Saturday, April 25, 2009
25 de ABRIL NO HUMOR
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
(Este texto é o prefácio do catálogo da exposição organizada em 1998 pela Humorgrafe para a Câmara Municipal de Oeiras)
(Este texto é o prefácio do catálogo da exposição organizada em 1998 pela Humorgrafe para a Câmara Municipal de Oeiras)
O Abril de 74 foi a explosão da esperança, após muitos anos de vidas congeladas, onde o Rei da Morte chegou a reinar sob delegação. Chamou-se a esse período Primavera Marcelista, só que o pouco calor desses anos não foram suficientes para deixar sair da terra os frutos da liberdade de pensamento, de expressão, de vida.
Vivemos uma noite de isolamento, onde as vias de comunicação estavam intransitáveis, não devido ao tempo, mas a vontades maquiavélicas, que defendiam o lema "orgulhosamente sós". Vivia-se então de costas para o mundo, divagando entre nevoeiros de Fé, Futebol e Fátima; entre divagações Imperiais e Sebastianistas. Só que o Império não era deste Mundo, e quando a luz surgiu, a múmia desfez-se sob o efeito dos raios da verdade.
O Abril em Portugal era a saudade, o Fado, as Águas Mil, mas bastou apenas uma gota para que toda a face de um país verdejasse, removesse o céu e a terra, e tudo se transformasse de um dia para o outro.
Na realidade, há muito que se esperava a mudança, e vinda do interior. Primeiro foi a investidura de um novo Presidente do Conselho, depois pelas eleições com a abertura a uma Ala liberal, e um Movimento Democrático, só que os dinossauros mumificados do regime não toleravam a ideia de mudança, de evolução... e acabaram por ser derrubados pelos seus guardiães do poder, o Exército.
O 25 de Abril de 1974 foi um golpe militar, sem o ser. Foi uma reivindicação de classe profissional, sem o ser sindical.
Foi um movimento de democracia, sem o ser partidário. Foi uma gota de esperança, que se transformou numa torrente popular, sindical, partidária. 40 Anos de opressão desmoronou-se, sem necessitarem os libertadores de disparar um tiro. O sangue apenas correu, pela última vez pelas mãos dos sequazes da ditadura, disparados pelos PIDES que hoje recebem pensões de reforma, e que nunca foram devidamente castigados e punidos como criminosos que são. É que Abril foi na verdade uma primavera para todos.
É certo, que todas as forças torrenciais são cegas, fizeram-se muitos exageros, castigaram-se psicologicamente e economicamente portugueses que não tinham qualquer crime, para além do de terem sobrevivido, de terem trabalhado e ganho um lugar ao sol económico... mas é a revolução, é a realidade, e quase todos eles já reocuparam os seus antigos postos... Foi uma Revolução que ganhou vida por si só, ultrapassando os próprios dirigentes da revolução, os dirigentes dos partidos na clandestinidade, e criados então. Levou tempo, até que alguém conseguisse dominar plenamente as rédeas da vida galopante de então.
O humor é o sal da vida humana. E quem diz sal, diz mar, praias, sol. Sempre fomos um país de marinheiros, e de anedota.
Corremos mundo, desbravamos novas rotas, encontramos outros povos, outros continentes, fornicamos com as mulheres alheias, e espalhamos a boa nova que tínhamos um império de filhos em cada porto. Não há país, continente que possa afirmar que aí não haja sangue luso, uma palavra portuguesa adaptada ao seu idioma, uma pedra talhada pelo nosso suor. Tal como construímos um império noutros tempos, continuamos a construir como serventes das obras públicas e civis.
Fomos pioneiros da cartografia, das artes de mareagem, de lobbys gays Henriquinos. Fomos pioneiros na arte de catequizar em nome de Deus, e de censurar em nome do Diabo. E nesta dicotomia temos vivido. Sempre fomos bons cristãos, senhores de brandos costumes, obedientes aos impostos e ditaduras. Também temos sido complacentes com o Inferno, deixando as nossas filhas parirem os filhos do padres como afilhados destes, deixando que os imbecis, os incultos se assenhoreiem do Poder do Pensamento, implantando Inquisições e Censuras... Como único consolo ficou-nos a arte da anedota.
