Saturday, December 19, 2020
«Evolução do teatro lírico e as salas para o seu culto» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 14/9/1986
O espectáculo musicado não é estranho em Portugal,
pois desde sempre o povo acompanhou as suas manifestações, tanto religiosas
como profanas, com música. No princípio do século XVI, Gil Vicente utiliza
música nas suas peças teatrais, mas não se trata de «óperas» ou «melodramas»,
pois são representações «com música» e não «por música»
O povo tinha como entretenimento as feiras a, as
procissões e as paixões onde havia danças e cantares. Nas igrejas, as paixões e
outras representações sacras eram acompanhadas «com música», o que cativava o
povo, ao ponto deste as transformar, por vezes, em autos pouco religiosos,
brejeiros até. Com o domínio castelhano, e consequente colonização cultural,
desenvolvem-se os «vilancicos» levados à cena.
Quanto à «ópera à italiana», só surge em Portugal, e
sem afirmação categórica, em 1682, espectáculo proporcionado pela embaixada do
Duque de Saboia, em negociações matrimoniais.
A «ópera» ressurge em 1720, com a vinda regular de
músicos e cantores italianos, realizando pequenos espectaculos em teatros
improvisados nas salas dos palácios reais. Como fruto deste incremento musical,
em 1737 inaugura-se um «teatrinho» desmontável no Palácio da Ajuda.
Entretanto, o público não cortesão assistia aos seus
espectáculos «com música» nos teatros da cidade. Estes, chamados «Pátios das
Comédias», eram um misto de teatro greco-romano e teatro espanhol – ao ar
livre, sem separação específica entre o palco e plateia, onde apenas se davam
espectáculos à luz do dia. Os lugares do público eram diferenciados, conforme a
condição social: para o povo, havia a «popularia» (ou plateia), para a
aristocracia, os «palanques», para os nobres «dândis», cadeiras no «palco» e
para os membros da corte, a «tribuna».
A «ópera à italiana» só seria estreada perante o
público lisboeta em 1735, num espectáculo produzido pelo italiano Alessandro
Paghetti, o qual organiza a primeira companhia residente, que se instala junto
ao Convento da Trindade, com o nome de Academia de Música da Trindade.
Se até 1735 a ópera se confinou à corte, a partir
dessa data os teatros públicos, como o do Bairro Alto, o da Rua dos Condes, e,
por vezes, outros, dominaram o movimento operático da época.
Na Europa, os teatros d’ópera tornavam-se o símbolo do
desenvolvimento da burguesia da cidade, da civilização, e qualquer uma, por
mais pequena que fosse, desejava ter a sua Casa da Ópera. Contudo, em Portugal,
nem a capital era possuidora de um. É verdade que se realizavam espectáculos de
ópera nos palácios ou teatros públicos, só que o teatro d’Ópera à italiana não
é aquele que apresenta espectáculos desse género, mas aquele que complementa o
espectáculo com um arquétipo arquitectónico italiano.
Nesse arquétipo, além da sala coberta, de ambiente
reservado, existe a separação entre o espectador e o palco cénico. Deixou de
haver a participação directa do espectador, mas criou-se em contrapartidas o
espectáculo social. Existem assim três espaços: o de convívio-clube social (átrio, salão e vestíbulo), o do espectador
(sala de espectáculos) e o do artista (palco e bastidores).
D. José I seria o primeiro rei português a
preocupar-se com a imagem cultural de exportação, ou seja, ostentar o progresso
da nação, pelo símbolo da Casa da Ópera. Para esse efeito foi contratado o
arquitecto Giovanni Carlo Bibiena (1713 – 1760), que, apesar de parente menor,
não deixava de pertencer à família Bibiena, a família dos arquitectos e
cenógrafos mais importantes do Teatro Moderno.
Acabado de chegar, em 1752, constrói um teatro
provisório na Casa da India (Oalácio da Ribeira), conhecido por Theatro do
Forte.
Em 1753, iniciam-se as obras para a primeira Casa de
Ópera em Portugal, também conhecida por Ópera do Tejo, ou Theatro Régio do Paço
da Ribeira. Diz-se que era um dos mais luxuosos da Europa de então. Não se
conhece nenhuma reprodução do interior deste flamejante teatro, mas passou à
história como um esbanjamento seriamente criticado.
Ao rei apenas interessava a fama de um teatro de ópera
recheado de talha, mármores e riquezas incomparáveis, como símbolo do
«progresso» do país.
Este, foi o o grande teatro construído pelo rei, para
usufruto da corte, e onde só a nobreza tinha acesso. Mas, infelizmente, o
«teatro dourado» apresentou apenas dois espectáculos, já que, passados sete
meses da sua inauguração, o terramoto de 1 de Novembro de 1755, o transformou
num monte de escombros.
No Palácio de Inverno de Salvaterra de Magos, Bibiena
construiu também outro pequeno teatro de ópera, que teve o mesmo destino da
Ópera do Tejo.
Na reconstrução da cidade, os teatros, como elementos
sem prioridade, foram dos últimos edifícios a serem reformados. Porém, com a
política do Marquês de Pombal, e o real crescimento da burguesia, esta resolve
chamar a si a responsabilidade de construir uma Casa d’Ópera, libertando os
outros teatros para as obras declamadas, ou «com música».
