Friday, January 01, 2021
Caricaturas Crónicas: «João Abel Manta, um plástico» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3/5/1987)
A sua obra permanece como um «mito» de humorismo de uma «terceira geração» modernista, que não existiu, permanecendo como uma ilha que ainda não fez escola entre nós.
Uma das características do plástico é a maleabilidade,
adaptação às exigências do momento. Também o é do artista plástico, que
querendo sobreviver da sua arte, tem que se adaptar às técnicas mais variadas,
deambulando desde a pintura, desenho, ilustração, cartaz, grafismo, decoração
de cerâmicas, tapeçaria, murais, azulejo, cenografia, arquitectura… até ao
humor gráfico.
Um artista plástico que fez um pouco de quase tudo o
atrás referido, é João Abel Manta, que começou «com os cartoons por sentir necessidade de um certo tipo de intervenção.
/…/ Considero o cartoonismo uma arma extremamente perigosa e por vezes
excessiva. /…/ É um tipo de intervenção do artista plástico que acaba sempre
por chegar a um beco sem saída pois, para ser eficaz, tem de ser imediatamente
legível, o que a condiciona; assim, ao contrário da pintura, da ilustração,
etc, não tem horizontes ilimitados».
Filho de dois mestres da pintura modernista (Abel
Manta e Maria Clementina Carneiro de Moura), João Abel Manta nasceu em Lisboa,
em 1928, licenciando-se na ESBAL em Arquitectura (1951), mas vivendo a arte na
profusão criativa referenciada no início. Conhecido nas várias artes, aqui
falaremos apenas do seu lado gráfico-humorístico.
Tendo sido cartoonista por criação, não o é por
convicção - «Sou um pintor que em
determinado período político do País, senti a necessidade de me expressar pelo
cartoonismo, mas a minha luta de há dez anos para cá é sair da lista dos
cartoonistas, já que nunca fiz o autêntico cartoonismo, que é uma anedota com
um boneco. É uma Profissão de que me sinto desligado, porque está a ser
exercida de uma forma absurda, rastejante.
Eu sou um
artista plástico, e nas artes plásticas deve-se saber fazer tudo, com ou sem
humor, mas em cada traço há sempre uma intenção, como é o caso de Almada que
mais do que pintor foi “cartoonista”, de Júlio Pomar que tem optimos
“cartoons”, de Menez, Sá Nogueira, António Quadros…»
Apesar deste amor/ódio a ilustração humorística,
denominada ambiguamente de «cartoon», João Abel Manta é um marco e marco e uma
ilha no grafismop humorístico português. Surgindo nos finais dos anos 40 como
uma ruptura à tradição gráfica, ele introduz uma estética de influência
americana, em detrimento do rafaelismo ainda dominante, ou do modernismo
sintético de influência franco-simplicissimus. Com um grafismo de «esquematismo
realista». Como uma visão em humor negro, onde o surrealismo em espirito do
absurdo dá um cunho especial ao seu trabalho.
Criando um estilo original bem característico, que se
impôs como um dos traços mais originais e importantes da segunda metade do séc.
XX, ele é o rosto de um humorismo satírico agudo, que renasce como oposição ao
regime, enquanto os «clássicos» se dobravam à simples anedota, ou iam
desaparecendo. Publicando os seus trabalhos na ver. «Arquitectura», no
«Almanaque», «Diário de Lisboa» / «Mosca», «Diário de Notícias» e no «Jornal»,
ele fez a transição entre a ditadura e a democracia. Na primeira, como
oposição; na segunda, como «necessidade de relembrar que houve fascismo e em
que consistia». Dois períodos condensados em dois livros - «Caricaturas
Portuguesas dos Anos de Salazar»; «Cartoons 1969-1985».
Abandonando o cartoonismo por quebra de necessidade de
intervenção, a sua obra permanece como um «mito» de humorismo de uma «terceira
geração» modernista, que não existiu, permanecendo como uma ilha que ainda não
fez escola entre nós.