Monday, November 30, 2020

STOP WAR, MAKE SMILE - International Cartoon Web Contest 2021, Azerbaijan


 COMPETITION RULES:

 1. open competition for cartoonists all over the world.

The participation is free of charge.

THEME: STOP WAR, MAKE SMILE

2. Will be submitted not more than 5 works

3. Deadline: January 15, 2021.

Works must be digitized in 300 DPI resolution, RGB color mode, in JPG format, with a maximum size of 2 MB.

4. Send your cartoons and your CV to the e-mail address:

stopwarcontest@gmail.com

5.The contest results will be announced on the 20 January 2021

6.The International Jury will award the following prizes for the best works

GOLD Medal, Special Honor Diploma

SILVER Medal, Special Honor Diploma

BRONZE Medal, Special Honor Diploma

5 Honorable Mention: Diploma

7. For further information, please e-mail us to: stopwarcontest@gmail.com 

GOOD LUCK!

Bahram Arif Bagirzade,

Actor, publisher, honored artist of Azerbaijan.

Seyran Caferli

Director International Cartoon News Center


Caricaturas Crónicas - «Carlos Botelho: o humorismo como “eco”» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 18/8/1985)

Todos o conhecem como o Pintor de Lisboa, conhecem as suas telas róseas, onde a cidade se transforma em cenografia. Mas poucos conhecem o traço fugidio que registava, com rara ironia, os «ecos» da sociedade alfacinha. Botelho viveu e retratou o invólucro e o interior desta cidade conhecida por Lisboa.

«Que me recebeu, foi o Pedro Bordalo, administrador, que era um homem muito atencioso. Eu levava uma folha com desenhos de crítica à vida de Lisboa. Ele viu, viu com atenção, e só me perguntou assim: você é capaz de fazer esta coisa todas as semanas? Respondi que sim. Fiquei vinte e dois anos no Fixe».

Assim nasceu um humorista. A sua arte de humor não era a mesma de seus companheiros, já que estes a procuravam fundamentalmente pelo traço caricatural, ou pelo lado da crítica política, enquanto ele a procura como grafismo como grafismo traductor de ambiências e de atmosferas sociais.

Claro está que estou a falar de Carlos Botelho, o lisboeta que nasceu em 1899 sob a direcção harmónica de seu pai, músico de profissão. Sob a tutela dele, crescerá aprendendo a conjugar as harmonias, as tonalidades mais adequadas para cada sentimento, os andamentos para cada tempo.

Começando por um vivace juvenil, passaria por um adágio da maturidade, terminando num harmonioso andante. O violino seria o seu companheiro nos momentos de lazer, e não os profissionais, já que estes foram dominados pelos pinceis e os lápis, os quais seriam os transcritores fundamentais das suas obras mestras.

Apesar das suas primeiras obras a serem expostas, serem a óleo, iniciaria a sua carreira artística pelo desenho, o qual estudou com o mestre Condeixa. Por essa razão, nos anos vinte, vemo-lo dedicado à ilustração infantil, à ilustração de revistas e livros, à cerâmica, às artes gráficas, ao cartaz e ao humorismo. Este último, a partir de 1928, quando disse «sim» a Pedro Bordalo. Um início de carreira através das artes gráficas, porque «começa-se sempre pelas artes gráficas por necessidade monetária e, além disso,elas abrem as portas da pintura».

A pintura só viria, como dominante, um pouco mais tarde, enquanto o humorismo era a sua ferramenta de descoberta: «A pessoa interessa-me no humorismo, no “portrait-sinthése”, porque aí eu sou livre. Pela caricatura nunca tive grande interesse. A caricatura é a anedota e não podemos passar o dia a contar anedotas. Com o humorismo é diferente: é a crítica a factos e situações. De resto, está perfeitamente integrado na minha maneira de ser, porque me interesso sobretudo pelos ambientes: na pintura procuro traduzir os ambientes das grandes cidades ou de populações; no humorismo é ainda o ambiente que me interessa: a crítica à sociedade.

A sua crítica social ficaria registada durante vinte e dois anos, numa página do «Sempre Fixe», com o título de «Ecos da Semana». Aí, «fazia um apanhado do que se passava no país, com especial interesse por Lisboa». Uma página onde o desenho não aparecia como interesse formal, mas suporte, como «armação linear», a ironia reinava como crítica a uma sociedade que desejava parecer mundana, quando era provinciana, que desejava ser aberta, quando a censura reprimia.

No seu trabalho semanal, Botelho foi tipificando esta sociedade alfacinha numa série de formas de estar. Assim, encontramos no seu desenho crítico o: «Parece-mal» - a crítica ao falso moralismo tipificado no indivíduo de fato e gravata, como fachada civilizadora e que vai caracterizar os subservientes do Estado Novo; o «Escarre-cospe» - a Lisboa porca onde a salubridade é posta em causa por actitudes grosseiras, numa sociedade dita civilizada; «D. Encrenca» - a senhora bojuda que só complica a vida, representando o espirito intriguista do nosso povo, em especial da mulher citadina; «Arrepanhadas» - «inspirado nos penteados das senhoras refugiadas (da II Guerra Mundial) que não tinham dinheiro para ir ao cabeleireiro e criaram uma moda de penteado: arrepanhado»; … mas de todos se destaca o «Piu», «o mocho que ocupava o espaço dos desenhos censurados». Desta forma, Botelho criava uma simbologia crítica à falta de liberdade de imprensa, um símbolo da inteligência que se opunha ao obscurantismo, que significava a castração das ideias.

Entretanto, após uma viagem a Paris, “descobre” a pintura e Lisboa (1930), uma cidade cenográfica onde as pessoas perdem o valor, sendo substituídas pelo seu espírito, pelas ambiências, pela ingenuidade - «…o mais importante é a atmosfera, a ambiência, a transparência, são os planos… As pessoas estão lá em espirito».

Outra característica da sua Lisboa é a cor rósea - «Lisboa, cuja situação geográfica, caracterizada pelas suas sete colinas caprichosas, em que as casas encostadas umas às outras se descobrem mutuamente, como cartas de jogar, em que os pregões das vendedeiras, integradas na sua paisagem, são alegres e ingénuas- não pode ser uma cidade de cor amuada». A cor de Lisboa, um cavalo de batalha de Botelho, que lutará pela alegria para a cidade.

Carlos Botelho, pelo desenho ou pintura, pela crítica à sociedade, ou cenografia da cidade, retratou Lisboa ao som do seu violino: «Todos os dias desenho ou pinto (é a minha razão de ser), isto entremeado com uns bocadinhos semanais que faço de música de câmara (como violinista), com o meu grupo de amigos, todos amadores como eu». Porém, o seu violino daria a sua última nota em 1982.

PS: Todas as citações de dizeres de Carlos Botelho foram recolhidas presencialmente pelo autor, em encontros com o artista no seu atelier.


Sunday, November 29, 2020

Caricaturas Crónicas - «Francisco Valença: um jornalista gráfico?» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 21/7/1985

Os seus primeiros desenhos, apesar de seguirem o traço de Raphael Bordallo Pinheiro, não o seguiam quanto ao espírito, já que estavam imbuídos de uma sátira agressiva, que o levou várias vezes ao Governo Civil.

 

«Eis o Espectro. Nesta hora tremenda, hora talvez fatal, há quem graceje como em pleno Carnaval» (F. Valença in «O Espectro» nº0 de 18/5/1925)

Gracejar com a vida no dia-a-dia, fazer crónica de humor gráfico com as aventuras e desaventuras da política, com as relações, os acontecimentos, a forma de estar na vida social, é a profissão de homens ligados aos jornais, mas que não são considerados como jornalistas. Jornalista é o indivíduo que trabalha as notícias das aventuras e desventuras da política; das relações e acontecimentos da sociedade para os jornais. Então, o que são estes cronistas gráficos? Nas artes, são conhecidos como caricaturistas, ilustradores de humor, cartoonistas, enquanto que… no sindicato dos jornalistas não são conhecidos.

«A caricatura, seja ela pessoal ou política, fantasista ou anedótica, constitui uma expressiva e eloquente manifestação artística. Com uma vantagem: todos a compreendem, desde que não sejam cegos». Isto , segundo Valença, é o desenho de jornal, uma forma de fazer jornalismo eloquente e expressivo. Isto foi a vida de um artista que dedicou toda a sua vida á imprensa.

Francisco Valença é o seu nome e nasceu em Lisboa a 2 de Dezembro de 1882, em pleno período áureo da caricatura rafaelista.

Como já referi numa crónica anterior, a presença de Raphael foi como que um sol que ofuscou toda a experiência estética da ilustração humorística, e poucos conseguiram fugir à escola bordalliana. Valença não foi a excepção, antes pelo contrário, uma das mais importantes vozes dessa escola, perdurando esse traço barroco-naturalista até meados do nosso século.

