Monday, December 14, 2020
Caricaturas Crónicas: «Almada Negreiros – o caricaturista» por Osvaldo Macedo de sousa (in Diário de Notícias de 13/7/1986)
Nasceu como caricaturista numa opção de «esquecer Raphael Bordallo Pinheiro em favor de Celso Hermínio». Nesta opção está já patente a filosofia que orientaria a sua obra, ou seja, a linha como liberdade e contorno.
Portugal sempre procurou ser um jardim plantado à
beira-mar, mas raramente se preocupou em mudar as flores velhas, ou eliminar as
ervas daninhas. Se alguém deseja ver as
flores mudadas, ou ver novas culturas, tem de as procurar para além da nossa fronteira,
ou criar um mundo á parte, um mundo de «Humoristas», «Modernistas»,
«Orphistas», «Futuristas»… e foi isso o que tantos artistas procuraram fazer
nos anos dez do século XX, quando a seiva de Barbizon já tinha os seus frutos
envelhecidos.
Utilizando a síntese do mundo, utilizando o símbolo
como abstracção, a linha como liberdade, procuraram uma nova arte, uma nova
filosofia, e porque não, uma nova política. A caricatura era a expressão de um
novo ritmo de «captação» de imagens, em liberdade estética, era o direito à
opinião, à oposição.
Almada Negreiros, um jovem de educação jesuítica,
encarnará a revolta anti-republicana, como frustração pela incapacidade da
revolução realizar as promessas; encarnará a recusa ao conservadorismo e
tradicionalismo monárquicos; testemunhará a sua náusea perante os «Dantas»
deste país adormecido num provincianismo aburguesado. A sua revolta foi o
desejo de criar um mundo novo, que não sabia qual devia ser, mas que sabia como
sonhar. Esse sonho expressou-se, em Almada, como irreverência, como sátira. Os
primeiros sonhos, fê-los em caricatura, para depois se revoltar em dadaísmo ou
futurismo.
Natural de São Tomé, onde nasceu a 7 de Abril de 1893,
veio fazer os seus estudos à metrópole num colégio de jesuítas. Ai aprendeu a
sua revolta, viveu a sua repulsa pelo conservadorismo jesuítico-burguês que
dominava o País. Educado no mundo à sua liberdade, ainda no colégio tenta
expressar o seu espirito irrequieto em jornais manuscritos, ais quais lhe deu
os significativos títulos: »República», «Pátria» e «Mundo».
Após estas experiências que estão datadas de 1906, só
o encontramos em 1911, quando publica o seu primeiro desenho na revista «A
Sátira». Almada nasceu como caricaturista, numa opção de «esquecer Raphael Bordallo Pinheiro em favor de Celso Hermínio»
(como ele próprio disse ao jornal «A Tarde»). Nesta opção, está já patente a
filosofia que orientaria a sua obra, ou seja, a linha como liberdade e
contorno.
Almada Negreiros, o «Português sem mestre», e como tal o Mestre em si, foi também um
debutante, um jovem sujeito a influências, sendo Christiano Cruz o seu primeiro
e fundamental orientador da sua estética. Christiano Shepard Cruz foi o impulsionador
do movimento dos Humoristas, incitando-os a transpor os limites das fronteiras
das publicações periódicas, nas quais se confinavam até então os domínios da
caricatura; incitando-os à revolta contra o naturalismo, para triunfo da linha
como liberdade de expressão. Se Christiano era um mestre da linha livre e
expressiva, Almada foi um brilhante discípulo, cuja obra chamou desde logo a
atenção dos seus contemporâneos, pelo seu humor «aberto, primaveril».
O seu humor era ainda o despontar da irreverência
futura, e por isso, raiava pela ironia, pelo humor suave. Numa entrevista de
1914 à «República», ele defende: «De
entre todos os caricaturistas apenas um soube interpretar com o seu finíssimo
gosto, o mau gosto da nossa sociedade, foi Eça de Queiroz.
E pena é que
Leal da Câmara se tenha interessado pela sua terra apenas pelo lado podre, pelo
lado político».
Esta
opinião não o impede de fazer caricatura e sátira política, de dirigir a mais
acérrima crítica à republica, ao fundar e dirigir a revista pró-monárquica
«Papagaio Real», em 1914.
Em 1912, um ano após iniciar a sua carreira de
humorista, fez uma exposição individual, a qual lhe proporcionou um
conhecimento, um contacto importante para a sua evolução estética. Fernando
Pessoa foi o crítico que descobriu algo mais do que simples humor, ou
inteligência. Pela boca de Álvaro de Campos ele escreveria: «José de Almada Negreiros é mais espontâneo e
rápido (que Pessoa), mas nem por isso deixa de ser um homem de génio. É mais
moço que os outros, não só em idade, mas em espontaneidade bastante distinta e
o que causa admiração é como o haja conseguido tão cedo».
Ele encaminhou-o para a polémica no domínio da
literatura, assumindo neste campo um dos pontos de chefia na irreverência, no
modernismo como futurismo, na vivência como desafio à passividade intrínseca do
português.
Como caricaturista fez a sua política, criou um estilo
de linha angulosa, depois envolvente, permanecendo nessa arte como ligação de
raízes. Depois da década dos Humoristas, voltará à ilustração de humor nos anos
20 e 30, experiencias cada vez menos importantes, em relação ao caminho da sua
obra.
No princípio foi a linha, para depois procurar a pintura, mantendo-se contudo um desenhador. A caricatura não foi pois um período menor da sua carreira, mas a escola de uma mão, a arte de um «português com mestre».