Friday, February 19, 2021

«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1936» Por Osvaldo Macedo de Sousa

1936

Humorismos e Humoristas, para muitos, dois bagos do mesmo fruto pecador, são expressões a que nem toda a gente liga o verdadeiro significado que contem.

Certo é que o humorismo puro e o humorista realmente digno deste nome formam duas instituições que devem merecer, não apenas respeito, mas admiração. «A única forma de encarar a vida a sério - suponho que foi Oscar Wilde quem o disse - é encara-la a sorrir». Profunda realidade. O humorista é, em última análise, o único triunfo certo da filosofia. Os humoristas - os que forem dignos deste nome, repito - constituem na História multi-secular deste mundo, os verdadeiros filósofos.

Palavras de Luíz de Oliveira Guimarães (in "A República de 10/6/1041), um dos fundadores da historiografia da humor nacional (natural de Espinhal/Coimbra 19/4/1900). Alberto Meira (natural de Viana do Castelo 12/1/1884) emparcereirá nesta investigação, principalmente com o levantamento de biografias de humoristas, seja na revista "Limia" de que foi Director, como na "Prisma" e no "Tripeiro". Sabe-se do seu desejo em um dia escrever a História da Caricatura em Portugal, projecto que acabou por não concretizar

Por seu lado, Luíz de Oliveira Guimarães será ao longo destas décadas de 30/40/50 o investigador e cronista mais interessado neste campo. Será um globetrotter da entrevista cultural, das conferências, da organização de eventos, de exposições ao lado de Leal da Câmara, de Arnaldo Ressano…, das crónicas irreverentes… Neste mesmo artigo, ele defende que há em Camões, um aspecto que, segundo julgo, nunca foi encarado: o Camões humorista /…/ Em todo o caso, penso que esta nova interpretação, ou, talvez, com mais propriedade, esta nova versão do seu talento, não desonrará a memória gloriosa do grande vate nacional. Lembro-me é certo, que, há anos, ao procurar demonstrar, numa conferência pública, que Gil Vicente tinha sido, não apenas o fundador do Teatro português, mas cronologista e literariamente o nosso primeiro revisteiro, pouco faltou para que alguns veneráveis homens ilustres me batessem…

Da sua bibliografia (de mais de três dezenas e meia), constam livros como : "Arte de conhecer mulheres" (1923); "As Blagues do Dr. Bonifrates" (1923); "O Direito ao Riso" (1923); "Lóló, Biri e Záza" (1924)… "Os Santos Populares (1931)… "Entre Nós que Ninguém nos Ouve" (1938); "Teatro de Revista" (1940);… "Junqueiro e o bric-a-brac" (1942); "Dize tu Direi Eu" (1942)… "O Espírito e a Graça de Eça de Queiroz" (1945); "Camões Humorista" (1946);… "O espírito e a graça de Camilo" (1952); … "O Espírito e a graça de Fialho" (1957); … "O Espírito e a Graça de Guerra Junqueiro" ( 1968)…

Juíz de profissão, soube julgar com rigor esta arte, esta filosofia de vida como poucos. No seu livro "Direito ao Riso" este pensador escreveu: O riso intelectual não é certamente o caminho mais curto para a felicidade - porque traduz a dor através dum doce sorriso. A grande missão da ironia é tornar o sofrimento humano acessível aos homens que se não interessam por ele - e esta nobre missão, não pode ser, no fundo, uma missão alegre. O humour é esse pequenino, esse leve sorriso desdenhoso que nos ensina a todos, pobres creanças grandes que nós somos, a olhar para os nossos ridículos e a corrigir melhor os nossos próprios defeitos - e a alma desse pequenino, desse leve sorriso não é seguramente, porque não pode ser, uma alma galhofeira: é uma alma sentimental.