Os seus primeiros trabalhos saíram no «Chinelo», um jornal que ele próprio fundou e dirigiu em 1900, mas que só publicou 11 números. Nesta altura era facto corrente cada artista criar o seu jornal na tentativa de triunfar junto ao público, o que provocava um constante rodopio de falências e criação de novos títulos. Estes seus primeiros desenhos, apesar de seguirem o traço de Raphael, não o seguiam quanto ao espirito, já que estavam imbuídos de uma sátira agressiva, que o levou várias vezes ao Governo Civil.

Depois do «Chinelo», colaborou em jornais como a «Comédia Portuguesa», «Gafanhoto», «Supl. de O Século», «O Moscardo», «O Mundo», «A Capital», «Diário de Notícias», «Tiro e Sport», «Sátira», «Ilustração Portuguesa», «Espectro», «Arte Musical», «Alma Nacional»… mas de toda esta profusão de colaborações , três obras se destacam:

Em 1909 Valença inicia a publicação dos «Varões Assinalados», um álbum de glórias com caricaturas a cores publicado em forma de folhas soltas mensais. Uma edição de qualidade que durante três anos apresentou uma série de individualidades nacionais caricaturadas pela pena de Valença e escrita de insignes escritores.

«O riso como o bocejo… e a tinta de copiar são comunicativos. Rimo-nos nós, vós e eles. Foi tudo “raso” com “riso”. E foi assim que a nossa “graça” caiu nas “boas graças” de toda a gente. Até a sisuda e ilustre Sociedade Nacional de Belas Artes, influenciada pelo nosso bom humor, vae modificar e actualizar a sua legenda bíblica “No in solo pane vivit homo”. D’ora avente a Vénus de Milo será substituída, no papel timbrado, pelas três graças, levando em português esta legenda correcta e aumentada: “Nem só de pão… de milho vive o homem, mas das palavras… do Catálogo Cómico”». São palavras de Carlos Simões, o colaborador de outra das obras insignes de Valença: os Catálogos Cómicos das Exposições da Sociedade de Belas artes. Estes aparecem pela primeira vez em 1913 e prolongaram-se por mias de dez anos. Nestes catálogos os quadros expostos eram satirizados pelo desenho de Valença e palavra de Carlos Simões.

Por ultimo, em 1926 apareceu o «Sempre Fixe», o jornal de humorismo mais importante do nosso século, e Valença assumirá um lugar de destaque neste periódico. Se por vezes a sua obra passou despercebida em jornais anteriores, neste dominará as primeiras páginas, travando um certo modernismo dominante nos jovens desenhadores (que publicam no interior), investindo numa melhor qualidade gráfica do seu traço, ou numa maior concentração do comentário ao dia-a-dia, trabalho que realizou até à morte, em 1959.

Se no âmbito estético, a influencia de Raphael foi castrante, impondo-lhe o “gag” de natureza literária, com um estilo de traço fixado desde as suas primeiras obras, no humor após as primeiras experiências satíricas caminhará para uma ironia discreta (mais a gosto de Raphael) para a crónica humorística de um comentador do quotidiano. Um trabalho de tantos anos que lhe deu a técnica perfeita da notícia necessária.

Francisco Valença, como outros artistas seus companheiros que antes dele e depois dele dedicaram uma vida aos jornais: «Trabalho até quando os outros descansam aos domingos; pode tudo desertar, mas eu tenho de ficar debruçado sobre uma mesa para o “Sempre Fixe”». Será que poderão ser considerados como jornalistas?


«História da Arte da Caricatura de Imprensa em Portugal- 1933» Por Osvaldo Macedo de Sousa

A CARICATURA DURANTE O ESTADO NOVO

1933 

Esta data, no âmbito da história da caricatura não tem qualquer significado especial, como já referi no volume anterior. Esta escolha é imposta por via ditatorial, por vida política do país. Com a publicação da nova constituição nasce um novo regime, institui-se uma nova ordem social.

Essa nova ordem impõe uma monocromia, não só para as esquerdas, como para as próprias clivagens de direitas, sendo diversos dirigentes fascistas afastados da capital, em exílios temporários dentro do país, ou perseguições a órgãos de comunicação, como o jornal "Revolução" do Partido Nacional-Sindicalista de Rolão Preto. Este último, chefe da extrema-direita dos camisas azuis, será perseguido, e afastado da política. Para melhor harmonizar esta monocromia ideológica e cultural, é criada a 25 de setembro o Secretariado de Propaganda Nacional, que tem como responsável António Ferro.

Contudo a oposição mantem-se activa, apesar de constantemente fracassada, como é o golpe militar de Bragança a 27 de Outubro.

A caricatura se vivia por um lado, um período mau, tendo que se restringir na liberdade de expressão e irreverência, vivia por outro lado um bom momento estético e satírico.

Um bom momento satírico, porque apesar de estar já vigente a censura prévia, esta ainda tinha muitas frinchas por onde o humor, a ironia, mesmo a sátira se escapavam, e tornavam o humor mais agradável. Era um jogo entre a inteligência criativa e a estupidez política. Um jogo entre o léxico da língua e as limitações culturais dos censores. Este jogo irá endurecendo ao longo de toda esta década

Um bom momento estético, porque ainda vivia no limiar da decadência da primeira e segunda geração modernista, com obra de Almada, Barradas, Soares, Emmérico, Marques, Stuart, D. Fuas… Que tinha um novo balanço com a terceira geração, pela obra de Botelho, de Lemos, + Além, Tom, Teixeira Cabral… Não esquecendo académicos, como Francisco Valença, Alonso, Amarelhe… que prolongavam na imprensa nacional a sombra do raphaelismo, como fórmula de jornalismo satírico actuante, e irreverente bem ao gosto nacional.

O certo é que o humor gráfico ainda se mantêm na linha da frente da vanguarda nacional, ainda se mantêm em alta na irreverência e criatividade intelectual do país. Como curiosidade, encontrei uma notícia que durante este ano, se verificou em Vigo um Salão de Humoristas Portugueses e Espanhóis. Para além desta referência, não encontrei mais informações, por agora.

Em relação à imprensa, também não nos podemos queixar. É certo que continuamos a encontrar tentativas de sobrevivência falhadas de alguns jornais humorísticos, como é o caso deste ano de 33 com o "Maria Rita" ou o "Pirolito", curiosamente ambos do Porto, encontramos como contraponto "Os Ridículos" e o "Sempre Fixe" solidamente estabelecidos. No Funchal sobreviverá, durante alguns anos, o "Re-nhau-nhau", um trimensário humorístico dirigido por Gonsalves Preto, e onde trabalharão o artistas gráficos Malho (Manuel Rodrigues), Teixeira Cabral, Ivo… e onde iniciarão a sua carreira os jovens João Rosa e Paulo Sá Braz. Este jornal tinha a particularidade de ser quase artesanal, já que não havendo técnicos de gravura na Madeira, eram os próprios artistas que se encarregavam de desenhar, depois passar para a madeira ou linóleo, paginar, etc.

Por outro lado, toda a imprensa noticiosa já se convenceu da importância da existência de um espaço gráfico ligado ao humor nas suas páginas. Essa colaboração não terá um peso constante, verificando-se momentos de grande colaboração dispersa, como o desaparecimento de qualquer colaboração, ao mesmo tempo que vão tentando mudar a perspectiva de colaborações a avulso, para terem um colaborador mais permanente, um humoristi que se manterá como imagem gráfica dessa publicação.

O maior problema dos humoristas portugueses não será propriamente o espaço de publicação, mas espaço para as suas colaborações. É que a partir da década de vinte vamos encontrar um crescente de presenças de trabalhos de artistas estrangeiros. Primeiro foram os espanhóis, os franceses, para agora sermos invadidos pelos ingleses e americanos, através das Syndications que colocam os trabalhos dos seus associados por um bagatela, em jornais de todo o mundo. O preço a que os jornais compram esses trabalhos inviabiliza qualquer concorrência nacional. A salvação dos artistas portugueses é que esses artistas estrangeiros não faziam caricaturas dos portugueses, não comentavam o dia a dia típico do português, obrigando os nossos jornais a complementar essas importações de entretenimento, com ilustrações de âmbito mais nacional.

Mas como referi atrás, os jornais que dominam o mundo gráfico-humorístico destes anos, são "Os Ridículos", e o "Sempre Fixe". No primeiro, encontramos a presença dominante, quase ditatorial de Alonso. No segundo, quase todos os que a este campo se dedicam com qualidade, ali têm espaço. O "Sempre Fixe" será, inclusive o bastião do modernismo humorístico da terceira geração, com presenças marcantes como a de Carlos Botelho, de Almada, Stuart… contudo o académico Francisco Valença, por ter a quase exclusividade da capa, pelo seu peso satírico, impõe-se não só como imagem de marca daquele periódico, como destes anos de ditadura. É um reinado respeitado e homenageado por todos, como por exemplo pelo jornal "O Diabo” que a 31/3/1935 escreverá : Francisco Valença é um artista que põe sempre na sua arte uma intenção social. Poderão objectar-nos que toda a criação do espírito tem, ou pelo menos, deve ter significado social. Todavia, nem sempre esse intuito se verifica, mormente, numa modalidade artística em que o humour parece, para pessoas pouco perspicazes, constituir desprendida superficialidade.

