Wednesday, May 08, 2013
Crónica Rosário Breve - Alegoria apícola por Daniel Abrunheiro
Nada perdura que humano seja.
Brilhantes terão sido as empenas das hoje áridas
Pirâmides do Egipto. Da imortalidade a que se propuseram, areia ficou só, que
permanecer não há-de.
Tirante esta melancolia, permiti-me Vós que Vos
narre certa teimosa perduração de que o muito outonecer da vida me faz
presença, gala e abespinhada teimosia. Foi quando o Carlos “Minhoca” da Fonseca
gozou sem ofensa o bom Augusto Abreu.
Passou-se isto num Inverno benévolo de há coisa
de vinte e picos anos. O Augusto tinha ajudado o filho a apossa-trespassar-se
de um café-restaurante dedicado a refeições operário-diárias. A malta
frequentava aquilo à noite, extintas do expediente as obrigações horárias.
Tinha outra coisa, o Augusto Abreu: era homem de virtudes d’antigamente,
daquelas virtudes que sabem o valor da horta, a beneficência da árvore de
fruto, o tesourinho do porco d’engorda, o quanto para comprar uma lareira conta
o salmourar da sardinha em caixa de sal com fundo de feto roubado ao pinhal.
Era um homem que se interessava, pronto.
E, pronto, o Carlos “Minhoca” da Fonseca não
quis outra vítima que Augusto, agravado de Abreu, se não chamasse, nesse
Inverno que nem eu nem Vós reviveremos.
Disse assim o “Minhoca”, como quem não quer a
coisa:
– Palavra
de honra que achei estranho a mulher só me ter pedido 500 paus por um pote de
dois litros de mel do purinho.
Eu nada disse: porque sei bem mais de minhocas
do que de apiculturas. Mas o Augusto Abreu (bom homem, pai de seu casalinho,
maridinho de sua esposa varizenta & cultor indefectível de seu quintalinho
sem ferrugem nem caracol fumigado) caiu que nem um estorninho em visco
armadilhado com anzol de silveira:
– Ó senhor
Carlos, o senhor desculpe mas isso interessa-me muito. Eu fico com dez potes,
se o senhor me der o número de telefone da senhora.
E o sacana do “Minhoca” assim:
– Dou-lho
com todo o gosto, senhor Augusto, mas vai ter de esperar dois anos pela
encomenda.
E o pobre Augusto assim para ele:
– Dois
anos?! Então porquê?
E o mau: –
Pois, dois anos porque a senhora de momento está a trabalhar só com uma abelha.
Ora, isto do trabalhar da solitária zunidora e
da ilusão da eternidade tem tudo a ver com o mesmo, digo (ou bebo) eu.
E de potes, notas de 500 à Alves dos Reis, minhocas,
abelhas e coelhos percebo eu.
E também muito de pirâmides, que mortas estão
mas continuam a apontar para o céu como os imbecis que ainda se admiram de ver
passar aviões que de Bruxelas, ou de Berlim, nada mais trazem que perdure senão
a inelutabilidade da morte e a porquita miséria a meio conto de réis o pote.