Friday, December 18, 2020
Caricaturas Crónicas: «Nogueira da Silva: o realismo caricatural» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 3/8/1986)
Francisco
Augusto Nogueira da Silva viveu entre 1830 e 1868 e foi um autodidacta que,
passando meteoricamente pela Academia das Belas Artes, procurou a arte como
expressão de uma consciência social, quer seja pela escrita, quer pelo desenho
ou a gravura.
«Sou eu um
indivíduo pouco apto para a escrita, assim como para tudo. A comadre que me
recebeu em seus braços quando nasci devia por força ser a preguiça, ou, pelo
menos, chamar-se Preguiça, porque os nomes também influem na índole das
pessoas. Depois falta-me a circunstância mais essencial para os artigos
próprios destas estampas, ou destes assuntos, e mui principalmente do género de
tais jornais.
Antes de tudo
é necessário ser erudito, mui erudito, o que equivale a dizer que é preciso ser
o mais massador possível. Em seguida ter de usar de um estilo simples, quer
dizer pouco salgado: estilo de dieta, que é para não fatigar esse admirável e
misterioso estômago da cabeça, chamado cérebro, do leitor, que tem de digerir
uma descrição, que poderia ser quatro vezes menos minuciosa, menos austera e
menos grave.
Ora, eu nunca
tive peito bastante amplo para acomodar o espesso manto de pó em que as
bibliotecas jazem envoltas. Quanto ao sal, é matéria que em mim abunda; não
daquele que faz rir, nem do que faz chorar, como o da maior parte dos que
temperam essa caldivana de artigos e folhetins que todos os dias nos dão a
tragar; mas do sal que provoca caretas mais ou menos amenas: nem sal francês,
nem sal português que azeda um pouco a língua dos que precisavam ter sempre a
boca cheia de pimenta» (in Panorama,
Lisboa 1868).
Francisco Augusto Nogueira da Silva (1830 - 1868) foi
um autodidacta que procurou a arte como expressão de uma consciência social,
seja pela escrita, pelo desenho, gravura, humorismo…
Antes de se lançar na sua campanha directiva, passou
por vários trabalhos estranhos à arte, como a luta sindical. As suas ideias
político-sociais levaram-no para o Centro de Melhoramentos das Classes
Laboriosas, onde conheceu Fradesso da Silveira que fez dele ilustrador de
periódicos. A arte da gravura tinha-a aprendido primeiro no Arsenal do Exército,
onde trabalhou na adolescência, depois na Escola da Academia, para se
desenvolver finalmente no trabalho do dia-a-dia.
Trabalhando com a técnica de madeira-a-topo, na qual
considerava Manuel Maria Bordallo Pinheiro como mestre e pioneiro, procurou uma
expressão estética diversa ao movimento de importação caricatural que tinha
dominado até então, ou seja, abandonar a escola inglesa, para descobrir a
escola francesa com maior cunho realista.
«Quereis ser
historiador fiel – interroga-se Nogueira da Silva – moralista sagaz, filosofo profundo? Nada mais fácil. Apresentai a
verdade em expressão tão singela, ou em traço tão franco, como ela o é em si.
Não a procureis, porque está por toda a parte, constantemente ao pé de vós, e
em vós. É a planta, e a ave, e o homem, e todos esses infinitos milhões de
seres que povoam e constituem o universo./…/ É o que tem feito Gavarni, é o que
fez Beranger, os poetas mais queridos do povo francês» (in «Arte e Vida»
1903).
O realismo aparece em Nogueira da Silva como luta social,
como crítica social, como costumbrismo satírico, como caricatura. Mestre na
arte de gravar, ao nível de um Manuel Maria, demonstrou-o com as suas obras
publicadas na «Revista Popular», «Archivo Pitoresco», «Occidente»… nos folhetos
de «Celebridades Contemporâneas», ou os múltiplos livros que ilustrou; mestre
na arte humorística, demonstrou-o em obras esplêndidas, publicadas nos
periódicos já referidos, e com maior expressão satírica no «Jornal para Rir»,
hebdomadário editado por ele, porque «entre
tantos jornais sisudos, bom era que aparecesse um para rir» (editorial nº1
1/1856); foi um dinamizador da arte gráfica pela criação de periódicos, pelos
seus escritos vários como a história da gravura em madeira, pela sua actividade
social.
Em 1862, dentro da sua luta laboral, fundou uma escola
de gravura em madeira e litografia, no Centro de Melhoramentos das Classes
Laboriosas, donde saíram excelentes gravadores, nomeadamente Caetano Alberto,
um dos colaboradores mais directos do mestre Raphael Bordallo Pinheiro.
Entretanto, a par da gravura em madeira, foi
trabalhando a litografia, processo muito mais rentável na impressão, e que em
breve triunfaria nesta indústria.
Nogueira da Silva, pela sua obra, e pela sua
actividade professoral, foi mestre do realismo levado ao limite do caricatural.
Antecedendo Raphael Bordallo Pinheiro, foi um artista da transição, pós
panfletarismo – pré naturalismo.