Os desenhos de Valença, sem seus pormenores satíricos e factos e homens merecedores de correctivo, são admiráveis lições ministradas a pessoas sisudas.

Ao contrário do que muita gente pensa, a caricatura é uma arte séria. Dizemos isto sem ar pretensioso de paradoxo, ou de fútil intenção de facécia. É na deformação do traço que o verdadeiro caricaturista procura corrigir tanta coisa disforme que observa nas sociedades e nos indivíduos. É essa maneira de interpretar que torna a caricatura uma arte tão profunda que só ela consegue reunir esta dualidade humana: o riso e a tragédia. Nesta há sempre esgares de fossa, como naquele se pode pressentir a dor que lhe anda próxima.

Não será, pois, a caricatura uma enorme obra de crítica traçada em estilo descuidado ? Há tempos estivemos folheando uma edição da Bíblia em … caricatura. Os versículos desse livro eram comentados, interpretados e reproduzidos… em desenhos caricaturais. Temos lido várias críticas escritas, ao citado livro. temos meditado sobre o que filósofos a tal respeito, têm escrito. Pois, confessamos: nenhum dos muitos pensamentos provenientes da fria análise crítica de tantos contraditores provocou em nós tão esclarecida revelação comentadora como a do artista que escreveu a Bíblia… em caricatura.

Este facto é mais que suficiente para justificar a seriedade da caricatura.

Francisco Valença é dos artistas que constroem. Os seus desenhos obedecem à missão elevada que se propôs: ad nihil redigere.

Por isso eles ficarão como valiosos subsídios documentando uma época de ridículos e de injustiças.


Saturday, November 28, 2020

Caricaturas Crónicas - «Jorge Barradas, o humor elegante» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 7/7/1985)

A Europa tentava renascer em Portugal através do humorismo, como se fosse irónico querer levar este país a integrar-se na Europa. E o humorismo ria então dos bota-de-elástico paralisados no oitocentismo. Foi quando Jorge Barradas irrompeu nas artes.

«Antes do mais devi dizer-lhe que sou um estilista, um apaixonado da forma e da cor, e que, por isso, o que mais me impressiona na natureza não é a sua força geradora oculta, mas aquilo que ela realiza em aspectos exteriores. Quer dizer: da árvore eu não vejo a raiz, que é a alma, mas o tronco e a folhagem que são o corpo. Posto isto, dir-lhe-ei que o meu assunto predilecto é a mulher. /…/ Eu não sou um combatente, e me não sirvo da caricatura como arma, antes a emprego como fonte criadora da beleza» (Jorge Barradas in «República» de 26/5/1914).

Chamava-se Jorge Nicholson Moore Barradas (1894-1971), mas nas artes ficaria conhecido como Jorge Barradas, um artista que recordando essencialmente como ceramista, pintor, ilustrador ou decorador, foi um «modernista» da primeira geração e como tal, também humorista.

Nasceu em Lisboa a 16 de Julho de 1894, quis ir para as artes, e por isso matricularam-no na Escola de Belas Artes, mas «fui mau aluno. Creio que muito contribuiu para tanto o conventual e lúgrebe casarão, onde o ensino andava a par com o frio, que gelava as mãos, entorpecia os pés e esfriava até ao desespero o corpo e a alma /…/. A escola onde me formei foi outra e é grande, direi mesmo é majestosa. São vastos e longos os seus corredores, e chamam-se ruas, por elas corri feliz e livre, sem algemas nos pulsos, nem grilhetas nos pés a limitar os meus passos». (in «Isto começou em 1912», conferência no SNBA 29/11/1963).

Jorge Barradas irrompeu nas artes nos inícios da república, e como seus companheiros, apesar de ter frequentado a escola de artes, fez a sua verdadeira aprendizagem com a vida, fê-la à mesa dos jornais onde a mão forçada pela periodicidade quotidiana, um dia a dia na obrigatoriedade da graça, criou um estilo, um traço original, irrompendo por novos caminhos.

«Não há dúvida de que somos os representantes da geração que implantou em Portugal a arte contemporânea» (in Diário de Notícias de 7/11/1963). «Não havia entre nós o espírito de grupo. Cada um tinha o seu próprio caminho. Naturalmente discutíamos, trocávamos impressões, criticávamos os trabalhos uns dos outros. Mas não pretendíamos fazer escola. Se, alguma coisa tínhamos em comum, era a ambição enunciada por Almada Negreiros: querer fazer de Portugal a Europa» (in «Século Ilustrado» 26/12/1970).

A Europa tentava renascerem Portugal através do humorismo, como se fosse irónico querer levar este país a integrar-se na Europa. O humorismo ria então dos bota-de-elástico, paralisados no oitocentismo e, coma sua irreverencia procurava despertar o provincianismo desta sociedade. Se uns o faziam acirradamente pela via política, outros o faziam pela elegância. Barradas era um destes últimos, e em 1912 a crítica já o via como «um futuro artista de elegâncias, sabendo colearuma mulger, tocá-la de graça e donaire» (Veiga Simões in «A Águia» 1912).

«Nasciam então inventadas pela minha graça, sempre inclinada para as sorridentes formas que eram ilustrações de comentários nunca amargos, notas à margem sempre da dor.

/…/ Não consentia a minha consciência tirar proveito da dor alheia, nem tão-pouco, como alguns, explorar o filão fácil, oferecido de mãos abertas e sem encargos. O sofrimento dos outros, dos infelizes, era demasiado respeitável para fazer dele meu guindaste. Receava, também, o seu contagio, pois bem perto vivi do seu centro e, talvez por receio ou defesa, preferi ser antes um lagarto feliz, esparramado ao sol glorioso da alegria!» (in «Pessoas e episódios do meu tempo».

«Esquecia-me de dizer-lhe, que a República me é indiferente, como indiferente me foi a Monarquia. Não me interessam senão muito superficialmente as revoluções políticas ou sociais» (in «República 26/5/1914). Por opção ideológica a ilustração, humorística ou não, seguia um estilo espirituoso, por vezes, mesmo irónico, mas fundamentalmente elegante. Retratando o mundo pitoresco, passando pela vida nocturna e seus tipos, viveria o mundano numa linha sugerida, onde o traço simples não procura a rigidez angulosa, nem o contorno decorativo, mas os efeitos, a expressão, a beleza.

Trabalharia em vários periódicos («Diário de Notícias», «A Capital», «Ilustração Portuguesa», «ABC», «ABD a Rir»…), mas como todos os artistas gráficos, desejava criar um jornal seu onde fosse mestre e senhor das suas opiniões, e teve-o, chamou-se «O Riso da Vitória» (1919), um dos breves  marcos do modernismo.

A ilustração dominou-o durante mais de uma década de humor e retratos de mulher; depois, a decoração, o cartaz, a cenografia, a pintura foram-se interpondo nesta carreira, que se manteria dispersa até aos anos 50, quando uma nova paixão o dominaria – a cerâmica. Também aqui a elegância foi uma das suas principais preocupações estéticas.


Caricaturas Crónicas - UM VOTO POR CARNEIRO COM BATATAS por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 15/9/1985


«- Isto não são lá eleições nem meias eleições!»

«- Diz V. Ex.ª muito bem! A urna já não dá nada! Nem um reles carneiro com batatas!»

(Joaquim Costa, in Alfacinha, a 31/10/1882).

 

O acto eleitoral como almoço da carneirada, como campanha política, como caça ao voto, como corrida ao Poder, sempre foi um assunto favorito para o caricaturista ou humorista. Tal atracção deve-se à riqueza de motivações e situações passíveis de serem satirizadas ou ironizadas, deve-se ao flagrante antagonismo entre a palavra política e a realidade no dia-a-dia do Zé Povinho.

Se hoje o caricaturista tem ainda muito com que se «inspirar», no século XIX havia um mundo especial, onde a carneirada era conquistada pelo “carneiro com batatas” e onde as situações eram diferentes. Este pitéu foi durante anos um dos artifícios de arregimentar votos, oferecendo de comer no dia da votação a quem lhes desse o voto. Os partidos poderiam ser diferentes o manjar era o mesmo.