Desde muito cedo nos caracterizamos pela Arte de Escárnio e Maldizer, da anedota contada nos esconsos das tabernas, ou sussurrada em casa entre amigos, e desta forma clandestina fomos sobrevivendo, com alegria, fome e saudade. O Liberalismo fingiu libertar-nos das Inquisições clericais e Absolutistas, e nessa primavera de liberdade se desenvolveu, e cresceu o humor gráfico em Portugal, tendo como data de nascimento 12 de Agosto de 1847 nas páginas do Suplemento Burlesco "O Patriota", mas sob pseudónimo de Cecília e Maria, que não era senão obra de um tal "Pinta Monos". Antes já existiam gravuras satíricas, mas por razões que podem ler no meu livro da Historia da Caricatura em Portugal, define-se esta data como o aniversário da nossa sátira gráfica.
Estes Monos transformaram-se em arte, deram crias de bela estirpe estética, ensinaram grandes mestres plásticos a descobrirem o seu caminho, e testemunharam a vida do dia a dia com um sorriso irónico, ou com uma boa gargalhada democrática. Naturalmente houve sempre inquisidores políticos e clericais que procuraram manter a censura, a obstrução à liberdade de pensamento e expressão. Se essa Lei das Rolhas foi dura em diversos períodos, como seja o final de oitocentos, os últimos anos da monarquia, com o Estado Novo o maquiavelismo censório vai refinando, cortando ano a ano os temas possíveis de humor e sátira, para chegarmos ao simples anedotário do bêbado (o vinho dava de comer a um milhão de Portugueses), da sogra (até os censores as tinham), do futebol...
Quando o Rei da Morte do nosso inverno cai da cadeira, renasce a esperança. O Humor dificilmente sobrevivia então, verificando-se então um renascimento plástico com a publicação das obras do Mestre João Abel Manta. O Mestre, não só faz uma revolução plástica nesta arte que nos tempos áureos ia na vanguarda plástica das artes nacionais, como introduz uma nova ironia na sátira, ultrapassando o burlesco revisteiro do simples duplo sentido. Na sua peugada Baltazar, Manuel Vieira, José de Lemos, Zambujal, Martins, Sampaio, Miranda, Fred... Sam... vão abrindo uma frincha de sol crítico no nosso quotidiano...
Ou seja quando se dá o 25 de Abril não se pode dizer que vivíamos no escuro humorístico. Havia já um "Diário de Lisboa", uma "República", um "Expresso"... que já tinham iniciado a revolução do espírito humorístico, de todas as formas a revolução foi um sol que incandesceu, e inclusive cegou momentaneamente toda a população.
Por essa razão vamos encontrar todo o povo na rua, atrapalhando as manobras militares, conquistando os melhores lugares em cima das arvores do Carmo, ocupando terras e fábrica... correndo atrás das últimas tiragens do jornais... e os humoristas deveriam andar no meio de todo esse povo, já que não tiveram tempo de registar o acontecimento em cima da hora, tendo que levar alguns dias para digerirem o que viviam. Os primeiros desenhos só saem a 27, mas em grande profusão a partir de inícios de Maio.
O Abril é uma explosão de liberdade, de comunicação, e de repente encontramos todos aqueles que estiveram calados séculos, por comodismo, ou por imposição policial, a virem para a praça pública ditar as suas sentenças, as suas criticas... O Humor explode. Os caricaturistas exilados regressam no primeiro avião. Siné, o Grande Mestre da Sátira Francesa visita o novo Éden libertário da Europa, e deixa-nos um dos desenhos iconográficos da revolução. O Mestre João Abel Manta é nomeado oficiosamente o iconógrafo satírico da revolução, criando as imagens eternas do MFA em cartaz, e em críticas sociais.
Os artistas que já sobreviviam no humor, dão finalmente asas ao seu humor, aprendendo a rir-se em Liberdade, como é o caso de Fred, Fernando Bento, Zé Penicheiro, Baltazar, Miranda, Manuel Vieira, Frei Sousa, Martins, Vilhena... Alguns destes com a liberdade optam por abandonar pouco tempo depois esta forma de jornalismo/crítico. José de Lemos, que foi sempre um crítico da ditadura, vê-se ultrapassado pela liberdade, e na sua resmunguice satírica, passa a ironizar com os abusos dessa liberdade, parecendo por vezes uma voz saudosista do antigamente. Sam mantêm a sua linha de ironista, de testemunha da sociedade. Artistas exilados, como o Vasco de Castro, que se tinha imposto como um dos grandes da caricatura francesa, disseca-nos o capitalismo, a ditadura, a Pide... como o jovem Brito (que hoje permanece em terras gaulesas a deliciar as páginas do Canard Enchainée). O Augusto Cid, que já tinha publicado desenho de humor anteriormente, medita sobre os exageros dos esquerdismos, obrigando-nos a rir daquilo que por vezes não gostaríamos de rir. O jovem António que tinha iniciado a carreira dias antes da Revolução cresce com esta, tomando-se num símbolo do amadurecimento do cartoon nacional...
