Tuesday, December 29, 2020
Caricaturas Crónicas: «Alfredo Cândido» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias» de 15/2/1987)
Nascido
no ano de 1879, em Ponte de Lima, veio ao mundo terreno sob o reinado
humorístico de Raphael Bordallo Pinheiro e naturalmente cresceria sob a sua
influência raphaelesca, como muitos outros seus contemporâneos.
«Pouco
se passou que não surgisse a maldita queda para os bonecos, o que me valeu
sempre ser corrido das escolas. O primeiro desgraçado que eu conheci a mamnejar
o lápis de Busch em danças macabras, foi morto à força de pancadaria, por causa
de uma caricatura, estando depois empregado em casa dum judeu de cara de mogno
polido, fui inesperadamente posto na rua.
Foi
então que me fiz navegador e cheguei a atravessar as florestas incultas fo
Brasol, aonde fis os meus estudos “d’aprés nature”, pintando os retratos de
vários surucureis que passaram graciosamente.
No
Rio de Janeiro estreei-me no “Portugal Moderno e d’ahi por diante uma
caricatura representou sempre uma ameaça e uma espera; d’uma vez, foram
suspensos três jornais e eu estive quase a ser também definitivamente suspenso,
Colaborei em quase todas as publicações do Rio e de São Paulo.
/…/
Depois, (a minha inópia) só me recordo que fechei os olhos e fazendo-me ao
largo, vim dar com o costado na Rocha de Conde d’Óbidos. Cé, meu amigo, nesta
cidade das iscas, tendo errado pelas páginas do «Portugal-Brasil», do «Vira» e
do «Novidades», deixando-me escorregar suavemente, distraidamente, pela
manteiga de muitos outros que o público alfacinha, ainda mais distraidamente,
se dignou gramar».
Desta forma se autobiografou Alfredo
Cândido, em 1913, para o Catálogo do segundo Salão dos Humoristas de Lisboa.
Este artista, minhoto de nascimento, sereia luso-brasileiro pelo trabalho, e
desenhador-publicista-caricaturista por profissão.
Nascido no ano de 1879, em Ponte de
Lima, veio ao mundo terreno sob o reinado humorístico de Raphael Bordallo
Pinheiro e naturalmente cresceria sob a sua influência raphaelesca, como muitos
outros seus contemporâneos. Curricularmente, estudou «oficialmente» na Escola
Industrial de Viana do Castelo, mas na realidade Artística, foi discípulo da
vida, em sobrevivência, como todo o caricaturista / humorista gráfico da época.
O Brasil, como muitos outros portos ao
longo da nossa história, pareceu à sua família, para onde partiram em 1895, o
ancoradouro mais propício para sua segurança económica. Ai procurou a fama
artística, mas, tal como o mestre Raphael e outros companheiros lusos, não
encontrou o paraíso, mas uma terra selvagem de «coronéis» e «jagunços» pouco
dados aos humores. Se o dinheiro poderia ser uma presa fácil, também o era o
seu físico, para os ofendidos da caricatura.
Sempre houve «humilhados e ofendidos»,
no amor pelo humor, nas terras em vias de desenvolvimento que nunca chega, em
sociedades pouco abertas à inteligência dialogante, à opinião livre. Uma
opinião é o humor, é a caricatura, esse auto-reflexo deformador que Alfredo
Cândido compara com o tempo - «o Tempo é o caricaturista demolidor das
idolatrias e dos homens». Apressando o tempo, desmascarando os homens,
demolindo fantoches, o caricaturista é um animal perigoso para consciências
sujas, ou narcisismos embaciados.
No Brasil existia então esse espírito
anti-humorístico. E a sua vida aí, apesar de trabalhar em múltiplos periódicos,
de fundar dois deles («Teatro», «Larva»), não foi fácil, ao ponto de resolver
regressar à Rocha de Conde d’Óbidos (1905), vindo engrossar a corrente de
humoristas-caricaturistas que lutavam pelo derrube da monarquia, prosseguindo depois
com as críticas à República. O seu irmão José Cândido, também caricaturista
acabaria por se manter sempre em terras de Vera Cruz.
Apesar de rafaelista, por formação, não
deixou de participar nos Salões dos Humoristas, lançadores do modernismo em
Portugal, e de camaradar com eles, na difusão do gosto pela caricatura, na
crítica aos erros do republicanismo, continuando sempre a publicar até sua
morte (Lisboa 1960).
A par da sua actividade de
caricaturista, foi aguarelista, desenhador e ilustrador. Regressaria ao Brasil
por três vezes para visitar a família e realizar exposições (1923, 32 e 51).