Saturday, December 12, 2020

Caricaturas Crónicas: «O “Strip” cómic(o)» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 13/4/1986)

Não, não vou falar no strip tease que as máquinas do sexo fomentam aos olhos frustrados das massas de consumo. Nem desse desnudar constante que os governos nos impõem, em propostas de impost(os)uras. Apenas quero sublinhar o nascimento cómico, mas não ridículo, do que conhecemos por «histórias aos quadradinhos», ou «BD».

A história aos quadradinhos. Como o nome poderá supor, não é uma visão do mundo através das grades, sendo pelo contrário uma libertação de estruturas literárias, de conceitos linguísticos em narrativa figurativa de tradução mais directa. Os quadradinhos estão assim ilibados da suspeita de prisão, enquanto a história, essa cada um a faz segundo a sua consciência do mundo, ou suas necessidades.

A génesis dela foi simples: a linha era uma sequência estática de pontos, mas um dia fez-se movimento, fez-se símbolo, representação, imagem. A imagem era o instante, era o tempo suspenso, porém duas imagens juntaram-se, quebraram o tempo e fizeram narrativa.

Germinou durante o século passado (século XIX), como entretenimento da burguesia infantil, como arte de ilustração paralela ao texto. Neste género, que se manteve na Europa até muito tarde, o quadro era a representação de um instante, um fragmento narrativo dependente da sequência do texto. Paralelamente desenvolvia-se um outro género (em humor), onde a imagem se impôs como expressão imediata da realidade ou da narrativa, como mensagem codificada, como ilustração do jornal. O século apressava o tempo, e a imagem é a tradução instantânea; o século democratizava a vida, e consequentemente a imagem levava a informação simplificada ao alfabetizado e ao analfabeto.

Nasceu associada à caricatura, desenvolveu-se como ilustração humorística e libertou-se da linha literária para desenvolver a tira cómica – a «comic strip», como a definem os norte-americanos, os seus pais adoptivos, que partindo das experiências europeias a desenvolveram até a devolverem como a «nona arte». Gerada como humorismo, conheceu a narrativa como aventura, desenvolveu-se como arte de mass media.

Em Portugal, Raphael Bordallo Pinheiro (1846-1905) é encarado como um dos primeiros fomentadores desta arte (antecedido por Nogueira da Silva), desenvolvendo as suas «caricaturas cénicas» em sequências várias; publicando o primeiro álbum de narrativa gráfica; publicando em seus jornais, trabalhos dos pioneiros europeus, das histórias gráficas mudas, nomeadamente de Caran d’Ache, Töpffer…; incentivando o seu filho a criar «historias desenhadas» em sátira.

Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro (1867-1920), a terceira geração artística dos Bordallo Pinheiro, seria o sucessor directo do rafaelismo e, por essa razão, apontado como um simples imitador do seu pai. Apesar de não ter o génio de seu pai, não deixou de ser um magnífico artista, um bom desenhador, um humorista com graça, um espirito agudo de análise social.

Foi nessa visão cómico-analítica, que ele desenvolveu durante vários anos, no «António Maria», «Pontos nos ii» e «Paródia», as histórias em narrativa figurativa. Todos os rafaelistas, ou não como leal da Câmara, desenvolveram em seus jornais as «caricaturas cénicas», em narrativa sequenciada, mas quase que poderemos afirmar que Manuel Gustavo foi o primeiro bandadesenhista português a desenvolver com regularidade esta arte, em humor, e desligada da caricatura política. «Casos, Typos e Costumes» era a sua rubrica de sátira, onde o bom burguês não tinha descanso. Era no fundo uma sequência do realismo pitoresco, desenvolvido numa narrativa figurativa. Um dos exemplos destas histórias pode ser o eterno tema do casamento: «Contos Electricos – Viram-se os dois: Que desejos! E tomaram gargarejos, e deram furtados beijos, e casaram de abalada. Lua-de-mel passa breve, depois, já diz o almocreve, que ella tem cabeça leve, e elle, ao contrário, pesada…» (MGBP in «Pontos nos ii» 28/7/1887).

Após este nascimento e infância em mãos de humoristas, seria ainda o Stuart Carvalhais que, nos anos 10 (do século XX), daria um novo impulso na reconversão técnica, e na conquista de novos públicos. Depois outra história se desenvolveu em humor ou aventura, que não cabe nestas linhas, que não são cómicas, nem «strip», mas que narram algumas aventuras dos «comic strip» em Portugal, as nossas «histórias aos quadradinhos» ou «banda desenhada», «BD» para os amigos.


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