Vamos encontrar toda uma plêiade de jovens gráficos que nessa onde de liberdade vão dizer da sua justiça, engrossando ao longo dos Primeiros anos da Democracia o role de artistas gráficos, como um tal egípcio que por cá vivia, e assinava Yehia; o Pedro Massano, Duarte, Pedro Carvalho, Caldas, Viegas, Manuel Paula, Luís Porp, Luís Guimarães, Eduardo Perestrelo, Baar, Freitas, Victor, Carlos Barradas, C. Júnior, Zé d'Almeida, Relvas ... A grande maioria partiria depois para outros campos profissionais, abandonando o humor gráfico.
É certo, que todas as forças torrenciais são cegas, fizeram-se muitos exageros, castigaram-se psicologicamente e economicamente portugueses que não tinham qualquer crime, para além do de terem sobrevivido, de terem trabalhado e ganho um lugar ao sol económico... mas é a revolução, é a realidade, e quase todos eles já reocuparam os seus antigos postos... Foi uma Revolução que ganhou vida por si só, ultrapassando os próprios dirigentes da revolução, os dirigentes dos partidos na clandestinidade, e criados então. Levou tempo, até que alguém conseguisse dominar plenamente as rédeas da vida galopante de então.
O humor é o sal da vida humana. E quem diz sal, diz mar, praias, sol. Sempre fomos um país de marinheiros, e de anedota.
Corremos mundo, desbravamos novas rotas, encontramos outros povos, outros continentes, fornicamos com as mulheres alheias, e espalhamos a boa nova que tínhamos um império de filhos em cada porto. Não há país, continente que possa afirmar que aí não haja sangue luso, uma palavra portuguesa adaptada ao seu idioma, uma pedra talhada pelo nosso suor. Tal como construímos um império noutros tempos, continuamos a construir como serventes das obras públicas e civis.
Fomos pioneiros da cartografia, das artes de mareagem, de lobbys gays Henriquinos. Fomos pioneiros na arte de catequizar em nome de Deus, e de censurar em nome do Diabo. E nesta dicotomia temos vivido. Sempre fomos bons cristãos, senhores de brandos costumes, obedientes aos impostos e ditaduras. Também temos sido complacentes com o Inferno, deixando as nossas filhas parirem os filhos do padres como afilhados destes, deixando que os imbecis, os incultos se assenhoreiem do Poder do Pensamento, implantando Inquisições e Censuras... Como único consolo ficou-nos a arte da anedota.
Desde muito cedo nos caracterizamos pela Arte de Escárnio e Maldizer, da anedota contada nos esconsos das tabernas, ou sussurrada em casa entre amigos, e desta forma clandestina fomos sobrevivendo, com alegria, fome e saudade. O Liberalismo fingiu libertar-nos das Inquisições clericais e Absolutistas, e nessa primavera de liberdade se desenvolveu, e cresceu o humor gráfico em Portugal, tendo como data de nascimento 12 de Agosto de 1847 nas páginas do Suplemento Burlesco "O Patriota", mas sob pseudónimo de Cecília e Maria, que não era senão obra de um tal "Pinta Monos". Antes já existiam gravuras satíricas, mas por razões que podem ler no meu livro da Historia da Caricatura em Portugal, define-se esta data como o aniversário da nossa sátira gráfica.
Estes Monos transformaram-se em arte, deram crias de bela estirpe estética, ensinaram grandes mestres plásticos a descobrirem o seu caminho, e testemunharam a vida do dia a dia com um sorriso irónico, ou com uma boa gargalhada democrática. Naturalmente houve sempre inquisidores políticos e clericais que procuraram manter a censura, a obstrução à liberdade de pensamento e expressão. Se essa Lei das Rolhas foi dura em diversos períodos, como seja o final de oitocentos, os últimos anos da monarquia, com o Estado Novo o maquiavelismo censório vai refinando, cortando ano a ano os temas possíveis de humor e sátira, para chegarmos ao simples anedotário do bêbado (o vinho dava de comer a um milhão de Portugueses), da sogra (até os censores as tinham), do futebol...
Quando o Rei da Morte do nosso inverno cai da cadeira, renasce a esperança. O Humor dificilmente sobrevivia então, verificando-se então um renascimento plástico com a publicação das obras do Mestre João Abel Manta. O Mestre, não só faz uma revolução plástica nesta arte que nos tempos áureos ia na vanguarda plástica das artes nacionais, como introduz uma nova ironia na sátira, ultrapassando o burlesco revisteiro do simples duplo sentido. Na sua peugada Baltazar, Manuel Vieira, José de Lemos, Zambujal, Martins, Sampaio, Miranda, Fred... Sam... vão abrindo uma frincha de sol crítico no nosso quotidiano...
