Wednesday, February 03, 2021

Caricaturas Crónicas – Orlando – um caricaturista em Coimbra» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 12/2/1989

Orlando Noronha prefere ser encarado como um retratista intervencionista, em que os traços são apenas o meio de fixar a expressão verdadeira do retratado. Discípulo de Pastecca, procura a essência da imagem no papel branco.

 

Recentemente, viajei ao centro do país para proferir uma conferência sobre humor. Nesse encontro, promovido pelo jornal «Trevim» (a convite do caricaturista José Oliveira), estavam pessoas interessadas em humor, e naturalmente caricaturistas. Um deles, que eu não conhecia, passou o tempo todo a esboçar, em traços rápidos, mas eficientes, a caricatura das pessoas que assistiam. A única que não conseguiu, eficaz, foi a minha, talvez por timidez ou desprezo por intelectuais do humor

(Os dados que vou fornecer nesta crónica foram recolhidos durante a conversa com o Orlando depois da conferencia, mãos os recolhidos pelo caricaturista Zé Oliveira que o entrevistou nessa altura para o jornal «Trevim», da Lousã, onde estávamos).

Orlando, de nome artístico, é um caricaturista espontâneo que, por entre os desenhos, a boémia estudantil, vai colecionando cadeira por cadeira no edifício de Direito, objectivo inicial da sua vinda para Coimbra, cidade que o fez descobrir a arte do exagero feito estética.

Orlando Noronha nasceu nos Açores – Ilha Graciosa) a 27 de Janeiro de 1955. Aos 20 anos veio para Coimbra estudar Direito, mas o seu percurso estudantil entortou-se, sem contudo nunca desistir de se «endireitar» ao longo destes 14 anos que, em princípio, findam neste Fevereiro, com a conclusão da última cadeira. Poderá então queimar o grelo (creio eu, que de praxes não sei nada) e assumir a titularidade de sr. Dr.

A caricatura não foi um vício que nasceu com ele, mas uma «enfermidade» continental que apanhou: «Foi em Coimbra que comecei a desenhar caricaturas, creio que pela simples razão de que lá na ilha vivi sempre num meio em que as caras não me eram estranhas. Quando vim para Coimbra, estudava-se mais nos cafés do que agora, e como tinha sempre um lápis à mão, inadvertidamente fui começando a caricaturar os rostos. O círculo de amigos foi-me incentivando – “Ó pá, isso está parecido”, e tal – e eu fui-me aperfeiçoando».

Após este «debute», o grande salto deu-se pela necessidade de ganhar uns trocos (entretanto a mesada paternal foi encolhendo perante tanto chumbo), durante as férias de verão, no Algarve: «Como não tinha jeito para roubar, mas precisava de comer, foi aí que perdi o medo de fazer caricatura à frente das pessoas». A partir de então as suas «vítimas» preferidas passaram a ser os estudantes de Coimbra (para os Livros de Curso), os veraneantes da Rota do Sol, do Algarve… «não gosto de caricaturar as pessoas que todos caricaturam, como os políticos e outras celebridades».

Orlando não é, até agora, um caricaturista de jornais, apesar de desenhar para a revista «Briosa» da A.A.C. alguns cartoons. É um caricaturista coimbrão e, como tal, um ser especial dentro desta arte. Ser caricaturista em Coimbra é mais um estatuto que uma profissão, é o senhor detentor da irreverência, do grotesco, um poder temível, mesmo nos meios de irreverência latente: «Ser caricaturista em Coimbra claro que é diferente do que sê-lo num outro sítio qualquer. A caricatura pessoal tem ali um mercado próprio, que se limita praticamente às solicitações das Queimas-das-Fitas e correspondentes livros de fim de curso. O caricaturista em Coimbra vê também o seu trabalho um pouco coarctado pelo facto de as pessoas cultivarem um bocado a sua imagem. Vemos limitada a nossa margem de utilização do humor. Aquilo que nós desenhamos nem são rigorosamente caricaturas, mas sim retratos grotescos».

Na conversa, Orlando por várias vezes rejeitou a possibilidade de ser encarado como um humorista, preferindo ser um retratista intervencionista, em que os traços são apenas o meio de fixar a expressão verdadeira do retratado. «Discípulo» de Pastecca, procura a essência da imagem no papel branco. «O essencial – escreveu Pastecca – é, pois aquilo que diferencia um ser humano de outro. E o que diferencia um ser humano de outro, de modo substancial não é um centímetro a mais ou menos de nariz: é a sua maneira de rir, a sua maneira de falar com os demais, a sua maneira de olhar…» E Orlando, na sua caricatura, é isto mesmo, um captador de instantâneos, que descobre no rosto a expressão de um ser, aliada a um traço vigoroso, mas simples.

Orlando, um caricaturista de Coimbra, um artista amadurecido na sua arte, pronto a levantar para mais altos voos. Para onde irá ele, findo o Direito?

 

PS. Sim Orlando Noronha terminou o curso, fazendo-o em 18 anos, ou seja fez dezoito anos de boémia coimbrã, com um curso de direito de fundo. Após este encontro na Lousã, Zé Oliveira, Orlando em parceria com, o também caricaturista de Coimbra, Eduardo Esteves, formamos um quarteto que andou pelo país a desenvolver o que seria posteriormente baptizado como Festas da Caricatura, uma fórmula de dinamização e divulgação da arte da caricatura (onde está é explorada em toda a sua exageração grotesca e humorística) e que hoje se tornou moda, não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo, mas que na altura ninguém fazia.


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