Saturday, February 20, 2021

Caricaturas Crónicas: «Zé Penicheiro - a caricatura em volume» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 26/11/1989

Uma obra – caricatura, bonecos, pintura – que assenta na fauna humana de personagens surpreendidas nos palcos marítimos e campesinos, onde se ganha «o pão que, muitas vezes, o diabo amassou». Uma arte com um cunho de verdade.

 

Há nomes que de imediato associamos a uma profissão, a uma arte, e depois quando começamos a coscuvilhar o seu passado, a sua vida, descobrimos outras paixões, outras vivências.

É o caso do Zé Penicheiro, um artista popular que eu associava à pintura e recentemente descobri as suas origens caricaturais, seja a duas como a três dimensões.

José Penicheiro é um beirão de Candosa (Tábua 1921). Mas figueirense por adopção, nascido há mais de cinco dezenas de anos. Desde a sua infância se radicou na Figueira da Foz, onde ainda hoje tem um estúdio e galeria de arte (Buarcos). Aí, foi crescendo a pulso, sem escola artística, para além da rua, da sua curiosidade e perspicácia, impondo-se como um artista popular.

Como muitos outros, lançou-se na arte através da caricatura, publicando os primeiros desenhos, em finais de quarenta, no jornal portuense «O Primeiro de Janeiro». Após o êxito destas primeiras colaborações jornalísticas, diversificou o seu trabalho para outros periódicos, como «A Bola», «Os Ridículos», «Sempre Fixe», «República», «A Bomba», «O Brincalhão»…

A pardessa sua entrada no mundo gráfico, Zé Penicheiro surpreendeu o meio artístico e humorístico com as «caricaturas em volume». São esculturas em madeira, numa transposição do traço síntese do modernismo, para a tridimensionalidade, num compromisso com a bidimensionalidade do desenho e da prancha de madeira, evidenciando não o volume mas o contorno. Deste jogo, ou confronto técnico, provém a originalidade deste trabalho, a mestria caricatural deste artista que se impôs fulgurantemente.

Relacionado com este gosto pela caricatura em volume está também o seu trabalho decorativo grotesco, que realizou ao longo de vários anos para o célebre Carnaval de Ovar. Muitos dos carros alegórico-humorísticos eram concebidos, desenhados por si, contribuindo dessa forma caricatural para a alegria e fama desse carnaval.

Zé Penicheiro é um homem carnavalesco, não só por este trabalho folião como pela sua própria forma alegre de viver e de estar sempre pronto a fazer os outros felizes. Apesar do seu sucesso, nunca deixou de ser um homem simples, um homem do povo, popular, que se inspira nesse mesmo povo. Seja no humor como nas outras artes desenvolvidas por ele, procurou sempre os seus temas no mundo rico que é a vida do dia-a-dia.

Nas ditas esculturas, podemos encontrar, por exemplo, peças com os nomes de Guarda-nocturno, O Fado, A Bisca, Pega de Cernelha, Meninas, Vamos ao Vira, Viva ò Benfica / Porto… pois como escreveu Aniceto Carmona, «nunca é demais frisar que os seus modelos são particularmente inspirados no sabor popular do nosso povo, no humor da rua, no humilde

A sua obra, na caricatura, nos seus bonecos, na pintura, assenta na fauna humana de personagens surpreendidas nos palcos marítimos e campesinos, onde se ganha «o pão que, muitas vezes, o diabo amassou». Deste modo, toda a sua arte tem um cunho de verdade.

A par da caricatura e do humor, foram-se desenvolvendo outras actividades, como a publicidade, outras géneros e técnicas plásticas como o desenho animado, ilustração, edição de postais, decoração, gravura, painéis decorativos, aguarela, óleo, guache, acrílico, numa diversidade de técnicas que enriqueceram a sua obra e que o foram afastando da caricatura. De registar a sua constância nas galerias de arte, onde regularmente mostrava os seus trabalhos humorísticos, e agora a sua pintura. Hoje, Zé Penicheiro conserva o humor como vivência, optando pela «seriedade» no campo artístico.

 

P.S.: Zé Penicheiro viria a falecer a 16/3/2014


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