Tuesday, October 27, 2020
Páginas d’um Diário – Carlos «Zíngaro» no Outro lado do Espelho por Osvaldo Macedo de Sousa in Jornal de Sintra de 9/11/1990
Páginas soltas de cadernos onde os sonhos, as visões estéticas se agarram no dia-a-dia. Esta exposição é um passeio por essas deambulações gráficas de um espírito irrequieto.
Nascido em Lisboa (1948),
Carlos Corujo «Zíngaro» é um artista dividido entre a música e as artes
plásticas. Conhecido internacionalmente como um dos expoentes da «New Music»,
mantém a sua obra gráfica num certo anonimato, não por sua opção, mas pelos
condicionalismos profissionais.
Iniciando a sua actividade plástica nos anos 70,
passou pela pintura, publicidade gráfica, ilustração de livros infantis, capas
de discos, cartazes para teatro e demais espectáculos, cenografias para teatro
e bailados, banda desenhada nas publicações «Evaristo», «Visão»… ilustração
humorística no «Pão de Manteiga», «Bisnau», «Gazeta de Artes e Letras», «Ver.
S. Carlos», «Rev. Artes Plásticas» … numa actividade que nem sempre manteve a
continuidade, como reflexo das dificuldades de sobrevivência das artes neste
País.
Partindo de influências «psicadélicas», evoluirá para
um grafismo «barroco futurista», onde a máquina, a ficção espacial, o humor
negro e o non-sense se mesclam numa harmonia Zingariana.
Nesta exposição da galeria sintrense «O Outro lado do
Espelho» (patente ao público de 10 de Novembro a 2 de Dezembro de 1990),
podem-se ver as suas mais recentes obras de estilo…. «Não sou um crítico – diz o artista – ou um teórico. Esta exposição não pretende dar nenhuma via estético /
cultural. Todas as análises que façam do meu trabalho são definições a
posteriori e, por isso, um bocado subjectivas. O que ali está é o desenho, pelo
prazer de desenhar.»
«É um bocado difícil
definir o que faço, pois a minha pintura é, para mim, extremamente abstracta,
feita nas horas vagas, sem ser uma pintura de domingo. O que acontece é que, o
que me interessa nas Artes Plásticas é a expressão de um mundo individual, que
não sendo indiferente a correntes, representa uma coisa bastante pessoal,
própria, o que infelizmente não se tem assistido muito por aí. O que tem havido
da minha parte é uma movimentação no sentido da figuração, pois para mim a
figura humana é muito importante.»
«Sendo a exposição
intitulada «Páginas d’um Diário», não representam o que vejo mas o que sinto e
como o desenhar para mim serve um bocado como terapia, como catarse, vomito
para o papel frustrações várias como músico desta aldeia à beira-mar plantada
e, por isso, não é de estranhar que haja uma grande violência naquilo que
desenho. Não sei até que ponto, se não fosse artista, não seria eventualmente
viajante ou navegador solitário e, não tendo a possibilidade de o ser, seria
uma pessoa muito violenta, porque há coisas na sociedade portuguesa que me
chocam e me revoltam, o que transparece nos meus desenhos.»
O que transparece nos seus desenhos é uma paleta de cromatismos suaves,
ligados a um desenho irreverente, por vezes surrealista, porque onírico. Uma
das componentes essenciais na sua pintura, ou desenho é o grafismo e, não será
exagerado afirmar que Carlos «Zingaro» é um dos maiores gráficos deste país, um
dos artistas mais originais e com maior valor. O futuro o confirmará.