Monday, October 26, 2020
Paulo Cardoso – Em «Indícios de Ouro Pictóricos» - A pintura como homenagem a Mário de Sá-Carneiro, Entrevista de Osvaldo Macedo de Sousa para o “Jornal de Sintra” (29/7/1990)
Decorreu em Lisboa, na Galeria S. Mamede, uma exposição-homenagem integrada nas comemorações do centenário do nascimento do poeta Mário de Sá-Carneiro. Não foi uma exposição biográfica, mas sim temática, ou seja, o pintor Paulo Cardoso, inspirando-se nos poemas «Indícios de Ouro», criou uma série de magnificas telas alusivas.
Não é a primeira vez que Paulo Cardoso veicula a sua inspiração através de motes poéticos. De facto, já em 88 comemorou o centenário de Pessoas com telas inspiradas na «Mensagem», às quais deu o nome de «Mar Português».
Anteriormente a sua pintura tinha espelhado uma outra faceta profissional do autor, ou seja a astrologia (ligada ao mundo intelectual e do espectáculo), na «Via lactea à escala humana» e «A Terra Vista do Sétimo Céu». Em Junho de 89 fez parte da exposição dos «Seleccionados do Prémio SOCTIP – Jovens Pintores», e nestes três primeiros meses de 90 participou em três colectivas.
Relativamente a esta nova exposição - «Indícios de Ouro» - procuramos que o artista nos conduzisse nesse seu mundo poético-pictórico.
Paulo Cardoso – A certa altura percebi que o
que eu queria pôr nos quadros era muito mais próximo daquilo que Mário de
Sá-Carneiro queria exprimir, sobretudo nos «Indícios de Ouro». E, não é por
acaso que comecei mesmo a usar o ouro naquilo que fazia. Há um lado metálico,
rutilante naqueles poemas, visto a linguagem de Sá Carneiro ser muito sugestiva
e quente nos sentidos, no gosto, no tacto; tem cheiro, sente-se os cetins, o
frio…
OMS – Como concretizas esse lado metálico?
P.C. – Estive praticamente um ano a preparar
toda esta fase e a tentar experimentar novos materiais. Foi quando comecei a
trabalhar com folha de ouro, a aprender qual a melhor técnica de aplicação da
própria matéria e a preparar a tela de outra maneira, tal como o suporte, para
que a própria tela apanhe e incorpore a folha de ouro.
Como já tinha acontecido anteriormente, eu
próprio faço as tintas, para obter as transparências e os empastamentos.
Misturo os pigmentos com o óleo, vernizes, terbentinas e faço reacções
químicas. Jogando com compostos e derivados, esse lado alquímico cria maiores
possibilidades de texturas, granulados. Nestas telas a matéria afirma a sua
presença para além da tela. São trabalhos que vivem sobretudo do relevo.
OMS – E essa textura matéria, ligada ao lirismo poético é contudo abstrata e não figurativa!
P.C. – É uma pintura abstrata, sem suporte
de imagem, porque este está nas ideias. Gosto de navegar na abstracção, sem
procurar uma bitola, um valor de imagem.
O que me apaixona – é a descoberta do que está por definir, é procurar o
inconsciente, a sugestão. Esta pintura não tem uma intenção ilustrativa, mas
sugestiva, é como se a cada um dos quadros fosse uma sugestão de leitura
óptica.
Eles são normalmente feitos e inspirados numa
quadra ou num poema, só que a pintura vive também por si própria, sem
necessidade do poema. Porém, lido o poema, pode ter-se outra leitura do quadro,
sem esta ser redutora, no sentido de ilustrar ponto por ponto o poema – mote.
Antes pelo contrário, o quadro deve ser encarado como uma meditação sobre uma
hipótese interpretativa feita imagem sugestiva, mas abstrata.
Uma exposição de Paulo Cardoso, curiosa pela forma temática feita homenagem, interessante pela riqueza plástica que os quadros atingiram, como maturidade de um jovem pintor, e que esteve recentemente patente ao público na Galeria S. Mamede.