Wednesday, December 09, 2020

Caricaturas Crónicas - «Thomaz de Mello em tom de síntese» por Osvaldo Macedo de sousa (in Diário de Notícias de 23/3/1986)

    Tom é o símbolo da economia linear, é a síntese na essência, o encontro da geometria simples com o mundo e o Homem.

 

A simplicidade é o despir-se das coisas, e nada mais simples do que as coisas a nu à nossa frente, desde a mulher (ou o homem) à caricatura.

Esta que nasceu, em Portugal, superaconchegada em simbologias, alegorias e barroquismos, foi-se despindo gradualmente, consoante a maior ou menor ousadia de cada artista.

A simplicidade na arte da caricatura é a síntese, é a expressão condensada em traços e ideias fundamentais, e só estes. O primeiro a ousar despir-se de alguns barroquismos foi Celso Hermínio, no seu lápis de irreverência antimonárquica e anti-raphaelista, em expressões de impressões.

A segunda etapa surgiu em Coimbra, onde Christiano Cruz, Luís Filipe e Fernando Correia Dias estudavam. O cabralismo tinha dado força às primeiras caricaturas e a Torre da Cabra dava força aos primeiros modernismos. A caricatura, a partir de 1909, tomava a liderança da vanguarda no despertar das artes, partindo da província para conquistar a capital. Porém, Correia Dias, o principal caricaturista da síntese coimbrã partia em breve para o Brasil, onde triunfou e foi mestre da estilização.

A 11 de agosto de 1906 nasce no Rio de Janeiro Thomaz de Mello, filho de uma velha família aristocrática portuguesa. A partir dai, a sua vida não foi senão uma aventura artística, primeiro, pelos campos do teatro, onde entrou com 14 anos como aprendiz e ajudante de cenografia, no teatro amador, para em 1925 entrar no profissionalismo; depois, a aventura pelo mundo da Amazónia, onde também é necessária arte para sobreviver; finalmente, a aventura do regresso às origens familiares, num gesto teatral.

Em 1926 aporta a Lisboa este espírito irrequieto feito actor, mas aberto a outras aventuras. Em 1927, surge um outro brasileiro por estas paragens (Rubens Trinas-Fox) que o desafia a fazerem em conjunto uma exposição de caricaturas, para ganharem algum dinheiro. Foi a revelação do seu dom (e da sua mina de sobrevivência), porque o Dom de notabilização familiar foi escondido sob o pseudónimo de TOM.

Após a escola de Coimbra, o modernismo caricatural tinha-se desleixado da estilização sintética, para explorar a sintetização pitoresca, mundana ou decorativa. Agora esta era devolvida à modernidade por um artista brasileiro por nascimento, mas português pela arte. A escola de Correia Dias floresceu no Brasil, e devolveu um dos seus talentos.

Tom é o símbolo da economia linear, é a síntese na essência, o encontro da geometria simples com o mundo e o Homem. Ele recuperou a caricatura síntese como linha de abstracção no modernismo, ao ponto de ser identificado como «o modernismo na caricatura, quasi diríamos, sem duplo sentido, a caricatura do modernismo» (Século Ilustrado).

Integrando a segunda geração do modernismo português, partiu, como os outros, do humorismo para as artes possíveis, que eram as artes gráficas, a decoração… a pintura. Mestre do cartaz, e da publicidade gráfica, não fazia mais do que continuar o trabalho de seu avô, o outro Dom Thomaz de Mello, fundador da primeira agência de publicidade em Portugal, e criador dos quiosques que ainda hoje nos cativam.

No humorismo ele deixou a lição da simplicidade, da estilização das atitudes. Essas mesmas características são a sua assinatura e originalidade em tudo o que tem feito até aos nossos dias.

Hoje, nos seus quase 80 anos, já está distante dos tempos da caricatura e do humor, mas continua a ser o exemplo da síntese em arte, a comunicação directa com o grande público.


Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?