Ou seja quando se dá o 25 de Abril não se pode dizer que vivíamos no escuro humorístico. Havia já um "Diário de Lisboa", uma "República", um "Expresso"... que já tinham iniciado a revolução do espírito humorístico, de todas as formas a revolução foi um sol que incandesceu, e inclusive cegou momentaneamente toda a população.
Por essa razão vamos encontrar todo o povo na rua, atrapalhando as manobras militares, conquistando os melhores lugares em cima das arvores do Carmo, ocupando terras e fábrica... correndo atrás das últimas tiragens do jornais... e os humoristas deveriam andar no meio de todo esse povo, já que não tiveram tempo de registar o acontecimento em cima da hora, tendo que levar alguns dias para digerirem o que viviam. Os primeiros desenhos só saem a 27, mas em grande profusão a partir de inícios de Maio.
O Abril é uma explosão de liberdade, de comunicação, e de repente encontramos todos aqueles que estiveram calados séculos, por comodismo, ou por imposição policial, a virem para a praça pública ditar as suas sentenças, as suas criticas... O Humor explode. Os caricaturistas exilados regressam no primeiro avião. Siné, o Grande Mestre da Sátira Francesa visita o novo Éden libertário da Europa, e deixa-nos um dos desenhos iconográficos da revolução. O Mestre João Abel Manta é nomeado oficiosamente o iconógrafo satírico da revolução, criando as imagens eternas do MFA em cartaz, e em críticas sociais.
Os artistas que já sobreviviam no humor, dão finalmente asas ao seu humor, aprendendo a rir-se em Liberdade, como é o caso de Fred, Fernando Bento, Zé Penicheiro, Baltazar, Miranda, Manuel Vieira, Frei Sousa, Martins, Vilhena... Alguns destes com a liberdade optam por abandonar pouco tempo depois esta forma de jornalismo/crítico. José de Lemos, que foi sempre um crítico da ditadura, vê-se ultrapassado pela liberdade, e na sua resmunguice satírica, passa a ironizar com os abusos dessa liberdade, parecendo por vezes uma voz saudosista do antigamente. Sam mantêm a sua linha de ironista, de testemunha da sociedade. Artistas exilados, como o Vasco de Castro, que se tinha imposto como um dos grandes da caricatura francesa, disseca-nos o capitalismo, a ditadura, a Pide... como o jovem Brito (que hoje permanece em terras gaulesas a deliciar as páginas do Canard Enchainée). O Augusto Cid, que já tinha publicado desenho de humor anteriormente, medita sobre os exageros dos esquerdismos, obrigando-nos a rir daquilo que por vezes não gostaríamos de rir. O jovem António que tinha iniciado a carreira dias antes da Revolução cresce com esta, tomando-se num símbolo do amadurecimento do cartoon nacional...
Vamos encontrar toda uma plêiade de jovens gráficos que nessa onde de liberdade vão dizer da sua justiça, engrossando ao longo dos Primeiros anos da Democracia o role de artistas gráficos, como um tal egípcio que por cá vivia, e assinava Yehia; o Pedro Massano, Duarte, Pedro Carvalho, Caldas, Viegas, Manuel Paula, Luís Porp, Luís Guimarães, Eduardo Perestrelo, Baar, Freitas, Victor, Carlos Barradas, C. Júnior, Zé d'Almeida, Relvas ... A grande maioria partiria depois para outros campos profissionais, abandonando o humor gráfico.
Thursday, April 23, 2009
Verbot / Prohibition / Interdiction / Proibição by Christian Indus
Da Ordem do Místico e do Perverso - Carlos Zíngaro no Museu Arqueológico Martins Sarmento, Guimarães
Temos o prazer de convidá-lo(a) para a inauguração da exposição retrospectiva da obra em Banda Desenhada e Ilustração de Carlos Zíngaro, no dia 24 de Abril, pelas 17h, no Museu Arqueológico Martins Sarmento, em Guimarães, com visita guiada pelo autor.
Esta é a primeira de um ciclo de exposições dedicado à Banda Desenhada e Ilustração portuguesa contemporânea, organizado pelo Curso de Licenciatura em BD/I da Esap-Guimarães.
A anunciar em breve, no decurso da exposição, o lançamento do catálogo da exposição e da revista Margens & Confluências dedicada à Banda Desenhada e Ilustração.