Vejamos pois como a caricatura do século passado via o acto eleitoral. O primeiro e mais importante elemento de base, neste jogo é o político, o futuro deputado que procura um lugar sentado à sombra do S. Bento, que ainda não sabe se tem porta aberta ou fechada para ele. O político não é um qualquer, é um «talento perspicaz, saber profundo, dai-lhe dinheiro, dar-vos-á o mundo» (Maria, in O Patriota a 6/9/1847); É uma individualidade influente, é um comprador de sonhos e projectos («votai em mim, eleitores, que sou um homem de brio, pelos votos dou dinheiro, e quem dá é sempre tio» - Anónimo, in Demócrito a 9/7/1865). É a retórica das promessas, é o compromisso da realização de mundos e fundos, mas que quando está no Poder esquece os mundos e fica com os fundos: «No dia dos votos Zé Povinho tem tudo o que lhe apetece - em expectativa: tem estrada para a sua aldeia, um novo sino para o seu campanário, tem vinte mil réis de feijão a mais para o rancho do seu regimento, tem três mil e quinhentos pelo voto.» «O outro dia - no outro dia Zé Povinho tem tudo aquilo o que não quer: tem um novo imposto, tem um deputado novo, e para substituir o pão sem peso, tem pau sem conta e sem medida.» (R.B.P" in António Maria"a 18/8/1881).

O político é um indivíduo arregimentado a um partido, o qual poderá ou não ser o Poder. Ora, como o Poder é o objectivo principal a atingir para este, facilmente se pode compreender uma certa mobilidade, com tendência para se apoiar no que está na mó de cima: «Coisas do mundo! Estas almas do Progresso (partido Progressista) tão devotas, alcançaram nobres palmas, tornando-se engraxa botas! // Qual camaleão ser vário, mudar como o catavento, é quanto hoje é necessário, para entrar no Parlamento.» (Anónimo, in Demócrito a 25/6/ /1865).

O político é um vendedor de promessas, é um comprador de votos, o que significa que o eleitor está disponível a vender-se. Eis como se fabrica um eleitor: «Os cinco sentidos eleitorais: primeiro vê-se uma cara vela de doze (dinheiro); depois ouve-se uma promessa tentadora...; mais tarde cheira-se o carneiro com batatas; em seguida gosta-se do torreano ( vinho) de 80 réis o litro, e por fim apalpa-se o chão com as costelas. E aqui está como se vota.» (R.B.P., in António Maria a 1/11/1883.)

O eleitor vende-se, é enganado, «apalpa o chão com as costelas» e volta a vender-se. Porquê? É que «o eleitor é como os carneiros de Panurge: atira-se para a urna inconsciente, indo atrás do choro d'um emprego ou de uma promessa. (...) Quando os ventos mudarem e os donos d'agora queiram segurar os últimos carneiros suceder-lhes-há fatalmente marcharem com eles para o abysmo...» (R.B.P., in «Pontos nos ii» a 18/11/1886.)

O eleitor é como um rato que apesar de conhecer a armadilha, cai sempre na «ratoeira eleitoral» (Sebastião Sanhudo, in «Sorvete», a 28/9/1879), tendo como engodo o «carneiro com batatas» e o bom vinho, que o nosso povo se quer alegre. O acta eleitoral é como uma feira (R.B.P.. in António Maria, a 19/10/1879) onde cada partido monta a sua tenda (porque a barraca monta-a quando governar), chamando os eleitores pelo cheiro ou orientando-os como um bando de perus: «Para a ninhada regeneradora (partido oponente aos progressistas) ser grande, o galo do partido não tem mais remédio senão arrastar a asa às galinhas que põem ovos de ouro /…/ Ainda há circuitos em que os eleitores 'independentes' se levam à urna como um bando de perus.» (R.B.P. in António Maria a 16/10/1879.)

Se as tendas com carneiro com batatas são a atracção, o momento fundamental é a partida para o Poder. A feira envolve assim o Hipódromo onde cada partido aposta no seu Jokey, mas, seja quem ganhe, o político fica sempre de pé, e o Zé... Já dizia Raphael que a política era uma senda escabrosa por onde passam os políticos interrogando-se: «Ora porque será que ele cai (o Zé) e nós ficamos sempre em pé:» (António Maria a 23/10/1879.). Mistérios do mundo eleitoral ainda por resolver.

Entretanto perdeu-se a moda de voto por carneiro com batatas: «Então, vizinha, que há de novo? - Tudo de mal a peior! O meu António até está arriscado… a ir votar de graça! Uma coisa assim!» (J. Costa in Alfacinha a 3l/10/1882).

 


Friday, November 27, 2020

International Cartoon Festival, Czech Republic 2021


RULES

Compulsory Subject: History

1- We accept cartoons only on the topic you entered

2- Total number of cartoons per author: 3 pieces

3- A cartoon must not have won an appraisal at previous competitions

4- Cartoons without words are not a requirement, but they have an advantage

5- Cartoons should only be sent electronically to: mfkh@email.cz

6- Deadline April 30th, 2021

7- The technical parameters should be as follows: at least 300 DPI; JPG-, PNG-or PDF-format

8- By sending their cartoons, the author agrees with the following:
a) The organizer can use the cartoons for the promotional purposes of this International Festival of Cartoons
b) The cartoons will be used in Tapír, magazine of humor and satire

Award Winning Works:
1st Prize 15.000 CZK
2nd Prize 10.000 CZK
3rd Prize 5.000 CZK

Optional topic

Our festival aims to help the children with oncological disease by the drawing.
Drawings themselves won’t be a subject of competition.
In the period from 13 to 19 September 2021, the drawings will be exhibited and auctioned. Proceeds from the auction will be used for oncological care activities in hospitals.

Topic:

Free
Festival is open for all professional and amateur creators, no age restriction is applied.

Rules:

1) Print a „The Keyhole“ Here it is: „The Keyhole“
2) Draw your picture in it on the topic „What I would like to see through a keyhole“ Your drawing can take any form, which means humorous, or serious one. Feel free to express yourself.
3) Write your name, age, occupation, city where you live on the picture.
4) Send the picture to the following address:
Community Center Chebsko z.s.,
Náměstí Krále Jiřího z Poděbrad 507/6,
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Caricaturas Crónicas - «A política a banhos» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 4/8/1985)

    Após um inverno prolongado, inicia-se um Verão quente. Uma atmosfera carregada que leva o político, a política a banhos, nesta ocidental praia lusitana. Para uns, foi um banho de água fria a queda da coligação governamental; para muitos foi uma barrela à muito esperada; enquanto que para outros é o início dos «banhos finlandeses».

Tudo se preparava para um verão ameno, antes das eleições presidenciais, mas estas tiveram de ficar em banho-maria, perante o aumento da temperatura, perante a antecipação das eleições parlamentares.

A tradição de verões quentes, em Portugal, tem vindo a alicerçar-se, de há uns anos para cá, e tudo começou por uma necessidade turística e higiénica. Neste período de calor e banhos, o político aproveita as facilidades da época para lavar a roupa do vizinho, enquanto aquele se estende ao comprido, a tomar banhos de sol. É um período higiénico e salutar de descontração e dilatação dos corpos (partidários) em campanhas turísticas.

Preocupado com a falta de animação cultural, nas zonas de veraneio, o político encarrega-se de animar as noites quentes, dando banho ao poder. Uma forma gratuita de também ele, se banhar no mar do nosso descontentamento. O turismo é assim, animado como espectáculo e como artifícios de encher alguns hotéis em dificuldades económicas, por meterem água por todo o lado.

Os verões quentes fazem soar o político, e o Zé Povinho, de casa às costas, tenta encontrar um pouco de repouso e entretenimento. Repouso, tem pouco, pois perde-se nas bichas dos autocarros, na procura de produtos alimentares… não consegue a tranquilidade, perante tanta beleza natural no nosso país. No seio desnudo da praia, ele perde-se, desorienta-se no deleite de uma cinematografia que não entra no seu orçamento. Ele não vai ao cinema nem ao teatro e, muito menos, lê um livro, mas para quê, se ele com um dia na praia aprende tudo?

Aprende a falar os mais diversos idiomas, a apreciar os mais variados estilos artísticos, a praticar os mais diversos desportos. Contudo, ainda não lhe é permitido fazer nudismo (apesar de naturalmente andar de tanga), já que o político tem medo que tanta a política como a justiça tomassem o gosto pelo naturismo e se despissem perante o povo, caindo «o manto diáfano da fantasia» expondo «a nudez forte da verdade».

Se os banhos de mar e sol são o grande atractivo do nosso verão, temos também em cartaz político os banhos medicinais. Perante a necessidade de se dinamizar a medicina portuguesa, conseguiu-se transformar os nossos banhos numa terapêutica de se aguentar mais tempo o Zé, com baixa da Caixa de Previdência. As águas inquinadas, poluídas, são medicinais porque, depois de se tomar banhop nas nossa praias e rios, de se beber essa água, tem de ir-se ao médico.

Neste verão quente de 85, a política, mesmo no banho, não consegue despir-se das fantasias dialécticas, da retórica, obrigando a a soar as estopinhas. Uma sauna que não emagrece esta senhora gorda –a Política – a qual, muita das vezes é identificada, pelo caricaturista, como uma grande porca onde muitos vão chafurdar, mamar e engordar.

