilde junto dos colegas de profissão, como o Stuart, Almada, Botelho, José de Lemos, Baltazar… de se sentir pequeno perante as figuras que tratava, impedindo-o de explorar essa abstração para alem das linhas caricaturais, prescindindo por vezes dessa especificidade do traço, por comodismo, por comercialização mais fácil do seu trabalho.

Símbolo dessa postura perante a vida é a sua assinatura, um pigmeu com uma bandeira iconográfica a saudar o caricaturado. Era como se ele devesse sentir-se honrado pelo caricaturado ter permitido invadir o seu visual, quando deveria ser este a sentir-se orgulhoso  por ter chamado a atenção do mestre da caricatura.

Cultivou a caricatura-síntese não como um esboço, ou um contorno, mas como um trabalho de laboratório. De início, tomava alguns apontamentos, os quais ia trabalhando até conseguir apanhar os elementos básicos, aqueles que por si só são identificadores, sem necessidade do supérfluo. Teixeira Cabral conseguiu, por vezes, levar a síntese até ao limite máximo da abstração figurativa, e quase se poderia dizer que ele é i primeiro Abstracionista da segunda geração modernista.

Era por vezes um insatisfeito, e raramente considerava as obras como terminadas, o que não o impedia de, muitas vezes, despachar as encomendas de uma forma grosseira, naturalista, de uma fraca qualidade. O seu trabalho acabou por ser desigual, e tanto podemos encontrar caricaturas classicizantes, próximas à linha do Valença-Amarelhe como a síntese extrema, o limite da vanguarda desses anos 30/40. Naturalmente, as obras mais ousadas, foram as que acabaram nas salas de exposição, sendo as outras as despachadas para a imprensa.

O «Diário Popular», na notícia necrológica, apresenta-o como um indivíduo «ferozmente independente, desafecto a tudo o que fosse revelador da mais ligeira sombra de tutela; cultivando uma boémia de espirito fin-de-siéccle e a amizade como flor rara, Teixeira Cabral viveu, frequentemente, com extremas dificuldades, mas sempre manifestando uma bem humorada indiferença pelos prestígios fáceis e uma recusa obstinada em lamentar-se».

A imagem mais divulgada é a de um boémio, que levou o alcoolismo a extremos que o Stuart não atingiu. O Aniceto Carmona, seu amigo e durante algum tempo seu discípulo, diz-nos: «Ele não queria trabalhar, fazia apenas o necessário. Quando tinha dinheiro chegou a dar guarida ao Almada Negreiros em sua casa, depois com a miséria, por vezes tinha que fugir sem pagar os quartos, deixando as suas coisas, os originais… Uma vez deram-lhe uns sapatos apertados, e lá andava ele a cambalear, a sofrer, porque não tinha dinheiro para sapatos novos. Por vezes ia aos hotéis, congressos, e então ganhava uns dinheiros largos, que logo desapareciam».

Tal como muitos outros artistas portugueses, Teixeira Cabral viveu a miséria cultural do país, e morreu quase na miséria (amparado por uma irmã) em Julho de 1980, esquecido e ignorado pelo Poder, pela intelectualidade. Apesar de ser um dos artistas geniais deste século, poucos o conhecem e raros livros de arte se referem à sua obra – apenas porque só fez a «vil arte» da caricatura.


Sunday, January 31, 2021

Caricaturas Crónicas: «Baltazar – um mestre caricaturista» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 8/12/1988

 Um clássico, um mestre que domina a técnica do retrato-charge num estilo simples, em que a «charge» não é um gesto de raiva, mas apenas uma expressão de jornalismo actuante.

 

Antigamente, para se ganhar o título de mestre, era necessário passar por várias fases, várias provas laborais, e só depois de ter subido os vários degraus da arte, do quotidiano, poderia então ambicionar o título de mestre. Hoje, por vezes sem qualquer experiencia, apenas com um canudo debaixo do braço, muitos há que reivindicam a mestria. Não é este o caso de que vou falar, um artista que ganhou a pulso todo e qualquer título que se possa ambicionar, apesar de apenas ter a quarta classe, apesar de ele apenas querer fazer o seu trabalho calmamente.

