Wednesday, December 16, 2020

«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1934» Por Osvaldo Macedo de Sousa

1934

Vivendo-se um período áureo do modernismo, com algum apoio estatal, o humor gráfico aproveita essa movimentação geral plástica e prossegue uma boa campanha de exposições individuais, como por exemplo de Teixeira Cabral, Tom, Amarelhe… Sobre este último, o "Notícias Ilustrado" (1/4/1934) tece as seguintes considerações sobre uma exposição que se realizou no Porto e em Coimbra: A arte da caricatura pessoal é rara e difícil. Há muita gente que faz caricaturas e «portraits-charges» - mas há muito poucos que as façam parecidas, flagrantes, evocadoras sem reticências das pessoas, das atitudes e das expressões. Amarelhe é mestre. De longa data o seu nome tem firmado uma obra ininterrupta de interesse, que ainda ninguém desbancou e que não cristaliza, antes se renova e infiltra nas correntes mais modernas.

Se vivesse em Madrid ou em Paris estaria milionário e os seus croquis conheceriam a fama mundial, porque, nos grandes meios, a selecção é muito mais brutal e se um mau artista morre de fome - um artista dotado desse génio de achar em quatro traços a flagrante sugestão da máscara humana, paga-se a peso de oiro. Por isso, este jornal que regista sempre, em todas as esferas de acção, os valores nacionais, põe em foco a personalidade de Amarelhe, como a de um grande e inimitável artista da caricatura pessoal.

Para além das exposições temporárias, prosseguem as exposições ainda mais efémeras, mas permanentes, que se realizam na imprensa. Este ano surge um novo jornal humorístico, "A Farsa Humana", com uma excelente apresentação gráfica, dirigida por Pinto Magalhães, mas que não sobreviverá muito tempo. As suas intenções resumem-se neste editorial o nº1 de 22/9/1934: A farsa humana é uma crónica semanal de costumes, casos, política, artes e letras que se publica aos sábados em Lisboa.

/…/ Os jornais diários dão, cada um sob o seu aspecto, a razão de ser objectiva ao homem social. /…/ Mas o comentário oportuno que os factos sugerem à opinião crítica, a crónica volante do acontecimento na crítica caricatural, a pançadinha irreverente dada no ventre aos césares, a demolição pelo sarcasmo das hipocrisias rendosas, o epigrama das vaidades em acção na moral e na vida, é função essencial desta folha de crítica satírica, indispensável em todas as sociedades que reagem.

Nunca haveria maneira de fixar numa síntese crítica o desenho exacto das proporções que um acontecimento assume perante a opinião pública sem o recurso admirável da Caricatura. Isto basta para compreender a sua função social, o seu elevado valor filosófico e a necessidade da sua existência objectiva para satisfação das responsabilidades que todos contraímos com a Posteridade.

/…/ O facto fora fixado. A caricatura desempenhara a sua função social e dera o quadro proporcionado das realidades vivas, podendo depois dizer à folha da rua dos Calafates que tivesse pudor e à «Voz» que se não amofinasse. Porque nem o sórdido e inconfessável interesse do jornalismo industrial, nem a paixão exaltada da Imprensa de opinião, encara o Facto social sob o único aspecto que o encara a filosofia da caricatura - como produto da farsa humana. É, por efeito desse senso crítico que esta folha poderia, em tal hipótese, indicar à opinião pública do seu País, que esse governo não era constituído nem de salvadores, nem de miseráveis, mas simplesmente de farsantes.

Sim, meus amigos, porque dentro desta sociedade burguesa liberalista, qualquer movimento político é sempre de superfície, resolvendo apenas numa farsa de homens.

Quando amanhã a investigação histórica indagar do sentido exacto que os factos de hoje teem, há-de recorrer, por isso à Caricatura e com a Caricatura reconstruir a fisionomia desaparecida dos nossos sentimentos.

Aí está a responsabilidade que temos para com o futuro. Porque não basta ao historiador seriar os factos, sacudi-los do pó dos arquivos, penteá-los em prosa corredia, para os apresentar ordenados em capítulos, com a mesma sistematização com que uma vendedeira de fruta aparta os peros camoêses na sua giga.

Os factos teem a sua filosofia, tal como a tinha o uranista Rouseau quando alimentava a mediocridade do seu tempo com as larachas do Contrato social. E essa filosofia, encontra-se na Crítica caricatural, sempre expressiva e clara, que o tempo vai lançando à sua margem.

/…/ Há muito tempo já que a Caricatura andava em Portugal desalojada. Uma ou outra publicação inseria caricaturas, mas episódicas, sem sequência, sem coordenação, nem espírito de análise. A obra caricatural não tinha o seu órgão próprio.

Uma folha humorística - dístico que tantas vezes pretende abonar uma publicação caricatural - não é uma folha de caricaturas, porque a Caricatura é estruturalmente e apenas uma forma de crítica e não um processo de gargalhada. Pode fazer rir incidentalmente, como consequência da expressão crítica, nunca porém com fim da própria expressão. A Caricatura eleva-se assim da chalaça gráfica, como apenas a compreende a mentalidade inferior, para uma concepção estética que só os espíritos cultos atingem e realizam…

Este jornal será dominado graficamente pelo director, que como se pode ver pelo texto não era nada narcísico. Em pelo domínio do "Sempre Fixe", coadjuvado pelo "Os Ridículos" e outros jornais, Pinto Magalhães tem o descaramento de afirmar que há muito tempo a Caricatura andava em Portugal desalojada. Este é um sindroma que dá com alguma frequência nos artistas que se consideram únicos, acima de tudo o resto que se faz, quando na maior parte das vezes não passam da mediania, ou mesmo navegam na mediocridade.

Na política, a oposição tenta queimar os últimos cartuchos revolucionários, verificando-se a 18 de Janeiro a última tentativa revolucionária de derrube do Estado Novo, pela sociedade civil. Os operários da Marinha Grande, Barreiro, Seixal, e Silves tentam utopicamente fazer aquilo que os militares democráticos, não conseguiram até ao momento.

Por seu lado o Estado Novo solidifica o seu regime, criando a 28 de Janeiro a Acção Escolar de Vanguarda, onde a juventude fascista é arregimentada, e a 16 de Dezembro verificam-se as primeiras eleições legislativas fantoches, já que só é permitido ao partido único, União Nacional, concorrer. Durante a 'campanha' Salazar utiliza pela primeira vez a Rádio como meio de comunicação com o povo.

Em Junho, realiza-se no Porto a I Exposição Colonial Portuguesa, uma operação de marketing sobre o império Luso. Se sobre os outros factos, os humoristas pouco puderam dizer, sobre este evento existem comentários diversos.


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