Resumidamente, após este ou qualquer verão quente, após este período de banhos, mergulhos , saltos e piruetas malabarísticas, tudo permanece na mesma, apenas um pouco mais bronzeados. Por isso, como dizia Raphael (em Agosto de1885): «Olho com eles».


Thursday, November 26, 2020

«Christiano Cruz, mestre de Almada Negreiros» por Osvaldo Macedo de Sousa (in revista «História» nº75 de Janeiro 1985)

Falar de Almada Negreiros tornou-se já numa rotina e poder-se-á dizer que foi o acontecimento mais importante de 1984 em Portugal. Um Mestre que, 15 anos após a sua morte, é relembrado em todos os campos da sua criatividade e das mais variadas formas sem, em qualquer delas se mencionar a lembrança de seus mestres. Um mestre também teve mestres, e neste caso, queria falar de Christiano Shepard Cruz, o primeiro mestre de Almada Negreiros e um dos mais enigmáticos artistas portugueses.

CHRISTIANO MESTRE DE ALMADA

Com que direito posso dizer que Christiano Cruz foi o primeiro mestre de Almada? Na verdade não sou eu que o digo, mas o próprio Almada, quando falava nas suas origens – a caricatura.

A caricatura foi, ou é, uma das principais artes da Idade Contemporânea, não só porque o grafismo é uma das experiencias estéticas mais interessantes e renovadoras, mas também porque a comunicação e a intervenção na vida da sociedade, são uma das fundamentais necessidades do artista de hoje. A caricatura, pela sua estrutura sintética e satírica, possui essas duas características.

Em Portugal, a caricatura apesar de ter, nas suas origens, uma relação muito directa com a política, soube depois libertar-se dessa submissão e dialogar com o humorismo e a estética. Houve mesmo períodos em que, apesar de haver um substrato político, o fundamental era a utilização da sua irreverencia numa intenção demarcadamente estética. Isso aconteceu nos anos dez do nosso século.

«A caricatura ia na vanguarda», dirá mais tarde Leal da Câmara. As artes plásticas, desde que receberam a lição de Barbizon, tinham estagnado, e a caricatura fora dominada pelo raphaelismo bordalianno (pelo estilo de Raphael Bordallo Pinheiro) desde os anos setenta do século passado, com as naturais excepções de mestres acima de qualquer influência como Celso Hermínio e Leal da Câmara.

Assim, quando se inicia o nosso século, e quando a monarquia é abatida, o academismo domina todos os campos, sejam políticos como artísticos. Os tempos passam, as pessoas envelhecem, assim como as instituições, que, apesar de escutarem o ruido das revoluções, se mantém inalteráveis. Mas, a juventude, essa anda sempre irrequieta e, por vezes, leva a irreverência à vanguarda, neste caso, ao anti academismo.

UMA SAIDA DE SOBREVIVENCIA

As artes, para viverem, necessitam que o artista sobreviva. Para que isto aconteça é necessário que, ou ele seja rico e não necessita de outro apoio monetário, ou então necessita de vender a sua obra. Ora, num país aonde a sociedade ainda não se integrou na nova relação social, imposta pela revolução industrial; onde o gosto estético se radica no simples gosto visual, ou seja, na mimese do belo da natureza; onde os intelectuais estrangeirados não são compreendidos e, nem compreendem a sociedade onde vivem, é difícil sobreviver monetariamente como artista.

A decoração, a ilustração ou a caricatura foram desde sempre uma saída de sobrevivência, já que são artes «por encomenda» de uma certa camada social aberta e com outra perspectiva estética. A caricatura, em especial, é a saída mais interessante para quem deseja utilizar a linha no comentário político, na critica social, quem deseje ser irreverente para despertar uma sociedade da letargia. Essa a intenção de Almada Negreiros, esse foi o desejo de Christiano Cruz.

Christiano Shepard Cruz nasceu em Leiria em 1892 e, já em 1909 (com dezassete anos) aparecem obras suas nas revistas nas revistas «O Gorro», seguindo-se em «A Farça» de Coimbra, em «A Águia» do Porto e depois com o passar dos anos na «Rajada», «Sátira», «Novidades», «Garra», «Lucta», «Revista Portuguesa»… por onde continuou na sua actividade satírica.

DUAS FASES

Apesar de podermos dividir a obra de Christiano em dois períodos, ou duas fases – na verdade foi ele próprio que a dividiu em fase de estilização e fase de expressionismo – a sua obra apareceu desde o seu primeiro desenho como que de um «artista já feito». Curiosamente, é difícil destrinçar a sua obra de «debutante» da de Mestre. Em relação às tais fases, estas verificam-se, não por uma simples questão de evolução técnica, mas por uma evolução interior, por uma pesquisa do autor, ou mesmo por um desespero que acompanhou toda a sua obra, como pronúncio de uma insatisfação que o afastará das artes.

Na primeira fase, a caricatura ou o desenho humorístico de cunho ácido predominam através do seu traço sintético, traço que despe as nossas artes do barroquismo rafaelista, que esquematiza o mundo do nosso naturalismo. Na segunda fase, vai-se dedicar a um universo dominado pelo desespero, onde a sociedade e a cidade nos aparecem levados por uma imaginação sombria, sem nunca deixar de sintetizar o mundo no seu traço fino. Como factor comum destas duas fases encontramos o tratamento da linha – a síntese, a liberdade em relação à mimese. A linha, tornou-se independente da imagem, para criar ela uma nova imagem, seja procurando a forma absoluta, abstrata das coisas, seja como grafismo tradutor das sensações.

Christiano Cruz apareceu como que vindo do nada, para abrir novos caminhos às nossas artes, como quea sua missão fosse indicar o princípio, indicar as possíveis novas vias e desaparecer depois. Possuidor de grande cultura (e certamente conhecedor do que acontecia no mundo artístico francês) e uma maturidade artística, impôs-se de imediato entre seus pares, influenciando toda uma nova geração, entre os quais estava o jovem Almada. Se este, desde muito cedo conseguiu, pela sua força criativa, impor a sua personalidade no seu estilo, podem-se encontrar desenhos da sua primeira fase onde é nítida a influência directa de Christiano Cruz. Depois, cada um seguiu seu caminho: Almada Negreiros na irreverência apontada pelo Mestre e fomentada por outros mestres, e Christiano Cruz para a sua mitificação – mas a lição sobre a linha, origem de todas as coisas, estava semeada.

AS EXPOSIÇÕES DOS MODERNISTAS

Christiano não só induziu uma nova forma de «ver» a linha, de estruturar o mundo, como foi um dos principais dinamizadores das chamadas Exposições dos Humoristas.

Como todos sabem, estas exposições foram o embrião de uma corrente estética que ficaria conhecida por Modernismo. O modernismo-humorismo foi uma sequencia de experiencias gráficas que, para além de Christiano Cruz e de almada Negreiros, tiveram nomes importantes como Emmérico Nunes, Stuart Carvalhais, Jorge Barradas, Correia Dias… experiências que se limitaram a um vanguardismo moderado (dentro do âmbito internacional), evolucionando depois para um decorativismo mundano nos anos vinte.

Nesses mesmos anos dez do nosso século, haverá outras tentativas de de irreverencia vanguardista, seja ligada ao «Orpheu» ou ao Futurismo, com nomes como Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Amadeo de souza-Cardoso, mas Christiano Cruz já não estava nesta s linhas de vanguarda, antes perdido na sua própria pesquisa.

Christiano colaborou nas mais variadas revistas de arte e polémica, humorísticas ou de informação, espalhando por todas elas a sua arte, sem nunca se entregar totalmente a esta. De carácter reservado, manteve-se quase sempre afastado dos seus companheiros, lutando pelo modernismo unicamente através da sua obra, contributo que desapareceu no início de década dos vinte. Um artista que nasceu do nada e que no nada desapareceu.

Dez anos de carreira, dez anos de desespero em busca de uma satisfação estética, dez anos com uma obra importante e influente, abandonada de repente, trocada pelas selvas de África – Moçambique primeiro e depois no final da vida Angola, onde morreria em 1951 (Silva Porto). Contam os seus amigos que nunca mais voltou a pegas num lápis e numa folha de papel (o que não é totalmente verdade) para expressar seu mundo interior, trabalhando unicamente na sua profissão de médico-veterinário.

Tal como um cometa, envolto numa névoa mítica, deixou a sua obra a influenciar as gerações posteriores, à qual pertence esse Msetre chamado Almada, e que em 1984 teve honras de recordação.


Caricaturas Crónicas - CAMÕES NA CARICATURIZAÇÃO DE UM MITO por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 9/6/1985)

"O Zé-povinho chega quase a convencer-se de que Os Lusíadas deve ser uma coisa talvez um pouco superior à Carta Constitucional» (Raphael Bordallo Pinheiro, in António Maria de 10/6/1880)

Quando as forças se diluem, quando a criatividade é substituída pelos sonhos, os mitos têm de ser inventados, fomentados. Um mito não é um herói, pois esse ainda está vivo e pode despertar da passividade as populações. O mito é algo morto que se tenta colar numa imagem, revivendo pela lenda, pela história, vendo através do nevoeiro o que não existe.