Devido a esta forma de estar, sociável, mas afastado, simpático, mas desconhecido, me dificultar muitas vezes o escrever sobre a vida dos nossos humoristas, mortos ou vivos. É que não abundam as referências biográficas sobre a maioria destes artistas, que muitas vezes eram simples indivíduos que passavam pelas redacções dos jornais a vender os seus desenhos e a levantar o seu dinheiro, sem qualquer outro vínculo ou intercambio com os jornalistas.

Mesmo sobre os que estão vivos, nem sempre é fácil chegar até eles, pois primam pela sua solidão, por não se considerarem importantes para se darem a conhecer, por desvalorizarem a sua obra… Por exemplo, no caso de Baltazar Ortega nunca consegui falar com ele, já deixei convites para participar no Salão Nacional de Caricatura e nunca consegui que ele aparecesse. Espero um dia poder vir a conhecê-lo e recolher mais dados sobre a sua vida, a sua forma de ser.

Porém, isso não impede, desde já, prestar-lhe a minha modesta homenagem e escrever sobra a sua obra, sobre a sua vida, através dos elementos recolhidos em testemunhos dados a outrem.

Baltazar é um mestre da caricatura, de pleno direito, que, como o mestre José de Lemos, é a presença ainda actuante na actualidade da geração do «Sempre Fixe», desenvolvendo-se, aprendendo na mesma tarimba profissional, a par de colegas como Albuquerque (artista sobre o qual nunca consegui qualquer elemento biográfico), Teixeira Cabral, D. Fuas… a par de mestres como Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Leal da Câmara…

Alfacinha da Madalena, Baltazar Ortega conheceu os amargos da vida desde que nasceu, em 1919, numa família pobre. As dificuldades de sobrevivência da família apenas o deixaram estudar até à segunda classe da instrução pública, entregando-o à escola da rua, vendendo jornais como ardina, ou trabalhando como «mandarete» no Café Chiado. Era moço de recados, vendedor de tabaco, mas com uma esperteza inata a lutar pela vida: «Eis então que percebi, pelas festas, o seguinte – se desse aos clientes um ou dois desenhos, com palavras amáveis, as gorjetas eram maiores».

Isso tornou-o notado no meio lisboeta do Chiado, ou seja, no meio cultural e jornalístico, motivando o Leitão de Barros, então director do «Notícias Ilustrado» e descobridor de novos talentos, a contratar Baltazar. O contrato laboral incluía os desenhos para o jornal, fazer recados e obrigatoriedade de prosseguir os estudos

Assim começou a sua carreira, tinha ele 13 anos, há cerca de 55 anos. Desde aí, foi passando por múltiplos jornais e revistas, chegando a marcar graficamente, durante 49 anos o «Século» e seu universo editorial. Hoje continua a desenhar para o «Diário».

Dizem, as más-línguas, que os temas, as piadas não são totalmente suas, antes dadas emn conversas da redacção (como fruto da linha editorial), apanhadas nas leitarias que frequenta, ou nos transportes públicos (excepcional fonte de informação e inspiração para qualquer humorista gráfico sensível e atento), mas ninguém pode dizer que não é sua a arte do traço, da caricatura, da linha incisiva e caústica do humor final. Várias vezes me disseram que houve tempos em que, quando surgia uma nova cara na ribalta do humor social e politico, os outros por vezes só conseguiam fazer-lhe a caricatura após o Baltazar «apanhar» a expressão caricatural.

Baltazar é um clássico, um mestre que domina a técnica do retrato-charge num estilo simples, em que a «charge» não é um gesto de raiva, mas apenas uma expressão de jornalismo actuante. «Não odeio ninguém. As caricaturas mais agressivas que faço são determinadas pelas circunstâncias criadas pelos próprios políticos. Olha: nem sei odiar, esta é que é a verdade».

Os que o conhecem definem-no como um sorriso largo de bondade, que vive com o coração na mão e no olhar. È É com esta tempera que se fazem os Mestres.

 

PS: Felizmente, passados dois anos depois deste artigo acabei por conhecer o Mestre Baltazar, outorgar-lhe o Prémio Especial de Humor/92, integrado no Salão Nacional Humor de Imprensa – Oeiras 1992, assim como publicar um pequeno álbum retrospectivo (com exposição que percorreu várias localidades do país) e prefaciar mais um álbum posterior editado pela autarquia de Ferreira do Alentejo. Baltazar Ortega viria a falecer a 6 de Junho de 2010 em Beja.


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