«O termo “vanguarda” mete-me um bocado confusão. Prefiro o de “contemporâneo”, “experimentação”. Eu estava fascinado pelo Norman MacLaren e pelos meus tempos do rock, mais psicadélico, e desenhava em película, de 35mm, e pintava e não sei que mais (era um desastre completo, uma salganhada enorme!). Portanto, era uma necessidade que sempre tive, talvez por causa das doses de Academia desde os 4 anos, - e como imaginarão, em plena ditadura, eram locais um bocado doentios - , de me libertar de tudo aquilo, de encontrar coisas e formas, tanto musical como graficamente, que fossem outras. Mas por outro lado tinha uma enorme dificuldade em me inserir em percursos académicos normais ou tradicionais... Passei pela Escola de Belas-Artes, mas como turista, porque ainda que me interessasse por pintura, os meus pais achavam que eu deveria tirar um curso superior, e isso significava a arquitectura, o que é uma chatice, com as matemáticas, e as geometrias descritivas, e eu não tinha nada a ver com aquilo... Por isso fui para lá fazer turismo aí por um ano e tal. E a música, idem; quando corto com a música clássica, corto mesmo radicalmente e passo para o rock, a electrónica, as experimentações, as improvisações, o free jazz... É sempre uma necessidade de experimentar coisas.» Carlos Zíngaro
Comissariado: Marco Mendes
Organização: Escola Superior Artística do Porto - Guimarães
Exposição patente até dia 30 de Maio.
Contactos:
http://www.esap-gmr.com/
http://www.csarmento.uminho.pt/
Organização: Escola Superior Artística do Porto - Guimarães
Exposição patente até dia 30 de Maio.
Contactos:
http://www.esap-gmr.com/
http://www.csarmento.uminho.pt/
DESENHADOR QUINO SUSPENDE PUBLICAÇÃO DE CARTOONS por Carlos Pessoa in O Público de 2009-04-20
Argentino não quer que as suas histórias continuem a ser republicadas
Quino decidiu suspender temporariamente a sua presença nas páginas de Viva, o suplemento do diário argentino Clarín. São mais de 50 anos de carreira como cartoonista, desenhador de imprensa e autor de banda desenhada que agora sofrem uma interrupção “temporária”. O criador de Mafalda justifica esta decisão de não continuar a repetir os seus trabalhos por considerar que isso “seria uma falta de respeito não apenas aos leitores, mas também a uma longa carreira”.
"Como sabem, desde há alguns anos que esta querida revista está a republicar páginas minhas, algumas delas já desenhadas há muito tempo, outras nem por isso”, escreve Quino numa carta aos leitores que ocupa o espaço habitualmente preenchido pelos seus desenhos. O cartoonista lembra que a repetição dos seus desenhos surgiu no dia em que se apercebeu de que também é afectado “pelo mesmo mal” de se repetir “nos temas e no estilo de desenho”.
Apesar de tudo, sublinha Quino, a repetição de cartoons não é forçosamente uma coisa negativa: “Foi interessante voltar a vê-los pela assombrosa actualidade que apresentam muitos deles, o que prova que tantos problemas que hoje nos preocupam continuam a repetir-se graças ao talento que a sociedade tem em reciclar os seus erros”.
Fronteira do humor
Quino, nascido na cidade argentina de Mendoza há 76 anos, explica que decidiu deixar passar algum tempo até “encontrar algum modo de renovar o enfoque das minhas ideias ou, pelo menos, novas formas do meu estilo gráfico”. O desenhador pede depois aos leitores que não interpretem esta paragem como “uma despedida, mas como uma ausência temporária que espero que seja breve”. Conclui dizendo que não lhe “agrada nada a ideia de que os meus desenhos deixem de aparecer nestas páginas”.
No final de 2001, entrevistado pelo PÚBLICO, Quino confessara que havia limites para o seu próprio trabalho satírico e de humor:
“Há temas sobre os quais é impossível trabalhar. Eu, pelo menos, não consigo. Por exemplo, mantenho uma velha discussão com a Amnistia Internacional, que me convidou a participar em campanhas. Ora, eu acho que um desenhador de humor não pode dizer nada com o seu trabalho sobre os presos políticos, a tortura, a violação dos direitos humanos. E isso, porque as pessoas serão levadas a concluir que, afinal, essas coisas talvez não sejam assim tão terríveis como as pintam. Acontece que ficam surpreendidos quando me recuso a colaborar com o que consideram uma causa tão nobre. Não posso, há uma fronteira que não quero ultrapassar. Veja-se o caso da Argentina, o meu país: desapareceu muita gente e houve tortura sistemática de presos políticos. Não é possível fazer uma piada sobre a condição do presidiário...”