No século passado; uma das tentativas de despertar o orgulho nacional onde este não existia mitificou-se como Camões. A «feliz» coincidência da celebração do tricentenário do poeta com a pseudo derrocada do «império» foi o despoletar desse mecanismo substitutivo.

Antes do mais, era necessário enterrar condignamente o poeta da nossa epopeia, mas «São Pedro convence-se de que descobrir o verdadeiro crânio de Camões», diz-nos J, M. Navarro na caricatura “No Juízo Final”, «é mais difícil do que encontrar agulha em palheiro.».

O António Maria pela pena de Raphael Bordallo Pinheiro, conta-nos a «História dos Ossos: No templo da Santa Maria de Belém (Jerónimos) sente-se agora, altas horas, um ruído estranho, tendo, como é público e notório, sido transferido para aquele templo os ossos de vários sapateiros, na suposição de que entre eles estivessem os de Camões, suspeita-se que são os esqueletos que se aproveitam das honras da imortalidade para bater sola. Vasco da Gama não pode dormir e já requereu ao sr. Pedra Franco que lhe transferisse as duas caveiras para lugar mais sossegado

Não havia um corpo concreto, mas havia uma obra a que se agarrar. O poeta épico, que cantou as glórias da pátria amada, é o símbolo de um período áureo, de um tempo que Portugal se escrevia com letra maiúscula, quando esta horta à beira-mar plantada levou caldo-verde ao Adamastor e espalhou o cavaquinho pelos novos continentes: Uma glória e um orgulho que as gentes da época, mergulhadas na labuta da comercialização, não tiveram tempo de saborear, mas que ficaram registadas em poesia. Depois, foi a decadência e a marginalização à Europa (a qual terminará finalmente com o regresso à CEE), com a própria independência em causa.

Uma das vezes que essa independência de império esteve em perigo, foi no final do século XIX, quando os nossos velhos aliados de sempre, os Ingleses, já confundiam a protecção com a colonização, ou seja, cobravam os recibos da protecção em forma de mapa cor-de-rosa, antecedido pelo pré-aviso de Ultimatum. O pouco orgulho de ser português foi então ferido, e a oposição procurou no túmulo o seu arauto épico.

«- V. Ex.ª atenda que - diz o Sr. Braamcamp a John Bull - dar à Inglaterra Lourenço Marques, segundo a opinião da maioria, é o mesmo que tirar-nos um olho»

«- É exactamente o que eu quero. - retorque John Bull - Fica uma nacionalidade à Camões» (in Raphael Bordallo Pinheiro in António Maria l0/6/1880).

Camões, como grito de indignação contra um Governo impotente, reviveu com o tricentenário comemorado em 1880. O principal dinamizador desta celebração foi o Partido Republicano, fomentando a identificação Camões/nacionalidade, Camões/Portugal de cabeça levantada. Camões/liberdade no intuito de derrubar um regime caduco e vendido pelos tratados e empréstimos (e na altura ainda não havia o FMI).

Dois anos depois, com as comemorações do centenário do Marquês de Pombal, verificar-se-á uma nova tentativa de mitificação da liberdade e nacionalidade. O Marquês simbolizava a força da reconstrução, a expulsão dos jesuítas/monárquicos, a iluminação das trevas da opressão.

Os centenários passaram, assim como os ânimos, mas a obra poética de Camões era bastante forte para que sempre que necessário, aparecesse como o facho da nacionalidade servindo monárquicos ou republicanos, ditaduras ou democracias. Camões é o mito do orgulho de um povo que vê melhor com um só olho do que com os dois. Uma solução que certamente os políticos ainda não ponderaram para nos governarem melhor.


Wednesday, November 25, 2020

The Caricature Exhibition for Egyptian Cartoonist Effat 2020», subordinada ao tema "In love of Effat"

Neste momento o Egipto homenageia um dos seus mestres do humor gráfico, Mohamed Effat Ismail com uma magna exposição internacional

https://caricatureforum.blogspot.com/2020/11/omar-perez-spain.html?spref=fb&fbclid=IwAR2-GWqIblwKSUEUA4glbSXUjrsTnuQQVOZPGXkdzIdCBRGu0T-5Hu755Pw

Antonio Santos

 Estas são algumas das caricaturas ai expostas, 


seguindo-se o texto «Effat uma caneta satírica no Egipto» por Osvaldo Macedo de Sousa (texto do catalogo da homenagem que lhe outorguei quando lhe atribui o Prémio AmadoraCartoon/11, integrado no 22º Festival Internacional BD da Amadora 2011, pela sua carreira) 

                Mohamed Effat Ismail é, nos dias de hoje, uma das vozes mais representativas do humor gráfico esgípcio. É homenageado este ano com o Prémio AmadoraCartoon 2011 pelo seu trabalho como humorista, mas também, pelo seu contributo na dinamização e divulgação do cartoonismo no Egipto.

                Natural do Cairo, estudou Belas Artes e, em 1985 iniciou a sua carreira como cartoonista ao integrar o «Akhbar El-Joum», prosseguindo no «Kitab El Joum», «Akhbar Newspaper»… Hoje trabalha como free-lancer.

                Não é fácil esta profissão, onde os fundamentalismos religiosos, económicos e políticos dominam a sociedade e, o Egipto, é um desses locais. Mas Efat é o símbolo da persistência: representante do Egipto no projecto mundial «Wittyworld» (anos 90), ; fundador e Presidente da associação FECO Egipto (desde os anos 90); criador de vários concursos e exposições de humor gráfico no Egipto; membro de júris em Festivais Internacionais um pouco por todo o mundo onde, por vezes, realiza também exposições temáticas; professor de work-shops de humor para crianças; membro do grupo fundador do «Fayoum Museum»; coordenador do «Pharaos Magazin of Cartoon».

                Publicando na imprensa egípcia, editando livros e postais ilustrados, correspondente de jornais de expressão árabe, ele e o humor egípcio estão activos porque, como diz Effat «agora os nossos problemas… são muitos!!!!... mas o egípcio tem muito humor dentro de si. Este poder de espírito que é fundamental na sobrevivência, foi-nos legado pelos antigos faraós… Por isso… o futuro do humor no Egipto, é a vida!!!».







Caricaturas Crónicas - A CARICATURA E A SEMANA SANTA por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 7/4/1985)

A comunicação, seja verbal, literária ou pictórica tem como raiz, ou substrato, a simbologia, estruturas gráficas ou sonoras que traduzimos automaticamente para compreensão imediata das «mensagens»; Na caricatura a simbologia é uma das principais armas de comunicação, já que, baseando-se na síntese, um pequeno desenho tem que dizer o máximo possível sem legenda, podendo contudo o texto ajudar a rapidez dessa leitura gráfica.

As simbologias podem ser herméticas ou abertas, segundo se deseje relacionar com um núcleo, ou com a maioria. Então, para o segundo caso a simbologia deve estar mais próxima da vida do dia a dia, dos acontecimentos sociais, políticos ou religiosos. Desta forma, e quando a censura (política ou eclesiástica) o permitam, também vivência religiosa e bíblica é utilizada como simbologia de comunicação, como é o caso da Semana Santa.

A Semana Santa dá ao caricaturista uma quantidade enorme de simbologias para explorar, tanto no âmbito cenográfico, como de contexto, por :exemplo: o beijo da traição de Judas pode ser lido como a traição dos políticos que atraiçoam o povo eleitor, que lhes viram as costas por um bom posto governativo, por um suborno... (curiosamente nunca se utiliza a simbologia do suicídio de Judas ou seu arrependimento) A flagelação de Cristo, é a f1agelaçao do Zé Povo com os impostos, e cada imposto novo é mais um espinho na sua coroa. O transporte da cruz é o símbolo de que, apesar de flagelado pelos impostos, pela miséria, despido de tudo e quase sem direitos, tem que transportar o País para a frente, mesmo agora que já existem boas camionetas que poderiam levar a, cruz sem esforço. A crucificação do Cristo-Zé é o dia adia, é a vinda do primeiro-ministro à televisão pedir mais sacrifícios porque a crise está a acabar, mas mesmo assim necessita de mais um esforço final, um esforço pelo nacionalismo, pelo futuro, enquanto que o Governo «joga aos dados» a ultima túnica do Zé.

A Ressurreição? Sobre isso não se deve falar, não se deve fazer simbologias revolucionárias, porque é perigoso para o Governo e para a nação, já que a ressurreição do povo, a revolta são um grito das bocas esfomeadas que se devem manter caladas.

