Friday, October 30, 2020

«Siné perde calças em Lisboa» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário Popular de 26/10/1988)

   O riso pode fazer-nos perder a compostura, a má disposição, mas raramente nos faz perder as calças. Mas foi isso que aconteceu a Siné (o famoso mestre da caricatura francês), em Lisboa. A propósito deste incidente, falamos da festa de jornalismo gráfico que está a decorrer em Porto de Mós.

                Perder a cabeça, qualquer um a perde, seja pelas constantes contradições do governo, pelos impostos, pelo patrão, pelo futebol, ou mesmo pelo humor. O riso pode fazer-nos perder a compostura, a má disposição, mas raramente nos faz perder as calças. Isso acontece normalmente com a chegada súbita do marido, ou na fuga de um cão raivoso, mas o Siné veio a Portugal por causa do humor e por cá perdeu as calças. Isto só poderia ter acontecido mesmo a um artista homenageado pelo II Salão Nacional de Caricatura – Porto de Mós / 88. Neste momento as calças já foram encontradas e enviadas.

Claro que já repararam que esta notícia, verdadeira, apenas serve para chamar a atenção sobre esta festa do jornalismo gráfico, patente ao público na Casa do Povo de Porto de Mós até ao dia 30 do corrente. São, pois os últimos dias.

                «Em que consiste o Salão Nacional de Caricatura? Antes de tudo – diz o catálogo – gostaríamos que fosse um sorriso na imagem do povo português, quebrando a seriedade que está colada à mascara de todos nós». E creio que esse objectivo foi atingido, pois o público que lá vimos, a observar as 190 obras expostas, nos parecia feliz e sorridente.

                Logo á entrada há uma mini feira do livro de humor, com os vários álbuns de autores portugueses ou os postais inéditos de Siné, que foram pré-lançados cá em Portugal. De seguida podem-se observar 50 trabalhos do mestre Siné, o artista homenageado neste Salão.

                Siné é o símbolo da revolta feita humor, a sátira lutando lutando contra a opressão militar, clerical… a liberdade sexual e vivencial. O seu traço-grafitti é incisivo, não deixando passar uma oportunidade para clamar pelos direitos humanos. Por essa razão, ele opõe-se a que o definam politicamente, recusando a esquerda, o centro ou a direita, já que ele é um anarca, um homem lutando contra-e-pelo-mundo, um Quixote que, após 30 anos de luta, se sente fracassado: «-Tentei desmascarar as ditaduras, a opressão, tentei derrubar os militarismos, o clericalismo, o poder… e tudo continua como se eu não existisse!». É uma pequena retrospectiva desta vida que se encontra em Porto de Mós.

                Podem-se também ver 44 trabalhos concorrentes ao I Salão Livre, onde, para além de artistas conhecidos, se pode descobrir obras de Belém, Costa Ferreira, JJ Monsanto, Onileda, Luís Saraiva e Isolino Vaz (ambos premiados)… ou os 90 trabalhos que participaram no II Salão de Caricatura de Imprensa, representando vinte periódicos.

                Através do II Salão, dedicado aos profissionais, correspondendo os prémios nacionais de jornalismo gráfico aos trabalhos publicados durante o ano de 1987, tem-se uma perspectiva do que melhor se cria em Portugal, no jornalismo gráfico-humorístico, assim como do que aconteceu politicamente em Portugal, pelo espelho deformante da caricatura.

                É a vida do país retratada em humor, é o jornalismo transformado em estética plástica, com as suas obras-primas criadas na tarimba do quotidiano, Naturalmente estão presentes os maiores humoristas portugueses como o António, Cid, Maia, Pedro Palma, Rui, Zambujal, Zingaro, Luis Afonso, Zé Bandeira, Adam, Aniceto Carmona… mas entre todos a revelação foi Zé Oliveira, que representa o jornal «Trevim». Sendo um artista desconhecido do grande público, demonstra já um total domínio do traço e um humor incisivo e inteligente.

                Raramente temos a oportunidade de observar um conjunto como este de obras de humor. É o Salão Nacional de Caricatura de Porto de Mós, que encerra no dia 30, com a entrega dos prémios às crianças e escolas que participaram no concurso «O Salão visto pelas crianças», organizado pela Câmara Municipal de Porto de Mós (uma das responsáveis do salão) com o patrocínio das Edições Caminho.

                Nota: (Como Director do Salão Nacional de Caricatura e de outros eventos para conseguirmos que a comunicação fale de nós temos que ser criativos. Este artigo, escrito por mim em 1988, só comprova que quem quiser fazer publicidade dos seus eventos na imprensa não pode esperar pelos outros e temos de sermos nós mesmo a escreve-los, tanto em 1988 como nos dias de hoje. Por vezes enviamos como nota de imprensa o artigo já feito, noutras vezes não assinamos ou pomos um pseudónimo. Este, foi assinado como M. de Macedo. Há muitos artios assinados simplesmente por Osvaldo de sousa, outros por O.Sousa, OMS, Osvaldo Macedo de Sousa, M de Macedo, Manuel Macedo e Manuel Gonçalves. Este ultimo, essencialmente como gráfico dos meus catálogos)


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