O "Almanaque Ilustrado Militar e Naval" deste ano, para além de ter na capa uma ilustração do Coronel Arnaldo Ressano Garcia, é ilustrado por uma série de militares com "jeito" para o desenho, como o Ten-Coronel José Rodrigues Brusco Júnior, Major Teófilo de Leal Faria, Capitão João da Rocha Vieira, Capitão Mário Risques Pereira, Rodrigues Alves… mas destes gostaria de destacar José Brusco Júnior, pela qualidade do seu trabalho, e pela irreverência e originalidade.

Natural de Alcobaça (9/12/1876 - 3/2/49), José Rodrigues Brusco Júnior era filho de militar, e após estudos no Colégio Militar seguiu também essa carreira. Como em todos os artistas, a propensão para o desenho manifestou-se muito cedo, mas sobrevivendo ao longo dos anos apenas como uma diversão, um passa tempo. Esteve em África, esteve em França durante a guerra, e deixou em alguns Quartéis por onde passou testemunho da sua presença, com murais, e caricaturas dos Comandantes. Nesta carreira ascendeu ao posto de Ten-Coronel, contudo problemas familiares levaram-no a pedir em 1920 a sua passagem à Reserva.

A sua reforma passou-a então em Alcobaça, na companhia da sua esposa e amigos. Não se conhecem colaborações suas na imprensa, apenas o encontramos no Salão dos Humoristas de 1926, onde a crítica não é nada simpática com ele. Contudo ele prossegue com o seu trabalho, caricaturando sempre o meio militar, e nesse sentido enviou trabalhos para a 1ª Exposição de Trabalhos dos Artistas Combatentes, organizada pela Liga dos Combatentes em 1937. Esta instituição ficará com estas obras. assim como outras encomendadas para decoração da nova sede. Realizará também uma colecção de postais (assinado por Zé), a "Ornitologia da Grande Guerra", onde os diferentes militares são comparados a uma série de aves. Apesar de o seu trabalho publicado se restringir apenas àquele Almanaque, não deixa de ser uma interessante visão caricatural do mundo, essencialmente militar e equestre, a registar.

Outro nome que passa quase despercebido na imprensa humorística é João Zamith, contudo, a sua forte presença na tradição caricatural coimbrã, merece que se pare um pouco, e se olhe para o seu traço caligráfico, para as suas abstracções caricaturais.

Os poucos elementos que temos sobre este artistas, foram-nos deixados por Alberto Meira, que na revista Prisma escreve: João Zamith foi, pois, um delicado anotador de perfis, traçando-os com elegância, uma frescura e uma verdade, que nos davam a certeza de possuirmos, amanhã um grande artista da especialidade, quando houvess à mão terreno propício para desenvolver os seus apreciáveis recursos.

Infelizmente morreria jovem, com apenas 26 anos. João Luíz Morais Zamith nasceu em Aveiro a 24 de Abril de 1910, e viria a falecer em santa Marta de Portuzelo a 17 de Dezembro de 1936. Diplomado com o Curso do Magistério Liceal pela Escola de Belas Artes do Porto, seria contuso em Coimbra onde deixaria obra impressa (In "O Ponney", "Gimnásio" e "Paracelso"), para além dos múltiplos álbuns de quartanistas das diversas Faculdades de Coimbra (entre 1928 e 1936).

A irreverência, como se vê, também pode ser uma característica de militares, e os marinheiros, por tradição sempre foram os mais revolucionários. A 8 de Setembro é a vez desta arma (ORA) tentar o golpe, mais uma fez fracassado.

Para castigar mais severamente, aqueles que não aceitavam ser manipulados pelo regime, este cria em Cabo Verde de campo de concentração, no Tarrafal, que ficará conhecido como o "campo da morte lenta". Em Setembro é criado mais um organismo de fascização da população, com a criação da Legião Portuguesa.

Entretanto na vizinha Espanha, a direita dá o golpe contra o governo republicano democraticamente eleito, iniciando-se uma Guerra Civil, onde Salazar usará a sua influência para enviar para a morte os refugiados republicanos que fugiam para o nosso país; para usar o nosso país como passagem de material militar para as forças fascistas; para enviar voluntários nacionais de apoios à revolução de direita.


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