No rescaldo dos atentados de 11 de Setembro em Nova Iorque, Quino identificava explicitamente essa “fronteira”, sugerindo de algum modo aquilo que agora se tornou realidade:
Depois dos atentados, é como se vivêssemos todos em Israel ou no País Basco. Felizmente para mim, deixei o meu trabalho bastante adiantado antes de vir. Mas, mais tarde ou mais cedo, vou ter de continuar a fazer cartoons. E quando isso acontecer, estou certo de que alguma coisa mudará, embora não saiba quando e como é que isso vai acontecer.”
Quino decidiu suspender temporariamente a sua presença nas páginas de Viva, o suplemento do diário argentino Clarín. São mais de 50 anos de carreira como cartoonista, desenhador de imprensa e autor de banda desenhada que agora sofrem uma interrupção “temporária”. O criador de Mafalda justifica esta decisão de não continuar a repetir os seus trabalhos por considerar que isso “seria uma falta de respeito não apenas aos leitores, mas também a uma longa carreira”.
"Como sabem, desde há alguns anos que esta querida revista está a republicar páginas minhas, algumas delas já desenhadas há muito tempo, outras nem por isso”, escreve Quino numa carta aos leitores que ocupa o espaço habitualmente preenchido pelos seus desenhos. O cartoonista lembra que a repetição dos seus desenhos surgiu no dia em que se apercebeu de que também é afectado “pelo mesmo mal” de se repetir “nos temas e no estilo de desenho”.
Apesar de tudo, sublinha Quino, a repetição de cartoons não é forçosamente uma coisa negativa: “Foi interessante voltar a vê-los pela assombrosa actualidade que apresentam muitos deles, o que prova que tantos problemas que hoje nos preocupam continuam a repetir-se graças ao talento que a sociedade tem em reciclar os seus erros”.
Fronteira do humor
Quino, nascido na cidade argentina de Mendoza há 76 anos, explica que decidiu deixar passar algum tempo até “encontrar algum modo de renovar o enfoque das minhas ideias ou, pelo menos, novas formas do meu estilo gráfico”. O desenhador pede depois aos leitores que não interpretem esta paragem como “uma despedida, mas como uma ausência temporária que espero que seja breve”. Conclui dizendo que não lhe “agrada nada a ideia de que os meus desenhos deixem de aparecer nestas páginas”.
No final de 2001, entrevistado pelo PÚBLICO, Quino confessara que havia limites para o seu próprio trabalho satírico e de humor:
“Há temas sobre os quais é impossível trabalhar. Eu, pelo menos, não consigo. Por exemplo, mantenho uma velha discussão com a Amnistia Internacional, que me convidou a participar em campanhas. Ora, eu acho que um desenhador de humor não pode dizer nada com o seu trabalho sobre os presos políticos, a tortura, a violação dos direitos humanos. E isso, porque as pessoas serão levadas a concluir que, afinal, essas coisas talvez não sejam assim tão terríveis como as pintam. Acontece que ficam surpreendidos quando me recuso a colaborar com o que consideram uma causa tão nobre. Não posso, há uma fronteira que não quero ultrapassar. Veja-se o caso da Argentina, o meu país: desapareceu muita gente e houve tortura sistemática de presos políticos. Não é possível fazer uma piada sobre a condição do presidiário...”
No rescaldo dos atentados de 11 de Setembro em Nova Iorque, Quino identificava explicitamente essa “fronteira”, sugerindo de algum modo aquilo que agora se tornou realidade:
Depois dos atentados, é como se vivêssemos todos em Israel ou no País Basco. Felizmente para mim, deixei o meu trabalho bastante adiantado antes de vir. Mas, mais tarde ou mais cedo, vou ter de continuar a fazer cartoons. E quando isso acontecer, estou certo de que alguma coisa mudará, embora não saiba quando e como é que isso vai acontecer.”
Tuesday, April 21, 2009
Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1896 (Simões Junior, Celso Hermínio, Leal da Câmara...)
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Algo mudava na imprensa portuguesa, em que os próprios jornais 'sérios' noticiosos começavam a publicar suplementos ilustrados ocasionais, onde surgiam os caricaturistas a publicarem seus trabalhos nas páginas do corpo principal, como é o caso do "Comércio do Porto", do "Diário de Notícias", e em breve "O Século".
Isso verificava-se não com a colaboração de Raphael que trouxe o respeito por esta arte, mas também pelo aparecimento de novos humoristas que não estavam agarrados a um jornal, sua propriedade, mas que se procuravam assalariar nos jornais existentes, fazendo alguns deles estas actividade de forma paralela a uma outra profissão, como é o caso de Simões Júnior.
