Sunday, February 14, 2021

Caricaturas Crónicas - «O humor e a Revolução» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 6/8/1989

 

Caricaturas Crónicas - «O humor e a Revolução» por Osvaldo Macedo de Sousa in Diário de Notícias de 6/8/1989

 

A Revolução Francesa foi um período caricatural pobre, porque não soube riscas na imprensa francesa as suas conquistas de uma forma humorística – mas foi ela que criou as bases fundamentais da filosofia crítica que ainda hoje domina o humor social e político em todo o mundo.

 

O próprio humor, em si, é uma revolução na monotonia do quotidiano, porém nem sempre duas revoluções conseguem conjugar agulhas para o mesmo sentido.

Partindo de um divertimento de atelier, desenvolvido no século XVII, transforma-se num instrumento de luta. A caricatura inofensiva, condicionada pelas novas relações entre o homem e a sociedade, quebra as amarras da sacralidade do indivíduo, pondo-o a nu perante os seus defeitos, as suas prepotências, a sua humanidade. Perante o espelho caricatural, todos os homens são iguais, desde os reis até ao escravo.

Foi uma revolução lenta, numa busca da fronteira entre a cientificidade dos estudiosos do carácter e o retrato-charge, o qual teve impulsos importantes com trabalhos de Ghuzzi (1674-1755), Luís Claude Vasse (1716-1776), William Hogarth (1697-1764)… O Século das Luzes foi um farol da investigação da Phisionomia, com suficiente abertura espiritual para se deixar influenciar pelo espírito satírico inglês, nascendo dessa fórmula a sátira social e política da idade moderna.

O século XVIII, com o seu espirito em revolução ideológica, vai procurar a sátira como espelho deformante da sociedade reinante, dos seus vícios, que em França terá a sua expressão máxima com a revolução de 1789.

A deformação máxima da sociedade do Antigo Regime foi a guilhotina, um extremismo caro aos revolucionários (que se mataram uns aos outros), mais receptivos à violência física (satírica), do que à ironia ou humor. Por isso, apesar de 1789 ter dado a liberdade necessária para a expansão do humor, quem beneficiou foi o humor contra-revolucionário, concedendo uma arma acutilante e directa aos realistas ou aos eternos «inimigos» da França, a Inglaterra.

Uma das primeiras vitimas da Revolução foi o humorista Boyer de Nimes, que em 1792 publica a «Histoire des caricatures de la Revolte des Français», e em 1793 é guilhotinado.

A «liberdade» de Imprensa, conquistada com a Revolução, fez proliferar os jornais, as folhas volantes, conseguindo alguns deles tiragens de 20.000 exemplares, explicando de forma simples, e por vezes satírica, as várias fases da Revolução. A sátira era então veiculada pela alegoria, pela simbologia.

Essa «sátira» revolucionária era normalmente uma expressão rudimentar, técnica, artística e comunicativa, que cumpria o seu efeito nas massas fogosas, prontas a soltar a sua raiva contida ao longo de séculos de servitude. Por sua vez, os contra-revolucionários respondiam com trabalhos de excelente perfil técnico, com crítica inteligente e requinte estético. Quem ia à frente neste campo eram os ingleses, como Gillray, Cruikshank, Rowlandson…

Entretanto, passados os fogachos revolucionários de 89, o Directório, o Consulado vão matizando a caricatura com a ironia burguesa, mais preocupada com as modas, clubes sociais, jogos de poder. É o esprit francês a escalpelizar a ligeireza das modas da nova sociedade, repleta de libertinos, escroques, hipócritas da Revolução, é «la mode par derriére, mais pas derrire la mode».

A grande revolução da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, afinal deu apenas à caricatura francesa a liberdade de caricaturar a oposição; a igualdade de temas do antigo regime, a fraternidade do povo com o humorismo, ambos com o espirito revolucionário engasgado na garganta, perante o fracasso dos seus ideais.

Só com a Restauração, o humor terá o grande alento em França, assumindo-se como um dos países-símbolo da democracia-caricatural, de liberdade de opinião-ironia, de arte-esprit.

A Revolução Francesa foi um período caricatural pobre, porque não soube riscas na imprensa francesa as suas conquistas de uma forma humorística, mas foi ela que criou as bases fundamentais da filosofia crítica que ainda hoje domina o humor social e político em todo o mundo.


Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?