Friday, December 11, 2020
Caricaturas Crónicas: «A DITA DENTA DURA» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 16/11/1986)
Pela
boca morre o... e pelo dente se trituram os mundos, primeiro em leves
mordeduras de leite, suplantados depois por fortes queixais esmagadores, que
transformam as massas num bolo homogéneo, sem queixas possíveis dos triturados.
Vinte e oito (de Maio?) são os elementos trituradores, acrescidos de mais
quatro, em siso, que vão desaparecendo. Dizem os biólogos que a nossa evolução
civilizadora os tornou inúteis, e, consequentemente, temos cada vez menos siso.
Quem
também não tem esses sisos são as dentaduras, quais postiços vingadores de
sentimentos de frustração e inferioridade, tal como os governos que, perante as
suas fraquezas, criam as ditaduras trituradoras, sem siso.
«Sem uma ideia o governo / Na craniana
espessura / Pois que em pedreira tão dura / Agua mole não entra e fura / Vai
agora a toda a pressa / Para ver se se segura / Na mansa cavalgadura / Montar a
toda a largura / D. Dicta dicta Dura!» (Nogueira, in Os Pontos, 11/8/1901).
A
ditadura é um «estado de graça», sem graça, em que a «situação» é conservada,
numa defesa de instituições, instituídas para o caso, no ocaso das ideias... de
segurança.
«A ditadura, divorciando as instituições do espírito da
nação, colocou-se, para as defender, no meio de um triângulo, cujos três
vértices são o governo, a polícia e a municipal (polícia). Pois, meus senhores,
no centro d'esse delta nem a própria providência se julgaria segura!»
(Raphael Bordallo Pinheiro in Pontos nos ii. 3/7/1890).
A
Providência, sem a vidência; deixa-se enredar: na teia dentária, e a ditadura
domina o momento, mina o futuro, comportando-se como a estiagem que tudo seca,
enquanto o «Zé dorme o sono dos
entorpecidos pelo calor, e as pobres plantas (político-partidárias) murcham,
sem conseguirem que a atmosfera política lhes traga o aguaceiro da crise!» (J.R.
in Charivari, 18/4/1896)
Muitas
foram as crises, e não poucas as ditas, mas na nossa História recente, a que
esteve mais dura de roer foi a de 28, uma espiga de maio vinte e seis, com um
pronuncio de cárie nos dentes de leite sidonistas, a dezoito. «Mussolini -Então é esta a traquinas da sua
filha (a República)?»
«O Zé - Sim, Sr. Duce, mas nasceu enfezadinha:..»
«Mussolini -Porque não lhe dá o meu xarope fortificante?»
«O Zé - Deus me livre. Já tomou uma xaropada dessas em 1918
ia morrendo!» (Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe. 25/11/1926).
Não
lhe serviu de lição, e em 26 é servida uma nova xaropada, desejada por muitos,
mas logo temida por quase todos - «Ó
Maria, afianças a melancia (ditadura)?»
«- Sei lá, não estou dentro dela...»
«- Então, o melhor é calá-la, que de resto, o calado é o
melhor…»
(Stuart Carvalhais, in Sempre Fixe 2/9/1926)
O
Calado não teve oportunidade, porque teve mesmo que se calar, como a maioria,
por impotência, por censura - «Na
impossibilidade de desenharmos e escrevermos no Diário do Governo, teremos de
transformar o Sempre Fixe em Jornal de Modas» (Francisco Valença, in Sempre
Fixe, 8/7/1926) - por prepotência e outras potências várias, que logo em 27 «põe a Declaração dos Direitos do Homem no
Penhor» (Francisco Valença, in Sempre Fixe; 5/5/1927).
No
Carnaval de 33 festejam-se as cinzas dos que nunca estão de acordo por inteiro,
os partidos - «Aqui repousam as cinzas
dos Partidos Políticos» (Francisco Valença, in Sempre Fixe, 2/3/1933) - e
lentamente, morrem as individualidades, cria-se um estado novo das coisas, em
monocromia de marionetas.
O
estado dos dentes também se vai deteriorando, como os governos; e se os
primeiros caem por velhice ou doença os segundos quanto mais velhos e enfermos
mais se agarram às pequenas materialidades, numa conservação de saudades de
potências.