Thursday, December 06, 2007
HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 5)
Manuel Maria Bordallo Pinheiro
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A caricatura é um género que está entrar na moda aos poucos, e não há duvida que o Suplemento de “O Patriota” foi o grande impulsionador e motor do humor gráfico deste primeiro periodo, pela persistência e qualidade. Com o seu desaparecimento em 1852 (altura em que cremos que coincide com a morte do Cecília-Pinta-Monos de tísica) abrir-se-á uma lacuna, que só muito mais tarde será colmata com a revolução Bordaliana. Entretanto a caricatura política sobreviverá mediocremente, dando espaço ao humor gráfico de maior incidência social, num caminho de aprendizagem estética, e de democratização do Humor, deixando de rir-se DE, para procurar rir-se COM os políticos e demais Glórias caricaturáveis.
Figuras fundamentais desta transição serão Manuel Maria Bordalo Pinheiro, Nogueira da Silva e Manuel Macedo, que procurarão tirar os melhores proventos da evolução gráfica que dominava países como a França e Inglaterra. Sobre esta transição escreveu Teixeira de Carvalho, in “Arte e Vida” (nº 7 de 1905): «De todos os caricaturistas estrangeiros é Hogarth o que teve na imprensa periódica ilustrada uma representação mais larga»
«/…/ Além de Hogarth, poucos caricaturistas lograram ser reproduzidos cuidadosamente em Portugal, e o seu verdadeiro valor passou no nosso país completamente desconhcido.»
«É facil encontrar nas publicações periódicas portuguezas referência d’onde se deduz que a literatura satyrica e a caricatura franceza eram conhecidas em Portugal; não é possivel porém encontrar um trecho donde possa deduzir-se o apreço em que eram tidas.»
«/…/ É para notar também que em parte alguma se encontra na imprensa periódica portugueza referência a Daumier e á sua obra.»
«Da obra caricatural franceza, admirava-se apenas em Portugal a frivolidade elegante de Gavarni, o desenho emfuso de Cham muito reproduzido em decalques de gravadores principiantes.»
«Importada pela literatura popular, é na litteratura popular que vemos aparecer a caricatura em Portugal com as illustrações originaes da ‘Revista Popular’ e da ‘Semana’.»
«A Caricatura teve o balbuciar nos enygmas pittorescos das publicações illustradas populares.»
«Foi ali, que os desenhadores aprenderam a linguagem do calembourg.»
«Além disso os desenhistas preocupavam-se com fazer fallar aqueles desenhos simples, tornar comprehensiveis os gestos, as attitudes, as visagens, que traduziam o pensamento ou a phrase popular.»
«Assim foram levados a dar a maior intensidade de expressão no traço mais incisivo e mais simples.»
«Nesses calembourgs o desenhista podia imitar, mas nunca copiar o desenho extrangeiro que fallava outra lingoa. O desenhista fazia assim a aprendizagem da linguagem e do gesto do traço.»
«Assim gradualmente, o desenhista, achou o traço caricatural, embora ingénuo.»
«Começava também por esse tempo em Portugal, a illustração dos romances que por seu lado havia de contribuir poderosamente para o apparecimento da caricatura.»
«De todo esse movimento é figura principal Nogueira da Silva, que pelo ser espirito emprehendedor, pela sua devoção á causa popular, e pela evolução do seu espírito de caricaturista é o antecessor de Raphael Bordallo Pinheiro…»
Vamos passar um período de cerca de duas dezenas de anos, em que a sátira política na formula explosiva e panfletária se esvai numa mediocridade total (o que confirma a grande importância do Cecília/Maria Pinta Monos). Mas, como já referi não é um período morto, antes de transição, onde vão reinar os artistas gravadores, os ilustradores que se tinham desenvolvido paralelamente nas referidas publicações de instrução e entretenimento. É um período em que as questões técnicas e estéticas são fonte de preocupação dos artistas.
Esta questão estética não é apenas uma preocupação dos gráficos, mas geral no país, primeiro porque os próprios tempos assim o exigiam a nível europeu, depois porque com o apoio do rei-consorte D. Fernando as artes em Portugal passavam um momento de impulsionamento.
