Sunday, January 31, 2021
Caricaturas Crónicas: «Baltazar – um mestre caricaturista» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 8/12/1988
Um clássico, um mestre que domina a técnica do retrato-charge num estilo simples, em que a «charge» não é um gesto de raiva, mas apenas uma expressão de jornalismo actuante.
Antigamente, para se ganhar o título de mestre, era
necessário passar por várias fases, várias provas laborais, e só depois de ter
subido os vários degraus da arte, do quotidiano, poderia então ambicionar o título
de mestre. Hoje, por vezes sem qualquer experiencia, apenas com um canudo
debaixo do braço, muitos há que reivindicam a mestria. Não é este o caso de que
vou falar, um artista que ganhou a pulso todo e qualquer título que se possa ambicionar,
apesar de apenas ter a quarta classe, apesar de ele apenas querer fazer o seu
trabalho calmamente.
Devido a esta forma de estar, sociável, mas afastado,
simpático, mas desconhecido, me dificultar muitas vezes o escrever sobre a vida
dos nossos humoristas, mortos ou vivos. É que não abundam as referências
biográficas sobre a maioria destes artistas, que muitas vezes eram simples
indivíduos que passavam pelas redacções dos jornais a vender os seus desenhos e
a levantar o seu dinheiro, sem qualquer outro vínculo ou intercambio com os
jornalistas.
Mesmo sobre os que estão vivos, nem sempre é fácil
chegar até eles, pois primam pela sua solidão, por não se considerarem
importantes para se darem a conhecer, por desvalorizarem a sua obra… Por
exemplo, no caso de Baltazar Ortega nunca consegui falar com ele, já deixei
convites para participar no Salão Nacional de Caricatura e nunca consegui que
ele aparecesse. Espero um dia poder vir a conhecê-lo e recolher mais dados
sobre a sua vida, a sua forma de ser.
Porém, isso não impede, desde já, prestar-lhe a minha
modesta homenagem e escrever sobra a sua obra, sobre a sua vida, através dos
elementos recolhidos em testemunhos dados a outrem.
Baltazar é um mestre da caricatura, de pleno direito,
que, como o mestre José de Lemos, é a presença ainda actuante na actualidade da
geração do «Sempre Fixe», desenvolvendo-se, aprendendo na mesma tarimba
profissional, a par de colegas como Albuquerque (artista sobre o qual nunca
consegui qualquer elemento biográfico), Teixeira Cabral, D. Fuas… a par de
mestres como Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Leal da Câmara…
Alfacinha da Madalena, Baltazar Ortega conheceu os
amargos da vida desde que nasceu, em 1919, numa família pobre. As dificuldades
de sobrevivência da família apenas o deixaram estudar até à segunda classe da
instrução pública, entregando-o à escola da rua, vendendo jornais como ardina,
ou trabalhando como «mandarete» no Café Chiado. Era moço de recados, vendedor
de tabaco, mas com uma esperteza inata a lutar pela vida: «Eis então que percebi, pelas festas, o seguinte – se desse aos clientes
um ou dois desenhos, com palavras amáveis, as gorjetas eram maiores».
Isso tornou-o notado no meio lisboeta do Chiado, ou
seja, no meio cultural e jornalístico, motivando o Leitão de Barros, então
director do «Notícias Ilustrado» e descobridor de novos talentos, a contratar
Baltazar. O contrato laboral incluía os desenhos para o jornal, fazer recados e
obrigatoriedade de prosseguir os estudos
Assim começou a sua carreira, tinha ele 13 anos, há
cerca de 55 anos. Desde aí, foi passando por múltiplos jornais e revistas,
chegando a marcar graficamente, durante 49 anos o «Século» e seu universo
editorial. Hoje continua a desenhar para o «Diário».
Dizem, as más-línguas, que os temas, as piadas não são
totalmente suas, antes dadas emn conversas da redacção (como fruto da linha
editorial), apanhadas nas leitarias que frequenta, ou nos transportes públicos
(excepcional fonte de informação e inspiração para qualquer humorista gráfico
sensível e atento), mas ninguém pode dizer que não é sua a arte do traço, da
caricatura, da linha incisiva e caústica do humor final. Várias vezes me
disseram que houve tempos em que, quando surgia uma nova cara na ribalta do
humor social e politico, os outros por vezes só conseguiam fazer-lhe a
caricatura após o Baltazar «apanhar» a expressão caricatural.
Baltazar é um clássico, um mestre que domina a técnica
do retrato-charge num estilo simples,
em que a «charge» não é um gesto de raiva, mas apenas uma expressão de
jornalismo actuante. «Não odeio ninguém.
As caricaturas mais agressivas que faço são determinadas pelas circunstâncias
criadas pelos próprios políticos. Olha: nem sei odiar, esta é que é a verdade».
Os que o conhecem definem-no como um sorriso largo de
bondade, que vive com o coração na mão e no olhar. È É com esta tempera que se
fazem os Mestres.
PS: Felizmente, passados
dois anos depois deste artigo acabei por conhecer o Mestre Baltazar,
outorgar-lhe o Prémio Especial de Humor/92, integrado no Salão Nacional Humor
de Imprensa – Oeiras 1992, assim como publicar um pequeno álbum retrospectivo
(com exposição que percorreu várias localidades do país) e prefaciar mais um
álbum posterior editado pela autarquia de Ferreira do Alentejo. Baltazar Ortega
viria a falecer a 6 de Junho de 2010 em Beja.