Saturday, December 19, 2020
Caricaturas Crónicas: «Emmérico Nunes – um «simplicissimus» português» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 14/9/1986
Emmérico
Nunes é um caso curioso das nossas artes: partindo do naturalismo vigente em
Portugal, assumiria uma certa vanguarda a partir do momento em que sai das
nossas fronteiras.
«Se você pode – aconselha o pintor José Malhos - acho que faz bem em tirar o pequeno da
escola e mandá-lo estudar para Paris. Aqui em Lisboa está 8 anos a marcar
passo. Mas, em paris, o ambiente e os métodos de ensino, se ele souber
aproveitar, farão dele um artista em metade desse tempo».
Um conselho do mestre Malhoa a um jovem que no princípio
do século vinte demonstrava já algumas aptidões para o desenho e pintura. Esse
jovem era Emmérico Hartwich Nunes.
Emmérico, natural de Lisboa, onde nasceu em 1888, era
neto de um pintor, filho de um pai com estudos de arquitectura e de uma mãe (alemã,
natural da Baviera) pintora, poetisa e pianista amadora. Com estas raízes
familiares, as artes viveram naturalmente com ele, e consequentemente
demonstrou cedo um interesse pelas artes plásticas, expresso num traço
original. A esse traço, aliava-se um espírito satírico, e ainda com dez anos
cria um jornal familiar - «A Risota» - onde, como diz o próprio título, o humor
era o ingrediente principal.
Em 1904, ingressa na Escola de Belas- Artes, e seria
por essa altura que o mestre Malhoa, perante os seus trabalhos estudantis,
proferia o conselho de fugir deste país em letargia. Enquanto as artes
ruminavam em Portugal, em Paris, ou noutras cidades da Europa, a arte devorava
o pensamento inventivo, a estética do novo mundo industrial.
Foi um conselho aceite, e em 1907, parte para Paris,
como pensionista oficial, ou seja, com uma bolsa do Estado. Permaneceu em Paris
até 1911, estudando as técnicas possíveis, mas onde o humor nunca deixou de
estar presente. Em 1911 estará presente na «Exposição dos Livres» em Lisboa,
com desenhos humorísticos, um humor cáustico, mas gracioso.
Nesse mesmo ano, faria uma «tournée» por Inglaterra,
Holanda, Bélgica e Alemanha, estabelecendo-se no final em Munique. Como a sua
mãe era alemã, essa cultura e língua não lhe eram estranhas, e se as
experiências estilísticas francesas lhe interessaram, o seu traço humorístico
estava em maior consonância com o que se publicava no jornal alemão
«Simplicissimus», ou seja, com o humorismo expressionista, com o traço agreste
como síntese do mundo e da mensagem satírica.
Em Munique frequenta as lições de Heimann e tenta
entrar como colaborador para o «Meggendorfer Blatter» (o segundo periódico mais
importante desta nova corrente humorística de raiz alemã). Conseguiu, e durante
vinte e um anos trabalharia como ilustrador humorístico, publicando nesse
jornal cerca de 2.000 desenhos.
Em 1914, com a crise bélica (Primeira Guerra Mundial),
ele tem de abandonar Munique, e em vez de regressar ao país, como o fizeram a
maioria dos artistas emigrados, refugiou-se em Zurique, na Suiça neutral.
Entretanto, apesar da sua ausência física de Portugal,
não estava totalmente afastado deste país em ebulição modernista. Tinha
participado na Exposição dos Livres em 1911,a primeira tentativa (a nível de
exposições) do modernismo; tinha participado no I Salão dos Humoristas em 1912,
a via modernista impulsionadora desta primeira fase do vanguardismo português.
Com o seu traço de linha sintética, de linha expressionista, ele aliava-se a
Christiano Cruz na introdução da escola alemã como vanguarda das nossas artes.
O seu desenho simples é portador de uma sátira profunda, tão profunda como o
expressionismo alemão era cáustico. O seu traço era a expressão alemã num
«simplicissumus» português.
Em 1919 regressa a Portugal, após 12 anos de
imigração, sem contudo deixar de colaborar no jornal alemão. Na viagem de
regresso contacta Espanha, colaborando em jornais locais e organizando uma
exposição. Em Portugal, apresenta os seus trabalhos em periódicos como «ABC»,
«ABC a Rir», «O Espectro», «Magazine Bertrand», etc…
Tinha voltado, só que o ambiente artístico aqui,
apesar dos ensaios e irreverências vanguardistas, permanecia na mesma letargia,
o que, desiludido, o levou a regressara Alemanha de 1928 a 1928. Entre 1932 e
37 conseguiria que o seu trabalho também interessasse jornais suiços e
holandeses, mantendo-se assim um artista internacional. Nunca um artista
humorístico português conseguiu impor tanta obra no mercado internacional, e em
tão diversos países.
Regressaria definitivamente a Portugal em 1928,
incluindo-se na frota dos artistas que por cá tentavam sobreviver, trabalhando
tanto como decorador de pavilhões nas feiras internacionais (integrado na
«Política de espírito» de António Ferro), como ilustrador de livros escolares e
infantis, cartazista e ilustrador de propaganda. A pintura também fez parte
destas artes de sobrevivência, concentrando-se na paisagem. Uma pintura
diferente do seu traço humorístico, já que através dela regressava em parte às
suas origens, regressava a uma visão pouco significativa do modernismo
implantado com a sua ajuda em Portugal.
Emmérico Nunes é um caso curioso das nossas artes:
partindo do naturalismo vigente, assumiria uma certa vanguarda a partir do
momento em saia das nossas fronteiras. Nesses países da Europa evoluiria no
expressionismo germânico. Para cá transportou a sua visão de arte, como obra e
influencia. A partir do momento em que regressa definitivamente, faz como que
um retorno à letargia (do gosto nacional), caindo por vezes numa visão
conservadora das artes.
Morre em 1968, distante do modernismo e do
expressionismo, de que ele foi um mestre internacional.