Um dos caricaturistas que mais utilizou esta simbologia da Semana Santa foi Raphael Bordallo Pinheiro, que nos deu de diferentes formas o seu testemunho dorido deste Calvário da vida, que se pode resumir nesta simples abordagem do «Calvário do Paiz» - Vendo-se Jesus-Povo crucificado entre os ladrões Ciência e Trabalho, tendo a seus pés chorosa a República e a Liberdade e legenda diz: «Ahi tendes, crucificado entre a Sciencia e o trabalho, o -infeliz martyr Zé Povinho. Aos seus pés chora uma lacrimosa mãe e uma desgraçada amante. Em baixo acham-se suas excelências os centuriões, assistindo à partida de dados em que se joga a camisa da vítima.» (in António Maria de 21/4/1881)

Muitos outros exemplo se poderiam descrever aqui, como a «Procissão dos Passos-Políticos», «Lava-pés Politico», «A Paixão Popular»… todos de Raphael assim como muitos outros de outros artistas que utilizam todos as mesmas simbologias para descrever a mesma revolta o mesmo Calvário.

Por vezes, em, vez da relação Jesus-Zé Povo, opta-se por Jesus-Portugal, esse velhinho de mais de 800 anos, escanzelado, com a camisa aos farrapos sempre a sofrer os maus tratos dos seus governantes e dos aliados dos governantes, que continuadamente flagelam o nosso país com juros, com desconsiderações, com ultimatuns... Difícil cruz esta do Zé e do velho Portugal.


Tuesday, November 24, 2020

Caricaturas Crónicas - «Raphael Bordallo Pinheiro: a ironia na caricatura» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de 9/5/1985)

Raphael Bordallo Pinheiro é sem dúvida um dos mestres da caricatura portuguesa, não só por ter sido a voz mais importante do jornalismo gráfico do séc. XIX, como o mais influente artista da nossa história. O seu estilo criou escola, sob o nome de rafaelismo (ou bordalliano segundo outros historiadores), e ainda hoje subsiste como naturalismo caricatural.

O jornalismo gráfico, ou seja, a ilustração humorística como crítica político-social desenvolveu-se em Portugal com o liberalismo, primeiro sob a fórmula de sátira violenta, depois como crítica «costumbrista».

Quando Raphael nasceu (1846), ainda a sátira violenta (panfletária) dominava, mas já seu pai (o artista realista Manuel Maria Bordallo Pinheiro) com Nogueira da Silva e Manuel Macedo procurava, sob a influência da escola francesa, criar uma nova tendência na sátira portuguesa, instigando o «costumbrismo», dominado pela ironia. As primeiras obras do jovem Raphael pertencem a este movimento realista.

Trabalhando sob a influência de seu pai e de Manuel Macedo, em breve libertar-se-á destas influências, para criar não só um traço independente, como uma nova forma de jornalismo.

A sua estreia como caricaturista deu-se em Fevereiro de 1870 (apesar de no ano anterior já ter publicado um cabeçalho de um jornal), data em que publicou uma litografia comemorativa da primeira representação da comédia «O Dente da Baronesa» de António Augusto Teixeira de Vasconcelos (época em que o teatro ainda era encarada como uma possível carreira). Ainda em 1870 publica os seus primeiros jornais («A Berlinda» e o «Binóculo»), antecedidos pelo álbum «Calcanhar d’Aquiles». Em 1875 lanla «A Lanterna Mágica», onde nascerá a imortal figura do «Zé Povinho».

A vida dos caricaturistas em Portugal, mesmo daqueles que, abdicando da sátira violenta procuravam um caminho pela crónica irónica, era difícil, obrigando-os na maior parte serem proprietários dos jornais onde trabalhavam, como aconteceu co Raphael. Aborrecido com os problemas políticos e financeiros, Raphael aceitará um convite para ir trabalhar para o Brasil, onde permaneceu três anos (mesmo aqui, para melhor complementar a sua renda mensal, associou-se a um compatriota como importador de chouriços portugueses).

Se em Portugal tinha tido problemas políticos, no Brasil esses conflitos provocados pelas caricaturas (principalmente vindas de emigrante) chegaram a extremos que puseram em perigo a segurança, não só do artista como da família. Em 1878 regressa a Portugal.

Apesar de ter tido vários convites para trabalhar noutros países da Europa, Raphael nunca mais quis sair de Portugal, com a excepção de uma estadia na Andaluzia, onde fez a cobertura das lutas «carlistas» para o «Illustrated London News», tornando-se desta forma o primeiro correspondente de guerra português. Apesar dessa recusa, isso não impediu que obras suas fossem publicadas nos mais diversos periódicos da Europa, com: «Illustracion Española y Americana», «El Mundo Cómico», «The Illustrated London News», «L’Univers Illustre»….

De regresso a Portugal, ele nunca mais deixaria de comentar (ou perseguir) a política portuguesa, pois ele «…intenta ser a synthese do bom senso nacional (…) Fará todas as diligências para ter razão, empregando ao mesmo tempo esforços titânicos para, de quando em quando, ter graça».

«/…/ Claro está que (Raphael) António Maria não tem outro remédio, na maioria dos casos, senão ser  oposição declarada e franca aos governos, e oposição aberta e sistemática às “oposições”, o que não o impossibilita de ser amável uns dias por outros, e cheio de cortesia em todos os números». Neste editorial de “António Maria” (12/6/1879), Raphael sintetiza a sua filosofia de cronista político.

Durante trinta anos, ele desenharia vários milhares de páginas, comentando a política e a vida social do país. Dirá mais tarde um crítico, que um dia, quando for feita a história da caricatura em Portugal, em vez de Raphael, encontrar-se-á o Partido Progressista, o Fontes, o Zé Povinho. A forma do comentário de Raphael, como testemunho cheio de vida de uma época, confunde-se com os próprios acontecimentos e individualidades. Raphael foi o ilustrador, o comentador e caracterizador de uma sociedade através da ironia, foi «um jornalista sem reservas de paixões cegas», que nos deixou a história da segunda metade do século XIX enriquecida pelos seus comentários, cheio de graça. Como obra-prima, e companheiro da sua saga crítica, ele criou a síntese do povo português, o homem desconfiado, mas ingénuo, o revoltado mas indiferente, o alegre mas saudoso, o Zé Povinho.

Orientador de um novo estilo de sátira como opinião, foi também o criador de um estilo estético marcante. Partindo de um desenho naturalista, apresenta-nos uma abundância de traço de detalhe exagerado. Evoluindo na simplificação das superfícies envolventes, e síntese do traço, verifica-se uma demarcação de contornos que o mantêm ligado à origem do naturalismo. O «barroco» decorativista do traço é uma constante do seu estilo.

Outro elemento inovador de âmbito gráfico que Raphael trouxe para os jornais, está no tratamento da paginação. Trabalhando a página como um todo, ele dialoga as legendas, as letras com a ilustração, criando-a como uma obra única.

Raphael (que morreu em 1905) foi um novo estilo de humor, um novo estilo de traço, uma personalidade que se impôs, criando por isso uma plêiade de discípulos, que ao imitarem-no, criaram uma escola estilística que se mantém até aos nossos dias, como estilo académico. No fundo, os academismos do nosso século, estão dominados pela família Bordallo Pinheiro.


«A caricatura portuguesa em Museu Suíço - Sammlung Karikaturen & Cartoon Basel » por Osvaldo Macedo de Sousa (in JL – Jornal de Artes e Letras in 5/11/1991)

Para o comum dos mortais, Sammlung Karikaturen & Cartoon Basel não significa nada. Para os especialistas de arte, é o nome de uma das maiores colecções-museu de todo o mundo, no âmbito do século XX caricatural.

O Sammlung Kaarikaturen Cartoons é um marco cultural museológico, não só pelo imenso espólio reunido numa dezena de anos (2.200 originais, de cerca de 600 artistas de 35 países), mas essencialmente pela selecção de nomes representativos de cada um dos países dos cinco continentes,

Entre muitos, destacamos nomes como Addams, Arno, Bateman, All Capp, André François, Gulbransson, Heine, Hoffnung, Levine, Searle, Steadman, Steinberg, Ungerer, Grosz, McCay, Dubout…

A partir de agora, a esses nomes associam-se o António, Bandeira, Carlos «Z», Cid, Mais, Netello, Pedro Palma, Rui, Vasco, Vitor e Zé Manel, numa selecção realizada por uma delegação do museu (com minha orientação), que se deslocou este mês a Portugal.

Desconhecendo totalmente a arte portuguesa, foram alertados para o alto padrão de qualidade estética e humorística dos artistas portugueses pelos catálogos dos cinco Salões Nacionais de Caricatura já realizados, organismo que promove anualmente os artistas nacionais, enviando os catálogos das suas iniciativas aos maiores museus de humor do mundo. Esta visão foi enriquecida, ao visitarem em Janeiro a exposição Encontro Luso-Brasileiro de Humor no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, organizado pelo S.N.C. / Casa do Humor de Lisboa (OMS).

