Thursday, February 04, 2021

Caricaturas Crónicas: «Zé Oliveira, um ”broncas” na Lousã» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 9/4/1989

 O «gozo» do investigador é, sem dúvida, a descoberta, mais não seja daquilo que todos os outros sabiam, e só ele, tal como o marido, ignorava. É o caso da minha maior descoberta de 1988, no Salão Nacional de Caricatura – Porto de Mós, personalizada num humorista gráfico de grande qualidade a trabalhar na imprensa regional, nomeadamente no jornal «Trevim» da Lousã, «Região de Leiria» de Leiria…e que afinal já «toda» a gente o conhecia.

Uma das grandes características do Zé Oliveira, comum à maioria dos humoristas, é a grande humildade, que quase pede desculpa por ser humorista: «Por favor, não leve muito a sério a minha actividade gráfica! Não estou a “armar” em falso modesto, mas a verdade é esta: se eu tenho alguma qualidade que assuma, ela é ter um razoável sentido de autocrítica. Sei o que vale ou não vale aquilo faço, e sei quanto “não vale” aquilo que não evolui, por falta de continuidade, o mesmo é dizer: por falta de coragem de assumir uma carreira vocacional».

Jossé Freire de Oliveira é filho de ferroviários, e por isso, a sua infância foi de andarilho deste país, sem tempo para criar raízes: «filho único, não tendo sequer rádio em casa, nem garotos da minha idade por perto, ou brinquedos, tinha que cuidar de me entreter com qualquer coisa. Deglutia, então, os bonecos do “Janeiro”, risco por trisco, e tentava reproduzi-los».

«Aos 13 anos fui morar para Miranda do Corvo (entre Coimbra e Lousã, a 8 km desta última) onde vivi até aos 21 anos. Acabado de chegar a uma vila, vindo de uma aldeola transmontana, tendo que fazer os amigos que não tivera tempo de criar, tentava afirmar-me mediante o processo mais simples e mais barato: fazer bonecos. Aí, privei de muito perto com um garoto, uns 3 anos mais novo que eu, com quem irmanei o gosto pelas aventuras da comunicação. Teve alguma influência no desenvolver da minha componente gráfica o facto de crescer lado a lado com outro entusiasta da comunicação».

Foi pela experiência, pela influência que a sua paixão se desenvolveu. Uma pessoa que o orientaria, através de cartas, já que acabaria por nunca oconhecer pessoalmente, seria o caricaturista Aniceto Carmona. «Influências? Apreciava muito a “parada da Paródia” – pelos desenhos e pelos textos – e dividia o meu apreço pelo traço (aparentemente) fácil do Agusto Cid, pela elegância das garotas desenhadas pelo precoce Zé Manel, pelo humor e vigor do traço do Vitor Milheirão, pela sobriedade de um Machado, que, se bem apareceu, melhor desapareceu, pela novidade dos bonecos do iniciado Agostinho (Vasco), etc.  Não esquecendo a louca mordacidade de Gustavo Fontoura ou as pormenorizadas encenações de João Benamor…»

Assim nasceu um desenhador que publicou os seus primeiros desenhos na revista juvenil «Zorro», passando depois pela «Flama», «Ridículos», «Magazine», «Capa e Batina», «Barraca», «Brincalhão», «A-Z», «Pé-de-Cabra», «Jamba» (Fanzine criado em Angola no âmbito militar)… «O que eu fazia eram bonecos sem profundidade crítica. A minha verdadeira consciência do papel social da caricatura, só tarde terá ficado amadurecida. Eu pertenço àquela geração de filhos da ditadiura que aprenderam a fazer bonecos à medida das malhas da censura. Embora eu reconheça que nos dava muito gozo tentar forçar a malha, num jogo de entrelinhas subentendidas em cumplicidade com o leitor. Talvez essa encenação de compita entre o gato e o rato, que nós e os censores protagonizávamos, acabasse por, em si mesmo, conter uma grande carga de humor, de ridículo. Vistas as coisas assim, seria mais fácil fazer humor e mais necessário, antigamente».

«Imediatamente após o Abril de 74, compeli-me a ensaiar o recomeço, pois estava graficamente inactivo. Mas a verdade é que não fui capaz de fazer humor em plena liberdade. Eu não sabia, nunca tinha aprendido. Sá há 3 anos (creio) me atrevi a (re)pegar nas cabetas, para desenhar uma coisas apressadas para o jornal «Trevim», da Lousã, a troco do simples prazer de desenhar. «Trevim», onde escrevo há 21 anos (com uma ou duas intermitências) desde o nº2».

Foram esses trabalhos “apressados” que me entusiasmaram no Salão Nacional de Caricatura, um traço poderoso a retratar o país através do humor local. Os problemas que se desenvolvem na província, e que são satirizados pelos humoristas da imprensa regional, mais não são que miniaturas dos problemas do país, portanto iguais. De todas as formas também a política da capital tem que ser por vezes alvo das suas críticas, porque «desengane-se quem, na capital, porventura, suponha ter em Lisboa as melhores meninges lusitanas.

Lisboa é uma metrópole, um cocktail. O Portugal autêntico, genuíno é cá fora. O Portugal de Lisboa, está carente de identidade, na medida em que a que ostenta não é verdadeiramente lusitana. Inclusive na política».

«Embora alguns idos do país autentico, os políticos da primeira divisão não são Josés. Falta ainda muitas gerações para que sejam. Muitos são Franciscos, bastantes são Antónios; vai havendo, por enquanto, um ou outro Aníbal ou Diogo e coisa assim, mas – decididamente – não há Zés que chegue à Presidência da república. Primeiro-Ministro, Ministro ou Secretário-Geral do Partido, Os Zés começam a aparecer a nível de Secretário de Estado e daí para baixo».

«O Zé – já Bordalo o profetizava – não passará da cepa torta da política. As cadeiras de Lisboa estão-lhe inacessíveis. É assim. Estatisticamente comprovável. E não é por acaso, embora o acaso tenha as costas largas. É uma questão de antropologia? Quase…»


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