Um dos protegidos do rei, e que procurará ser um dos teóricos é Manuel Maria Bordalo Pinheiro, que terá grande importância, não só pela sua dinâmica organizativa, pelas tertúlias que desenvolverá em sua casa, assim como pela pródiga geração de descendentes que dará ás artes.
Natural de Lisboa, onde nasceu a 28 de Novembro de 1815, Manuel Maria Bordallo Pinheiro é a imagem mais concreta do que eram as artes em Portugal no princípio deste século. Artista, sem o ser como profissional, levaria o seu amadorismo a limites de qualidade, explorando todas as técnicas e oportunidades passíveis de criar arte. Pintor, escultor gravador, litógrafo, critico e esteta, seria discípulo de António Maria da Fonseca, do miniaturista Luís Pereira de Resende e do escultor Faliciano José Lopes. Cultivou o gosto e a arte como ecletismo.
Seguir as correntes estéticas internacionais do momento era o seu objectivo num país um tanto arredado desses movimentos de exploração dos novos mundos, da interioridade de cada um. «Hoje - afirmaria Manuel Maria em carta dirigida á Academia de Belas Artes - as escolas acabaram. Cada um faz carreira por si próprio, observando a natureza, e é preciso estudá-la e compreendê-la. Os nossos artistas hão-de forçosamente representar a sua época seguindo o movimento actual».
No seu elogio fúnebre, publicado no “Ocidente” (nº52 de 15/2/1880), este papel de dinamizador das artes é mais explicito: «…Ao seu esforço deve-se, por assim dizer, o renascimento da arte da gravura, que se achava inteiramente esquecida e desprezada.»
«Do distinto artista disse há poucos dias um biógrafo: "Há quarenta anos, quando Manuel Maria Bordallo Pinheiro fez a sua entrada no mundo artístico compunha-se unicamente dos elementos seguintes, - uma sombra sentada sobre uma ruína.”»
«“O fio da tradição tinha-se partido, a memória dos grandes nomes estava perdida. Era preciso fazer tudo. Para vencer, era necessário em primeiro lugar a têmpera dos valentes e a crença dos predestinados.»
«Bordalo Pinheiro iniciou a gravura em madeira, e o 'Panorama' saiu do caos. Principia então, a laboriosa vida do artista, manifesta-se a fecunda iniciativa que depois, secundada por outros esforços, consegue tornar a sombra numa estátua e a ruína num templo.»
Apresentado como um pioneiro, como um inovador, ele teve um papel de dinamização nas nossas artes, como "espírito tutelar” orientador de uma família das artes portuguesas; como dinamizador de correntes estéticas novas; e organizador das mais variadas actividades artísticas.
A primeira manifestação onde se evidenciou foi na gravura. Partindo da observação de escolas ou mestres, soube recriar as técnicas necessárias das artes gráficas, para relançar a ilustração jornalística numa visão mais estética:
Recriou uma arte, difundindo a ilustração, e tentou fundar uma escola. Discípulos teve, as obras foram aparecendo no “Panorama”, na “Ilustração”, na “Revista Popular”, nas “Artes e Letras”, no “Ocidente”...
A nível estético acamaradou com os românticos, numa visão historicista ou pitoresca. A sua formação de miniaturista facilitou-lhe a exploração do pormenor, de pequenos quadros de género, pinturas de costumes, para além de quadros histórico-anedóticos.
Admirado por D. Fernando Sax-Coburgo e pelo duque de Palmela, viajou com mecenato do último, por Madrid, Paris e Londres, num estudo que acentuou a sua tendência para o género flamengo, onde o rigor na observação, o pormenor da realidade, o apresentam como antecessor do realismo, uma estética de vanguarda na época.
O realismo aparece aqui não como filosofia estético-social, mas como fruto de uma linha romântica no gosto do costumbrismo, das cenas populares que, vistas pela “verdade simples”, nos apresentam o anedótico como grotesco e por vezes caricatural.
Manuel Maria, sem ser um caricaturista ou um humorista, é um dinamizador (pela sua actividade de gravador e de crítico, pela constituição de uma Sociedade Promotora de artes...) da gravura que impulsionará a caricatura; do realismo como evolução estética da ilustração humorística. Foi portanto o primeiro espírito esclarecido a abrir as portas ás artes de mass-média e ao humorismo de expressão estética.