António de Oliveira Simões Júnior era um portuense (nado e morto nesta cidade 11/12/1875 - 19/5/1903), despachante da Alfândega do Porto de profissão, que saiu do anonimato da sua profissão burocrática e cinzenta, pela mordacidade do traço anti-monarquico e anticlerical que impôs na caricatura portuguesa do fim do século. Apesar de ter frequentado a Academia Portuense de Belas-Artes, era fundamentalmente um auto-didacta. Pode-se considerar um raphaelista, contudo o seu traço mais sintético e decorativo, bebe um pouco a influência de Julião Machado, e principalmente das influências dos gráficos art-nouveau que ilustravam além fronteiras as revistas que por cá chegavam. Criou um estilo decorativo e agradável, onde o lado plástico cativante dava um novo elan à paginação dos jornaisContrapondo a essa docilidade estilística, a essa beleza decorativa, a sua sátira era directa e incisiva, principalmente no referente aos ataques à Igreja, onde ficaram célebres as suas charges aos “Serões nos Conventos" em "A Algazarra". Mas para mais informação recorremo-nos mais uma vez de Alberto Meira, e os seus Verbetes Biográficos em "O Tripeiro": «Simões Júnior, como se designava e como ficou conhecido, apresentou-se pela primeira vez ao público nas páginas do semanário "Charivari", volumes X, XI e XII de 1895 a 1897, e , simultaneamente, em 1896, colaborou no quinzenário de Lisboa "Branco e Negro" e n' "Os Pontos", semanário portuense.»
«Em 1900 há desenhos seus n' “Algazarra" e desde esse mesmo ano até 1903, aparece-nos, por vezes, nas páginas d' “Ilustração Moderna". /…/Por meados de 1902 Simões Júnior acompanhou com o seu lápis, durante algum tempo, no «Jornal de Notícias» o popular «De raspão», de Sá de Albergaria.»«Em 1 de Março de 1902 surge «O Pagode», tendo o nosso artista como seu ilustrador até que a morte, decorrido pouco mais de um ano, aniquilou para sempre este apreciável temperamento de humorista.»
«Quem o julgasse pelos seus trabalhos - lia-se em certa notícia do seu falecimento - supunha-se um Artista cheio de pujança e de vida. Almal era um doente, que há muito tempo vinha lutando com a terrível doença que o vitimou e que, tomando nestes últimos dias o carácter de galopante, completou a total ruína do seu organismo combalido».
«Não tinha sequer vinte e oito anos, deixando-nos uma obra que se recorda com muito agrado.»
Em 1896, a ruptura gráfica de Celso Hermínio continua. A 9 de Fevereiro surge "O Berro", onde João Chagas surge como colaborador literário.
«PARA QUE SAIBAM - Isto não é um jornal é um Berro!»
«Rugido humano ao céu sem culpa, contra a nefanda canalha que elle cobre.»
«E se o bramir sahe cascalho em rizo, é porque há que crystallisar em chasco, o que devia entornar-se em insolência, é porque há que dissimular o rancor sério, sob o látego caustico da troça.»«Vale mais um beliscão que um tiro, para exautorar a Vaidade e exhibir-lhe a funambula caraça, à multidão sem dó.»
«Em cada tenda há que berrar o nome à Gran-Comedia, annunciar com falácias diplomáticas, o que lhe vae no ventre em podridão, e expor à turba attonita as pernas das mulheres e os feitos dos heróis.»
«Por entre a ancia da turba rubra, sem echo no motim poeirento onde se abocam os truões, e se cuspinham os caracteres, berre-se ao menos.»
«Berre-se: que a orientação política tem o cunho das cínicas torpezas; que se vendem as filhas por veneras e que se vende a Opinião por títulos; e que, no subir injusto do mandão, degrau pisado é degrau damnado; que se não faz com trabalho e gloria immensa, faz-se com pederastia! Berre-se...» (texto assinado por Arnaldo Fonseca)
Celso procura ser um acérrimo, e contundente crítico, não atacando os momentos políticos, mas as estruturas, e os políticos pessoalmente se eles são o sistema, de uma forma até agora nunca vista, na pacata sociedade portuguesa. Logo no primeiro número surge na capa O Tyrano João Franco, onde lhe chamam «Rei dos Ladrões... que tem fígados maus. Tens podridões de cemitério, n'uma polícia de vitupério...» Sucedeu-lhe uma galeria de retratos grotescos dos Braganças, com os poemas épico-satíricos de Guerra Junqueiro (A Pátria), onde D. Carlos é apelidado de «bóia de enxúndia, um zero folgazão, bispote portuguêz com toucinho alemão...»