Depois de vários contactos do Museu comigo, concretizou-se agora o encontro físico, do qual resultou a aquisição de meia centena de obras. Ficou apenas uma mágoa, a de ainda não terem conseguido adquirir uma obra do mestre João Abel Manta, sem a qual a representação portuguesa nunca ficará completa. Ficou, porém, ainda a esperança de se conseguir colocar uma obra sua ao lado de Steinberg…

Para melhor conhecimento deste museu, entrevistamos o seu curador, Jürg Spärh.

OMS – Como se iniciou este projecto?

Jürg Spärh – Como um sonho de Dieter Burckhardt, que era um homem de negócios ligado ao campo da química. Quando se reformou, em 1976, começou a colecionar originais de caricatura. Como era apenas um amador, e não um verdadeiro especialista, um dia apresentou-me o seu projecto de colecção aberta ao grande público, convidando-me para conselheiro artístico.

Estávamos em 1978 e já tinha algumas obras, mas a partir de agora íamos fazer aquisições sistemáticas. Naturalmente, começamos pelos suíços. Desde aí, temos percorrido país por país (Portugal é o trigésimo quinto), a escolher trabalhos dos melhores artistas nacionais. Eu servia de conselheiro artístico e ele escolhia. Agora que o sr. Burckhardt faleceu (em Fevereiro último), faço as aquisições sozinho.

OMS – Creio que desde logo impuseram uma série de regras para a selecção das obras.

J.S – Desde logo queríamos trabalhos de profissionais, de nomes significativos da história do século XX de cada país. Outra regra era a opção pelo humor não político, universal e se possível sem palavras.

Ficamos apenas pelo século XX, porque não queríamos ter não originais, o que é difícil de encontrar entre os artistas importantes do século XIX. Não quisemos humor político, porque o homem esquece-se muito rapidamente das figuras, dos personagens, dos acontecimentos e o público futuro, sem longas explicações, deixa de compreender, de se divertir com a obra, perdendo o interesse comunicativo a até estético.

Claro que fazemos excepções com nomes fundamentais, dos quais encontramos apenas originais políticos. O mesmo acontece com a BD, a qual não nos interessa em si, mas sim alguns artistas.

OMS – Como selecciona?

J.S. – Preocupo-me primeiro com a qualidade gráfico-estética, depois com o humor e em terceiro com a universalidade da ideia. Por exemplo, se a qualidade for excepcional, e o tema muito nacional, porque não adquiri-lo? Mas, o charme da nossa colecção é o de o público de qualquer país compreender um desenho japonês, português, americano ou russo.

OMS – O público tem noção da excelência dos nomes?

J.S. – Claro que a nós interessam-nos os grandes nomes, e pela mesma razão outrasinstituições mundiais pedem-nos que façamos mostras com o nosso espólio, como já aconteceu em Nova Iorque e vai acontecer em Salzburgo e Hanôver… Porém, creio que a maior parte do público prefere a qualidade humorística, sem se aperceber por vezes das assinaturas. Outros, procuram a colecçãopara observar os mestres, a qualidade estética.

OMS – Todas as obras estão expostas?

J.S. – Não, porque temos um espaço pequeno, uma casa do séc. XVI, no centro histórico de Basileia. Fazemos exposições temáticas de oito em oito meses (já que o público, em média, não vai mais do que uma vez por ano ao museu), rodando as obras, e apresentando-as nas suas diferentes leituras: nacional, temática, estilos… Por exemplo, a 16 de Maio de 1992 inaugurará a exposição temática «Portugal, Brasil?, o que será uma revelação para muita gente, como já foi para nós.


Monday, November 23, 2020

Caricaturas Crónicas - «Stuart: um artista popular» por Osvaldo Macedo de Sousa (in Diário de Notícias de21/4/1985

     Um artista pode ser popular em vida, sê-lo após a morte ou sê-lo em ambos os casos. Um artista poder ser reconhecido por uma elite e ser «consagrado», ou ser simplesmente admirado e amado pelas massas. Este ultimo, é o caso de Stuart Carvalhais, um artista (quase) ausente dos museus portugueses, mas presente em várias manifestações que o recordam como um artista do povo. A última homenagem é a re-inauguração de um café-concerto, onde vai funcionar, a partir de agora, uma galeria de arte (da qual fui o seu director) com o seu nome (Bar Stuart – Hotel Impala propriedade do cineasta Paulo Rocha), um espaço vocacionado para a caricatura e ilustração.

                Stuart Carvalhais (Vila Real 1887 – Lisboa 1961) é um vila-realense que viveu Lisboa através da sua arte e da sua vida. Artista boémio, a sua arte será o espelho da sua vida, da sua vivência com o mundo, seja ironizando-o, criticando-o ou ilustrando-o com amor.

                Tendo começado a sua actividade como aprendiz, no estúdio de azulejaria de Jorge Colaço, em breve se dedicou à caricatura e humorismo gráfico, manifestando de imediato uma independência e originalidade de traço, que ao ser envolvido pelo movimento modernista, o catapultou para os principais periódicos, como um dos artistas da «nova vaga».

                Este espírito «vanguardista» que se respirava entre uma certa juventude, levou-o a Paris, a cidade das artes, das novas experiências estéticas, e aí triunfou como caricaturista. Num ano, impôs-se nos principais jornais. Um ano que o marcaria para toda a vida.

Por razões pouco claras, em 1914 teve de regressar para este país onde reina a mediocridade, trazendo consigo a saudade, a frustração da oportunidade perdida em vir a ser «alguém».

                Em Portugal, o artista-boémio retomará o seu trabalho, dispersando-se seja pelos jornais políticos (republicanos, antirrepublicanos, monárquicos, sidonistas…), jornais infantis, de arte e decoração, ilustração, de caricaturas….

                Assim como é difícil definir as suas tendências polícias, também o é no campo estético. Stuart tanto foi um tradicionalista da escola rafaelista, como um modernista, um vanguardista… variando o seu traço consoante o gosto, ou simpatia, do destinatário da obra. Caricaturista, humorista, banda-desenhista, ilustrador de livros, de capas de música, cenógrafo, pintor… ele soube dar ao público o que este, em cada momento, desejava (talvez esta uma das razões para não ser um «consagrado»). Não se pode dizer que se vendia ou que se comercializava, num intuito fácil, simplesmente agradava, para poder sobreviver, para ter dinheiro para uma «bucha» e um «copo de três».

                «Ser artista é ter talento, possuir garra, ser condecorado /…/. Eu não, nunca pintei nada /…/, faço bonecos para distrair a fome. /…/ Artista são os outros». (do «República» de 13/12/1940).

                Ele nunca compreendeu o seu próprio valor (salvo quando esteve em Paris), por isso, sempre trabalhou como um simples operário da imprensa, para ganhar o dia-a-dia e, gastando-o no prazer do dia-a-dia. Ele era um simples, tal como o eram os modelos que ele mais gostava de retratar – os vagabundos, os bêbados (em que ele se refletia), os ardinas, os putos, as prostitutas e seus «cães vadios», as costureirinhas, as varinas, os gatos…. Pintados a óleo, aguarela ou a crayon. Ele transmitia carinho, amor por essa gente que vivia com ele a mesma cidade. Mesmo quando o humor e a sátira estão presentes, nunca é de forma a ofender o povo. Por isso, não só o seu traço era célebre entre os leitores de jornais, assim como a sua personagem o era entre o povo «castiço», ou entre as gentes da noite.

                Se o seu espírito brejeiro tornou célebre as pernas das varinas, a sensualidade do andar das costureirinhas, a cumplicidade das prostitutas, a irmandade dos pequenos ardinas, não menos célebres foram os seus personagens – Quim e Manecas, Zé Manel, Cocó, Reineta e Facada…. entre a camada mais jovem.

                As suas bandas desenhadas foram, não só, das mais interessantes realizadas entre nós na sua época, como pioneiras na utilização de módulos que já caracterizavam os comic americanos e que depois se universalizaria.

                Falava eu há pouco do óleo, aguarela, crayon? Termos «finos», para falar dos materiais que utilizava. É verdade que os encontramos em obras suas mas, na maioria das vezes, ou não havia dinheiro para os comprar, ou não os tinha presentes no momento de inspiração. Então, nesses casos tanto servia qualquer tinta, como borras de café, graxa, fósforo queimado, remédios… , se apesar da diversidade estilística, existe uma constante stuartiana, o efeito «pau de fósforo» é a assinatura mais marcante de Stuart. Com um canivete (ou com os dentes), Stuart fazia de um pau de fosforo um pequeno pincel e, como ele, traçava obras inconfundíveis da sua arte e mestria. Meia dúzia de traços mal definidos, eram o suficiente para retratar a dor, o amor, a miséria, a alegria, a vida de um povo conhecido como lisboeta.

                Stuart poderia ter sido um caricaturista internacional, poderia ter sido um mestre do modernismo português, poderia ter sido…. Mas foi simplesmente um artista boémio, talvez o último da velha guarda, que retratou a velha Lisboa, não a dos prédios novos, mas a do que restava do velho casticismo, da que restava do orgulho de ser «alfacinha». Stuart foi simplesmente, um artista popular.


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