Friday, November 06, 2020

Cartoonistas /3 – «António: O humor é uma forma de subversão» por Osvaldo Macedo de sousa (in JL – Jornal de artes e Letras de 8 de Janeiro de 1985)

    António Antunes, um pintor em «rebeldia» procurando a comunicação («preferindo comunicar com milhares de pessoas a ser fechado numa sala de colecionador»), é a encarnação de um espírito artístico em conflito com a arte da nossa época. «Quando terminei o curso de pintura havia uma confusão de estilos e interesses. Havia também várias questões para as quais não tinha resposta, questões sobre a máquina das Artes ditas sérias». Para ele, «a arte de colecção é que não faz sentido», a arte não pode ser encarada unicamente pelo lado estético, ou pela cópia de escolas estilísticas do exterior. Hoje, todo este confronto se agudizou e, entre a híper-teorização das artes e a consciência da necessidade de um regresso à comunicação, o artista encontra-se perdido: «Eu sinto-me numa dessas contradições.» E afirma: «As artes mais atraentes são as artes públicas porque interferem com o quotidiano das pessoas. Havia uma necessidade de comunicação que os jornais facilitaram» - o «República», o «Expresso», o «Diário de Notícias» … 10 anos de jornais.

OMS – Após este percurso, como  se considera: humorista, cartoonista ou caricaturista?

António – Sou as três coisas. É difícil qualificar-me, já que funciono nas três áreas. Quem faz ficção pode caricaturar tipos, mas a caricatura como estilo é algo de específico que tanto pode ser um retrato como uma imagem deformada. Como cartoonista pode-se recorrer muitas das vezes à caricatura, apesar do cartoonismo ser uma agregado à volta de uma ideia e não de uma pessoa. Num trabalho destes pode-se passar por tudo, mas sou fundamentalmente um observador satírico e sintético. Reduzo tudo aos pontos fundamentais - escalpeliza-los é já uma violência.     

OMS – Apesar do desprezo intelectual pela comicidade, considera o humorismo gráfico dentro das artes?

António - Dentro das artes existem ideias preconcebidas sobre artes maiores e artes menores, quando o problema está nos indivíduos. Estes não são, ou não devem ser, tão importantes que definam uma modalidade, ou um acto de criação.              

OMS – Neste campo quem são os seus artistas preferidos? Algum deles o influenciou?

António – Há um que me influenciou: Brad Holland. David Levine teve uma certa importância de arranque. Quanto a artistas portugueses posso dizer que tive certas influências dos nossos clássicos da Primeira República.

OMS – Acha que trouxe alguma coisa de novo ao humor gráfico português?

António – Tenho sido procurado pelos jornais! Comecei muito cedo nos jornais, e estes, assim como o público, necessitam de uma habituação, de uma imagem gráfica constante, por isso tenho fugido dos diários para os semanários, escapando da obrigatoriedade diária.

Por causa desta obrigatoriedade o meu processo evolutivo não é linear (os meus dois álbuns publicados são recolhas de trabalhos para jornais, e ainda não tive tempo de fazer um trabalho específico de álbum), mas mesmo assim tenho sido transparente na evolução. Sou ambicioso e exigente.

Se exerço influências? Poderia exercer, sobretudo pelos prémios que tive, se houvesse condições para a integração de novos.

OMS – A existência da censura até 1974 influenciou a sua obra? Tem algum desenho censurado?

António – Muito pouco, já que comecei a desenhar em março de 1974, mas conheci outras censuras, as censuras políticas ou partidárias, devido às alterações constantes de governo. Mesmo assim, posso responder que não fui afectado pela censura, salvo durante a minha educação.

OMS – Eça de Queiroz dizia que o humor no constitucionalismo é pelo menos uma opinião. Para si é uma opinião, ou uma forma de manipulação?

António – É fundamentalmente uma opinião. O caricaturista, tal como o jornalista, pode ter opções diferentes, e por isso defender teses. Nesse caso é uma manipulação, e isto existe em Portugal.  O humor é uma forma de subversão. No meu caso, tento fazer um jogo inteligente com o leitor. Tento não ser retórico, mas antes sintético, e o leitor tem a oportunidade de colocar a última peça. O sentido crítico do leitor é fundamental para a concretização deste jogo. É isto o que eu tento fazer.        

OMS – O humor gráfico português tem actualmente alguma característica específica, que o distinga do que se realiza no resto do mundo?

António – Acho que não. Cruzam-se aqui várias escolas de humor, várias correntes vindas de fora. Não critico essas influencias exteriores mas, sem deixar de olhar para o que se passa lá fora, é necessário ligar  à terra. Eu vivo com a graça da rua, do café, construo com o sentido de humor desta sociedade. As pessoas riem, mas é um humor ácido.

Na verdade, não há um humor único a nível de profissionais, porque são poucos e todos diferentes. Diferentes são também os seus vínculos a esta arte,uns são redactores, outros assalariados, outros criadores por simpatias políticas, artistas por gosto, ou diletantes que pagam para ver as suas obras publicadas.

O interesse pela modalidade não existe. Depois do 25 de Abril hpuve umas invasão de cartoonistas nos jornais, mas estes não ofereceram condições. Os jornais portugueses não ajudaram os bons caricaturistas e não exigiram qualidade aos que colaboram com eles. Os jornais não têm consciência da arte. Aos joprnais interessa simplesmente uma imagem, uma identificação gráfica. O «Diário de Notícias» talvez seja especial porque tem três ou quatro cartoonisas a funcionar. Quase como um segundo «Sempre Fixe».

OMS – Hoje pode-se dizer tudo o que se quer através do desenho?

António – O meu processo de criação não passa por exema prévio. È evidente que quando alguém se dirige a milhares de pessoas, não pode desenhar tudo, por uma simplres questão de consciência de sociedade. Não se trata de autocensura, mas sim da noção do meio ao qual nos dirigimos e da via que utilizamos.


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