Inicia-se a grande campanha panfletária contra a dinastia. O panfletarísmo anti-monárquico chega ao ponto de pôr em duvida a autoria dos quadros do rei D. Carlos, um magnífico pintor, mas que na altura as más-línguas diziam serem pintados pelo seu orientador, o pintor Casanova.
Naturalmente este periódico terá uma vida curta, mas esplendorosa. Uma vida de luta por um ideal republicano, uma vida de perseguição em nome da Lei da Rolha, em nome do Juiz Veiga. Como diria Alberto Meira, «o seu lápis contundia as carnes da vítima alvejada. Não era um lápis: era uma moca». Depois de várias querelas, e perseguições após o nº 18 de 27 de Julho de 1896, o Juiz Veiga decide suspender este periódico. Entretanto Celso Hermínio continua a colaborar nos jornais de amigos, ou por encomenda, como a "Revista d' Hoje", "Arte" (de Coimbra), "Branco e Negro", "D. Quixote"...
Primeiro companheiro de carteira, e de boémia, depois de virulência humorística, ao lado de Celso, nesta cruzada satírica surge este ano Leal da Câmara em "D. Quixote".Como breve informação, neste ano para além da continuação do "António Maria", "Charivari", "O Pimpão", "Os Ridículos", vimos surgir o "Os Pontos" (um sucedâneo dos "Pontos e Virgulas"), "Rua da Barroca","Branco e Negro" e "D. Quixote". Ficamos sem saber se na verdade "O Sorvete" se publica a partir de 95, já que não conseguimos encontrar nas Bibliotecas exemplares deste ano.Em dois dos jornais nascidos este ano, surgem as primeiras obras publicadas daquele que será o mais famoso caricaturista além-fronteiras (sem desprimor pela fama de Raphael), não só pela qualidade da sua obra, mas pela sua presença triunfal na capital da cultura europeia - Paris - ao longo de uma década. Falo naturalmente de Leal da Câmara.
Filho de um oficial expedicionário e de uma luso-goesa, Tomás Júlio Leal da Câmara nasceu a 30/11/1876, em Pangim (Goa), e virá a morrer na Rinchoa em 1948. Em breve virá para a metrópole (1880), e em Lisboa, já órfão de pai, resiste à Agronomia e Veterinária, para onde a família o encaminhava, preferindo tratar da «saúde» dos animais políticos, e parasitas sociais, através do microscópio da caricatura, seguindo o seu lema «comentar, causticando».Desde muito cedo que a sua veia satírica se tinha manifestado, e aos 11 anos publicava um jornal estudantil denominado "Liceu Illustrado". Entre 1887 e 96 colabora em diversas publicações como "O Pucha", "Revista Nova", "Deus, Pátria, Rei", "A Nação", ''Jornal de Arte e Crítica, "O Castanheiro", "O Petiz", "O Inferno"...
Naturalmente as influências exercidas provinham de Raphael, aligeiradas por uma insipiência de mão de adolescente. Não sabemos qual a influência de Celso na sua evolução estética, mas certamente houve-a no campo satírico. Em relação ao traço, talvez a agressividade linear de Celso o tenha fascinado, só que o seu pensamento mais ordenado, e estilizado, terá sintetizado essa agressividade quase barroca. O traço, muito pueril, mas irreverente, que surge em 1896 no "D. Quixote" (em parceria com Celso, Augusto Pina, Roque Gameiro) em breve se consolidará numa caligrafia expressionista, complementando a ruptura estética de Celso com o raphaelismo, e cimentando o panfletarismo satírico, entrando também ele em confronto directo com o regime, com o Juiz Veiga (Francisco Maria da Veiga), com o Rei.
A sua relação com este Juiz será de franca convivência, já que em breve os seus periódicos seriam «o de maior circulação em todo... o Governo Civil». Como ele narra à sua mãe em carta, para a tranquilizar, ele ia frequentemente 'falar' com o Juiz: «O Veiga mandou chamar-me para não fazer os desenhos que fiz tão agressivos neste número. Lá o convenci depois de certo tempo gasto em floreados de amabilidades e por fim decidiu-se sair o jornal como estava mais uma legenda que de modo nenhum ele queria deixar sair».
Estas 'conversas em família’ não eram assim tão amáveis como ele as descreve, e em breve a mão da opressão far-se-ia sentir mais contundente.
Aborrecido com o ambiente político, e perante a excelente proposta de um jornal brasileiro, Celso Hermínio parte para o Brasil, por onde ficaria dois anos.