Morreu em 1880.
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
A caricatura é um género que está entrar na moda aos poucos, e não há duvida que o Suplemento de “O Patriota” foi o grande impulsionador e motor do humor gráfico deste primeiro periodo, pela persistência e qualidade. Com o seu desaparecimento em 1852 (altura em que cremos que coincide com a morte do Cecília-Pinta-Monos de tísica) abrir-se-á uma lacuna, que só muito mais tarde será colmata com a revolução Bordaliana. Entretanto a caricatura política sobreviverá mediocremente, dando espaço ao humor gráfico de maior incidência social, num caminho de aprendizagem estética, e de democratização do Humor, deixando de rir-se DE, para procurar rir-se COM os políticos e demais Glórias caricaturáveis.
Figuras fundamentais desta transição serão Manuel Maria Bordalo Pinheiro, Nogueira da Silva e Manuel Macedo, que procurarão tirar os melhores proventos da evolução gráfica que dominava países como a França e Inglaterra. Sobre esta transição escreveu Teixeira de Carvalho, in “Arte e Vida” (nº 7 de 1905): «De todos os caricaturistas estrangeiros é Hogarth o que teve na imprensa periódica ilustrada uma representação mais larga»
«/…/ Além de Hogarth, poucos caricaturistas lograram ser reproduzidos cuidadosamente em Portugal, e o seu verdadeiro valor passou no nosso país completamente desconhcido.»
«É facil encontrar nas publicações periódicas portuguezas referência d’onde se deduz que a literatura satyrica e a caricatura franceza eram conhecidas em Portugal; não é possivel porém encontrar um trecho donde possa deduzir-se o apreço em que eram tidas.»
«/…/ É para notar também que em parte alguma se encontra na imprensa periódica portugueza referência a Daumier e á sua obra.»
«Da obra caricatural franceza, admirava-se apenas em Portugal a frivolidade elegante de Gavarni, o desenho emfuso de Cham muito reproduzido em decalques de gravadores principiantes.»
«Importada pela literatura popular, é na litteratura popular que vemos aparecer a caricatura em Portugal com as illustrações originaes da ‘Revista Popular’ e da ‘Semana’.»
«A Caricatura teve o balbuciar nos enygmas pittorescos das publicações illustradas populares.»
«Foi ali, que os desenhadores aprenderam a linguagem do calembourg.»
«Além disso os desenhistas preocupavam-se com fazer fallar aqueles desenhos simples, tornar comprehensiveis os gestos, as attitudes, as visagens, que traduziam o pensamento ou a phrase popular.»
«Assim foram levados a dar a maior intensidade de expressão no traço mais incisivo e mais simples.»
«Nesses calembourgs o desenhista podia imitar, mas nunca copiar o desenho extrangeiro que fallava outra lingoa. O desenhista fazia assim a aprendizagem da linguagem e do gesto do traço.»
«Assim gradualmente, o desenhista, achou o traço caricatural, embora ingénuo.»
«Começava também por esse tempo em Portugal, a illustração dos romances que por seu lado havia de contribuir poderosamente para o apparecimento da caricatura.»
«De todo esse movimento é figura principal Nogueira da Silva, que pelo ser espirito emprehendedor, pela sua devoção á causa popular, e pela evolução do seu espírito de caricaturista é o antecessor de Raphael Bordallo Pinheiro…»
Vamos passar um período de cerca de duas dezenas de anos, em que a sátira política na formula explosiva e panfletária se esvai numa mediocridade total (o que confirma a grande importância do Cecília/Maria Pinta Monos). Mas, como já referi não é um período morto, antes de transição, onde vão reinar os artistas gravadores, os ilustradores que se tinham desenvolvido paralelamente nas referidas publicações de instrução e entretenimento. É um período em que as questões técnicas e estéticas são fonte de preocupação dos artistas.
Esta questão estética não é apenas uma preocupação dos gráficos, mas geral no país, primeiro porque os próprios tempos assim o exigiam a nível europeu, depois porque com o apoio do rei-consorte D. Fernando as artes em Portugal passavam um momento de impulsionamento.
