Friday, January 01, 2021
Caricaturas Crónicas: «Empréstimos» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 10/5/1987)
Pregar o País é mais fácil do que o empregar, porque exige mais ciência empresarial, a qual necessita de apoio monetário. O pedido de empréstimo ao estrangeiro não é só de hoje, o que demonstra o estado adiantado da nossa «ciência económica».
A «vasura» (lixo), é um mal da civilização actual,
enquanto a usura tem sido perseguida ao longo dos séculos, mas quando se usa e
abusa de um país não resta mais nada do que um «prego». O prego serve para
substituir o cabide que não temos, serve para construir a casa que nos falta,
serve para «empenhar» o pouco que herdámos. O «prego» é o empenho na falência
nossa e triunfo do penhor.
Empenhados andamos todos nós, uns a construir algo de
útil, outros a destruir o que os primeiros fazem, e quase todos empenhados até
aos fundilhos: «A Fazenda pública – É um pobre maltrapilho remendado com
empréstimos, juros, deficit, e os fundos estão rotos» (Sebastião Sanhudo, in
«Sorvete» 4/5/1884).
Pregar o País é mais fácil do que o empregar, porque
exige mais ciência empresarial, a qual necessita de apoio monetário. O pedido
de empréstimo ao estrangeiro é um uso já antigo, não é só de hoje, o que
demonstra o estado adiantado da nossa «ciência económica» desde longa data.
«A dar
crédito a várias folhas, o Governo pensa em contrair um empréstimo de trinta
mil contos.
Humildes
observações: Corre para ai que nós não somos um povo adiantado. Uma calunia.
È possível
que em instrução, em artes, em industrias (honestas) não estejamos
efectivamente muito adiantados. A Alemanha, a Inglaterra, a França, talvez
n’esses insignificantes particulares, nos sejam um tudo-nada superiores.
Mas, não é
por estas bagatelas que o adiantamento de um povo, ou de um país, se revela.
Para se saber
se nós estamos ou não adiantados, consulta-se o livro de escripturação de John
Bull.
E, consultado
ele, reconhecer-se-á que Portugal é, já hoje, o país mais “adiantado” da
europa.
Ainda assim o
Governo, no sagrado empenho de que ninguém nos lance o barro adiante – vai
agora, segundo se diz, arranjar-nos mais um adiantamento… de trinta mil contos.
Decididamente
– estamos adiantadíssimos!» (Joaquim
Costa in «Alfacinha» 24/10/1882)
Ainda hoje, continuamos adiantados à Europa, ao ponto
de, por vezes, nos confundirem já com a áfrica, ou com o Atlântico, por sermos
um povo afogado nos défices mais ocidentais. Quando o observador estrangeiro
consegue ter alguma cultura geográfico-económica, o que nem sempre é fácil,
integra-nos na Europa, mas e apenas como um apêndice da Espanha, qual ilusão
acostada no cais da civilização empenhorada. Rodeado de boias de «salvação» no
existencialismo europeu, questionámo-nos onde termina a terra e começa o mar,
onde termina a realidade e começa a ilusão.
A salvação de Portugal não se sabe onde está, mas o
Empréstimo tem, de qualquer modo, o condão de nos iludir na duplicidade visual.
«Na luvaria
do Estado: – Os fregueses acham as luvas pequenas;
- Pequenas!
Querem-nas ainda maiores do que a minha medida?! Quantos contos é que caalça
então quem empresta?...
-Quem
empresta calça tudo. Quem pede emprestado descalça outro tanto» (Raphael Bordallo Pinheiro in «António Maria»
11/11/1880).
Nesta visão estrábica, existe o lado emprestador,
senhorial; e o lado penhorado, do (em)pregado. Por um está o Burnay (188…) ou o
F(o)MI (198…), que são a «Phyloxera do Paíz» (R.B.P. in «António Maria»
26/6/1882), por outro está a vinha-produto da nação, que o Zé-vinhateiro vê
escoar na garganta de desconhecidos
Se nesta civilização se pudesse pôr a usura no
«prego», não só continuaríamos um país «adiantado», como seriamos ricos.