Assim, um grupo de capitalistas formou uma sociedade
construtora, escolhendo como arquitecto José da Costa e Silva (1747 / 1819), um
português de formação italiana. O tipo de arquitectura escolhido corresponde ao
usado em Itália, nomeadamente no Teatro San Carlos de Nápoles, e no Scala de
Milão (tipo Sghizzi-Bibiena). O teatro é de estilo neoclássico, sendo o
primeiro no género em Portugal. Os decoradores foram Cirilo Volkmar Machado
(1748-1823), Manuel da Costa (1755-181?), Gaspar José Raposo (1762 - ???) e
Giovanni M. Appiani (???).
As obras iniciaram-se a 8 de Dezembro de 1792, e
demoraram apenas seis meses, graças às facilidades e auxílio concedidos pelo
Intendente-geral da Polícia, Inácio de Pina-Manique. O Intendente, apesar de
ideologicamente ser um feroz inimigo do teatro – meio de libertinagem, liberdades
e amoralidades -, demonstrou grande interesse nesta obra, já que o teatro
ficaria sob a sua tutela e da Casa Pia, da qual também era gestor.
Por ideia do Intendente Pina Manique, o teatro foi
baptizado com o noma de São Carlos, em honra da princesa D. Carlota Joaquina de
Bourbon, mulher do príncipe herdeiro D. João. Denominado pelos italianos Régio
Theatro de S. Carlos detto della Principessa, foi vulgarmente chamado Ópera do
Theatro Moderno ou Nova Ópera. O livro das décimas de 1794 chamava-lhe Caza da
Ópera de S. Carlos e o de 1802 Ópera Italiana. Em 1883, Fonseca Benevides, no
seu livro sobre a história desta casa, chama-lhe Real Theatro de São Carlos e,
com a revolução do 5 de Outubro, passou a chamar-se Teatro Nacional de São
Carlos.
A partir de 1873, este teatro dominou o mundo
operático em Portugal, não impedindo que se realizassem espectáculos de ópera
noutros teatros e noutras cidades do país. Nomeadamente, a sociedade portuense
inaugurou um teatro lírico (da burguesia para a burguesia) antes de Lisboa. Em
1762, João d’Almeida e Melo inaugura a Sala do Corpo da Guarda, assim chamado
por se situar no lardo do mesmo nome. A sala não é do tipo italiano mas, de
qualquer modo, tem condições especiais para ali se fazer ópera. Ai cantaram
grandes artistas, nomeadamente Luísa Toddi.
Passados cerca de 36 anos, o filho do referido
empresário, Francisco d’Almada e Mendonça – corregedor e provedor da Comarca do
Porto – abriu uma nova sala. O teatro, que seria baptizado de São João, retratava a burguesia nortenha
e, como tal, foi concebido à italiana.
Não se formou uma sociedade capitalista, como no caso
do São Carlos, para financiar o teatro, mas Almada e Mendonça à frente de uma
comissão, fizeram subscrições, venderam acções, arranjando assim o dinheiro. Sem
perda de tempo, chamaram o arquitecto Vicenzo Manzonescgi, também cenógrafo do
Teatro de São Carlos, e construíram um belo edifício de estilo neoclássico, com
influências do barroquismo nortenho.
O teatro de São João, que nunca foi subsidiado pelo
Estado, nem a ele pertenceu, apesar das diligências feitas nesse sentido,
conseguiu manter-se durante todo o século XIX com uma certa regularidade de
espectáculos. As disputas diletantistas, os grandes cantores e seus êxitos,
estreiam que por vezes anteciparam as do próprio São Carlos, fizeram também
parte da história do São João.
Esta actividade seria, porém, interrompida por um
incendio, o qual, em 1908, destruiu totalmente o teatro. Mais tarde, viria a
ser reconstruido, com a traça primitiva, mas passou a dedicar-se ao teatro
declamado e, depois, ao cinema.
Em Lisboa, há a referir, também, a actividade de um
teatro exclusivo da nova aristocracia (a burguesia endinheirada e nobilitada),
o Teatro das Laranjeiras, também conhecido pelo Teatro do Conde de Farrobo.
A família Quintela, descendente do capitalista Joaquim
Pedro Quintela, um dos membros da Sociedade Construtora do Teatro de S. Carlos,
veria os seus serviços compensados, primeiro, com o título de Barão de
Quintela, e depois, com o de Conde de Farrobo. Seria o primeiro Conde de
Farrobo quem viria a ter uma influência mais directa no Teatro de São Carlos,
ao tornar-se seu empresário. Insatisfeito com esta Casa de Ópera, resolve
construir um pequeno teatro à italiana junto ao seu palácio das Laranjeiras
(Sete Rios onde constrói também o seu jardim ZOOLÓGICO). Em 1820 nasce então um
pequeno Teatro neoclássico de colunatas e frontão triangular, que é por dentro,
uma réplica miniaturizada do São Carlos (capacidade de 560 pessoas). Aqui se
realizam grandes espectáculos, explorando a vinda dos grandes cantores ao nosso
país. Em fins do século, a sua actividade foi decrescendo até cair no
esquecimento e na ruina.
Estes foram os teatros construídos especificamente
para o género operático, e hoje o Teatro das Laranjeiras está em ruinas. Este
era o espaço ideal para uma Companhia dse Ópera Estúdio; o Teatro de São João é
um cinema, estando a cidade do Porto sem uma Casa de Ópera; o Teatro de São
Carlos é o único que se mantem em função.
Outros teatros têm recebido dentro das suas portas
espectáculos líricos (Coliseu do Porto e de Lisboa, Teatro São Luis…) como
aproveitamento das suas estruturas arquitectónicas, mas nenhum foi construído
para, e funcionam sem continuidade neste género. Existe, contudo, a excepção –
O Teatro da Trindade de Lisboa, que albergou durante mais de uma década
(1963/1975) a Companhia Portuguesa de Ópera.