Wednesday, December 16, 2020

Caricaturas Crónicas: «Um Pargana desportivo» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 6/7/1986)

 Foi pela mão de Stuart Carvalhais que surgiu o grande mestre do humor desportivo, o «Pragana» (como aquele lhe chamava), um humorista dotado de um sentido do pitoresco e do ridículo que incomodou, ao tempo, muita gente. Como caricaturaria, hoje, Pargana, a saga dos “Infantes”?

 

Hoje, após o «INFANTícídio» marroquino, afirmam os pessimistas que somos s caricatura (da Federação) do Futebol, mas a verdade é que se o futebol sempre teve caricatura em Portugal, os nossos caricaturistas não são “infantes”, mas reis do humor desportivo, no desporto censural.

Mas quem dizPorto, também diz Madeira, que as tonturas inebriantes da bola, é de todos os quadrantes: «Estes rapazes de hoje têm um tal entusiasmo pela bola, que chega a ser uma doença.

- É isso… padecem da bola…» (Stuart Carvalhais in Sempre Fixe de 14/7/1932).

Foi nessa mesma «Bola», e pela mão do Stuart que surgiu o grande mestre do humor desportivo, o «Pragana», como lhe chamava o Stuart, a tal espiga de trigo que quando se introduz na nossa roupa, nos incomoda. Na verdade todo o caricaturista é uma pragana, porque Pargana só existe um.

José João Carvalho Pargana, conhecido apenas por Pargana, é um algarvio de Lagoa, onde nasceu a 31/3/1917, manifestando cedo o «vício» da exageração caricatural. Com 11 anos (em 1928) radica-se em Lisboa e estuda na Escola de Artes Decorativas «António Arroio». Vive em Campolide, no Bairro da Liberdade, quando esta já não existe, e no andar de baixo vive um tal Stuart. Conhecem-se, apreciam os trabalhos respectivos, um como discípulo, o outro como mestre protector. Um dia Stuart apresenta-o ao Reinaldo Ferreira no «Reporter X», e assim se iniciou uma carreira de 52 anos de actividade, que ainda se mantém. A primeira caricatura publicada foi a do compositor Ruy  Coelho.

Uma vida presa a cabeçalhos como o «Repórter X», «Sempre Fixe», «Ridículos», «Sports», «Diário de Notícias», Diário de Lisboa», «A Bola»… Deste último, foi jornalista fundador (Stuart seria também dos primeiros desenhadores deste periódico).

A caricatura era o seu forte, a «expressão humorística do retrato, a deformação pelo humor», onde a rapidez de execução e a memória na retenção dos traços fundamentais são as suas características. Um dos seus jogos preferidos é, de três traços desenhados ao acaso, fazer uma caricatura. «Hoje, - segundo o Pargana – faz-se mais entre o retrato e a caricatura, enquanto que antes a caricatura era mais a espontaneidade». Jogando entre o rafaelismo de Valença, e o modernismo de síntese, Pargana criou o seu traço.

O desporto surgiu-lhe na caricatura, quando trabalhava para o «Sempre Fixe», não só  pela necessidade do próprio jornal, como pelo especial interesse do artista pelo desporto, o qual o levou a guarda-redes de uma equipa amadora.

Várias foram as suas rúbricas nos jornais, como «O Lápis de Pargana comenta», «Bonecrónica», «O Traço de Pargana»… onde desenvolvia os seus «relatos ilustrados». Foi mesmo o primeiro humorista a desenvolver o relato desportivo pelo humor, qual comentarista, de todas as actividades desportivas de relevo do momento.

Se, a caricatura, é por vezes o gesto mágico do poder de «transformar em feias, certas pessoas que se julgam bonitas», é também o domínio da vida. O humor, para Pargana é o relato de «um cronista da vida citadina, como crítico. O caricaturista é essencialmente um cronista». É uma visão que, por ser humorística, nem sempre é alegre, porque espelha uma realidade mais crua.

Mo seu lápis ficou registada a história quotidiana, e toda a história desportiva de várias décadas, uma actualidade escalpelizada com um sentido de humor simples, como ironia do domínio da realidade-verdade. Essa verdade, sem sempre agradou aos caricaturados, mas de todos, o que mais teria razão de queixa, pela quantidade de vezes «deformado» e comentado, seria Peyroteu, esse mestre do futebol.

Hoje, com 69 anos, esse grande senhor do humor desportivo, já não comenta com as suas «crónicas», já não humoriza este pobre mundo, apenas continua a desfear certas faces «bonitas», continua a caricaturar para o «Diário de Lisboa», como expressão ainda viva do seu traço inconfundível.

 

 

(1) 1986 – Mundial de Futebol / Caso Saltillo / Perdemos 3ª 1 com Marrocos…

Mais novo dois anos quw Raul, o filho de Stuart, foram amigos e se Pargana triunfou nas artes gráficas. O mesmo não aconteceu com Raul porque apesar de excelente desenhador, e de ter algum humor, os seus trabalhos eram tão parecidos com osa do pai, que ninguém queria publicar um Stuart Júnior.

As citações aqui registadas provêm de conversas minhas com o artista em sua casa.


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