Friday, December 11, 2020
Caricaturas Crónicas: «José de Lemos em riso amarelo» por Osvaldo macedo de Sousa (in Diário de Notícias» de 4/5/1986)
José de
lemos é um desses artistas plásticos que tiveram de nascer, sobreviver e viver
presos à tarimba do jornalismo.
Amarelos eram aqueles transportes colectivos, em que a
colectividade contava a sua vida, discutia, apertava-se, pisava-se, trocavam-se
olhares de ódio ou amor. Hoje os amarelos são raros, não pela força sindical,
mas pela publicidade que os traveste das cores mais variadas, subsistindo
contudo o transporte e a colectividade ensardinhada.
Amarelo é também o sorriso de José de Lemos, ao
comentar com ironia essa vida popular, essa luta dia a dia pelo «lugar
sentado». O seu trabalho não é o de um simples fazedor de bonecos humorísticos,
ele é um jornalista (o único desenhador com cartão sindical) que em vez de
escrever, desenha: «O cartoonista é um
redactor, um trabalhador de jornal igual aos outros», que faz humor, não
para fazer rir, mas para comentar, criticar. É a sua visão do mundo, é uma
opinião feita de traço irónico - «O
humorismo é uma coisa muito séria, deve fazer pensar, mais do que rir».
José de lemos é um desses artistas plásticos que
tiveram de nascer, sobreviver e viver presos à tarimba do jornalismo. Nascido
em Lisboa (1910) como autodidacta em desenho e humorismo, iniciou, ainda
adolescente, a publicar os seus trabalhos no«Rebate», «O Papagaio», «Sempre
Fixe» e «Diário de Lisboa». Ao ingressar no quadro de fundadores do «Diário
Popular» terminou a sua peregrinação pelos periódicos, mantendo-se ainda hoje
neste jornal num «riso» quotidiano.
A sua vida, no fundo, é igual à de todos os outros
artistas feitos humoristas. Aprendeu o ofício no dia-a-dia, foi irreverente
mesmo quando não lhe apetecia, não criticou quando o sentia… A vida de todos os
cronistas satíricos, ou irónicos, seja pela palavra ou pelo desenho, é igual
nas liberdades, nos constrangimentos… apenas cada um procura a sua fórmula de
originalidade, procura as fugas possíveis de fazer arte, na crítica efémera.
José de Lemos é intrinsecamente um modernista da
geração do «Sempre Fixe» (do Botelho, Teixeira Cabral, Tom, Baltazar…), não só
por escola, como por grafia. A sua cartilha estética foi a análise-síntese, a
linha como interpretação caligráfica do mundo, das vivências quotidianas. A sua
cartilha em humor, foi a inteligência em ironia: «Há maneiras de dizer e fazer as coisas, de forma que a censura não
compreende».
A par do seu traço característico, existe uma
filosofia de grande humanismo, a que não é estranha a sua vida de escritor para
crianças: «Nada há mais bonito que uma
criança a sorrir, mesmo que tenha os dentes podres». A sua visão, pelos
olhos da criança, é o realismo frontal, mas poético, é a ingenuidade crítica da
falsidade, é o «riso amarelo», triste, do conhecedor da verdade humana.
Como escritor/ jornalista, dirigiu os suplementos
infantis do «Sábado Popular» com as célebres «Histórias e Bonecos», «Dr.
Sabichão», «Hoje há palhaços»… ou publicou livros infantis como «O Sábio que
sabia tudo e outras histórias», «O Compadre Simplório tem os Pés Tortos»,
«Histórias e Bonecos», «Pessoas e Bichos». Livros publicados tanto em Portugal
como no estrangeiro, com contos incluídos em antologias mundiais de conto
infantil.
A faceta de escritor
é também motivo de criação plástica, conciliando a narrativa com a cor da
ilustração, a interpretação gráfica com a linha. A simplicidade e a cor são a
riqueza fundamental da expressão lírica do seu espirito, um exemplo mais da
força narrativa da sua arte.
Narrar a vida, os pequenos problemas dos «vizinhos»,
as vivencias na cidade em critica jornalística, é a arte de José de Lemos, é a
ironia sempre actual em «riso amarelo», como o são os transportes colectivos,
apesar das variantes da cor.