Um dos protegidos do rei, e que procurará ser um dos teóricos é Manuel Maria Bordalo Pinheiro, que terá grande importância, não só pela sua dinâmica organizativa, pelas tertúlias que desenvolverá em sua casa, assim como pela pródiga geração de descendentes que dará ás artes.
Natural de Lisboa, onde nasceu a 28 de Novembro de 1815, Manuel Maria Bordallo Pinheiro é a imagem mais concreta do que eram as artes em Portugal no princípio deste século. Artista, sem o ser como profissional, levaria o seu amadorismo a limites de qualidade, explorando todas as técnicas e oportunidades passíveis de criar arte. Pintor, escultor gravador, litógrafo, critico e esteta, seria discípulo de António Maria da Fonseca, do miniaturista Luís Pereira de Resende e do escultor Faliciano José Lopes. Cultivou o gosto e a arte como ecletismo.
Seguir as correntes estéticas internacionais do momento era o seu objectivo num país um tanto arredado desses movimentos de exploração dos novos mundos, da interioridade de cada um. «Hoje - afirmaria Manuel Maria em carta dirigida á Academia de Belas Artes - as escolas acabaram. Cada um faz carreira por si próprio, observando a natureza, e é preciso estudá-la e compreendê-la. Os nossos artistas hão-de forçosamente representar a sua época seguindo o movimento actual».
No seu elogio fúnebre, publicado no “Ocidente” (nº52 de 15/2/1880), este papel de dinamizador das artes é mais explicito: «…Ao seu esforço deve-se, por assim dizer, o renascimento da arte da gravura, que se achava inteiramente esquecida e desprezada.»
«Do distinto artista disse há poucos dias um biógrafo: "Há quarenta anos, quando Manuel Maria Bordallo Pinheiro fez a sua entrada no mundo artístico compunha-se unicamente dos elementos seguintes, - uma sombra sentada sobre uma ruína.”»
«“O fio da tradição tinha-se partido, a memória dos grandes nomes estava perdida. Era preciso fazer tudo. Para vencer, era necessário em primeiro lugar a têmpera dos valentes e a crença dos predestinados.»
«Bordalo Pinheiro iniciou a gravura em madeira, e o 'Panorama' saiu do caos. Principia então, a laboriosa vida do artista, manifesta-se a fecunda iniciativa que depois, secundada por outros esforços, consegue tornar a sombra numa estátua e a ruína num templo.»
Apresentado como um pioneiro, como um inovador, ele teve um papel de dinamização nas nossas artes, como "espírito tutelar” orientador de uma família das artes portuguesas; como dinamizador de correntes estéticas novas; e organizador das mais variadas actividades artísticas.
A primeira manifestação onde se evidenciou foi na gravura. Partindo da observação de escolas ou mestres, soube recriar as técnicas necessárias das artes gráficas, para relançar a ilustração jornalística numa visão mais estética:
Recriou uma arte, difundindo a ilustração, e tentou fundar uma escola. Discípulos teve, as obras foram aparecendo no “Panorama”, na “Ilustração”, na “Revista Popular”, nas “Artes e Letras”, no “Ocidente”...
A nível estético acamaradou com os românticos, numa visão historicista ou pitoresca. A sua formação de miniaturista facilitou-lhe a exploração do pormenor, de pequenos quadros de género, pinturas de costumes, para além de quadros histórico-anedóticos.
Admirado por D. Fernando Sax-Coburgo e pelo duque de Palmela, viajou com mecenato do último, por Madrid, Paris e Londres, num estudo que acentuou a sua tendência para o género flamengo, onde o rigor na observação, o pormenor da realidade, o apresentam como antecessor do realismo, uma estética de vanguarda na época.
O realismo aparece aqui não como filosofia estético-social, mas como fruto de uma linha romântica no gosto do costumbrismo, das cenas populares que, vistas pela “verdade simples”, nos apresentam o anedótico como grotesco e por vezes caricatural.
Manuel Maria, sem ser um caricaturista ou um humorista, é um dinamizador (pela sua actividade de gravador e de crítico, pela constituição de uma Sociedade Promotora de artes...) da gravura que impulsionará a caricatura; do realismo como evolução estética da ilustração humorística. Foi portanto o primeiro espírito esclarecido a abrir as portas ás artes de mass-média e ao humorismo de expressão estética.
Morreu em 1880.