Tuesday, December 15, 2020
Caricaturas Crónicas. «BANHADAS» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 24/8/1986)
Narra
a lenda que quando o rei fazia anos, o reino metia água, ou seja, era a altura
do banho anual do súbdito. Hoje, com a implantação republicana, as lendas e
narrativas são outras, assim como as banhadas.
Já
não há reis, mas presidentes, só que estes proliferam nos clubes,
administrações, mesas, assembleias, freguesias... o que provocou um natural
aumento, inflacionário, de dias de banho.
Tomava-se
banho como penalização real, toma-se banho por satisfação termal, já que,
entretanto, após as glaciações invernais, foi aquecendo o tempo,
político-climatológico, provocando os «verões quentes», e quentes verões. Se,
nos primeiros, as banhadas são impostas, nos segundos, surgiu o banho como
descoberta da nobreza ociosa, da gente de sociedade, que das redes de peixe
fizeram rendas de bilros. Foi a descoberta da areia; do sol, da água como
recreio, a moda do despir, das temporadas de praia.
As
temporadas são períodos de tempo, o qual é soalheiro ou invernoso, como se os
extremos fossem unos em lazer. As temporadas da neve, e as do mar polarizam
assim os gostos, que as meias-tintas são a monotonia do burguês em pantufas.
Num
país de praias e descobridores, a capital descobriu a moda das estâncias
balneares em Pedrouços, depois AIgés... Caxias... Carcavelos... Parede...
Estoril... o «Tejo de Christal», um prazer que se foi afastando, até o cristal
passar a garrafão, e finalmente em plásticos e esgotos.
Se
foi difícil a implantação do gosto pelo banho, hoje os preparativos para o
banho em certas zonas coincidem ainda com os trâmites de outros tempos: «Tendo
esperado confiadamente que passem os caniculares e que o tempo assente,
resolve-se tomar uma deliberação. - Não se me irá transtornar a natureza?.. -
Em todo o caso sempre me purgo... - Venha lá uma gotinha d'água pela cabeça...
(de regador)» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «Antonio Maria», de 16/9/1880).
Instituindo-se
algumas dessas praias, como medicinais, mantêm hoje os mesmos trâmites, só que
inversos. Antes ia-se primeiro ao médico, agora vai-se depois.
Os
banhos de água doce toleravam-se por imposição, enquanto que os de mar eram
reservados como terapia contra as mordeduras de cães raivosos, por exemplo. E
se ontem se curava a raiva, hoje ficamos raivosos com as longas bichas, com as
multidões, com os garrafões e rádios aos gritos, com os preços balneários.
Expandiu-se o hábito de tomar banho provocando graves problemas à vida social,
já que proliferou como virose de férias, e como emigração populacional para a
grande banheira, que é o mar. Um problema social, por ter sido o desgaste de
regalias da sociedade ociosa, e uma alteração civilizacional, por vir a ser a
transformação das zonas ribeirinhas, em antros comerciais.
Para
a beira-mar se deslocam, em excursões, na procura do sol, que quando nasce é
para todos, e das banhadas, como se as que os políticos proporcionam,
constantemente, não fossem suficientes. Chamem-lhes «pacotes», ou «ondas», e a
nossa vida anda como as marés, com a Lua; e aos altos e baixos.
Mas
quais as razoes porque tomamos banho nas praias? «Por ordem do médico (contra a
dita raiva, que hoje chamam de «stress») / Por limpeza e ingenuidade (pois
crêem ficar mais limpos, depois da imersão em tais águas) / Por namoro (que aí
não se podem esconder as misérias, sobressaem as virtudes)/ Por modo de vida
(de Tarzans e afins) / Porque ele é belo e quer mostrar o busto - Mas a verdade
é porque andam muitos pés sujos por aí.» (Raphael Bordalo Pinheiro, in «António
Maria», 16/9/1880.)