Monday, February 01, 2021
Caricaturas Crónicas: «Teixeira Cabral – o mestre da caricatura-síntese» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 4/12/1988
Apesar de
ser um dos artistas geniais deste século, poucos o conhecem e raros livros de
arte se referem à sua obra – apenas porque só fez a «vil arte» da caricatura.
Na geração do «Sempre Fixe», onde se evidenciam os
artistas ligados ao traço-síntese, destaca-se um dos mestres da caricatura
deste sáculo, pela sua vanguarda e ousadias quase abstratas – António Teixeira Cabral (Funchal, 29 de
Janeiro de 1908 - Lisboa, 1 de Julho de 1980).
Madeirense de gema, filho de uma família da alta
burguesia comercial, Teixeira Cabral nasceu na capital da ilha da Madeira e
sobre a sua infância ou adolescência quase nada se sabe. As primeiras notícias
que nos interessam datam de finais dos anos 20, quando ele chega a Lisboa em
busca da liberdade, da boémia.
Entretanto, há um luso-brasileiro que, ao chegar a
Portugfal, se transforma em caricaturista, explorando a caricatura-síntese,
recuperando as experiencias de um Celso Hermínio, ou de um Correia Dias,
entretanto já esquecidas. Esse artista é o Tom, ou Thomaz de Mello, que seria
também o grande orientador da linha estética de Teixeira Cabral. Seria também
este artista que organizaria a primeira exposição individual de caricaturas de
Teixeira Cabral, na sua Galeria U.P., em 1934 (já tinha participado em 1929
numa outra exposição que lhe tinha aberto as primeiras portas, mas essa seria
colectiva), consagrando-o definitivamente como um mestre do modernismo.
Teixeira Cabral vivia de uma mesada dos pais, a qual
era exígua para as suas necessidades boémias, para o seu descontrolo económico.
Por essa razão, lança-se na profissão de colaborador de jornais, começando pelo
«Sempre Fixe» em 1928, seguindo-se o «Re-Nhau-Nhau» (do
Funchal 1930-1934), «Kino» (1930), «Cinéfilo» (1930), «Ilustração» (1930 -
1934), «Diário de Lisboa» (1931
- 1932), «O Século» (1931), «Notícias Ilustrado» (1931-1933), «Girassol»
(1931), «Diário de Notícias»
(1932-1938), «Diário de
Lisboa : edição mensal» (1933), «Diário de Coimbra» (1933), «Semana
Portuguesa» (1933-1936), «Novidades» (1934), «O Diabo» (1935), Dominó
(1935), «Acção» (1941), Açores-Madeira (1958), «Diário Popular» (anos 40-60), «Revista de Angola» (anos 70), «Autores : boletim da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais
Portugueses» (anos 70)…
Creio que ele foi caricaturista mais por necessidade de sobrevivência do que por desejo, o que influenciaria a sua forma de
estar nas artes. Ele tinha o poder da linha, como poucos, o controle da síntese
caricatural explorando as vanguardas das artes até ao abstracionismo, mas isso
não impediu de se sentir humilde junto dos colegas de profissão, como o Stuart,
Almada, Botelho, José de Lemos, Baltazar… de se sentir pequeno perante as
figuras que tratava, impedindo-o de explorar essa abstração para alem das
linhas caricaturais, prescindindo por vezes dessa especificidade do traço, por
comodismo, por comercialização mais fácil do seu trabalho.
Símbolo dessa postura perante a vida é a sua
assinatura, um pigmeu com uma bandeira iconográfica a saudar o caricaturado.
Era como se ele devesse sentir-se honrado pelo caricaturado ter permitido
invadir o seu visual, quando deveria ser este a sentir-se orgulhoso por ter chamado a atenção do mestre da
caricatura.
Cultivou a caricatura-síntese não como um esboço, ou
um contorno, mas como um trabalho de laboratório. De início, tomava alguns
apontamentos, os quais ia trabalhando até conseguir apanhar os elementos
básicos, aqueles que por si só são identificadores, sem necessidade do
supérfluo. Teixeira Cabral conseguiu, por vezes, levar a síntese até ao limite
máximo da abstração figurativa, e quase se poderia dizer que ele é i primeiro
Abstracionista da segunda geração modernista.
Era por vezes um insatisfeito, e raramente considerava
as obras como terminadas, o que não o impedia de, muitas vezes, despachar as
encomendas de uma forma grosseira, naturalista, de uma fraca qualidade. O seu
trabalho acabou por ser desigual, e tanto podemos encontrar caricaturas
classicizantes, próximas à linha do Valença-Amarelhe como a síntese extrema, o
limite da vanguarda desses anos 30/40. Naturalmente, as obras mais ousadas,
foram as que acabaram nas salas de exposição, sendo as outras as despachadas
para a imprensa.
O «Diário Popular», na notícia necrológica,
apresenta-o como um indivíduo «ferozmente
independente, desafecto a tudo o que fosse revelador da mais ligeira sombra de
tutela; cultivando uma boémia de espirito fin-de-siéccle e a amizade como flor rara, Teixeira Cabral
viveu, frequentemente, com extremas dificuldades, mas sempre manifestando uma
bem humorada indiferença pelos prestígios fáceis e uma recusa obstinada em
lamentar-se».
A imagem mais divulgada é a de um boémio, que levou o
alcoolismo a extremos que o Stuart não atingiu. O Aniceto Carmona, seu amigo e
durante algum tempo seu discípulo, diz-nos: «Ele
não queria trabalhar, fazia apenas o necessário. Quando tinha dinheiro chegou a
dar guarida ao Almada Negreiros em sua casa, depois com a miséria, por vezes
tinha que fugir sem pagar os quartos, deixando as suas coisas, os originais…
Uma vez deram-lhe uns sapatos apertados, e lá andava ele a cambalear, a sofrer,
porque não tinha dinheiro para sapatos novos. Por vezes ia aos hotéis, congressos,
e então ganhava uns dinheiros largos, que logo desapareciam».
Tal como muitos outros artistas portugueses, Teixeira
Cabral viveu a miséria cultural do país, e morreu quase na miséria (amparado
por uma irmã) em Julho de 1980, esquecido e ignorado pelo Poder, pela
intelectualidade. Apesar de ser um dos artistas geniais deste século, poucos o
conhecem e raros livros de arte se referem à sua obra – apenas porque só fez a
«vil arte» da caricatura.